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Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - PADCT
_____________________________________________________________________________________________
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE
DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
RELATÓRIO FINAL
O conteúdo deste documento é de exclusiva
responsabilidade da coordenação técnica.
Não representa a opinião do Governo
Federal.
Dezembro de 1993
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
CONSÓRCIO
Instituições Consorciadas
INSTITUTO DE ECONOMIA/UNICAMP
INSTITUTO DE ECONOMIA INDUSTRIAL/UFRJ
FUNDAÇÃO DOM CABRAL
FUNDAÇÃO CENTRO DE ESTUDOS DO COMÉRCIO EXTERIOR
Instituições Associadas
SCIENCE POLICY RESEARCH UNIT - SPRU/SUSSEX UNIVERSITY
INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL - IEDI
NÚCLEO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA - NACIT/UFBA
DEPARTAMENTO DE POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - IG/UNICAMP
INSTITUTO EQUATORIAL DE CULTURA CONTEMPORÂNEA
Instituição Colaboradora
COMISSÃO ECONÔMICA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE - CEPAL
Instituições Subcontratadas
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA - IBOPE
ERNST & YOUNG, SOTEC
COOPERS & LYBRAND BIEDERMANN, BORDASCH
Instituição Gestora
FUNDAÇÃO ECONOMIA DE CAMPINAS - FECAMP
Contratado por:
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
EQUIPE DE COORDENAÇÃO TÉCNICA
Coordenação Geral: Luciano G. Coutinho (UNICAMP-IE)
João Carlos Ferraz (UFRJ-IEI)
Coordenação Internacional: José Eduardo Cassiolato (SPRU)
Coordenação Executiva: Ana Lucia Gonçalves da Silva (UNICAMP-IE)
Maria Carolina Capistrano (UFRJ-IEI)
Coord. Análise dos Fatores Sistêmicos: Mario Luiz Possas (UNICAMP-IE)
Apoio Coord. Anál. Fatores Sistêmicos: Mariano F. Laplane (UNICAMP-IE)
João E. M. P. Furtado (UNESP; UNICAMP-IE)
Coordenação Análise da Indústria: Lia Haguenauer (UFRJ-IEI)
David Kupfer (UFRJ-IEI)
Apoio Coord. Análise da Indústria: Anibal Wanderley (UFRJ-IEI)
Coordenação de Eventos: Gianna Sagázio (FDC)
COMISSÃO DE COORDENAÇÃO
Luciano G. Coutinho (UNICAMP-IE) Abílio dos Santos (FDC)
João Carlos Ferraz (UFRJ-IEI) Pedro da Motta Veiga (FUNCEX)
COMISSÃO DE SUPERVISÃO
O Estudo foi supervisionado por uma Comissão formada por:
João Camilo Penna - Presidente Júlio Fusaro Mourão (BNDES)
Lourival Carmo Mônaco (FINEP) - Vice-Presidente Lauro Fiúza Júnior (CIC)
Afonso Carlos Corrêa Fleury (USP) Mauro Marcondes Rodrigues (BNDES)
Aílton Barcelos Fernandes (MICT) Nelson Back (UFSC)
Aldo Sani (RIOCELL) Oskar Klingl (MCT)
Antonio dos Santos Maciel Neto (MICT) Paulo Bastos Tigre (UFRJ)
Eduardo Gondim de Vasconcellos (USP) Paulo Diedrichsen Villares (VILLARES)
Frederico Reis de Araújo (MCT) Paulo de Tarso Paixão (DIEESE)
Guilherme Emrich (BIOBRÁS) Renato Kasinsky (COFAP)
José Paulo Silveira (MCT) Wilson Suzigan (UNICAMP)
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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CONSULTORES
Achyles Barcelos da Costa José Rubens Dória Porto
Alessandra Genu Dutra Amaral Josef Barat
Ana Célia Castro Leda Gitahy
André Furtado Lucia Helena Salgado
Anne Posthuma Márcia Leite
Armênio de Souza Rangel Márcio Wohlers de Almeida
Azuete Fogaça Margarida Baptista
Carlos Eduardo Carvalho Maria Angélica Covelo Silva
Carlos Kawall Leal Ferreira Maria Lucia Werneck
Carlos Medeiros Maria Tereza Leopardi Mello
Carlos P. Monteiro Bastos Mario Ferreira Presser
Celso Luis Rodrigues Vegro Martin Bell
Claudio Schuller Maciel Maurício Mendonça Jorge
Claudio Salm Mike Hobday
Clélio Campolina Diniz Newton Muller
Denis Barbosa Nilton A. Naretto
Edson Peterli Guimarães Octávio de Barros
Eduardo Rappel Odair Lopes Garcia
Eduardo Strachman Oswaldo Ferreira Guerra
Eli Roque Diniz Pablo Fajnzylber
Elizabeth Loiola Pedro da Motta Veiga
Fernando Sarti Peter Rohl
Flavio Rabelo Reinaldo Gonçalves
Francisco Teixeira Renato Baumann
Germano Mendes de Paula Renato Dagnino
Helena Lastres Ricardo Bielschowsky
Hélio Nogueira da Cruz Roberto de Souza
Jacob Frenkel Roberto Vermulm
Javier Alejandro Lifchtz Ronaldo Seroa da Motta
João Bosco M. Machado Ruy de Quadros Carvalho
João Luiz Pondé Sebastião José Martins Soares
João Paulo Garcia Leal Sergio Francisco Alves
John Wilkinson Sergio Luiz M. Salles Filho
Jorge Nogueira de Paiva Britto Sergio Robles Reis de Queiroz
José Carlos Miranda Simão Copeliovitch
José Eduardo Pessini Sonia Dahab
José Maria F. J. da Silveira Sulamis Dain
José Roberto Ferro Vahan Agopyan
José Roberto Rodrigues Afonso Vicente Bastos
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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CONSULTORES AD HOC
Álvaro de Lima Veiga José A. Ortega
Alvaro Manoel José Carlos de Souza Braga
Andrea Calabi Joseph Ramos
Arturo Huerta Gonzalez Luis O. Façanha
Christopher Freeman Luiz Afonso Simões
Eduardo Pereira Nunes Maria da Conceição Tavares
Eros R. Grau Mauro Arruda
François Chesnais Michael Mortimore
Howard Rush Nelida Jessen
Hyman Minsky Paulo Eduardo Velho
Ian Miles Raul Green
Jacques Mazier Ricardo Ffrench-Davis
Jorge Katz Wilson Peres
COORDENAÇÃO DOS SERVIÇOS DE APOIO
Rosângela de Oliveira Araújo Marcia Rodrigues Barbosa
Susete Regina Cação Ribeiro Luiz Antonio M.B. Galvão
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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SUMÁRIO
PREFÁCIO ............................................. i
APRESENTAÇÃO ......................................... 1
- Os Objetivos e o Processo de Elaboração do Estudo
da Competitividade da Indústria Brasileira ........ 2
- Competitividade Sistêmica e Empresarial ............ 3
- Fatores Determinantes da Competitividade ........... 5
- Análise da Indústria e Análise dos Fatores Sistêmi-
cos ................................................ 7
- Desenvolvimento dos Trabalhos ...................... 9
- Apresentação dos Capítulos ......................... 10
INTRODUÇÃO: POR QUE POLÍTICA DE COMPETITIVIDADE HOJE? 13
- A Indústria Brasileira no Início dos Anos 90 ....... 14
- Políticas de Competitividade nos Países da OECD .... 21
- Políticas de Competitividade nos Países em Desenvol-
vimento ............................................ 27
- A Construção Deliberada da Competitividade como
Objeto de Políticas Públicas ....................... 29
- O Desafio do Aprendizado Competitivo no Contexto de
Acelerada Mudança Tecnológica ...................... 31
- Estabilização Macroeconômica e o Desafio do Desen-
volvimento Competitivo ............................. 33
- Estilo e Requisitos da Política de Desenvolvimento
Competitivo ........................................ 35
- Novos Temas e Desafios ............................. 38
- A Contribuição do ECIB para uma Política de Competi-
tividade ........................................... 40
PARTE I: DIMENSÃO SISTÊMICA DA COMPETITIVIDADE ....... 44
1. CAPACITAR-SE PARA ENFRENTAR UM CENÁRIO GLOBAL COM-
PETITIVO .......................................... 45
- A Integração da Economia Mundial: Obstáculos e
Oportunidades para o Brasil ..................... 45
- O Mercado Financeiro Global e os Países em Desen-
volvimento: Os Riscos de Sobrevalorização Cambial 47
- O Novo Perfil e os Novos Determinantes dos Inves-
timentos Diretos ................................ 49
- O Jogo Complexo e Difícil das Negociações Glo-
bais ............................................ 50
- O Brasil em Face da Globalização Financeira ..... 52
- O Brasil em Face das Novas Formas de Investimento
Direto .......................................... 54
- O Impacto dos Processos de Regionalização sobre
as Exportações Brasileiras ...................... 55
- Mercosul ........................................ 57
- Abertura Comercial, Papel das Importações e seu
Monitoramento sob uma Política Comercial Equili-
brada ........................................... 58
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- Os Desafios da Diplomacia Econômica e o Papel do
Setor Privado ................................... 61
- Recomendações de Política ....................... 62
2. OS FUNDAMENTOS SOCIAIS DA COMPETITIVIDADE ......... 67
- Introdução ...................................... 67
- Competitividade e Qualidade dos Mercados Internos
nos Países Desenvolvidos ........................ 69
- Crise e Degradação da Base do Mercado Brasileiro 71
- A Coesão Social como Fundamento da Competitivi-
dade ............................................ 74
- Educação ........................................ 77
- As Relações de Trabalho ......................... 85
- O Papel dos Consumidores e da Qualidade do Mercado 88
- Os Novos Desafios ............................... 89
3. SUPERAR A FRAGILIDADE TECNOLÓGICA E A AUSÊNCIA DE
COOPERAÇÃO ........................................ 91
- Estágios de Industrialização Brasileira e Capaci-
tação Tecnológica ............................... 91
- Contraste com os Requisitos de Capacitação Tecno-
lógica Decorrentes das Transformações em Curso
nos Países Desenvolvidos ........................ 98
- Superação da Fragilidade Tecnológica e da Ausên-
cia de Cooperação ............................... 102
4. INFRA-ESTRUTURAS E COMPETITIVIDADE ................ 108
- Papel das Infra-Estruturas na Promoção das Condi-
ções Sistêmicas de Competitividade .............. 108
- Fatores de Estrangulamento ...................... 110
- Superação dos Principais Obstáculos à Competiti-
vidade nas Infra-Estruturas ..................... 114
5. A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PADRÃO DE FINANCIAMENTO:
REFORMA TRIBUTÁRIA E FINANÇAS INDUSTRIALIZANTES ... 119
- Reorganização do Financiamento para Sustentar a
Retomada do Investimento Público e Privado ...... 119
- Recuperação das Finanças do Estado .............. 120
- A Articulação de um Novo Padrão de Financiamento 125
PARTE II: DIMENSÃO EMPRESARIAL DA COMPETITIVIDADE .... 136
1. INTRODUÇÃO ........................................ 137
2. O NOVO MODELO DE EMPRESA .......................... 138
3. ESTRUTURAS VITORIOSAS E AS DEFICIÊNCIAS BRASILEIRAS 140
4. O SENTIDO DEFENSIVO DAS ESTRATÉGIAS ............... 144
5. RECOMENDAÇÕES ÀS EMPRESAS E PROPOSTAS DE POLÍTICA:
AVANÇAR EM DIREÇÃO À GESTÃO COMPETITIVA ........... 148
- Organização e Gestão ............................ 148
- Capacitação para Inovação ....................... 149
- Capacitação e Desempenho Produtivo .............. 156
- Recursos Humanos ................................ 166
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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PARTE III: DIMENSÃO ESTRUTURAL DA COMPETITIVIDADE .... 173
1. FUNDAMENTOS ESTRUTURAIS DA COMPETITIVIDADE ........ 174
- O Estímulo de Mercados Dinâmicos e Exigentes .... 174
- A Necessidade de Configurações Industriais Compe-
titivas ......................................... 177
- A Importância da Promoção da Concorrência ....... 184
2. COMPETITIVIDADE ESTRUTURAL DA INDÚSTRIA BRASILEI-
RA ................................................ 187
- Panorama Geral .................................. 187
- Classificação dos Setores Analisados ............ 192
3. SETORES COM CAPACIDADE COMPETITIVA ................ 196
- Diagnóstico ..................................... 196
- Proposições - Dinamização das Fontes de Competi-
tividade ........................................ 221
4. SETORES COM DEFICIÊNCIAS COMPETITIVAS ............. 236
- Diagnóstico ..................................... 236
- Proposições - Elevação Contínua e Generalizada
da Competitividade .............................. 261
5. SETORES DIFUSORES DE PROGRESSO TÉCNICO ........... 272
- Diagnóstico ..................................... 272
- Proposições - Especialização Competitiva ........ 291
PARTE IV: DIRETRIZES PARA O DESENVOLVIMENTO COMPETI-
TIVO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA .. ............. 305
1. INTRODUÇÃO ........................................ 306
2. SÍNTESE DAS PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES PARA A COMPE-
TITIVIDADE SISTÊMICA .............................. 308
- Estabilização: O Primeiro Passo em Direção a uma
Trajetória de Desenvolvimento Competitivo ....... 308
- Reformas e Recuperação da Capacidade de Orde-
nação ........................................... 309
- A Recuperação dos Investimentos Infra-Estruturais
e a Construção da Confiança ..................... 310
- Finanças Industrializantes para Reduzir os Custos
de Capital ...................................... 310
- Zelar pela Convergência entre Eqüidade e Competi-
tividade ........................................ 311
3. O NOVO PAPEL DO ESTADO ............................ 312
- O Estado Promotor da Competitividade ............ 312
- O Novo Estilo: Parceria, Participação e Transfe-
rência .......................................... 313
- O Desenvolvimento de Agências e Quadros Técnicos
Capacitados ..................................... 314
- Restauração da Capacidade de Planejamento ....... 315
- Desenvolvimento da Capacidade de Regulação ...... 315
- Reorientação dos Instrumentos de Fomento ........ 318
- Aperfeiçoamento do Programa de Privatização ..... 320
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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4. A REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA EMPRESARIAL ........... 323
- Um Balanço dos Ajustes Efetuados ................ 323
- Avançar em Direção à Gestão Competitiva ......... 324
- Um Caminho Realista de Transformação ............ 326
5. ESTRATÉGIAS DE COMPETITIVIDADE PARA OS SETORES DA
INDÚSTRIA ......................................... 331
- Reativação do Mercado Interno: Alavanca para a
Competitividade .................................. 331
- O Escopo do ECIB e a Natureza das Estratégias Se-
toriais ......................................... 332
- Os Setores com Capacidade Competitiva ........... 333
- Os Setores com Deficiências Competitivas ........ 335
- Os Setores Difusores de Progresso Técnico ....... 336
- Estratégias Competitivas e Intensidade das Polí-
ticas Públicas .................................. 339
6. EPÍLOGO ........................................... 341
ANEXO I - SÍNTESE DA PROPOSTA DO SISTEMA DE INDICADO-
RES DA COMPETITIVIDADE .................... 342
ANEXO II - RELAÇÃO DAS NOTAS TÉCNICAS DO ESTUDO DA
COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA .. 380
ANEXO III - QUADROS-RESUMO DE RECOMENDAÇÕES DIRIGIDAS
AOS ATORES SOCIAIS ...................... 385
BIBLIOGRAFIA ......................................... 496
i
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
PREFÁCIO
A cultura empresarial fruto do desenvolvimento industrial
orientado para a substituição de importações vem sofrendo
profunda adaptação para fazer face às mudanças introduzidas pela
política de inserção competitiva. O processo de abertura,
resposta à necessidade da globalização em competitividade,
revelou disfunções oriundas da forte intervenção governamental no
sentido de promover a industrialização do país. Muitas das
conseqüências eram antecipadas, pois crescemos sim, mas em falta
de visão estratégica e integrada dos complexos componentes
responsáveis pelas vantagens competitivas da indústria.
A capacidade competitiva se estabelece no contexto de um
ambiente competidor e próximo às regras do livre mercado. A
compreensão desse fenômeno e suas interações é fundamental para
orientar as empresas ameaçadas de perderem a capacidade de
sobrevivência em virtude da queda dos mecanismos protetores.
As alterações nos mecanismos e instrumentos de política
industrial, a partir de 1990, criariam ambiente, estranho à
maioria das empresas, no qual as forças da competitividade se
manifestaram de foram intensa. O Programa Brasileiro de Qualidade
e Produtividade - PBQP e o da Capacitação Tecnológica, que
refletem anos de experiências, introduziram novas conceituações
no uso da tecnologia de processo, produtos e serviços. Apesar da
efetividade das ações, era necessário avaliar as fraquezas do
sistema e tirar vantagens dos fatores e culturas existentes no
ambiente industrial.
O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira foi
viabilizado pelo Governo, no âmbito do Ministério da Ciência e
Tecnologia através do PADCT da Secretaria de Tecnologia
Industrial, com objetivo de identificar a participação das
condicionantes da competitividade dentro de um horizonte do
princípio do século 21. Embora guarde semelhança com estudos como
Made in USA e Made in France, sua engenharia foi moldada na
experiência brasileira através de discussão aberta dos temas, e
mecanismos especiais de disseminação dos resultados e das
sugestões geradas ao longo de mais de 2 anos de trabalho. O
Consórcio autor dos estudos, selecionado por licitação entre
outros candidatos competentes, foi acompanhado, durante os
trabalhos, pela Comissão de Supervisão, de amplo espectro de
experiência, que emitiu diretrizes, debateu e avaliou todos os
trabalhos. O Estudo foi contratado pela FINEP com recursos da
parcela nacional do PADCT.
Os resultados, já debatidos em seminários, são agora,
consolidados, trazidos a público. Espera-se que sejam analisados
e utilizados pelo Governo, empresas, sindicatos, associações de
classe, educadores, imprensa, academia, etc. O tema, é evidente,
não se esgota. O Estudo não pretende ser completo nem final.
Continuados estudos e debates, inclusive sobre setores a montante
e a jusante, movimentarão novos fachos de luz iluminando os
cenários.
ii
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A introdução descreve a metodologia e aponta a estatística
dos trabalhos, trazendo o que acreditamos dará a confiança que se
buscou no Estudo.
São tantos os temas envolvidos que não se tentou
hierarquizá-los e queremos aqui destacar alguns deles.
A competitividade pode ser vista como a produtividade das
empresas ligada à capacidade dos governos, ao comportamento da
sociedade e aos recursos naturais e construídos, e aferida por
indicadores nacionais e internacionais, permitindo conquistar e
assegurar fatias do mercado.
O Estudo analisa os fatores formadores da competitividade e
apresenta propostas para ações de governo, das empresas, dos
trabalhadores e da sociedade. A abertura comercial e o fim do
controle de preços criaram uma política de competição. Mas, como
verifica-se nos países da OECD e nos "Tigres Asiáticos", medidas
de governo suplementaram as forças de mercado, e impõe-se no
Brasil tornar a política de competição em política de
competitividade.
O Estado Brasileiro está doente e urge a sua reestruturação
para termos uma Nação que abrigue empresas competitivas. A
Constituição de 1988, a ser revista em 1994, enfraqueceu a União,
particularmente pelo enfraquecimento do Poder Central versus
Estados e Municípios e pelo enfraquecimento do Executivo versus o
Legislativo e o Judiciário. Esta é importante causa da atual
instabilidade. A reconstrução política-fiscal-administrativa-
ética da União é fundamental, para que haja um Governo Central
capaz de criar um ambiente estrutural, legal e conceitual,
favorável à economia com eqüidade e capaz de gerir, com
burocracia equipada e competente, o processo de abertura. Sem
moeda estável e sem voz ativa nas mesas internacionais, corremos
o risco, em vez de avançarmos, de percorrermos o caminho de
volta.
A Constituição de 1988 traz na Ordem Econômica problemas
onerosos à competitividade. Assim, a diferenciação do trato do
capital nacional e estrangeiro, a configuração dos monopólios de
empresas estatais, as dificuldades da previdência, o sistema
tributário oneroso e desequilibrado, são temas a serem revistos
para que a Constituição, além de cidadã, seja competitiva.
O Estudo analisa ainda a necessidade de maior privatização
de funções produtivas e de serviços públicos conjugada com
aperfeiçoamento das funções reguladoras do Estado, para tratar
dos interesses públicos versus os oligopólios.
A carência de dados estatísticos e de indicadores de
desempenho confiáveis limita o acompanhamento da evolução
industrial, da distribuição social dos benefícios e do estado da
arte da tecnologia. Os dados disponíveis no geral estão
defasados, refletindo um período ultrapassado. Não dispomos de
matriz - "insumo-produto" - atualizada.
iii
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Muitos dos dados foram coletados na década de 70 ou no
início de 80, quando o tecido industrial era distinto do atual. O
País necessita, urgentemente, ter um sistema atualizado de
informações que instiguem indagações e inovações, embasem estudos
e possibilitem comparações dos nossos resultados com os dos
nossos competidores. A visão prospectiva é essencial para criar e
preservar vantagens competitivas de nossas empresas,
particularmente do ponto de vista tecnológico.
A inovação é motor do desenvolvimento. É o fator de grande
peso na sobrevivência das empresas em um ambiente competitivo. A
inovação agregada a processos, produtos e serviços só trará
resultados favoráveis se acompanhada da tecnologia de gestão.
Essa tecnologia "soft" permitirá maximizar seu potencial e
conseqüentemente redução de custos. O PBQP tem oferecido
resultados positivos às vezes surpreendentes. Entretanto, seus
ganhos são limitados na origem. Neste estágio precisamos estar
preparados para a reestruturação do processo.
A reestruturação produtiva depende fortemente da
incorporação contínua dos conhecimentos em produtos e processo.
Rompe a barreira da estagnação. É impensável a modernização da
indústria se não forem ampliadas as bases geradoras do
conhecimento. Investimentos em ciência e tecnologia são caminhos
seguros para a capacidade de reestruturação. O Brasil necessita
recompor seus investimentos em C&T de modo a alcançar níveis
compatíveis com aqueles feitos pelos países desenvolvidos e os
"tigres asiáticos". Os conhecimentos e a tecnologia se tornam
cada vez mais restritos e de difícil acesso. As empresas devem
aumentar sua presença como geradoras de conhecimentos e sua
aplicação. É necessário ultrapassar a barreira de 1% do PIB em
investimentos em C&T e estabelecer a meta de 2% na virada do
século. Novos instrumentos precisam ser agregados aos incentivos
fiscais para promover maior participação das empresas.
A reestruturação industrial levará à inserção das empresas
no mercado competitivo aproveitando nichos para os quais
apresentam vantagens competitivas. Essa reestruturação precisa
ser considerada com a visão abrangente e holística da
modernização, tecnologia e emprego. Nesse aspecto, o Brasil agora
é privilegiado pois encontra-se em transição entre a otimização
produtiva pela gestão da qualidade total e a reestruturação. O
nível de desemprego causado pela modernização é baixo se
comparado com aquele observado em países desenvolvidos. A
automação rígida não foi ainda incorporada ao processo de
produção, sendo tempo para a adoção da automação preservando
postos de trabalho. O maior ou menor impacto ficará na
dependência da formação do trabalhador qualificado e polivante.
Neste campo de idéias, o Estudo analisa a baixa formação de
capital fixo no Brasil, necessário à criação de empregos, e
propõe medidas indutoras para voltar este nível a 25% do PIB.
Observa-se que o aumento da produtividade, baixando custos,
aumentará as vendas, e os novos lucros, reinvestidos,
possibilitarão novos empregos, aliviando a tensão "produtividade-
desemprego".
iv
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A política industrial executada ao longo dos anos
desconheceu o papel relevante das micros, pequenas e médias
empresas na inovação tecnológica e como geradora de empregos. A
massificação do atendimento às MPME permitirá a criação de novos
empregos, aproveitamento da mão-de-obra excedente fruto da
modernização, maior flexibilidade produtiva e viabilização da
cadeia de fornecedores qualificados. O enfoque do MPME exigirá
nova postura e instrumentos adequados para aumentar esse
importante requerente na área produtiva e de serviço. O SEBRAE,
após a reformulação, deverá desempenhar relevante papel nessa
tarefa.
A educação é o foco de nova política orientada para a
competitividade, com ação voltada para a qualidade de vida do
trabalhador e melhor distribuição de renda. Desnecessário seria
ressaltar que a capacitação tecnológica existe nas pessoas e não
só nos equipamentos. Essa compreensão deveria ser o "leitmotif"
de um país que busque um desenvolvimento equilibrado e
socialmente justo. A valorização dos recursos humanos, através da
educação básica, técnica e continuada dos trabalhadores, é o
elemento central da mobilização para a competitividade. Todos os
países que romperam a barreira do desenvolvimento atribuíram
especial atenção à educação. Precisamos reconhecer a nossa falha.
Temos mais de 20 milhões de analfabetos ou com deficiência
educacional na população trabalhadora.
Estes baixos níveis educacionais exigem, de imediato, ação
corretiva para manter a capacidade de enfrentar os novos tempos
no ambiente competitivo. Convém recordar que a mão-de-obra
necessária na primeira década do século 21 já está no mercado. A
sociedade como um todo, não só o Governo, deverá ser mobilizada
para garantir o acesso à educação básica a todos os brasileiros,
ao mesmo tempo em que colabora com o aprimoramento da qualidade
do ensino. Sem mudança não haverá justiça social e o preço a ser
pago poderá ser elevado.
Caberá à Gestão Empresarial - responsável em última análise
pela produtividade e competitividade -, atualizando-se com as
modernas técnicas de administração, assumir junto ao seu grupo
interno, junto ao Governo e junto à sociedade a condução do
processo competitivo. Líderes poderão empolgar-se com a causa e
gentes poderão entusiasmar-se com ela. Pois não há outra opção
para aumentar a "renda per-capita", que é quase sinônimo de
"produtividade".
A Comissão de Supervisão do Estudo da Competitividade da
Indústria Brasileira, na impossibilidade de nominar todos aqueles
que contribuíram para o sucesso deste trabalho, agradece aos
empresários, trabalhadores, cientistas e representantes do
Governo pela dedicação nos vários eventos realizados.
Em particular manifesta seu pleito de reconhecimento pelo
apoio dado pelos ex-Secretários de Ciência e Tecnologia, Drs.
JOSÉ GOLDEMBERG, EDSON MACHADO e HÉLIO JAGUARIBE, ao Ministro da
Ciência e Tecnologia, Dr. JOSÉ ISRAEL VARGAS e ao Secretário de
Tecnologia do MCT, Dr. JOSÉ PAULO SILVEIRA.
v
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Agradece do mesmo modo ao Consórcio autor dos estudos e aos
consultores que deram a sua valiosa colaboração. Deixa a certeza
de que este Estudo é um importante estágio no processo da
reestruturação competitiva de nossa indústria. Todo um trabalho
de fôlego, indicando soluções e propondo ações está à disposição
para que possa ser utilizado pelos diferentes setores. O
acompanhamento da política através dos indicadores oferecerá
oportunidades para contínuo aproveitamento.
O povo brasileiro, com vitalidade, peleja, avança, constrói,
ama a sua família e a sua Nação. Quer e pode continuar em sua
história de progresso e paz. É o que concluímos deste trabalho.
Lourival Carmo Mônaco João Camilo Penna
Comissão de Supervisão
1
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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APRESENTAÇÃO
2
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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APRESENTAÇÃO
OS OBJETIVOS E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ESTUDO DA
COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB)
realizou uma ampla pesquisa dos determinantes e das condições
competitivas atuais e esperadas na indústria brasileira. Seu
objetivo é subsidiar a formulação de estratégias de
desenvolvimento competitivo e propor instrumentos e linhas de
ação necessárias à sua implementação, bem como induzir o debate e
aumentar o grau de conscientização da sociedade brasileira,
visando introjetar no funcionamento da economia a busca
permanente da competitividade.
Para isto, foi necessário:
- Diagnosticar a competitividade da indústria nacional
através da análise de seus fatores determinantes e da dinâmica
tecnológica e de mercado;
- Identificar limitações e potencialidades de incorporação
pela empresa brasileira de práticas competitivas contemporâneas;
- Delinear estratégias e sugerir linhas de ação e
instrumentos para o enfrentamento dos desafios competitivos.
Mas, muito além dos trabalhos de pesquisa e consultoria, o
ECIB tomou a forma de um processo direto de discussão com os
atores sociais relevantes para a competitividade: empresários,
trabalhadores, autoridades governamentais, servidores públicos,
acadêmicos. Sob a orientação da Comissão de Supervisão, que
acompanhou todos os passos do Estudo, esse processo de discussão
ganhou ênfase e densidade. Todas as Notas Técnicas, com seus
resultados e proposições, passaram pelo crivo de intensas
discussões com os próprios atores sociais, através de suas
lideranças mais representativas. Por conseguinte, as Notas
Técnicas na sua versão final incorporaram os aperfeiçoamentos e
as críticas pertinentes, ensejadas pelo rico processo de
discussão efetuado
1
.
Assim, o ECIB não é apenas resultado de um estudo técnico,
mas - à imagem e semelhança do que deve ser o processo
competitivo - constituiu-se num fórum aberto e pluralista de
debate e de criação coletiva. Por isso, espera-se que as suas
propostas e recomendações continuem sendo objeto de avaliação
social para que venham, efetivamente, subsidiar a formulação e
execução de uma sólida política de desenvolvimento competitivo
para o Brasil.
1
Estes documentos foram discutidos em 33 seminários (organizados por complexos
industriais e blocos temáticos), ao longo de todo o período de execução do projeto.
Foram distribuídos 4.500 Resumos Executivos para convidados. Estes seminários
significaram 274 horas de discussão dos resultados e recomendações com 1.862
convidados (empresários, técnicos de governo, trabalhadores e cientistas).
3
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A seguir, serão detalhados os conceitos, o quadro analítico,
o escopo do projeto e os esforços realizados para a sua
consecução. Ao final, serão apresentadas as partes e os capítulos
que compõem este relatório.
COMPETITIVIDADE SISTÊMICA E EMPRESARIAL
Estão superadas as visões econômicas tradicionais que
definiam a competitividade como uma questão de preços, custos
(especialmente salários) e taxas de câmbio. Esta concepção levou,
no passado, a políticas centradas na desvalorização cambial, no
controle dos custos unitários de mão-de-obra e na produtividade
do trabalho, com o objetivo de melhorar a competitividade das
empresas em cada país. Nas duas últimas décadas, os países que se
mostraram competitivamente vitoriosos (Alemanha e Japão)
afirmaram-se no mercado internacional, apesar de terem
experimentado fortes incrementos nos seus custos salariais e de
terem enfrentado longos períodos de relativa sobrevalorização
cambial.
As transformações econômicas dos anos 80 e 90 ampliaram, em
todos os fóruns especializados, a noção de competitividade das
nações. Uma definição particularmente influente foi proposta em
1985, pela Comissão da Presidência dos EUA sobre Competitividade
Industrial:
"Competitividade para uma nação é o grau pelo qual ela pode,
sob condições livres e justas de mercado, produzir bens e
serviços que se submetam satisfatoriamente ao teste dos mercados
internacionais enquanto, simultaneamente, mantenham e expandam a
renda real de seus cidadãos. Competitividade é a base para o
nível de vida de uma nação. É também fundamental à expansão das
oportunidades de emprego e para a capacidade de uma nação cumprir
suas obrigações internacionais".
Essa abordagem reconhece que a competitividade internacional
de economias nacionais é construída a partir da competitividade
das empresas que operam dentro e exportam a partir das suas
fronteiras. Ao mesmo tempo, identifica a competitividade das
economias nacionais como sendo algo mais do que a simples
agregação do desempenho de suas empresas. Estudos da OECD
mostraram que as estratégias empresariais - com e sem sucesso -
seguiram padrões específicos de acordo com cada país, sugerindo
que as características do sistema econômico afetam os fatores de
competitividade e, portanto, influenciam o desempenho das
empresas.
Conseqüentemente, parece adequada a noção de competitividade
sistêmica como modo de expressar que o desempenho empresarial
depende e é também resultado de fatores situados fora do âmbito
das empresas e da estrutura industrial da qual fazem parte, como
a ordenação macroeconômica, as infra-estruturas, o sistema
político-institucional e as características sócio-econômicas dos
mercados nacionais. Todos estes são específicos a cada contexto
nacional e devem ser explicitamente considerados nas ações
públicas ou privadas de indução de competitividade.
4
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Ao final da década de 70, estudos sobre competitividade
tornaram-se freqüentes sem que uma definição precisa e de larga
aceitação deste conceito estivesse disponível. Tampouco haviam
sido desenvolvidas metodologias apropriadas para a sua análise.
Com relação ao tratamento conceitual, boa parte dos
especialistas vê a competitividade como um fenômeno diretamente
relacionado às características apresentadas por uma firma ou um
produto. Estas caraterísticas relacionam-se ao desempenho no
mercado ou à eficiência técnica dos processos produtivos adotados
pela firma, conforme a filiação teórica de quem examina o
assunto. Para os autores que privilegiam o desempenho, a
competitividade se expressa na participação no mercado (market-
share) alcançada por uma empresa ou um conjunto delas,
particularmente o montante de suas exportações no total do
comércio internacional da mercadoria em questão. Já para os que
associam competitividade a eficiência, seus indicadores devem ser
buscados em coeficientes técnicos (de insumo-produto ou outros)
ou na produtividade dos fatores, comparados às best-practices
verificadas na indústria.
Ambos os enfoques, no entanto, são muito restritivos, pois
abordam o tema de modo estático, permitindo apenas o exame de
como os indicadores se comportaram até um determinado momento. Se
observados dinamicamente, tanto desempenho quanto eficiência são
resultados de capacitações acumuladas e estratégias competitivas
adotadas pelas empresas, em função de suas percepções quanto ao
processo concorrencial e ao meio ambiente econômico onde estão
inseridas.
Nessa visão dinâmica, a competitividade deve ser entendida
como a capacidade da empresa de formular e implementar
estratégias concorrenciais, que lhe permitam conservar, de forma
duradoura, uma posição sustentável no mercado. Na análise da
indústria, foram considerados como competitivos os setores onde a
maior parte da produção ocorre em firmas competitivas, tomando-se
como referência os padrões internacionais.
O sucesso competitivo passa, assim, a depender da criação e
renovação das vantagens competitivas por parte das empresas, em
um processo onde cada produtor se esforça por obter
peculiaridades que o distingam favoravelmente dos demais, como,
por exemplo, custo e/ou preço mais baixo, melhor qualidade, menor
lead-time, maior habilidade de servir à clientela, etc.
O sucesso implica, também, que as empresas mostrem-se aptas
não apenas a adotar estratégias competitivas adequadas, mas a
impor correções de rumo quando necessário. Para isto, as
especificidades do mercado e do ambiente econômico e as
modificações esperadas nas formas de concorrência são alguns dos
elementos que devem nortear as firmas na seleção de suas
estratégias. O conhecimento destas especificidades ajuda a
inferir quais vantagens competitivas irão se traduzir em maiores
vendas e rentabilidade.
Qualquer que seja a sua fonte, as vantagens competitivas
usualmente requerem tempo para serem alcançadas. Essa
5
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
característica é particularmente aplicável às vantagens
associadas à inovação e, portanto, a análise da competitividade
deve levar em conta a cumulatividade das vantagens competitivas
adquiridas pelas empresas.
Também é necessário que a empresa detenha capacidade para
implementar a estratégia, sendo esta fundada não somente na
capacitação técnica, mas também no desempenho passado da firma,
que se traduz em capacidade financeira, relações com fornecedores
e usuários, imagem conquistada, diferenciação de seus produtos,
grau de concentração do mercado, etc.
FATORES DETERMINANTES DA COMPETITIVIDADE
O desempenho competitivo de uma empresa, indústria ou nação
é condicionado por um vasto conjunto de fatores, que pode ser
subdividido naqueles internos à empresa, nos de natureza
estrutural, pertinentes aos setores e complexos industriais, e
nos de natureza sistêmica, conforme mostra a Figura 1.
FIGURA 1
FATORES DETERMINANTES DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA
Os fatores internos à empresa são aqueles que estão sob a
sua esfera de decisão e através dos quais procura se distinguir
de seus competidores. Incluem os estoques de recursos acumulados
pela empresa, as vantagens competitivas que possuem e a sua
capacidade de ampliá-las. Pode-se citar, entre outros, a
capacitação tecnológica e produtiva; a qualidade e produtividade
6
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
dos recursos humanos; o conhecimento do mercado e a capacidade de
se adequar às suas especificidades; a qualidade e amplitude de
serviços pós-vendas; as relações privilegiadas com usuários e
fornecedores.
Os fatores estruturais são aqueles que, mesmo não sendo
inteiramente controlados pela firma, estão parcialmente sob a sua
área de influência e caracterizam o ambiente competitivo que ela
enfrenta diretamente. Integram esse grupo aqueles relacionados:
- às características dos mercados consumidores em termos de
sua distribuição geográfica e em faixas de renda; grau de
sofisticação e outros requisitos impostos aos produtos;
oportunidades de acesso a mercados internacionais; as formas e os
custos de comercialização predominantes;
- à configuração da indústria em que a empresa atua, tais
como grau de concentração, escalas de operação, atributos dos
insumos, potencialidade de alianças com fornecedores, usuários e
concorrentes, grau de verticalização e diversificação setorial e
ritmo, origem e direção do progresso técnico;
- à concorrência, no que tange às regras que definem
condutas e estruturas empresariais em suas relações com
consumidores, meio ambiente e competidores; o sistema fiscal-
tributário incidente sobre as operações industriais; práticas de
importação e exportação e a propriedade dos meios de produção
(inclusive propriedade intelectual).
Os fatores sistêmicos da competitividade são aqueles que
constituem externalidades stricto sensu para a empresa produtiva.
Também afetam as características do ambiente competitivo e podem
ter importância nas vantagens competitivas que firmas de um país
têm ou deixam de ter frente às suas rivais no mercado
internacional. Podem ser de diversas naturezas:
- macroeconômicos, como taxa de câmbio, oferta de crédito e
taxas de juros;
- político-institucionais, como as políticas tributária e
tarifária, as regras que definem o uso do poder de compra do
Estado e os esquemas de apoio ao risco tecnológico;
- regulatórios como as políticas de proteção à propriedade
industrial, de preservação ambiental, de defesa da concorrência e
proteção ao consumidor;
- infra-estruturais, tais como disponibilidade, qualidade e
custo de energia, transportes, telecomunicações e serviços
tecnológicos;
- sociais, como a situação da qualificação da mão-de-obra
(educação profissionalizante e treinamento), políticas de
educação e formação de recursos humanos, trabalhista e de
seguridade social, grau de exigência dos consumidores;
7
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
- referentes à dimensão regional, como os aspectos relativos
à distribuição espacial da produção; e
- internacionais, como as tendências do comércio mundial, os
fluxos internacionais de capital, de investimento de risco e de
tecnologia, relações com organismos multilaterais, acordos
internacionais e políticas de comércio exterior.
As considerações expostas indicam que, para avaliar a
"capacidade de formular e implementar estratégias", é fundamental
verificar em que se baseia essa capacidade. Isto significa
identificar os fatores relevantes para o sucesso competitivo -
sejam internos à própria firma, ao setor ou sistêmicos -,
verificar a sua importância setorial no presente e a que se pode
esperar no futuro próximo e avaliar o potencial das firmas do
país com relação a eles. Alcança-se, assim, uma abordagem
dinâmica do desempenho competitivo da empresa, integrada ao exame
de seus fatores determinantes.
ANÁLISE DA INDÚSTRIA E ANÁLISE DOS FATORES SISTÊMICOS
A execução do Estudo da Competitividade da Indústria
Brasileira (ECIB) foi operacionalizada através da constituição de
dois blocos de estudos: Análise da Indústria e Análise dos
Fatores Sistêmicos. Procurou-se, ademais, investigar a
interdependência entre os fatores estudados, promovendo, ao longo
do desenvolvimento do ECIB, estreito relacionamento dos
consultores entre e intra-blocos. O setores industriais e temas
analisados estão apresentados no Anexo II.
Na Análise da Indústria, foram estudados os complexos
industriais nacionais e selecionados 33 setores - responsáveis
por cerca de 50% da produção industrial do país - para o
aprofundamento da análise. Os critérios para a seleção de setores
foram:
- relevância na estrutura industrial brasileira;
- existência de vantagens comparativas reveladas;
- capacidade potencial de difusão de competitividade aos
demais setores produtivos através do fornecimento de insumos;
- capacidade potencial de difusão de competitividade aos
demais setores produtivos através do fornecimento de bens de
capital (inclusive de base eletrônica);
- capacidade de distribuição dos ganhos de produtividade e
de ampliação do mercado interno.
A avaliação da indústria foi decomposta em seis passos:
- identificação dos fatores determinantes do sucesso
competitivo no setor e definição das estratégias competitivas
dominantes verificadas, assim como mudanças esperadas na
indústria internacional;
- seleção dos fatores mais relevantes, agrupando-os em
empresariais, estruturais e sistêmicos. Obteve-se daí um mapa
para a definição de quais capacitações e desempenhos são
relevantes para o sucesso competitivo da empresa em seu setor de
8
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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atuação e, portanto, das estratégias competitivas que devem ser
implementadas;
- diagnóstico da competitividade das empresas brasileiras
através da avaliação de capacitações, estratégias e desempenhos
nos aspectos identificados como relevantes para a competitividade
no setor;
- análise dos fatores determinantes da competitividade no
setor - empresariais, estruturais e sistêmicos -, considerando em
que medida favorecem ou constituem restrições à competitividade
das empresas brasileiras; avaliação da situação presente e a que
se pode esperar num futuro próximo;
- hierarquização dos principais obstáculos e oportunidades à
competitividade da indústria nacional;
- proposição de estratégias e ações para o desenvolvimento
competitivo dos setores, divididas em ações relacionadas aos
fatores empresariais, estruturais e sistêmicos, identificando-se
os instrumentos relevantes e atores a serem mobilizados.
A Análise dos Fatores Sistêmicos teve como objetivo
investigar as implicações sobre a competitividade de fatores
determinantes não relacionados diretamente ao setor de atuação
das empresas. Realizada em paralelo à Análise da Indústria, a
Análise dos Fatores Sistêmicos consistiu de estudos temáticos
sobre estes fatores. Foram definidos termos de referência para
cada um, contendo objetivo, escopo e resultados esperados. Os
trabalhos temáticos tiveram como referência os contextos
internacional e nacional, apresentaram detalhamento em nível
setorial quando pertinente e proposições de política endereçadas
aos atores relevantes.
Todos os documentos produzidos, tanto no âmbito da Análise
dos Fatores Sistêmicos como da Análise da Indústria, contêm:
avaliação internacional e perspectivas, análise da situação
brasileira, indicadores e proposição de políticas.
O ECIB ressentiu-se da falta de estatísticas nacionais,
particularmente do Censo Econômico de 1990. A constituição da
base empírica para avaliação da competitividade da indústria foi
constituída por uma ampla pesquisa de campo e por entrevistas
realizadas pelos consultores, além do recurso a dados de fontes e
periodicidades variadas, em um esforço de compor um quadro o mais
completo possível.
A pesquisa de campo foi feita de modo a permitir a avaliação
da estratégia, capacitação e desempenho competitivo da indústria
e seus determinantes. Foi aplicado um questionário a uma amostra
de cerca de 1500 empresas das quais obteve-se respostas para 661.
A amostra foi estratificada segundo os setores selecionados,
valor da produção e variáveis indicativas de porte. Ela é
probabilística e não-proporcional para garantir a possibilidade
de análise de cada setor e comparação entre os segmentos. Foram
incluídas com probabilidade 1 algumas empresas pré-selecionadas
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
(empresas líderes), otimizando o número de empresas selecionadas
por segmento analisado.
As informações sobre a situação presente e as expectativas
de futuro dos representantes das empresas foram complementadas
por 350 entrevistas abertas junto a especialistas setoriais e a
empresas líderes e não-líderes em atividade no Brasil. Estas
entrevistas também cobriram setores ou atividades para os quais a
configuração de amostras probabilísticas não se mostrou adequada.
Incluem-se aí empresas dos setores de biotecnologia e software.
DESENVOLVIMENTO DOS TRABALHOS
A realização de pesquisa tão abrangente e complexa exigiu a
conjugação de conhecimentos de especialistas em diversas áreas e
demandou capacidade gerencial e administrativa para garantir
unidade, qualidade e convergência de esforços na direção dos
objetivos. Estes pontos guiaram a composição da equipe técnica e
do Consórcio.
Estiveram diretamente envolvidos no ECIB 82 especialistas,
sendo 36 doutores, 41 mestres e 5 bacharéis. A experiência
anterior destes especialistas garantiu um estoque inicial de
conhecimentos acumulados que possibilitou obter, com segurança e
rapidez, o aprofundamento, sistematização, organização e
avaliação crítica das informações relativas à competitividade da
indústria nacional e de seus determinantes.
O consórcio foi montado com a finalidade de reunir
Instituições com capacitação comprovada em suas áreas específicas
de atuação e visões diferenciadas com relação ao tema. Pretendeu-
se, assim, que suas vantagens individuais fossem sinergicamente
fortalecidas durante a execução do trabalho.
Coordenaram o Consórcio o Instituto de Economia da
Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), o Instituto de
Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(IEI/UFRJ), a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior e a
Fundação Dom Cabral. A coordenação dos estudos internacionais
esteve a cargo do Science Policy Research Unit (SPRU), University
of Sussex. Integram ainda o Consórcio: Instituto de Estudos para
o Desenvolvimento Industrial (IEDI); Núcleo de Política e
Administração de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal da
Bahia (NACIT/UFBa); Departamento de Política Científica e
Tecnológica (IG/UNICAMP); Instituto Equatorial de Cultura
Contemporânea. Participaram ainda, como instituição colaboradora,
a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL) e como
instituições subcontratadas: Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística (IBOPE); Coopers & Lybrand Biedermann,
Bordasch; Ernst & Young, Sotec.
O ECIB contou com a valiosa colaboração técnica do PNUD
(United Nations Development Programme) e da Agência Brasileira de
Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE). Cabe
registrar, ainda, o apoio do Parlatino - Parlamento
Latinoamericano, da BBTur - Viagens e Turismo e da Varig/Rio-Sul,
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
para a realização de eventos organizados pela Coordenação do
ECIB.
Durante o período de execução (agosto 92/dezembro 93), foram
produzidas 96 Notas Técnicas, totalizando cerca de 10.000
páginas. Em 1992, foram produzidas 13 Notas Técnicas preliminares
(por complexos industriais e blocos temáticos) com o objetivo de
avançar diagnósticos e proposições. Em 1993, foram produzidos 33
Estudos Setoriais e 30 Estudos Temáticos, sintetizados em 13
documentos por complexos industriais e blocos temáticos, além de
uma Nota Técnica sobre Indicadores de Competitividade, de 5 notas
técnicas extras e deste relatório final.
APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS
Este relatório foi concebido de modo a apresentar a
competitividade da indústria brasileira em suas três dimensões:
sistêmica, empresarial e estrutural. Em todos os capítulos, são
apresentados o cenário internacional e a situação brasileira e
são feitas recomendações de política que fortaleçam a
competitividade da indústria.
Na INTRODUÇÃO estão indicados os desafios competitivos que a
indústria brasileira enfrenta frente às mudanças tecnológicas e
de mercados no cenário internacional e as ações que vêm sendo
implementadas pelos países da OECD e por países em
desenvolvimento para a promoção da competitividade. São
apresentados os fundamentos e as diretrizes de uma política
brasileira de promoção do desenvolvimento competitivo industrial,
destacando-se as relações entre estabilização e competitividade.
A PARTE I trata dos principais fatores sistêmicos que afetam
a competitividade industrial. O primeiro capítulo apresenta uma
discussão sobre os obstáculos e oportunidades para o Brasil
advindos da crescente globalização das atividades econômicas e do
acirramento da concorrência em escala mundial. Num ambiente de
rápida mutação tecnológica, o cenário global apresenta desafios
extremamente importantes que condicionam a competitividade da
indústria brasileira e que devem ser analisados de maneira
profunda.
Reconhecendo que a competitividade de qualquer economia
encontra-se cada vez mais fundada em condições sistêmicas de
natureza social, e repousa no bem-estar de sua população, o
capítulo 2 discute os fundamentos sociais da competitividade
brasileira.
O capítulo 3 trata dos desafios tecnológicos da indústria
brasileira. A baixa capacidade inovativa do setor industrial
herdada do período de substituição de importações contrasta com a
ênfase em esforço tecnológico próprio perseguida, sem exceção,
por todos os países que têm alcançado posição competitiva no
cenário mundial. Desta maneira, o desenvolvimento tecnológico
deve-se constituir num dos pilares centrais de qualquer modelo
nacional de competitividade.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
O papel das infra-estruturas - notadamente de transportes,
energia e telecomunicações - na competitividade brasileira é o
objeto do capítulo 4. A profunda deterioração da base física e da
qualidade desses serviços no Brasil constitui sério entrave ao
esforço de reestruturação competitiva da indústria.
Finalmente, o capítulo 5 discute a necessidade de se
construir um novo padrão de financiamento para sustentar a
retomada do investimento público e privado. Sublinha-se a
importância da reforma fiscal e tributária para a recuperação das
finanças do Estado e da aproximação entre as esferas financeira e
industrial para promover o surgimento de finanças
industrializantes.
A PARTE II discute a necessidade de modernizar a estrutura
empresarial e melhorar a gestão competitiva das empresas
brasileiras. À luz de um modelo de empresa competitiva (capítulo
2) e da análise das estruturas vitoriosas e das deficiências da
estrutura empresarial brasileira (capítulo 3), são analisadas as
estratégias competitivas (capítulo 4). O capítulo 5 formula
recomendações às empresas e propostas de política com vistas a
avançar em direção à gestão competitiva, abrangendo os aspectos
de organização e gestão, capacitação para inovação, capacitação
produtiva e desempenho competitivo e os recursos humanos na
indústria nacional.
A PARTE III é dedicada à análise da influência dos fatores
estruturais na competitividade da indústria brasileira. No
primeiro capítulo, são definidos os fundamentos estruturais da
competitividade: as características dos mercados, da configuração
da indústria e da regulação da concorrência que induzem a
constituição de setores industriais competitivos.
No capítulo seguinte, à luz dos diagnósticos, os setores
analisados são divididos em três grupos: setores com capacidade
competitiva, setores com deficiências competitivas e setores
difusores de progresso técnico. Os dois primeiros foram definidos
em função da proporção da produção setorial gerada por empresas
competitivas. O terceiro, subconjunto dos setores com
deficiências competitivas, foi destacado pela função que estes
setores exercem na matriz industrial e por sua influência na
competitividade do conjunto da indústria.
Os três capítulos seguintes tratam de cada um destes grupos
de setores, avaliando oportunidades e ameaças nas três dimensões
estruturais consideradas: mercado, configuração da indústria e
concorrência. Ao final de cada um é definida a estratégia a ser
perseguida por uma política de desenvolvimento competitivo e as
ações prioritárias para sua execução.
A PARTE IV sintetiza os resultados do ECIB e apresenta as
diretrizes para o desenvolvimento competitivo da indústria
brasileira. São inicialmente resumidas as principais
recomendações para a promoção da competitividade sistêmica e
identificados dois grandes desafios: a reconstrução do Estado e a
reestruturação do sistema empresarial. Finalmente, são analisadas
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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as estratégias de competitividade para os setores da indústria e
o papel das políticas públicas.
O ANEXO I apresenta uma síntese da proposta do ECIB de
implementação de um sistema de acompanhamento da competitividade
e sugestões ao sistema nacional de estatísticas. Propõe-se um
conjunto de indicadores, organizados em três grandes grupos -
desempenho, eficiência e capacitação. O objetivo é permitir ao
poder público e aos atores sociais envolvidos com a construção do
desenvolvimento competitivo compreender de forma adequada o
estágio atual e as perspectivas da competitividade na economia
brasileira, contribuindo para o equacionamento dos problemas, o
desenho de políticas e a aferição de seus resultados.
O ANEXO II apresenta a relação das notas técnicas elaboradas
no âmbito do ECIB.
O ANEXO III reúne os quadros-resumo apresentados em todas as
Notas Técnicas do ECIB, contendo as principais recomendações
dirigidas ao Governo, às empresas, aos trabalhadores, às
organizações não-governamentais e à academia.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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INTRODUÇÃO: POR QUE POLÍTICA DE COMPETITIVIDADE HOJE?
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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INTRODUÇÃO: POR QUE POLÍTICA DE COMPETITIVIDADE HOJE?
A INDÚSTRIA BRASILEIRA NO INÍCIO DOS ANOS 90
O Brasil passou por uma extraordinária transformação
industrial durante as três décadas que se seguiram ao final da 2ª
Guerra Mundial. Num período em que a economia mundial era marcada
por intenso crescimento, o desempenho brasileiro foi
impressionante, mesmo se comparado a outros países. Conforme
mostrado na Tabela 1, o setor manufatureiro brasileiro alcançou
taxa média de crescimento do valor adicionado de 9,5% ao ano
durante o período 1965-1980. Tal desempenho foi apenas
suplantado, entre os países em desenvolvimento, por Coréia do Sul
(18,99%), Cingapura (11,41%) e Indonésia (10,20%) e foi
significativamente melhor que a média dos países desenvolvidos
(4,66%) e em desenvolvimento (6,55%) durante o mesmo período.
TABELA 1
PAÍSES SELECIONADOS - MUDANÇAS ESTRUTURAIS E INDUSTRIALIZAÇÃO
1965-1980
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PAÍS ÍNDICE DE MUDANÇA ESTRUTURAL TAXA DE CRESCIMENTO MÉDIA DO VALOR
NO SETOR MANUFATUREIRO* ADICIONADO NO SETOR MANUFATUREIRO
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
NICs Europeus
Espanha 24,73 6,78
Iugoslávia 12,01 6,94
Portugal 21,61 7,18
Grécia 13,56 7,00
NICs Asiáticos
Índia 20,89 2,59
Coréia do Sul 31,37 18,99
Hong Kong 9,87 6,05
Cingapura 48,32 11,41
Indonésia 19,52 10,20
Filipinas 10,95 5,45
Tailândia 17,69 7,98
Malásia 15,86 8,12
NICs da América Latina
Brasil 30,03 9,50
México 14,83 7,09
Argentina 15,90 3,12
Colômbia 10,90 6,36
Médias Globais
Desenvolvidos 10,90 4,66
Em Desenvolvimento 13,83 6,55
Mundo 10,60 4,85
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
* O índice de mudança estrutural da UNIDO mede a alteração da participação de 16 setores
manufatureiros no valor adicionado da indústria entre 1965 e 1980. Um índice reduzido
indica a ocorrência de pequena mudança na estrutura de produção industrial do respectivo
país ao longo do período, enquanto um índice elevado constitui evidência de grande mudança
estrutural.
Fonte: UNIDO (1985).
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A estrutura industrial brasileira - que evoluiu sob uma
estratégia ampla e permanente de proteção, promoção e regulação -
tinha alcançado, em 1980, um alto grau de integração
intersetorial e diversificação da produção. De acordo com o
Censo Industrial de 1980, os complexos químico e metalmecânico
(inclusive bens de capital, bens de consumo durável e o setor
automobilístico), que representavam 47,5% da produção industrial
total em 1970, foram em 1980 responsáveis por 58,8% do produto
total da indústria. A estrutura industrial resultante não era
significativamente diferente da maior parte das economias da
OECD. De fato, em 1980, as três economias mais desenvolvidas
tinham, aproximadamente, dois terços da sua produção industrial
originada destes setores: 64,4% no caso dos EUA, 64,5% no Japão e
69,8% na Alemanha Ocidental.
Porém, diferentemente do ocorrido em tais países - e em
outros que perseguiram, com sucesso, a industrialização no mesmo
período, como a Coréia do Sul -, as empresas industriais
brasileiras, com poucas exceções, não desenvolveram capacitação
inovativa própria. O esforço tecnológico acumulado ao longo do
processo de substituição de importações limitou-se àquele
necessário à produção propriamente dita. A insuficiente
capacitação das empresas nacionais para desenvolver novos
processos e produtos, aliada à ausência de padrão nítido de
especialização da estrutura industrial brasileira e à sua
deficiente integração com o mercado internacional, constituíam-
se, já naquele momento, em elementos potencialmente
desestabilizadores do processo de industrialização brasileiro.
A crise macroeconômica (dívida externa e conseqüente
desorganização das finanças públicas) imobilizou o Estado,
inviabilizando a formulação de uma política industrial e
tecnológica que se seguisse à política de substituição de
importações. Num quadro de crescente instabilidade macroeconômica
e aceleração inflacionária, processa-se um ajuste industrial
defensivo, com contração de investimentos, estagnação da produção
e queda da renda per capita.
O retrato mais flagrante desse processo de crise e de
paralisação do desenvolvimento se expressa na queda substancial
da taxa agregada de investimento (formação bruta de capital fixo)
nos anos 80 e no início dos 90. O país vem investindo muito aquém
de suas potencialidades e em certas áreas (especialmente nas
infra-estruturas) o investimento não repõe a depreciação e o
desgaste efetivo dos equipamentos e bens. Comparado ao desempenho
de outros países (desenvolvidos e em desenvolvimento), os números
brasileiros são preocupantes, como se pode observar na Tabela 2.
Entre 1980 e 1992, a indústria de transformação teve sua
produção reduzida em 7,4%. Evidentemente, conforme se depreende
do Gráfico 1, a crise da indústria brasileira ao longo do período
1980-92 não se deu de maneira uniforme. As categorias que mais
sofreram foram as de bens de capital (queda de 44% no período) e
duráveis de consumo (queda de 8%); exatamente aquelas que
lideraram o crescimento no período anterior. Auxiliada pela
maturação dos investimentos da segunda metade dos 70 e dinamizada
pelas exportações de commodities, a categoria de bens
16
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intermediários apresentou crescimento modesto (6% entre 1980 e
1992). Finalmente, os bens de consumo não-duráveis cresceram
apenas 8% no período.
TABELA 2
PAÍSES SELECIONADOS - FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO EM
PERCENTAGEM DO PIB
1971-1992
(%)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PAÍS 1971-75 1976-80 1981-85 1986-90 1991-92
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
EUA 18,5 19,9 19,2 18,0 15,4
Japão 34,4 31,0 28,6 29,8 31,2
Alemanha 23,5 21,0 20,4 19,9 21,6
Itália 23,7 23,4 21,8 20,0 19,5
Espanha 23,0 20,8 20,3 22,2 23,1
Coréia 22,9 30,1 28,5 30,8 36,7
Malásia 23,3 25,5 34,0 27,2 35,5
*
Indonésia 17,9 20,6 28,1 32,6 35,1
*
Brasil 25,4 22,4 19,6 22,0 18,2
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
* Refere-se ao ano de 1991.
Fonte: FMI, Estatísticas Financeiras Internacionais.
GRÁFICO 1
BRASIL - ÍNDICES DE PRODUÇÃO INDUSTRIAL POR CATEGORIA DE USO
1980-1993
(1980 = 100)
1980198119821983198419851986198719881989199019911992
1993
130
120
110
100
90
80
70
60
50
IT BI BK BCD BCnD
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Notação: IT - indústria de transformação; BK - bens de capital; BI - bens intermediários; BCD
- bens de
consumo duráveis; BCnD - bens de consumo não-duráveis.
Fonte: FIBGE.
Apesar do crescimento observado em 1993 a indústria não
recuperou o nível de produção verificado no triênio 1987-89 e a
taxa agregada de investimentos continuou relativamente deprimida,
conforme mostra a Tabela 3. Simultaneamente, as exportações
cresceram 23% e as importações subiram acentuadamente (+60,9%) no
mesmo período. É relevante assinalar a forte queda do emprego
(-21,2%) e o seu crescimento quase irrelevante em 1993 apesar da
significativa expansão do produto industrial neste ano.
TABELA 3
BRASIL - EMPREGO E PIB INDUSTRIAL, EXPORTAÇÃO, IMPORTAÇÃO E
INVESTIMENTO
1987-1992
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO UNIDADE 1987-89 1992 1993 1993/92 1993/87-89
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Emprego industrial milhões pessoas 6,12 4,79* 4,81* +0,4% -21,2%
PIB industrial Índice 100 85,9* 94,5* +10% -5,5%
Exportação US$ milhões 31.465 36.103 38.810 +7,5% +23,3%
Importação US$ milhões 15.973 20.578 25.706 +25% +60,9%
Investimento % PIB 23,2 17,5 19,2* +10% -17,2%
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
* Estimativa.
Fonte: FIBGE e BACEN.
Em resumo, no primeiro triênio dos anos 90 a indústria foi
submetida a uma crescente exposição ao ambiente competitivo
internacional, característica que certamente continuará nos
próximos anos, e apresentou forte tendência de diminuição do
emprego. Em outras palavras, a queda no emprego industrial nos
períodos de depressão tem sido seguida por aumentos menores, em
termos absolutos e relativos, do nível de emprego durante os
períodos de recuperação. Tal tendência, à semelhança do ocorrido,
em maior ou menor escala, nos países industrializados, aponta
para uma situação de desemprego estrutural no setor industrial
cujas conseqüências são objeto de crescente preocupação no plano
internacional.
As empresas industriais responderam de maneira diferenciada
ao longo dos dois períodos que apresentaram mais intensa
depressão durante quase década e meia de estagnação (1980-83 e
1989-92). No primeiro, as empresas se ajustaram fundamentalmente
no plano financeiro-patrimonial, reduzindo significativamente
seus níveis de endividamento. Contrabalançaram a redução de
produção e demanda com crescentes ganhos não-operacionais.
O segundo reajuste, realizado num quadro de abertura
comercial, tem sido caracterizado por reestruturações da produção
propriamente dita: concentração nas linhas de produtos
competitivas; redução do escopo das atividades industriais
18
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realizadas internamente à empresa; "terceirização" de diversas
atividades; compactação dos processos produtivos com corte
substancial do emprego; programas de qualidade, etc.
Em comparação com os padrões internacionais, no início da
década de 90 uma boa parte da indústria brasileira opera com
equipamentos e instalações tecnologicamente defasados, apresenta
deficiências nas tecnologias de processo, exibe atraso quanto às
tecnologias de produto e dispende pequena fração do faturamento
em atividades de P&D. Demonstra, ainda, limitada difusão dos
sistemas de gestão de qualidade, tanto de produtos quanto dos
processos de fabricação e apresenta relativa lentidão na adoção
das inovações gerenciais e organizacionais, do tipo just-in-time,
quick response, total quality control e outras. Enquanto
internacionalmente as empresas intensificam laços de colaboração,
a maior parte da indústria brasileira ressente-se de ausência de
interação intensa entre usuário e produtor e carece de
relacionamento mais cooperativo entre fornecedores e produtores.
Finalmente, apresenta, em geral, um padrão anacrônico de relações
gerenciais/trabalhistas, que ainda encara o trabalho como um
custo e não como um recurso primordial da produção, dando pouca
atenção ao treinamento e à formação de operários polivalentes.
As exceções estão principalmente localizadas nas empresas de
maior porte, de setores intermediários, de bens duráveis e bens
de capital, nas quais ao longo dos últimos anos nota-se crescente
eficiência econômica. Considerando-se, no entanto, o elenco de
características apontadas acima, a maior parte das empresas
industriais brasileiras, principalmente aquelas produtoras de
bens não-duráveis e de menor porte, apresenta, ainda, baixos
níveis de produtividade e custos elevados - o que prejudica sua
capacidade de competir em preços. Apresenta ainda outras
deficiências: lentidão de resposta a modificações na demanda,
baixa flexibilidade na produção, deficiências de qualidade e
desempenho dos produtos. Essas deficiências limitam a capacidade
da indústria de competir através de novos lançamentos,
sofisticação, qualidade e diversidade dos bens e serviços
ofertados.
Além das defasagens técnicas e organizacionais das empresas,
é relevante destacar deficiências relacionadas à estrutura
industrial e aos fatores sistêmicos, que também se agravaram ao
longo da crise, e que não podem deixar de ser objeto de
preocupação: a defasagem da estrutura empresarial brasileira,
especialmente no tocante ao grau de centralização do capital, do
perfil setorial de atividades dos grupos econômicos e,
particularmente, do atraso organizacional e de qualidade das
estratégias empresariais; a existência de um tecido industrial
incapaz de transmitir qualidade, produtividade e progresso
técnico ao longo das cadeias produtivas; a precariedade da base
educacional brasileira, especialmente em face dos requisitos
exigidos pelos novos processos produtivos; o distanciamento
entre sistema produtivo e sistema bancário-financeiro, marcado
pela ausência de crédito e financiamento de longo prazo e pelo
reduzido grau de endividamento como proporção dos ativos
empresariais; e a profunda deterioração da capacidade regulatória
do Estado, enfraquecido pela crise fiscal e financeira, impotente
19
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para articular a retomada do crescimento econômico e para
fomentar o avanço da competitividade nacional, sem a
implementação prévia de reformas.
A situação brasileira contrasta com a rapidez e a
profundidade das inovações tecnológicas em curso nas economias
desenvolvidas, configurando um panorama preocupante. Há uma
incontornável urgência histórica: é preciso enfrentar e resolver
a crise econômica, com a formulação simultânea de um projeto de
desenvolvimento competitivo que restabeleça na sociedade
brasileira a esperança e a confiança em si própria.
A erosão da competitividade do Brasil manifesta-se na perda
de importância do país no comércio internacional na segunda
metade da década de 80 (Tabela 4).
TABELA 4
BRASIL - PARTICIPAÇÃO NO COMÉRCIO MUNDIAL
1978-1992
(US$ bilhões correntes)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO EXPORT. EXPORT. % IMPORT. IMPORT. %
MUNDIAL BRASIL MUNDIAL BRASIL
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1978 1224,0 12,7 1,0 1260,0 15,1 1,2
1979 1552,9 15,2 1,0 1583,6 19,8 1,3
1980 1892,1 20,1 1,1 1946,3 25,0 1,3
1981 1857,9 23,4 1,3 1928,8 24,1 1,2
1982 1728,4 20,2 1,2 1806,6 21,1 1,2
1983 1677,5 21,9 1,3 1751,1 16,8 1,0
1984 1777,5 27,0 1,5 1858,9 15,2 0,8
1985 1799,4 25,6 1,4 1890,2 14,3 0,8
1986 1992,1 22,3 1,1 2061,7 15,6 0,8
1987 2358,2 26,2 1,1 2410,3 16,6 0,7
1988 2696,5 33,8 1,3 2772,3 16,1 0,6
1989 2909,1 34,4 1,2 3001,5 19,9 0,7
1990 3326,2 31,4 0,9 3429,6 22,5 0,7
1991 3437,2 31,6 0,9 3556,2 23,0 0,6
1992 3644,9 36,1 1,0 3768,6 23,1 0,6
1993 3736,0 38,7 1,0 3862,8 25,7 0,7
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: FMI, Internacional Financial Statistics Yearbook, 1988 e 1993 (ago.).
Embora o perfil das exportações brasileiras tenha evoluído
no sentido de maior presença de produtos industrializados, a
inserção atual da indústria brasileira no mercado internacional,
coerentemente com o quadro acima descrito, caracteriza-se pela
exportação de commodities intensivas em recursos naturais e/ou
energia e de bens intensivos em mão-de-obra barata: por exemplo,
commodities como celulose, papel, suco de laranja, farelo de soja
e minérios semiprocessados têm tido excelente desempenho
exportador.
Deve-se, todavia, considerar que, mesmo nesses produtos, a
competitividade brasileira pode vir a ser ameaçada, uma vez que a
tendência do mercado internacional é de crescente sofisticação e
de segmentação em especialidades.
20
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O desempenho recente mostra que esse tipo de inserção
apresenta limites tendo em vista a saturação dos mercados e a
tendência declinante dos preços. O rápido crescimento da
capacidade produtiva em outros países do Terceiro Mundo com
salários tão baixos quanto os brasileiros, mas que apresentam
crescentes níveis de qualificação, tende a reduzir a
competitividade de produtos intensivos em trabalho.
Particularmente, uma enorme ameaça potencial emerge naqueles
países e setores onde baixos custos salariais (como aqueles da
China) são combinados com altos níveis de qualificação técnica e
capacidade de comercialização internacional (acumuladas por
empresas do sudeste asiático, como as coreanas). Ao mesmo tempo,
muitos países têm aumentado o investimento em setores industriais
intensivos em recursos naturais e em energia, resultando num
excesso de capacidade mundial. A concorrência internacional em
tais setores será particularmente intensa por muito tempo.
21
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Este quadro de graves desafios não deve ser subestimado. A
perda de posição do Brasil no ranking de exportadores mundiais na
segunda metade dos anos 80 é expressiva e fala por si: o país
caiu da 17ª posição em 1985 para a 23ª em 1992, sendo
ultrapassado pela Dinamarca, Malásia, Austrália, Cingapura e
outros países (Tabela 5). A erosão da competitividade brasileira
foi expressiva em vários segmentos da indústria de transformação
de maior valor agregado, notadamente na área automobilística e de
bens de capital.
TABELA 5
COMÉRCIO MUNDIAL DE MERCADORIAS - PRINCIPAIS EXPORTADORES
Valor, participação porcentual e posição no ranking
1980, 1985 e 1992
(US$ bilhões)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1992 1985 1980
PAÍS Valor % Ranking Valor % Ranking Valor %
Ranking
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
EUA 448 12,3 1 218 11,9 1 225 11,7
1
Alemanha 422 11,6 2 183 10,0 2 192 10,0
2
Japão 339 9,3 3 177 9,7 3 130 6,8
3
França 235 6,5 4 101 5,6 4 116 6,0
4
Reino Unido 190 5,2 5 101 5,5 5 110 5,7
5
Itália 178 4,9 6 76 4,2 8 78 4,1
8
Países Baixos 139 3,8 7 77 4,3 7 85 4,4
7
Canadá 134 3,7 8 90 5,0 6 67 3,5
9
Bélgica-Luxemburgo 122 3,4 9 53 2,9 9 64 3,4
10
Hong Kong 119 3,3 10 30 1,6 13 19 1,0
18
Taiwan 81 2,2 11 30 1,7 10 19 1,0
17
China 80 2,2 12 27 1,5 14 18 0,9
21
Coréia do Sul 76 2,1 13 30 1,7 12 17 0,9
22
Espanha 64 1,8 14 24 1,3 18 20 1,1
15
Cingapura 63 1,7 15 22 1,2 19 19 1,0
19
Suíça 61 1,7 16 27 1,5 16 29 1,5
12
Suécia 56 1,5 17 30 1,7 11 30 1,6
11
Arábia Saudita 47
*
1,3 18 27 1,5 15 109 5,7
6
Áustria 44 1,2 19 17 0,9 22 17 0,9
23
Austrália 42 1,2 20 22 1,2 20 21 1,1
14
Malásia 40 1,1 21 15 0,8 26 12 0,7
26
Dinamarca 39 1,1 22 17 0,9 23 16 0,9
24
Brasil 36 1,0 23 25 1,4 17 20 1,0
16
22
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Noruega 35 1,0 24 19 1,1 21 18 1,0
20
México 27 0,8 25 16 0,9 25 15 0,8
25
África do Sul 23 0,7 26 16 0,9 24 25 1,3
13
26 países 3152 86,5 1484 81,0 1504 78,3
Mundo 3645 100,0 1831 100,0 1922 100,0
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
*
Refere-se ao ano de 1991.
Fonte: FMI, International Financial Statistics Yearbook, vol. XLVI, 1993, p. 108-111.
É verdade, por outro lado, que existem exceções notáveis
neste quadro desfavorável. Algumas empresas líderes em vários
segmentos conseguiram um bom desempenho exportador e, movidas
pelas exigências da competição no mercado internacional,
desenvolveram capacitação tecnológica própria em produtos,
operando com padrões best practice de qualidade e produtividade.
Mas a competitividade internacional da indústria de um país
como o Brasil não pode repousar em duas centenas de empresas
líderes, ilhas de excelência. É urgente a articulação de uma
política de competitividade, dentro de um projeto nacional de
desenvolvimento competitivo, capaz de acelerar a difusão das
inovações técnicas e organizacionais no sistema industrial
brasileiro.
POLÍTICAS DE COMPETITIVIDADE NOS PAÍSES DA OECD
A pretensa necessidade de retração completa do Estado no
domínio industrial não encontra correspondência nas políticas
efetivamente implementadas nos países mais avançados. Segundo
documento oficial da OECD (1992a), em praticamente todos os
países membros os governos têm considerado imperativo
contrabalançar o grau elevado de abertura ao exterior (redução de
barreiras tarifárias) mobilizando uma gama de instrumentos,
visando melhorar a competitividade de suas empresas, tanto no que
se refere às exportações quanto em relação aos mercados internos,
cada vez mais abertos à concorrência externa.
O principal constrangimento aos investimentos públicos de
fomento às condições sistêmicas da competitividade e aos outros
programas de natureza tecnológica, setorial ou regional decorreu
da crise fiscal do Estado e da dificuldade de financiar despesas
de médio e longo prazo. Mas não se deve confundir estas
restrições advindas da crise fiscal - reais e sérias - com uma
desistência de intervenção do Estado no campo da competitividade.
Com efeito, no Japão, na Alemanha, na França e, hoje, nos EUA, os
estados nacionais agem pragmaticamente na defesa ou no reforço da
competitividade industrial.
Mas é mister observar que as políticas de competitividade
hoje praticadas nos países da OECD diferem substantivamente das
políticas industriais do pós-guerra. Estas se orientaram
inicialmente para a reconstrução do sistema produtivo e para a
restauração do setor privado (Europa e Japão) e para a
reconversão industrial para fins civis (EUA). Nos anos 50 e 60,
essas políticas (na Europa e no Japão) apoiaram o desdobramento e
23
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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a intensificação do desenvolvimento industrial e o fortalecimento
das suas grandes empresas e bancos. Nos anos 70, ganhou peso a
questão do ajustamento energético (em face dos dois choques de
preços do petróleo) e iniciaram-se vários programas setoriais de
reestruturação. Começou a ganhar força, ainda no fim dos anos 70,
a preocupação em fomentar o desenvolvimento das novas tecnologias
de uso genérico. No caso americano, o fomento industrial esteve
associado ao esforço permanente de sustentação da sua liderança
tecnológica no campo militar.
Na primeira metade da década de 80, sob a hegemonia do
neoliberalismo, verifica-se significativo recuo das políticas
industriais tais como vinham sendo praticadas. Programas
setoriais foram desativados e os orçamentos de fomento reduzidos.
Mas, pressionados pela concorrência externa e influenciados pelo
exemplo japonês, os governos nacionais começam a redefinir suas
políticas na segunda metade dos 80. As políticas industriais
convencionais são substituídas por políticas de competitividade,
mais abrangentes e caracterizadas por novos ingredientes.
As novas políticas de competitividade incluem alguns dos
instrumentos tradicionais da política industrial e também um
número maior e mais complexo de novos mecanismos. Na prática, as
possíveis combinações desses instrumentos dá um caráter ad hoc
muito pronunciado às políticas.
Por um lado, a pressão da concorrência externa sobre os
oligopólios locais é considerada positiva na maior parte dos
países. Porém, uma série de fatores continuam a influir sobre as
ações dos governos. Entre estes, destaca-se a preservação dos
componentes principais da soberania nacional, particularmente o
domínio e algum grau de autonomia parcial em "tecnologias
críticas". A "racionalidade" neste caso combina considerações
militares e industriais, cujo mix varia de acordo com o país.
Outros fatores importantes incluem a questão do emprego, a
balança comercial, a questão ambiental e o desenvolvimento
tecnológico, particularmente através de projetos cooperativos
envolvendo parceria entre empresas e instituições de pesquisa.
Este último, apesar de ainda incipiente, está presente em vários
países da OECD, particularmente nos países nórdicos e na França
(OECD, 1992a).
É importante, ademais, reconhecer que as políticas
comerciais, de investimento, tecnológicas e de regulação da
concorrência devem ser consideradas de maneira integrada,
conjuntamente, e não separadamente. A interface entre tais
políticas é particularmente visível nas políticas de apoio à
exportação e no erguimento das barreiras não-tarifárias. Estas,
ao oferecer a alguns setores proteção efetiva, compensam aquela
que foi perdida como resultado da eliminação das tarifas e são,
de fato, instrumentos setoriais de política de competitividade.
Em casos mais sofisticados, elas se dirigem a melhorar o
desempenho e permitir o aprendizado nos mercados domésticos para
satisfazer novos requisitos de segurança, qualidade e padrões
ambientais.
24
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Tendo em vista pressões no âmbito do GATT e de outros
organismos internacionais, a crise fiscal dos governos centrais e
um certo reconhecimento do caráter interativo e localizado dos
processos de aquisição de competência tecnológica (especialmente
no caso das novas tecnologias), tem sido observada clara
tendência de deslocamento das políticas e do respectivo apoio
financeiro do nível federal ou central para o âmbito local ou
regional (os estados, no caso dos EUA). Tendo em vista que esta
descentralização ou regionalização das políticas pode se
constituir em fator desagregador da coesão nacional - em face da
competição entre diversas regiões -, aos governos centrais tem
cabido o importante papel de coordenação dos diferentes esforços
regionais.
Ao lado da regionalização, as novas políticas valorizam e
promovem sistematicamente a cooperação entre os agentes
econômicos (e entre estes e o Estado) e levam em conta a
necessidade de mobilização simultânea e de forma coordenada das
diversas instâncias governamentais responsáveis por políticas
específicas.
Tendo em vista que a cooperação e outras formas de captura
de externalidades adquirem importância crescente, pode-se
classificar algumas formas de fomento à competitividade de acordo
com as relações entre os agentes envolvidos, públicos e privados.
Elas representam a oferta de externalidades e de oportunidades de
cooperação. Referem-se a:
a) infra-estruturas e serviços públicos;
b) investimentos imateriais em educação, treinamento e P&D;
c) articulação de nexos cooperativos entre agentes através
de programas, projetos mobilizadores, incentivos, etc. Significa
articular empresas, instituições de pesquisa pura e aplicada,
infra-estruturas tecnológicas, etc. em torno a sistemas locais ou
regionais de inovação;
d) promoção da parceria entre o sistema financeiro e as
empresas inovadoras. Trata-se da criação de condições fiscais,
financeiras e institucionais que incentivem os bancos e agentes
financeiros a apoiar a inovação, alargando o horizonte temporal e
absorvendo parte dos riscos.
Fundamentados no tripé descentralização das políticas,
cooperação entre os diversos agentes e mobilização coordenada das
diversas instâncias responsáveis, os principais instrumentos
utilizados atualmente pelos países industrializados no quadro de
suas políticas de competitividade podem ser classificados em
quatro categorias:
- poder de compra do setor público;
- intervenção direta para a reestruturação de setores, sob
leis ou regulamentos temporários;
- requisitos de desempenho para o investimento de risco
estrangeiro;
- subvenções, incentivos e auxílios fiscais-financeiros,
diretos e indiretos.
25
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Os dois primeiros instrumentos (poder de compra e
intervenções reorganizadoras) são utilizados de maneira seletiva,
visando setores específicos. O terceiro refere-se a
regulamentações e requisitos informais estabelecidos para filiais
de empresas estrangeiras e dizem respeito ao seu desempenho em
certos quesitos, tais como compra de insumos e componentes
locais, obtenção de um equilíbrio entre importações e exportações
nas trocas intrafirma entre matrizes e filiais e de um desempenho
mínimo em termos de exportações fora das relações intrafirma.
Tais medidas, tradicionalmente associadas aos países em
desenvolvimento, têm sido crescentemente utilizadas a partir dos
anos 80 por países da OECD, inclusive pelos EUA (neste caso não
em nível federal mas, sim, em nível estadual).
Finalmente, as subvenções e os auxílios fiscais-financeiros
diretos ou indiretos à indústria constituem, hoje em dia, o
instrumento de política industrial mais utilizado pelos países da
OECD. Tais subvenções e auxílios incluem instrumentos de
financiamento direto, que transferem recursos a determinadas
categorias especiais de empresas e setores, e incentivos fiscais,
que conferem privilégios temporários às empresas que se
qualifiquem para atividades de P&D ou cumpram outros requisitos.
O banco de dados da OECD sobre os programas de apoio à
indústria que envolvem auxílio financeiro contabilizou 879
programas em vigor no período 1986-89. Para 739 destes programas,
foi possível estimar o custo líquido para o governo que, para o
período em análise, alcançou aproximadamente US$ 262,7 bilhões
(Tabela 6). Tal montante representa cerca de 2% a 3% do valor
adicionado do setor manufatureiro dos países membros.
Os dados permitem constatar que, ao longo dos anos 80, o
fomento ao investimento industrial, de caráter genérico diminuiu,
principalmente em razão de reformas fiscais que reduziram
incentivos generalizados. Tal tipo de apoio, que em 1986 era
responsável por 55% do montante de recursos públicos alocados aos
programas de apoio à indústria, respondia por apenas 28% em 1989.
A era do auxílio indiscriminado cede lugar a políticas com
foco bem definido, onde o critério da eficiência e da avaliação
dos resultados (custos versus benefícios) tornou-se regra
imperiosa. Assim, como contrapartida, medidas focalizadas de
fomento à competitividade aumentaram significativamente. Estas
podem ser classificadas em três grandes blocos: 1) aquelas
visando especificamente a concorrência externa; 2) as de apoio às
atividades de P&D e à difusão tecnológica; 3) as que se
direcionam a salvaguardar o tecido industrial dos países da OECD,
freqüentemente sob a forma de programas de desenvolvimento
regional (Tabela 6).
26
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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TABELA 6
OECD - PROGRAMAS DE APOIO AO SETOR INDUSTRIAL
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
OBJETIVOS DE POLÍTICA PROGRAMAS % DO CUSTO ESTIMADO PARA O ESTADO
Nº * 1986 1987 1988 1989
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
A) Aumentar a Concorrência Externa 258 227 16,7 27,3 26,1 28,9
- auxílio à exportação 91 80 8,4 15,2 16,4 19,9
- medidas setoriais 130 118 5,9 9,2 8,6 7,7
- apoio a empresas em dificuldade 37 29 2,4 2,9 1,1 1,3
B) P&D e Difusão Tecnológica 159 144 9,0 10,9 9,4 11,5
C) Salvaguarda do Tecido Industrial 339 277 19,6 24,7 28,0 31,2
- políticas industriais regionais 162 136 13,7 17,2 17,8 22,2
- apoio a pequenas e médias empresas 117 87 3,3 4,6 4,8 5,2
- apoio ao emprego e form. profissional 60 54 2,6 2,9 5,4 3,8
SUBTOTAL (A+B+C) 756 648 45,3 62,9 63,5 71,6
D) Apoio Geral ao Investimento 123 91 54,7 37,1 36,5 28,4
TOTAL 879 739 100,0 100,0 100,0 100,0
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
CUSTO LÍQUIDO PARA O ESTADO (US$ bi)
Subtotal (A+B+C) 35,5 42,9 42,5 38,1
Total (A+B+C+D) 74,6 68,1 66,9 53,1
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
* Número de programas para os quais a OECD dispõe de informações sobre o custo líquido para o
Estado.
Fonte: OECD (1992a).
As medidas de suporte à capacidade de concorrência externa
compreendem, em primeiro lugar, aquelas destinadas a favorecer as
exportações. Estas foram as que mais cresceram no período
recente, evidenciando a determinação dos países da OECD de
preservar (e ampliar) suas posições de mercado. Elas comportam
vantagens fiscais e financeiras e cobrem dois tipos de medidas:
aquelas que financiam os clientes estrangeiros de fabricantes
nacionais e as que visam reforçar o campo de ação internacional e
a capacidade de exportação de fabricantes locais, especialmente
através de medidas de apoio direto (inclusive logístico).
Outro tipo de medidas dentro deste bloco são as de corte
setorial, de natureza defensiva, dirigidas a setores em declínio
ou expostos a acirrada concorrência internacional. A maior parte
dos programas setoriais direciona-se aos setores siderúrgico,
têxtil, naval (setores em declínio), automobilístico,
aeroespacial e eletrônico (arquétipos de setores expostos a uma
concorrência internacional aguçada).
Finalmente, verificam-se as medidas de apoio a empresas em
dificuldades: em numerosos casos os Estados intervêm quando
certas empresas com particular importância econômica e social
passam por dificuldades financeiras devidas à concorrência
internacional. Um apoio financeiro excepcional é oferecido a tais
empresas com a finalidade de evitar o seu fechamento e de
auxiliá-las num processo de reestruturação.
O segundo bloco de medidas refere-se ao apoio às atividades
de P&D e à difusão tecnológica. Apesar de ser há muito utilizado,
o tipo e a forma de apoio a P&D mudaram substancialmente ao longo
dos anos 80. Anteriormente constituía-se fundamentalmente de
27
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
subvenções pagas às empresas sob a forma de contratos de P&D com
vistas à obtenção de resultados específicos, prolongando-se, em
caso de sucesso, sob a forma de compras governamentais. Hoje em
dia, em quase todos os países da OECD, o apoio fiscal sistemático
às atividades de P&D das empresas é o instrumento de política de
mais ampla utilização.
Entre as razões que explicam essa mudança encontram-se a
perda de atratividade dos grandes programas e o fato de que,
podendo enquadrar-se na categoria de falhas do mercado, tais
medidas não infringem as regras do GATT e da CEE.
O levantamento da OECD identificou três tipos de programas
de apoio às atividades de P&D. O primeiro, de caráter geral, visa
obter reduções nos custos de P&D para as empresas, sobretudo
através de vantagens fiscais. Normalmente, têm sido
complementados por subsídios suplementares se tais atividades são
efetuadas sob certas condições (projetos de cooperação com
universidades e centros de pesquisas, projetos internacionais,
etc.). A tendência mais importante é a de encorajar as
modalidades mais interativas. O segundo tipo, apoio a tecnologias
específicas, tende a se concentrar num número relativamente
pequeno de áreas tecnológicas, principalmente em informática e
novas formas de energia. Finalmente, o terceiro tipo visa
reforçar os investimentos em P&D de certas categorias de
empresas. Estes programas, que aumentaram significativamente ao
longo dos anos 80, visam, na maior parte dos casos, estimular o
acesso de tais empresas a resultados de P&D já existentes na
economia.
O terceiro bloco de medidas refere-se àquelas que visam
resguardar o tecido industrial. Em primeiro lugar, encontram-se
as políticas industriais regionais (os programas deste tipo - 162
- foram aqueles que mais cresceram, no âmbito dos países da OECD,
ao longo da década de 80). Estas são utilizadas em duas
circunstâncias. Em primeiro lugar, no caso de regiões
confrontadas com déficits estruturais de emprego, tendo em vista
sua especialização setorial anterior em indústrias como a
construção naval, siderurgia e têxtil. As medidas buscam
encorajar e facilitar a conversão industrial e a diversificação
dos recursos locais de capital e trabalho. No segundo caso, o de
regiões subdesenvolvidas, tenta-se promover um processo de
desenvolvimento passível de auto-sustentação.
O segundo tipo de programa deste bloco valoriza
especialmente o apoio a pequenas e médias empresas. Num contexto
de aumento do desemprego e de crescente esgarçamento do tecido
industrial no final dos anos 80 e início dos anos 90, esses
programas tiveram sua importância aumentada. Incluem programas
que oferecem vantagens extensivas ao universo de pequenas e
médias empresas, em termos de diminuição de custos
(essencialmente através de tratamento fiscal), programas de
estímulo a certas ações específicas locais/setoriais por parte de
tais empresas, tendo em vista um interesse econômico (criação de
empregos) ou tecnológico (inovação), e medidas de caráter geral
mas dirigidas ao reforço de atividades específicas, tais como
28
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
P&D, programas de automação e recursos para consultoria em gestão
e organização.
Finalmente, o apoio ao emprego e à formação profissional tem
sido um dos objetivos principais dos diversos países da OECD. As
iniciativas compreendem programas dirigidos a todas as empresas e
destinados a auxiliar o financiamento de atividades de formação
(através de renúncia fiscal) e programas mais específicos em
favor do investimento e da criação de emprego. São realizados por
meio de subvenções dirigidas à massa de salários das empresas ou
a certos grupos de assalariados que se defrontam com perspectivas
de desemprego de longo prazo ou a jovens trabalhadores recrutados
pela primeira vez ou, finalmente, aos assalariados mais idosos.
À guisa de conclusão é relevante sublinhar que as políticas
de competitividade são complexas. Combinam descentralização,
cooperação e mobilização de instâncias administrativas e agências
diversas. Não são factíveis sem uma elevada capacidade de
coordenação e exigem que as políticas industriais, tecnológicas,
de comércio exterior e de regulação de concorrência estejam
afinadas entre si. A simples enunciação destas características
expressa o grau de desafio envolvido na tarefa de articular, no
Brasil, uma política de competitividade.
29
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
POLÍTICAS DE COMPETITIVIDADE NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
No que se refere a países em desenvolvimento, deve-se
enfatizar que, no âmbito dos países do sudeste asiático,
políticas industriais e tecnológicas têm sido praticadas
extensivamente, mesmo ao longo da década de 80. Mais
recentemente, a agenda de políticas de competitividade para tais
países na década de 90 tem como pilar central a promoção de P&D,
inovação e difusão tecnológica para o setor industrial (OECD,
1992a). As previsões são de que, através de diversos programas
centrados nas novas tecnologias, a Coréia do Sul passe a gastar
3,5% do PNB em ciência e tecnologia em 1996 e 5,0% em 2001. Da
mesma maneira, crescimentos significativos são planejados para
Cingapura (2% do PIB em 1995) e Taiwan (2,5% do PIB em 1996).
Medidas específicas de corte setorial (por exemplo, para
semicondutores, software e televisão de alta definição, na
Coréia; petroquímica, em Cingapura; e indústria têxtil, em
Taiwan) e de apoio a pequenas e médias empresas, políticas de
concorrência e de reforma regulatória constituem os outros
pilares das políticas de competitividade em tais países.
Nos países latino-americanos diminuiu, nos anos 80, a margem
de manobra para a implementação de políticas industrializantes
nos moldes das décadas anteriores. A orientação da política
industrial foi subordinada às prioridades da gestão
macroeconômica, submetida às restrições derivadas da crise do
endividamento externo: geração de superávits comerciais, redução
dos investimentos públicos e controle da inflação.
Ao longo dos anos 80, os países da região com estágios mais
avançados de industrialização (Argentina e México, além do
Brasil) beneficiaram-se da expansão do comércio internacional, da
valorização do dólar e da relocalização de atividades das
multinacionais, e aumentaram suas exportações de produtos
industriais. As exportações dos setores intensivos no uso de
recursos naturais (alimentos, papel, siderurgia, alumínio,
petroquímica, etc.) cresceram significativamente, impulsionadas
pela disponibilidade de recursos naturais, pela implantação de
capacidade produtiva eficiente desde o final dos anos 70 (em
grande parte através de programas coordenados e financiados pelos
Estados Nacionais) e pela implementação de diversos mecanismos de
fomento.
Nos anos 90, sob a inspiração das instituições multilaterais
(FMI e Banco Mundial), os países latino-americanos vêm
implementando programas de estabilização que procuraram se
beneficiar das condições do mercado financeiro internacional para
"lastrear" suas moedas. Simultaneamente, vêm sendo realizadas
"reformas estruturais", que redefinem a participação do Estado na
economia e aumentam os graus de abertura comercial e financeira.
Nesse contexto, a necessidade e a legitimidade das políticas
industriais têm sido objeto de intenso debate político e
ideológico. De modo geral, a orientação dominante privilegia o
fomento da concorrência, através da abertura comercial, da
desregulação e da privatização. Os programas que estabelecem
30
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
diferenciação entre setores tendem a ser questionados em função
de seu caráter "discriminatório".
Chile, Argentina e México são correntemente apontados como
exemplos bem-sucedidos de programas de estabilização com reformas
estruturais liberalizantes. A análise dos impactos desses
programas sobre a competitividade da indústria argentina e
mexicana é particularmente relevante para o Brasil em função de
esses países terem atingido estágios relativamente avançados de
industrialização no contexto regional.
Tanto na Argentina quanto no México a utilização da taxa de
câmbio como principal instrumento da estabilização provocou
significativa valorização da moeda local. O efeito mais imediato
da perda de competitividade provocada pela sobrevalorização do
câmbio tem sido o surgimento de expressivos déficits comerciais,
compensados pela entrada de capitais em ambos países. No entanto,
as características dos fluxos de capital, predominantemente
especulativos e de curto prazo, fragilizam a posição do balanço
de pagamentos e podem ameaçar os resultados da estabilização
2
.
Além da valorização do câmbio, outros fatores contribuem
para a geração de déficits comerciais. A recuperação do nível
doméstico de atividades e o fraco dinamismo dos mercados
internacionais de commodities intensivas em recursos naturais -
que constituem, desde os anos 80, item importante da pauta
mexicana e argentina - têm obstaculizado o crescimento das
exportações. A abertura da economia estimulou a importação de
bens de consumo e de equipamentos e incrementou o conteúdo
importado dos bens finais produzidos localmente. Houve, além
disso, perda de competitividade dos setores cujos custos são
onerados fortemente pelos preços dos serviços, uma vez que os
preços dos non tradables aumentaram significativamente acima dos
outros.
Os problemas acima listados revitalizaram o debate sobre a
necessidade e a orientação da política industrial em ambos
países. Ainda que de maneira incipiente e casuística, México e
Argentina começam a se preocupar com políticas de competitividade
mais abrangentes que incorporam inclusive elementos de
diferenciação setorial. O caso da Argentina, em função do
Mercosul, é particularmente relevante para o Brasil.
Estudo recente sobre a competitividade da indústria
argentina (Kosacoff, 1993) analisa os impactos do plano de
estabilização e registra que houve, a partir de 1991, recuperação
do nível de atividade, impulsionada pelos setores automobilístico
e eletrônico. Os setores de insumos básicos, voltados
principalmente para o mercado internacional, tiveram desempenho
fraco e os setores têxtil e de bens de capital sofreram forte
concorrência por parte das importações.
2
Uma avaliação preocupante a respeito dos influxos de capitais de curto prazo sobre as
economias de países em desenvolvimento (Chile, Colômbia, Egito, México, Tailândia) foi
efetuada recentemente pelo próprio Fundo Monetário Internacional (vide "Recent
Experiences with Surges in Capital Inflows", FMI, Washington DC, dec. 1993).
31
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
O governo argentino tem tentado neutralizar os efeitos
negativos da valorização do câmbio através de medidas
compensatórias: aumento "temporário" das tarifas de importação
(taxa estatística), tarifa zero para as importações de bens de
capital (com compensação tributária para os fabricantes locais de
equipamentos), redução de tarifas de importação com contrapartida
de metas de expansão das exportações (Regime de Especialização
Industrial), mudanças na legislação trabalhista, redução seletiva
dos encargos sociais (diferenciada por setor e por região), entre
outras.
Adicionalmente, têm sido utilizadas medidas "defensivas"
para setores selecionados, através de ações antidumping no setor
siderúrgico, da elevação de tarifas e do estabelecimento de
restrições quantitativas nas importações de papel e de produtos
têxteis.
O estudo ressalta que as estratégias das empresas
industriais têm consistido predominantemente na implementação de
reestruturações de tipo "defensivo", com baixo nível de
investimento, fechamento de plantas, aumento do conteúdo
importado e redução do emprego. O resultado, do ponto de vista do
conjunto da indústria, tem sido um aprofundamento do "processo de
reestruturação desarticulada" experimentado pela indústria
argentina desde meados dos anos 70. O caráter "regressivo" desse
processo contrasta com o caráter modernizador e expansivo da
reestruturação nos países desenvolvidos e nos países asiáticos.
Nesse contexto, a indústria automobilística é apontada como
uma exceção que ressalta a possibilidade de se promover
reestruturações "ofensivas" através de programas setoriais. O
regime para o setor contempla o aumento do conteúdo importado dos
produtos finais, a concessão de vantagens para as montadoras
(tarifas reduzidas) na importação de veículos e restrições
quantitativas para as importações (percentagem do mercado
doméstico). O crescimento da produção e do emprego no setor
automobilístico tem revigorado o debate sobre a necessidade e
viabilidade de estabelecer programas semelhantes para outros
setores industriais.
Em resumo, políticas setoriais passaram a emergir de forma
improvisada, em resposta a pressões de interesses particulares e
à necessidade de manter empregos cada vez mais ameaçados pela
sobrevalorização da taxa de câmbio. São, contudo, políticas de
caráter ad hoc, sem constituir uma estratégia coerente e
articulada para o conjunto da indústria.
A CONSTRUÇÃO DELIBERADA DA COMPETITIVIDADE COMO OBJETO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS
A mudança de paradigma técnico-econômico expressa-se na
liderança do complexo eletrônico como segmento dinamizador do
crescimento industrial - papel desempenhado, até os anos 70, por
setores da metalmecânica. A microeletrônica, em particular,
tornou-se a principal indutora do progresso técnico. A veloz
incorporação dos avanços da microeletrônica tem sido viabilizada
pela espetacular redução dos preços relativos da capacidade de
32
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
processar e armazenar informações. Entre 1975 e 1989, a redução
real dos preços relativos da capacidade de processamento
(bits/dólar) alcançou a impressionante taxa de 25% ao ano. A cada
nova geração de chips de memória ou de processamento lógico
aumenta exponencialmente a capacidade e os preços tendem a cair
com a produção em larga escala e rápida difusão. Assim, novos
produtos mais potentes, mais velozes e com maiores potenciais de
aplicação são gerados incessantemente. Reduziu-se o ciclo de vida
dos produtos do complexo eletrônico e acelerou-se a velocidade de
sua difusão.
A incorporação de equipamentos de automação industrial cada
vez mais poderosos, baratos e rápidos vem transformando os
sistemas fabris, redefinindo padrões de eficiência, qualidade e
processos de produção. A participação dos equipamentos
eletrônicos nos investimentos em máquinas e equipamentos nos EUA,
por exemplo, cresceu de 16,3% em 1980 para 35,2% em 1989. A
aceleração das formas de inovação técnica e organizacional
acirrou a competição nas estruturas de mercado, redefinindo suas
condições. A intensificação da concorrência propiciada pelos
avanços da microeletrônica tendeu a encurtar o ciclo de vida dos
produtos e a elevar os volumes de investimento em P&D. A
capacidade de competir em velocidade de resposta (lead times) vem
se tornando crítica em muitos setores. A sustentabilidade das
configurações industriais passou a depender de novos fatores.
Mais do que as economias de escala de natureza estática - em
alguns setores verificou-se redução do tamanho ótimo das plantas
- as fontes dos ganhos competitivos estão associadas à
possibilidade de diluir os custos de projeto, desenvolvimento e
teste de novos produtos em vendas de grandes lotes e às economias
de escala dinâmicas decorrentes do acúmulo de experiências
(conhecimentos) por parte da empresa, a partir da repetição
consecutiva das atividades de vendas, produção, projeto e P&D
(Freeman & Oldham, 1991).
Importa aqui sublinhar que os custos crescentes de P&D, os
riscos elevados decorrentes do encurtamento dos ciclos de vida
dos produtos (e dos processos) e as vantagens da cooperação
tecnológica pré-comercial são fatores passíveis de fomento
estatal - que podem acelerar/inibir o ritmo de inovação. Não é
pois surpreendente que a cobertura dos riscos, a oferta de
subsídios e financiamentos especiais, a indução de projetos
cooperativos, o suporte à reestruturação de setores e o fomento
de condições sistêmicas benignas - articuladas por políticas de
competitividade - venham sendo deliberadamente perseguidas pelos
Estados-nacionais. O aguçamento da competição mundial manifesta-
se, assim, na construção deliberada da competitividade, através
de estratégias conjuntas dos Estados-nacionais e respectivos
setores privados.
A percepção de que políticas deliberadas podem moldar a
aquisição de competitividade nas economias nacionais
(especialmente para os setores difusores de progresso técnico)
tem implicação direta sobre as negociações concernentes à "nova
ordem econômica internacional". Três aspectos têm particular
importância para países em desenvolvimento como o Brasil:
33
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
a) a introdução da propriedade intelectual como tema
compulsório da agenda de negociação;
b) a pressão para que os serviços venham a ser regulados
pela nova organização mundial de comércio que sucederá o GATT;
c) a atração planejada de investimentos diretos em novas
bases, uma vez que os fatores "construídos" de competitividade
são cada vez mais relevantes na determinação destes
investimentos.
Em outras palavras, mais além do potencial dos respectivos
mercados internos, a formação de condições benígnas e de
externalidades favoráveis (parceiros aptos, fornecedores
eficientes, força de trabalho capacitada, infra-estrutura) passou
a ser objeto de políticas deliberadas de competitividade. Nos
países em desenvolvimento, contudo, o processo de aprendizado
tecnológico enfrenta obstáculos de monta.
O DESAFIO DO APRENDIZADO NO CONTEXTO DE ACELERADA MUDANÇA
TECNOLÓGICA
A indústria brasileira defronta-se, como visto, com um
sistema internacional de produção e comércio que se encontra em
constante mutação, sendo totalmente diferente dos anos 60 e 70. O
problema não é simplesmente que agora existe um maior número de
novas tecnologias, mas sim que os padrões mundiais de produção,
difusão e comercialização de tecnologias subjacentes à
competitividade da indústria estão mudando muito mais rapidamente
do que nas décadas anteriores. Essas mudanças, além de aprofundar
a eficiência dos processos, têm: (i) diminuído o tempo entre
grandes descontinuidades tecnológicas, (ii) reduzido o ciclo de
vida de novos produtos e (iii) ampliado a diversidade de pequenas
diferenciações de produtos. Ao mesmo tempo, tais mudanças,
centradas em produtos e em processos, têm sido direcionadas à
redução de custos ambientais por unidade de produto industrial.
Particularmente, a incorporação das novas tecnologias em
produtos, processos e sistemas organizacionais requer um
envolvimento direto do usuário no design e desenvolvimento
tecnológico. Tais especificações de sistemas não são facilmente
transferíveis na forma de bens de capital ou blueprints. Sua
introdução eficaz, portanto, requer um mínimo de desenvolvimento
tecnológico local. Em segundo lugar, a maior parte das aplicações
das novas tecnologias envolve sistemas e redes de informação, o
que traz à tona a importância das externalidades advindas de
networking, com a difusão progressiva trazendo custos
transacionais decrescentes e benefícios a todos os usuários e não
apenas a adotantes marginais.
Apesar da falta de dados sistematizados, é plausível que a
importância da capacitação em engenharia esteja aumentando, em
função dos novos requisitos da mudança tecnológica. Esta
tendência manifesta-se na importância crescente das atividades
inovativas localizadas, concentradas em pólos setoriais/locais e
baseadas em elementos do conhecimento que são menos padronizados
e mais tácitos.
34
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Em face deste padrão, não é surpresa que as políticas
públicas na maior parte dos países avançados venham tendo um
papel significativo na aceleração da difusão das novas
tecnologias - estimulando em particular a emergência de
fornecedores e usuários eficientes e promovendo o desenvolvimento
de ligações produtor-usuário.
A alocação insuficiente ou inexistente de recursos nessa
direção implica, para os países de industrialização recente,
crescentes dificuldades nos seus esforços de aquisição de
tecnologia das economias industriais mais avançadas. Em
particular, os seguintes pontos têm sido lembrados:
- com a inovação dependendo cada vez mais de níveis
crescentes de gastos em P&D, pagamentos maiores tendem a ser
necessários para o licenciamento e outras formas de acesso às
novas tecnologias;
- mudanças nos sistemas de propriedade intelectual nos
países avançados, especialmente no que se refere à inclusão
nestes sistemas de áreas tecnológicas anteriormente excluídas
(por exemplo, software e biotecnologia), junto com pressões para
a adoção de tais regimes pelos países em desenvolvimento;
- as características das novas tecnologias fazem com que
estas sejam inerentemente mais difíceis de se transferir, dado o
alto grau de conhecimento tácito e específico a elas associado;
- a proliferação de acordos de colaboração entre empresas
para desenvolver novas tecnologias, combinada com a crescente
importância da pesquisa básica, dificultam o acesso dos países em
desenvolvimento, até o momento praticamente excluídos desses
acordos de cooperação.
Evidentemente, se existem esses obstáculos e barreiras à
aquisição de tecnologia, eles não parecem ser intransponíveis ou
impermeáveis. O exemplo da Coréia é instrutivo: mesmo com o
aumento da dificuldade de acesso, os pagamentos coreanos por
tecnologia importada têm continuado a crescer substancialmente -
quase dobrando entre 1987 e 1991. Além das características das
tecnologias envolvidas, das empresas ofertantes e da concorrência
internacional, parecem ser fundamentais as capacitações
tecnológicas das empresas importadoras de tecnologia, junto com
outros elementos de poder de barganha que elas possam acumular.
O poder de barganha do importador de tecnologia (inclusive o
acesso a mercados) parece ter influência significativa na
disposição de fornecedores potenciais em participar de acordos de
tecnologia. Porém, conforme também ilustrado pela experiência
coreana, o intenso e significativo aumento de gastos em P&D por
parte das empresas daquele país foi condição sine qua non para
que elas melhor negociassem a aquisição de tecnologia externa.
A superação da fragilidade tecnológica do sistema
empresarial brasileiro coloca-se, portanto, como um desafio
fundamental. Sem uma mudança radical das estratégias privadas, de
forma a internalizar a inovação técnica e a capacitação como
atividades empresariais permanentes e estruturadas não será
possível enfrentar o desafio da competitividade. Num contexto de
rápida transformação, insinua-se o risco de aprofundamento da
35
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
heterogeneidade técnica e competitiva da estrutura industrial
brasileira, com reflexos indesejáveis de agravamento das
disparidades sociais e regionais. Por conseguinte, são
necessários programas de mobilização, difusão e acúmulo de
capacitação gerencial e tecnológica das empresas em todos os
níveis, setores e regiões. Incentivos fiscais, financeiros,
informação e assistência são instrumentos que devem ser
utilizados de forma vigorosa, como será descrito no Capítulo 3 da
Parte I.
ESTABILIZAÇÃO MACROECONÔMICA E O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO
COMPETITIVO
Na construção de um projeto nacional de desenvolvimento
competitivo, a crise e a obsolescência do Estado brasileiro
colocam-se como obstáculos fundamentais em face da sua inépcia
para: a) ordenar o quadro macroeconômico, impondo um mínimo de
estabilidade monetária e de preços; b) desenvolver e articular as
condições sistêmicas de competitividade.
É desnecessário ressaltar que a estabilização macroeconômica
é condição indispensável para uma estratégia de desenvolvimento
competitivo. Mas, de outro lado, a própria estabilização será
vulnerável e efêmera se não se desdobrar numa retomada
sustentável do desenvolvimento.
O processo latente de hiperinflação inviabiliza o cálculo
econômico de médio e longo prazo, tolda os horizontes, torna
intolerável o custo de capital. A sociedade em geral anseia pela
estabilização mas, de outro lado, qualquer das opções de política
implica perdas e riscos para diferentes agentes econômicos e o
seu poder de veto ou de burla, no atual contexto político-
institucional, não é desprezível.
Não se trata apenas de "derrubar" a inflação e reprimi-la
temporariamente. É fundamental resolver a estabilização fixando
elementos básicos de confiança na moeda, nas finanças públicas,
na gestão de câmbio e na sustentabilidade do crescimento. Por
exigir soluções simultâneas e complexas, a estabilização requer a
formação de um consenso mínimo entre um conjunto de forças
sociais e políticas e exige um Estado capaz de coordenar a sua
busca.
A essência de um programa de ataque simultâneo e abrangente
às causas do processo inflacionário, socialmente respaldado, está
na criação de um jogo de soma positiva, só alcançável pela
transição da estabilização em retomada organizada do crescimento.
Nas condições brasileiras, nenhum tipo de programa de
estabilização pode lograr êxito sem uma reversão coordenada das
expectativas e sem a adesão dos agentes econômicos, especialmente
dos price makers e dos exportadores.
A negociação de acordos de renda, emprego e principalmente
de reestruturação e ampliação da capacidade produtiva em fóruns
tripartites pode ser um instrumento auxiliar para solidarizar
interesses. O desbloqueio simultâneo das condições de
financiamento dos grandes sistemas de infra-estrutura (energia,
36
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
transportes e telecomunicações) pode ajudar a fixar confiança
através de parcerias público-privadas. Enfim, a solidificação de
horizontes de investimento é fundamental pois, sem eles, fica
difícil reverter os comportamentos defensivos de pricing
inflacionário antecipatório e aceleracionista.
Há um conjunto de reformas indispensáveis. É essencial
caminhar para um ajuste fiscal duradouro através de uma profunda
reestruturação do gasto público. Sem a supressão dos desvios,
desperdícios e redundâncias e sem o aumento da eficiência do
aparelho público, especialmente na área social, ficará difícil
concretizar uma indispensável elevação do nível macroeconômico de
arrecadação. O aperfeiçoamento do sistema tributário e o início
de uma reforma do financiamento público e privado são, também,
pilares fundamentais. O ajuste fiscal, o equacionamento das
dívidas intra-setor público, o saneamento das instituições
financeiras públicas, as engenharias financeiras e as
privatizações são condições fundamentais para neutralizar e
minorar as pressões monetárias expansionistas, infundir confiança
quanto à solidez das contas públicas e ancorar a liquidez do
sistema financeiro. São, todas, condições para eficácia da
política monetária.
A efetivação do conjunto de medidas e reformas acima
fortifica a possibilidade de fixar uma ancoragem múltipla,
baseada na pactação ou na imposição consentida de freios ao
processo inflacionário (em uma ou em mais de uma etapa). O ponto
central está na compreensão de que sem a retomada do investimento
produtivo não há saída possível para qualquer programa de
estabilização e, portanto, para ser bem-sucedido esse programa
deve associar estabilização e crescimento organizado da economia.
É importante advertir que o sucesso da estabilização (ainda
que por etapas) tende a provocar um rápido processo de
remonetização, o que exigiria ação imediata do Banco Central
através do aumento do compulsório sobre depósitos à vista. Para
que o controle da expansão do crédito, no contexto da
estabilização, não seja estéril, é preciso combiná-lo com medidas
de direcionamento dos empréstimos para os setores prioritários da
política industrial, em operações de prazos mais longos e juros
reduzidos. O desdobramento de finanças industrializantes é chave
para induzir e dar suporte às decisões de investimento e,
portanto, para sustentar o desenvolvimento competitivo.
Finalmente, é mister assinalar que a gestão do nível da taxa
de câmbio real é extremamente relevante para a estabilização. O
elevado volume atual das reservas de divisas é benfazejo para a
estabilização à medida que permite ao Banco Central esfriar
qualquer movimento especulativo sobre a taxa de câmbio. Este fato
constitui um pólo de estabilização de expectativas, na vertente
cambial, e representa um trunfo importante para um programa de
estabilização. A possível ancoragem de preços, salários e câmbio
37
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
pode basear-se no atual patamar da taxa de câmbio real
3
, mas deve
sinalizar claramente que uma trajetória de sobrevalorização não
será referendada. Se a fixação temporária da taxa de câmbio
implicar certo grau de sobrevalorização, regras previamente
negociadas de correção da defasagem devem ser aplicadas.
Idealmente, a política cambial deve ser passiva no curto
prazo para auxiliar a ancoragem, cabendo à política monetária um
papel ativo. À medida que se fixe a estabilização e as decisões
de investimento ganhem corpo, ensejando a redução das taxas de
juros, será desejável que a política cambial se torne mais ativa
pelas seguintes razões: a) pelas pressões que a elevação do nível
de utilização de capacidade produtiva exercem sobre as
exportações e sobre a balança comercial; b) pela necessidade de
sustentar reservas elevadas (para dissuadir especulação cambial)
até que se fixe a estabilização; c) pela necessidade de sinalizar
incentivo à competitividade internacional da indústria, tornando
sólidas e permanentes as estratégias de exportação no momento em
que o mercado interno se reaquecer.
Em resumo, a opção por uma política de estabilização
abrangente, com ataque simultâneo a várias frentes, não é
acidental mas deriva do objetivo de integrar política
macroeconômica e política de competitividade. Neste sentido, vale
ressaltar alguns pontos essenciais a esta última, que devem
condicionar a primeira:
1º) evitar a sobrevalorização da taxa de câmbio, que
fragiliza o balanço de pagamentos, promove a desindustrialização
e desincentiva as estratégias de exportação;
2º) evitar a recessão continuada com taxas de juros
elevadas, que obriga as empresas à retração dos investimentos e à
prática do defensivismo financeiro e de pricing;
3º) aceitar a política de rendas como instrumento
indispensável à estabilização, especialmente numa economia
fortemente indexada, e conferir a esta maior alcance e
abrangência, o que não significa minimizar a importância das
políticas monetária, fiscal e cambial;
4º) fixar como eixo central da política de estabilização a
retomada organizada e sólida do crescimento. Por crescimento
organizado entenda-se um crescimento: a) inicialmente moderado e
cauteloso; b) sustentável pela recomposição dos investimentos
públicos e privados (e não por bolhas de consumo); c) financiado
por fontes não-inflacionárias; d) baseado na cooperação pactuada
entre os agentes sob a coordenação do Estado, na forma de um jogo
de soma positiva.
ESTILO E REQUISITOS DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO COMPETITIVO
3
O patamar da taxa de câmbio real considerado confortável pelas Notas Técnicas do ECIB (ver
NTs "Câmbio, Custos e Competitividade: Política Cambial e Estabilidade Macroeconômica" e
"Câmbio, Custos e Competitividade: Uma Análise a Partir dos Preços e dos Custos de
Produção Setoriais").
38
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
O Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB)
analisou empresas e setores que representam 50% da produção do
país, com o objetivo de especificar as precondições e propor
linhas de política para o desenvolvimento competitivo da
indústria brasileira. Inspirado na experiência dos países
desenvolvidos, especialmente na dos vitoriosos, mas alertado
pelos fracassos, o ECIB procurou escapar dos ideologismos e dos
falsos dilemas. Tendo a competitividade como critério, as
proposições de políticas buscam uma rota equilibrada entre
abertura e proteção; entre grau de especialização e preservação
da base industrial existente; entre expansão das exportações e
desenvolvimento do mercado interno; entre a intervenção do Estado
e a vigência das forças de mercado. Como visto anteriormente, é
necessário, também, conciliar a estabilização com um projeto de
crescimento sustentável.
Essa sustentabilidade implica, entre outras condições, a
busca permanente da competitividade e da capacitação tecnológica
da estrutura industrial brasileira. Assim como nos países
desenvolvidos, as políticas públicas precisam estar coordenadas e
articuladas para assegurar condições sistêmicas estimulantes.
Dentro desta ótica, o desenvolvimento competitivo deve assentar-
se em três pilares:
1º) em políticas que articulem: ordenamento macroeconômico;
desenvolvimento de infra-estrutura, educação, sistema de ciência
e tecnologia; política de comércio exterior; programas setoriais
de reestruturação produtiva e tecnológica; implementação de
regulações que induzam comportamentos competitivos; e ações de
fomento e estímulo à modernização das empresas e das relações de
trabalho;
2º) num novo estilo de desenvolvimento fundado em novas
relações entre Estado, Setor Privado e Sociedade; para isto é
necessário ampliar espaços e renovar pautas de negociação entre
os agentes econômicos, orientados para o desenvolvimento
competitivo da indústria;
3º) na legitimação e busca de coesão social em torno aos
objetivos da competitividade, de tal forma que o comportamento
dos atores sociais fundamentais (empresários e trabalhadores) se
oriente para a distribuição eqüitativa dos ganhos e benefícios
deste processo.
Novas relações devem substituir a liderança unilateral do
Estado por uma parceria efetiva entre Estado, Setor Privado e
Sociedade. O Estado deve coordenar e suprir falhas de mercado,
planejar e sinalizar, minimizando as funções de controle,
especialmente aquelas baseadas na prática discricionária da
burocracia e ampliando seletivamente seu papel de regulação e
indução de comportamentos virtuosos. O Estado deve, também,
substituir os mecanismos extraordinários de proteção e as
regulamentações restritivas que criam privilégios. Coordenação de
ações e de objetivos entre os agentes; fomento e indução à
competitividade; ação estruturante e de estímulo a novas
capacitações e condutas devem tomar o lugar do dirigismo, do
arbítrio burocrático e das regulamentações vedatórias.
39
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
As exigências da rápida mudança tecnológica e do ambiente
competitivo internacional impõem uma nova agenda de política de
competitividade que, conforme a experiência dos países avançados,
baseia-se no tripé cooperação, descentralização e mobilização
coordenada das diversas instâncias responsáveis por sua execução.
Mas, no caso brasileiro, esses desafios colocados pela terceira
revolução industrial confrontam-se com sérias distorções e
fragilidades, que não representaram empecilhos na etapa anterior
de industrialização via substituição de importações.
Dentre tais fragilidades, ressalta a falta de educação e de
qualificação de parcela significativa da força de trabalho.
Diferentemente do período anterior, calcado em métodos
tayloristas e fordistas de produção, o advento de novas
tecnologias e práticas produtivas e concorrenciais colocou por
terra a possibilidade de o país continuar a se desenvolver sem um
grau satisfatório de educação e de capacitação de seus
trabalhadores, suficiente para levá-los a participar ativamente
dos processos de produção. O desafio educacional é urgente e
difícil. Urgente porque não é possível elevar substancialmente a
escolaridade média da população em menos que uma década e meia. À
medida que se postergam soluções efetivas para a crise do sistema
educacional brasileiro, posterga-se também o horizonte temporal
de superação do problema - adentrando já nas primeiras décadas do
século XXI.
Outra fragilidade histórica de grande magnitude é a profunda
desigualdade social, com exclusão de uma imensa massa
populacional do padrão moderno de consumo. Mais grave ainda tem
sido a continuada degradação da base do mercado interno desde a
eclosão da crise econômica no início dos 80. Sem uma política de
melhoria progressiva da distribuição da renda e da riqueza, sem
salários reais crescentes, sem compartilhamento dos ganhos de
produtividade, fica difícil engajar os atores sociais na busca
permanente da competitividade e fica prejudicada a instauração de
relações de trabalho modernas, negociadas, sem conflitos
estéreis.
A busca da competitividade requer um mínimo de coesão social
e de legitimação dos seus objetivos e isto requer o
reconhecimento explícito das contradições e dos efeitos perversos
- de forma a estabelecer políticas compensatórias. Sem isso, o
acúmulo dos efeitos deletérios tende a minar as bases da
sustentação social e política da competitividade.
Neste ponto, é indispensável advertir, novamente, para a
tensão existente entre emprego e competitividade. Com efeito, a
partir do final da década de 70 há uma tendência caracterizada
pelos seguintes movimentos: em períodos de depressão, a queda no
nível de emprego é consistentemente maior do que a queda no nível
da atividade industrial; nos períodos de recuperação que se
seguem, porém, o crescimento do nível de emprego mostra-se muito
inferior àquele observado na produção industrial. Evidentemente,
o resultado líquido de tais movimentos é uma tendência de
diminuição no nível de emprego industrial. Conforme apontado
anteriormente, os países mais avançados têm respondido a este
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
desafio através de uma bateria de programas visando retreinar a
força de trabalho e prepará-la para buscar alternativas de
emprego no setor serviços ou na formação de micro e pequenas
empresas. Se esses programas não forem suficientes, ocorrerá uma
inevitável mobilidade social descendente, com acúmulo de mal-
estar social.
No Brasil, esta mesma tendência com relação ao emprego
industrial já vem sendo observada no período recente. É crucial
reconhecê-la e incluí-la explicitamente na nova agenda de
questões relevantes para um projeto nacional de desenvolvimento
competitivo.
NOVOS TEMAS E DESAFIOS
O desenvolvimento competitivo impõe, portanto, uma nova
agenda para as políticas públicas. Uma parte dela já ganhou amplo
reconhecimento e aceitação e, em vários casos, existem agências e
organismos públicos capacitados para executá-las. O Brasil possui
bancos públicos poderosos, especialmente o BNDES, instrumento-
chave para a política industrial. Possui também um sistema misto
como o SEBRAE para o fomento às micro e pequenas empresas. Dispõe
de uma burocracia experiente e de boa qualidade na área
diplomática. Conta com sistema de ciência e tecnologia (FINEP,
CNPq e demais instituições do Ministério da Ciência e Tecnologia,
de outros Ministérios e Estados da Federação) que, apesar de
estar seriamente combalido pela crise fiscal, pode ser
revigorado. Dispõe de estruturas como o INMETRO, o INPI e outras
instituições no Ministério da Indústria, Comércio e Turismo.
Dispõe, ademais, de poderosas empresas públicas (Petrobrás,
Sistema Eletrobrás, Sistema Telebrás e outras) que, apesar de
fragilizadas pela crise, podem ser reorganizadas, admitindo-se
crescente parceria com o setor privado. Conta, ainda, com o
sistema SENAI e outras instituições de ensino técnico, nas várias
instâncias da administração.
As políticas públicas já consagradas e as instituições
existentes certamente necessitam de reformas e aperfeiçoamentos
para atuarem coordenadamente, articuladas por uma política de
competitividade. Ao longo das notas técnicas do ECIB e dos
capítulos seguintes são apresentadas sugestões nesta direção.
Nesse tópico, interessa ressaltar os novos temas, funções e
capacitações para os quais não existe tradição no país ou a
capacidade pública e privada de implementação é muito incipiente
ou insuficiente. São eles:
a) Regulação e Promoção da Concorrência;
b) Regulação de Monopólios Públicos;
c) Descentralização Coordenada de Políticas;
d) Implementação dos Mecanismos Modernos de Comércio
Exterior (antidumping, salvaguardas);
e) Regulação e Controle Ambiental;
f) Implementação dos Direitos do Consumidor;
g) Atração de Investimentos Diretos Estrangeiros e Indução
de Condutas "Virtuosas";
h) Utilização Eficiente do Poder de Compra;
i) Indução de Atividades Privadas de P&D.
41
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A criação de capacidade de formular e implementar as
políticas e a regulação necessária nos campos supracitados vai
além de reformas convencionais. É indispensável que se promova o
desenvolvimento institucional e organizacional do Estado para
torná-lo apto a enfrentar os novos temas e desafios. A
valorização e capacitação dos quadros técnicos do setor público e
a criação de capacidade de formulação de políticas, de
coordenação e de descentralização, constituem tarefas
absolutamente necessárias.
Cada um desses novos desafios foi objeto de Notas Técnicas
específicas ou consta das Notas de Síntese dos Blocos Temáticos
do ECIB e são comentados neste Relatório, nos capítulos da Parte
I e especialmente na Parte IV, onde se discute as novas tarefas
do Estado. Representam as áreas mais frágeis e incipientes que
precisam ser desenvolvidas para respaldar a dimensão sistêmica da
política de competitividade. Mas não é só. A articulação das
ações de competitividade no plano setorial depende, em vários
casos, do funcionamento eficiente destas novas áreas de política.
Em alguns setores, a inexistência de condições efetivas de
regulação da concorrência por parte do poder público permite a
prática incontestada de condutas anticompetitivas. Em outros
setores, o rápido desenvolvimento de capacitação institucional de
regulação e planejamento dos monopólios públicos é essencial para
acompanhar a flexibilização destes, com introdução do princípio
da concorrência (sendo o monopólio público separado do monopólio
das empresas estatais). Dispensa maior comentário a urgência
quanto ao aparelhamento efetivo do Estado para a operação das
políticas de antidumping e de salvaguardas. O avanço da
capacidade regulatória e de operacionalização da política
ambiental é importante para que a indústria brasileira se ajuste
velozmente aos novos padrões e não venha a ser vítima das novas
barreiras "verdes" no comércio internacional. Convém lembrar a
proteção ao consumidor, importante como elemento de garantia da
cidadania mas também para impedir a degradação da pauta de
produtos do mercado interno que se seguiu à queda da renda da
população e para servir como valioso elemento de alavancagem da
competitividade externa.
O uso e a capacidade de coordenação do poder de compra, em
novas bases, que exijam eficiência e ao mesmo tempo estimulem a
criatividade e a capacitação dos fornecedores, constituem um
grande desafio, assim como é desafiante a indução efetiva das
atividades de P&D no setor privado, dado que estas precisam ser
introjetadas e absorvidas como estratégias permanentes das
empresas. Sem o apoio destes instrumentos de política, fica
seriamente comprometida a possibilidade de fomentar o
desenvolvimento dos setores difusores do progresso técnico. Da
mesma forma, coloca-se o desenvolvimento de parceiros nacionais
aptos e capacitados, condição-chave para a atração do
investimento direto estrangeiro e para a realização de acordos de
cooperação tecnológica. A capacitação pública e privada para
lidar com os novos determinantes dos investimentos estrangeiros
de risco precisa ser urgentemente desenvolvida e coordenada com
outras políticas.
42
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Há, ainda, o desafio da descentralização, fundamental para a
formação de pólos, networks locais/regionais, para o
desenvolvimento de novas especializações competitivas -
essenciais para evitar que a competitividade agrave a já elevada
concentração espacial das atividades industriais e de serviços
sofisticados.
Para concluir, deve ser novamente sublinhado o difícil
desafio na área da educação. O fracasso reiterado, a ineficiência
enraizada, as resistências corporativas, o desperdício, a
manipulação política, a desvalorização do docente, a
centralização e a burocratização constituem um conjunto de
obstáculos difíceis de remover. Embora seja um desafio antigo, a
questão da educação se reveste agora de importância e urgência.
Ela constitui, talvez, o mais importante e o mais difícil dos
desafios de uma política de desenvolvimento competitivo.
A CONTRIBUIÇÃO DO ECIB PARA UMA POLÍTICA DE COMPETITIVIDADE
As seções anteriores demonstraram a natureza complexa das
políticas atuais de competitividade: além de compatibilidade com
a política macroeconômica, elas requerem no mínimo estreita
coordenação das políticas de desenvolvimento industrial e
tecnológico, de infra-estruturas e comércio exterior e contêm
inevitáveis implicações sobre as políticas agrícola, de serviços,
desenvolvimento regional, ciência, educação e emprego. Pressupõem
um Estado ágil e capacitado para lidar com novos temas e desafios
dentro de um novo estilo de atuação. Requerem a participação e a
iniciativa criadora dos atores sociais relevantes: empresários e
trabalhadores.
A contribuição do ECIB - sintetizada nas páginas que se
seguem - foi a de identificar e de delinear, na atual situação
brasileira, as políticas e as reformas institucionais necessárias
para formular estratégias coerentes de desenvolvimento
competitivo. O grau de profundidade das reformas, o grau de
urgência daquelas mais relevantes e a natureza das ações de
política nos planos setorial e sistêmico foram descritas e estão
resumidas nos capítulos que se seguem. Mais além, em 63 Notas
Técnicas Setoriais e Temáticas foram propostas - em detalhe -
políticas e medidas específicas. Estas foram debatidas e
legitimadas em fóruns de discussão democraticamente constituídos,
com a presença de trabalhadores, empresários, acadêmicos,
consumidores e autoridades de governo, através da realização de
33 seminários.
Com o cuidado de não viesar o Estudo com a visão própria da
sua equipe técnica e de sua coordenação, respeitando
rigorosamente os resultados do processo de discussão nos
workshops, neste relatório são apresentados os requisitos,
condições e diretrizes indispensáveis a uma política de
competitividade. Em alguns momentos, advertências explícitas são
colocadas, especialmente em face de determinadas opções de
política que sinalizam contra ou mesmo inviabilizam o esforço
pró-competitividade.
O leitor não encontrará, neste relatório final, a ordenação
de prioridades setoriais e temáticas. Isto porque a equipe
43
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
técnica reconhece que a priorização e a escolha das ênfases devem
ser resultado de processo eminentemente político, portanto fora
do escopo deste Estudo. Nele, entretanto, podem ser encontrados
subsídios valiosos para que, dada uma opção política referendada
democraticamente, seja efetuada a escolha das prioridades, de sua
concatenação e seqüência e do grau de intervenção estatal
desejado.
É evidente que o quadro de crise hiperinflacionária latente
e de desorganização das finanças públicas obstaculiza a adoção de
estratégias competitivas ousadas, de natureza "ofensiva".
Reversamente, a superação dos impasses macroeconômicos deve ser
coerente com a articulação de condições sistêmicas de estímulo ao
desenvolvimento competitivo. Neste sentido, para que o país
avance em direção ao aprofundamento dos processos de
reestruturação produtiva, organizacional, financeira e gerencial,
é urgente e precedente a implementação de determinadas reformas.
São elas:
- a reforma tributária;
- a reforma das competências fiscais, dentro de uma revisão
do pacto federativo;
- o desdobramento do crédito e dos financiamentos de longo
prazo (finanças industrializantes);
- o desenvolvimento de uma nova institucionalidade que
estimule parcerias público-privadas, especialmente nas
infra-estruturas.
A precedência destas reformas justifica-se pela necessidade
de recompor a capacidade de ordenação macroeconômica do Estado e
o estado de confiança dos agentes econômicos, para sustentar um
programa de estabilização e abrir caminho para o desenvolvimento
competitivo.
Mas, como foi antes ressaltado, a recomposição da capacidade
de ordenação no plano macroeconômico não é suficiente, porquanto
o Estado carece de profunda reforma - para suprimir suas partes
obsoletas e apodrecidas e para criar novas competências que o
habilitem a enfrentar a agenda de temas e desafios da
competitividade. Portanto, o desenvolvimento institucional e
organizacional do Estado, com a formação de quadros técnicos
aptos, é também requisito de urgência indiscutível.
Uma política de desenvolvimento competitivo requer, além de
articulação de condições sistêmicas estimulantes, ação concertada
sobre as configurações industriais e suas respectivas estruturas
de mercado e de produção. Isto abrange políticas setoriais e
programas horizontais de difusão que, em boa medida, devem ser
descentralizados. Em todos os casos, as políticas devem promover
a competição e a inovação, combinando concorrência e cooperação,
com regras que promovam a distribuição eqüitativa dos benefícios
entre os parceiros.
Na Parte III do presente relatório, são analisadas e
efetuadas recomendações para blocos de setores industriais,
agrupados pela natureza dos problemas e das políticas propostas:
44
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
- setores com capacidade competitiva;
- setores com deficiências competitivas;
- setores difusores de progresso técnico (estes encontram-
se, em geral, bastante fragilizados).
Esta agregação dos setores por tipo de desafio e de política
- explicitando as ameaças e oportunidades comuns - visa facilitar
a priorização e a enfatização das áreas onde a intervenção
pública e liderança privada podem resultar em benefícios de
grande repercussão. Não é desejável entrar em detalhes, neste
capítulo introdutório, a respeito das proposições e dos objetivos
de política por bloco de setores, dado que é necessário
percorrer, antes, os passos de diagnósticos e análise das suas
características. Estas proposições aparecem na Parte III e foram
resumidas na Parte IV deste relatório.
As ações e programas de modernização endereçados às empresas
- no plano microeconômico - estão desenvolvidas na Parte II e
basearam-se na importante pesquisa de campo realizada pelo ECIB.
Elas dizem respeito à gestão, à capacitação produtiva,
tecnológica, inovacional e de recursos humanos. Reconhecendo as
assimetrias entre as empresas e a disseminação desigual e
heterogênea das práticas modernas de gestão e de capacitação
inovativa, procurou-se recomendar programas horizontais
diferenciados e descentralizados, de forma a acelerar a
velocidade de difusão.
Assim, a contribuição do ECIB para a formulação de uma
política de competitividade reside principalmente na
possibilidade de - a partir dele - serem construídas opções
coerentes de desenvolvimento industrial e tecnológico,
fundamentadas em prioridades políticas legitimamente definidas.
Com efeito, o grau e a abrangência da intervenção estatal (versus
papel dos mercados); a natureza mais ou menos distributiva das
políticas; a opção por políticas mais ou menos ativas de suporte
aos setores irradiadores de tecnologias de ponta, genéricas; e o
grau mais ou menos profundo de exposição ao comércio mundial
(isto é, participação das exportações e importações no PIB)
constituem opções prévias de natureza política, associadas a
projetos distintos de desenvolvimento para o país. Dadas essas
opções é possível, em cada caso, utilizar os resultados do ECIB
para coordenar os fatores sistêmicos, alinhar as prioridades
setoriais e formular programas horizontais de difusão, de modo
coerente. Vale ressaltar que o ECIB permite também esclarecer os
limites e condicionantes a serem observados, para que se mantenha
a consistência de cada opção.
Em resumo, uma política de desenvolvimento competitivo para
o Brasil precisará sinalizar e articular de forma coordenada os
fatores sistêmicos, com políticas setoriais de reposicionamento,
mudança contínua e de reestruturação profunda em alguns casos. A
complexidade do contexto setorial e os requisitos de coordenação
são efetivamente muito grandes. Mas não se deve esquecer que a
competitividade não pode ser uma tarefa unilateral do Estado.
Incumbe ao setor privado a missão insubstituível de liderar o
processo, num quadro de parceria e cooperação com o Estado e num
ambiente de negociação e participação dos trabalhadores.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A compreensão desta característica fundamental da política
de competitividade permite relativizar as dificuldades de
coordenação e de eficácia das ações. As políticas e regras
funcionam quando são aceitas, compreendidas e desejadas por todos
os agentes, o que requer um mínimo de legitimidade política e de
cooperação. Na ausência destas, tudo se torna difícil, a
coordenação fica emperrada e a eficácia das políticas
comprometida. Por isso, a condição para articular no Brasil uma
política de desenvolvimento competitivo começa com uma ampla
discussão e com a formação de um consenso social e político em
torno aos seus objetivos. O Brasil é viável: vale a pena
empreender esse intento.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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PARTE I: DIMENSÃO SISTÊMICA DA COMPETITIVIDADE
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1. CAPACITAR-SE PARA ENFRENTAR UM CENÁRIO GLOBAL COMPETITIVO
A INTEGRAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL: OBSTÁCULOS E OPORTUNIDADES PARA
O BRASIL
Do final da 2ª Guerra Mundial aos anos 80, a integração da
economia mundial atravessou dois períodos distintos.
Ao longo das décadas de 50 e 60, a integração foi liderada
pela transnacionalização das grandes empresas americanas, num
contexto de hegemonia dos EUA. As grandes empresas européias, por
seu turno, reagiram ao desafio americano e iniciaram movimentos
próprios de transnacionalização nos últimos anos da década de 50.
O Brasil beneficiou-se dessa rivalidade para atrair e negociar a
entrada de investimentos estrangeiros em condições favoráveis,
notadamente durante o ciclo expansivo 1956-60 sob o Governo do
Presidente Kubitschek. Investimentos diretos externos em setores
dinâmicos (automobilística, mecânica, material elétrico)
contribuíram para modificar o perfil da indústria brasileira.
No fim dos anos 60 e início dos 70, a crise do dólar
enquanto moeda-pivô do sistema internacional (provocada por
déficits externos americanos) foi acompanhada por crescente
desregulamentação financeira, o que ensejou a notável expansão do
"euromercado". Este mercado livre de crédito internacional -
alimentado pela oferta de petrodólares após 1973 - ganhou forte
poder de gravitação, caracterizando uma nova fase de integração
da economia mundial. O Brasil conectou-se intensamente a esse
mercado, através da contratação de empréstimos, para sustentar o
último ciclo de substituição de importações (insumos básicos,
não-ferrosos, papel-celulose, bens de capital), sob o governo do
Presidente Geisel. Esta política de endividamento externo foi
posteriormente duramente atingida pela alta de juros flutuantes
externos e por perda na relação de trocas.
A partir da metade dos anos 70 e com força crescente na
década de 80, a mudança tecnológica se acelera e transforma as
estruturas industriais, sob o impacto da veloz difusão das
tecnologias de informação, baseadas na microeletrônica. O
aprofundamento da desregulamentação financeira e o simultâneo
desenvolvimento de redes telemáticas mundiais integram os
mercados financeiros e de capitais - diluem-se as fronteiras
entre os diversos sistemas financeiros nacionais e o euromercado,
na direção de uma verdadeira globalização das finanças. A
emergência de um novo paradigma tecnológico e a globalização
financeira são os traços mais marcantes dos últimos 15 anos.
Estreitou-se ainda mais a integração da economia mundial,
enquanto a revolução tecnológica se difundia de forma desigual
entre as principais economias avançadas. Seis outras grandes
tendências devem ser destacadas: 1) a emergência do complexo
eletrônico como carro-chefe do dinamismo das novas tecnologias de
informação e telecomunicações, epicentro do processo de inovação
nos países avançados; 2) a transformação dos métodos de produção,
principalmente com a difusão de automação industrial flexível e
integrada e de novas técnicas organizacionais que implicam
48
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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mudanças significativas nos processos fabris, nas relações de
trabalho e nos requisitos educacionais da mão-de-obra; 3) as
inovações nas formas de gestão e de organização empresarial, com
o avanço das formas de interligação e integração intra e inter-
empresas (sendo inclusive estabelecidos novos padrões de
relacionamento entre produtores, fornecedores e usuários,
incluindo consumidores finais); 4) a forte aceleração dos
investimentos diretos no exterior, conduzindo a uma crescente
interpenetração patrimonial entre os grandes grupos econômicos
dos países desenvolvidos; 5) o rápido crescimento do comércio
internacional, em particular do comércio interindustrial (e,
dentro dele, do comércio intrafirma); 6) a emergência de novas
formas de concorrência entre grupos de empresas, através da
proliferação de redes de cooperação, alianças tecnológicas e
outras alianças competitivas, especialmente nos oligopólios
mundiais.
É relevante sublinhar que o estreitamento da integração se
processou fundamentalmente entre as economias da OECD. A
acumulação de capitais nas economias avançadas extravasou
definitivamente as fronteiras nacionais, sob a égide da
globalização financeira. A forte interpenetração patrimonial,
através dos fluxos de investimento direto das grandes empresas,
concentrou-se dentro da OECD (encampando alguns poucos países em
desenvolvimento asiáticos), em detrimento do sentido Norte-Sul.
Intensificou-se significativamente o comércio intra-industrial.
Muitas transnacionais iniciaram movimentos de descentralização de
atividades de P&D no âmbito da OECD. Ganhou corpo dentro destas
tendências centrípetas a constituição de blocos regionais
(projeto Europa Unida, NAFTA, estreitamento das relações no bloco
asiático).
As grandes transformações e a crescente integração da
economia mundial na década de 80 afetaram o Brasil de forma
multiplamente desfavorável - ao contrário da tradição histórica.
As razões são conhecidas:
a) a "crise da dívida" marginalizou o país do mercado
financeiro internacional, segregando a economia brasileira da
globalização financeira até o início dos anos 90;
b) a desorganização das finanças públicas decorrente da
"crise da dívida" minou a capacidade ordenadora do Estado abrindo
o caminho para uma violenta instabilidade inflacionária, o que
afastou os investimentos externos de risco;
c) a perda de dinamismo da economia brasileira, com
estagnação dos investimentos, associada a condições
crescentemente difíceis de acesso das exportações brasileiras aos
mercados dos países desenvolvidos, conduziram a uma defasagem na
absorção das transformações tecnológicas e organizacionais e a
uma perda de posição do país no comércio internacional;
d) a intensificação das fricções comerciais, com crescente
integração da economia mundial e exercício cada vez mais
agressivo de pressões unilaterais (EUA), reduziu os graus de
liberdade das políticas nacionais de desenvolvimento. O Brasil
foi alvo de crescentes restrições e constrangimentos na segunda
metade dos anos 80.
49
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
O objetivo deste capítulo é identificar os obstáculos e as
oportunidades que o quadro mundial antepõe à competitividade da
economia brasileira, visando sugerir políticas e iniciativas
públicas e privadas. É importante detectar as mudanças recentes
mais relevantes e projetar as tendências para a década de 90,
analisando-se os prováveis impactos sobre a economia brasileira
para extrair lições e recomendações. Neste sentido, as seguintes
questões serão abordadas adiante: a) a reabertura dos mercados
financeiros internacionais aos países em desenvolvimento (no
contexto da globalização financeira); b) os determinantes dos
investimentos diretos estrangeiros e seus novos fatores de
atração; c) o jogo das negociações comerciais globais e a
evolução dos processos de regionalização.
O MERCADO FINANCEIRO GLOBAL E OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: OS
RISCOS DE SOBREVALORIZAÇÃO CAMBIAL
Um dos aspectos mais notáveis do início dos anos 90 para os
países em desenvolvimento - especialmente para a América Latina -
foi o ressurgimento de um espaço crescente no mercado financeiro
mundial.
É particularmente relevante assinalar a abertura do mercado
financeiro à emissão de títulos originários de países que haviam
experimentado interrupções no serviço de suas respectivas dívidas
externas nos anos 80. No caso destes países, a presença crescente
no mercado financeiro global ocorreu por meio da colocação de
papéis securitizados (bônus). Os países em desenvolvimento que
não haviam sido atingidos pela crise da dívida e que mantiveram o
acesso ao mercado financeiro ampliaram o lançamento de bônus e
também de novos empréstimos bancários.
TABELA 1
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO - EMISSÃO DE BÔNUS
1989-1993
(US$ bilhões)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO 1989 1990 1991 1992
1993
*
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Países em Desenvolvimento 4,7 6,2 12,0 23,3
31,5
América Latina 0,8 2,6 6,7 12,0
15,0
Países Asiáticos 1,0 1,6 3,1 6,0
n.a.
Europa Oriental 2,1 1,8 1,9 4,6
n.a.
Emissão Global de Bônus 255,8 229,9 297,6 333,7
365,0
Participação % dos PEDs 1,9 2,7 4,0 7,0
8,6
50
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
*
Estimativa (1º semestre de 1993 x 2).
Fonte: Euroweek; Financial Times; International Financial Review; OECD e UNCTAD para o 1º
semestre de 1993.
Este acesso crescente e cada vez mais favorável aos mercados
financeiros decorreu do significativo afrouxamento das condições
de crédito com forte redução das taxas de juros, verificada nos
países desenvolvidos após 1990, com o advento de uma fase de
sensível desaceleração do crescimento econômico mundial. Um
quadro de recessão, desemprego elevado e inflação minguante
induziu a adoção de políticas de juros baixos e crédito fácil,
especialmente nos EUA. O espraiamento da recessão no Japão e na
Europa em 1991 levou à redução progressiva da taxa de juros
também no Japão. O caso europeu ficou seriamente problematizado
pela unificação alemã, que provocou tensões inflacionárias
internas e aumentou muito as necessidades de financiamento do
governo federal alemão, levando o Bundesbank a adotar uma
política monetária restritiva com juros elevados. O resultado é
conhecido: a recessão e o desemprego se agravaram na Europa e o
acalentado cronograma-Maastritcht de unificação monetária entrou
em colapso.
Mas a permissividade creditícia nos EUA e no Japão,
associada a taxas de juros de curto prazo negativas, alimentaram
uma situação de sobreliquidez internacional: nas palavras de
Hyman Minsk (em reunião de trabalho com a coordenação do ECIB em
05/10/93), a conjuntura atual é de "dinheiro à caça de taxas
elevadas de retorno" (money chasing yield).
De fato, tem sido impressionante o crescimento dos fluxos
absolutos, a dilatação dos prazos de maturidade, a diversificação
dos instrumentos e o aumento da liquidez, no que concerne à
presença dos países em desenvolvimento no mercado financeiro
internacional.
A disponibilidade de financiamento tem sido crescentemente
aproveitada por agentes privados (em 1992 representaram 42% do
total, contra apenas 8% em 1989). Na América Latina, esse
movimento foi liderado pelo México, Argentina e Venezuela. A
participação de empresas brasileiras despontou a partir do final
de 1991 e tem crescido firmemente desde então, como será visto
adiante.
As experiências recentes de estabilização na América Latina
ancoradas na taxa de câmbio, com sobrevalorização crescente e
sustentada e com déficits elevados em conta corrente financiados
por entradas maciças de capital não são inteligíveis sem a
compreensão desta notável reversão dos fluxos de capitais
financeiros em direção aos países em desenvolvimento. Entretanto,
cabe ressaltar que uma mudança futura nas condições financeiras e
de juros internacionais, concomitantemente a uma provável
recuperação da economia mundial pós-1994, pode modificar este
quadro e, evidentemente, não se pode deixar de registrar a
indesejável vulnerabilidade de financiar elevados déficits de
51
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
balanço de pagamentos com a entrada de capitais voláteis, de
curto prazo. Há uma armadilha potencial montada: a fácil e
volumosa entrada potencial de capitais financeiros capaz de
sustentar uma taxa de câmbio sobrevalorizada por um período
suficientemente longo para infligir danos graves à
competitividade industrial e, posteriormente, propiciar uma
reedição da crise do endividamento.
52
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
O NOVO PERFIL E OS NOVOS DETERMINANTES DOS INVESTIMENTOS DIRETOS
A significativa aceleração do fluxo de investimento direto
estrangeiro, ao longo dos anos 80, marcou a emergência do Japão
como principal investidor internacional e a passagem dos EUA para
a posição de absorvedor líquido. De fato, no final dos anos 70,
os investimentos diretos japoneses correspondiam a apenas 8% do
total dos países da OECD, ao passo que, no final dos 80, este
índice alcançou 42%, dos quais aproximadamente 70% concentrados
no setor de serviços.
Excetuando-se os investimentos diretos associados à
interpenetração patrimonial (fusões e aquisições), os
investimentos diretos estrangeiros não têm envolvido massas
consideráveis de capitais como no passado. Além de ocorrer em
menor volume, a direção destes fluxos também se alterou,
concentrando-se ainda mais no sentido Norte-Norte. Entre 1986 e
1988, por exemplo, os investimentos diretos estrangeiros
realizados nos EUA e na Europa somavam mais de 55% da totalidade
desse tipo de aplicação (Saunders et alii, 1991). Tais
características refletem mudanças nos parâmetros das firmas
transnacionais no tocante à decisão de investir no exterior.
Até o início da década de 70, as empresas transnacionais
optavam pelo controle acionário do empreendimento. Estabeleciam-
se independentemente do grau de desenvolvimento do país
hospedeiro, procurando maximizar a "quase-renda" resultante da
posse de um "ativo único" (Vernon, 1977). Com o crescimento dos
custos de P&D nos setores mais dinâmicos e a simultânea redução
do ciclo de vida dos produtos, a partilha dos gastos e riscos
tecnológicos, comerciais e financeiros através de novas formas
associativas de investimento tornou-se um ingrediente importante
das estratégias das firmas transnacionais (Oman, 1989). As novas
modalidades de investimento direto, que podem assumir as formas
de joint-ventures, contratos de turnkey, acordos de
licenciamento, subcontratação, dentre outros, apresentam em comum
a propriedade minoritária do empreendimento, tendendo a
permanecer, como atribuição do investidor estrangeiro, o
fornecimento do know-how e dos demais ativos intangíveis. A
preferência por parcerias implica alteração da divisão de riscos
e responsabilidades vis-à-vis as formas tradicionais de
investimento direto estrangeiro. Doravante, cabem aos parceiros
locais riscos e responsabilidades financeiras, produtivas e
gerenciais.
Para as firmas transnacionais, portanto, as novas formas de
investimento representam uma diminuição da relação
riscos/remuneração da aplicação realizada. A subcontratação, em
particular, através da constituição de networks tecnológicos e
industriais, emerge como forma privilegiada de organizar as
relações intra e interfirmas, evitando os custos mercantis de
transação e a rigidez da excessiva integração vertical. Para os
países hospedeiros, estas formas de empreendimento implicam
maiores atribuições: tanto no que se refere ao setor público, que
além dos tradicionais requisitos de estabilidade macroeconômica e
institucional deveria, ainda, tornar acessível infra-estrutura
industrial, científica e tecnológica, quanto no que tange ao
53
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
setor privado local, cuja capacitação competitiva torna-se
essencial para atração do investidor estrangeiro.
Em resumo, muito embora os obstáculos ao comércio exterior
ainda funcionem como indutores dos investimentos diretos das
transnacionais, é crescente a ênfase nas vantagens competitivas
locais. Estas vantagens há muito deixaram de ser estáticas
(dotação dos fatores) e cada vez mais são vantagens comparativas
deliberadamente construídas, de natureza dinâmica, decorrentes de
políticas públicas, da configuração sociocultural (fatores
sociais) e da aptidão dos parceiros locais (Dourrile, 1990). A
atração de investimentos estrangeiros, especialmente os de maior
conteúdo tecnológico, passou a ser objeto de intensa competição,
através da oferta de condições e de vantagens competitivas
"construídas". Políticas industriais, políticas comerciais e
fomento tecnológico passam a ser objeto de competição regulatória
na concorrência locacional por "bons investimentos" (OECD,
1992b).
Essas constatações não podem deixar de ser tomadas em conta
na formulação da política brasileira com relação ao capital
estrangeiro, a ser abordada mais adiante.
O JOGO COMPLEXO E DIFÍCIL DAS NEGOCIAÇÕES GLOBAIS
A difusão desigual do novo paradigma competitivo entre os
países desenvolvidos, os fortes desequilíbrios comerciais
remanescentes entre os principais parceiros e as diferenças
institucionais e de natureza das políticas industriais e de
comércio exterior refletem-se na agenda das negociações globais.
"Administração do comércio" como forma de compensar assimetrias,
múltiplas fricções de interesses nacionais e regionais
obstaculizando as negociações no GATT e pressões unilaterais
explícitas desenham um quadro cheio de contradições e incertezas
quanto ao futuro do sistema multilateral.
Entre os países desenvolvidos houve acordo, em linhas
gerais, quanto à inclusão de novos temas (propriedade
intelectual, serviços, medidas de atração de investimentos
diretos) no âmbito da Rodada Uruguai, indicando a ampliação do
escopo de atuação do GATT. Historicamente constituído para
supervisionar o comércio de bens, o sistema passará a monitorar
as políticas relacionadas aos novos temas. Esta convergência
entre os países desenvolvidos resultou da percepção generalizada
de que comércio e investimentos diretos estão intimamente
correlacionados, assim como os serviços e os fluxos de
tecnologia.
Dentro desta visão, as políticas públicas que regulam
investimentos, serviços e fluxos de tecnologia não podem
continuar subtraídas da agenda multilateral, hoje restrita às
políticas comerciais (Agosin & Tussie, 1992). A linha divisória
entre as políticas comerciais e as outras políticas é cada vez
mais difusa (Tussie, 1991). Temas e objetivos de política até
então considerados de interesse exclusivamente doméstico passam a
ser fonte de fricções internacionais. Reconhece-se,
crescentemente, sob pressão, as demandas por convergência quanto
às regras e aos instrumentos de promoção de vantagens
54
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
comparativas. Neste sentido, pode-se afirmar que as iniciativas
de regionalização constituem tentativas preliminares de
harmonização de regras e políticas econômicas entre os países
envolvidos.
Porém, esta convergência de conceitos entre os países
desenvolvidos não se traduz automaticamente em consenso quando se
desce à especificação das regras e condições setoriais. Os
subsídios à agricultura continuam sendo um sério pomo-de-
discórdia, além de vários outros pontos específicos. O futuro do
multilateralismo não dependerá apenas da letra dos acordos de
conclusão da Rodada Uruguai. O regionalismo e o unilateralismo
são realidades concorrentes que receberão maior ou menor impulso
nos anos 90 dependendo da evolução das condições macroeconômicas,
dos desequilíbrios comerciais, dos esforços de coordenação no G-7
e da evolução dos projetos de integração regional.
Decerto as condições de conclusão da Rodada Uruguai
determinam o novo escopo do multilateralismo e de seu papel
relativo enquanto instância de gestão das regras do sistema
internacional. A situação macroeconômica e o desempenho comercial
dos membros da OECD influenciarão a capacidade de adaptação e de
validação das novas regras internacionais por parte dos países
líderes. O grau de solidez dessas novas regras, por sua vez,
condicionará a possibilidade de resistência dos governos
nacionais, dadas as demandas protecionistas ou de administração
do comércio bilateral. A evolução concreta dos processos
econômicos e financeiros de integração permitirá, por fim, uma
avaliação do papel e da solidez da regionalização e, em
particular, do grau de conflito entre tais iniciativas e o
processo global de liberalização.
Os cenários que se conformam atualmente parecem indicar que
"o sistema mundial de comércio do futuro não nascerá de uma
ruptura drástica com o presente" (Ricúpero, 1993). Ao que tudo
indica, tenderão a coexistir com o multilateralismo e suas
instituições, processos de regionalização, sistemas de comércio
administrado e iniciativas de integração profunda.
O multilateralismo continuará a cumprir um papel relevante
mas dificilmente exercerá uma hegemonia inconteste sobre as
outras instâncias. É certo que deverá ser reforçado com a
conclusão da Rodada Uruguai através da incorporação - ainda que
parcial - da agricultura e dos têxteis ao GATT, pelo
aperfeiçoamento do sistema de resolução de controvérsias, pela
introdução do "Trade Policy Review Mechanism", assim como pelo
aperfeiçoamento das normas de subsídios, antidumping e
salvaguardas. A recém-criada Organização Mundial do Comércio deve
ter jurisdição sobre os "novos temas", sendo politicamente mais
preparada para lidar com as políticas de construção deliberada de
competitividade das indústrias nacionais.
A principal ameaça à continuidade da liberalização
multilateral do comércio internacional vincula-se às perspectivas
de descoordenação macroeconômica entre os países da OECD e, em
particular, do grau de desequilíbrio das relações comerciais
entre os EUA e o Japão. A exacerbação da descoordenação pode
55
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
estimular o recurso a estratégias unilateralistas, como sugere a
recente revalorização, por parte dos EUA, da Seção Super-301, do
Trade Act.
Por outro lado, o desgaste do multilateralismo e os elevados
custos políticos do unilateralismo ampliam o incentivo para
acordos preferenciais, zonas de livre comércio e uniões
aduaneiras que, com nuances, vêm proliferando em todos os
continentes. Com efeito, se a agenda de harmonização é premente,
sua aplicação é mais simples em grupos limitados de países com
características econômicas e sociais homogêneas. Este tipo de
estruturação é possível no interior de blocos desenvolvidos, onde
os padrões de renda per capita são convergentes. Outra
possibilidade é a formação de zonas hierarquizadas de
preferencialização a partir dos núcleos desenvolvidos, encampando
economias periféricas relativamente heterogêneas.
Para os países em desenvolvimento, essa expansão das zonas
de preferencialização tende a acirrar as pressões para que
renunciem ao uso de certos instrumentos e mecanismos de política
industrial e de comércio exterior, aceitando novas disciplinas em
áreas que se encontravam fora do escopo das negociações
internacionais (Agosin & Tussie, 1992). O Brasil já tem sido
recorrentemente pressionado a aceitar essas novas disciplinas em
várias áreas. Exatamente por isso o Estado brasileiro precisará
capacitar-se e reaparelhar-se para lidar com um quadro restritivo
de pressões de diversos tipos (unilaterais, regionais,
multilaterais). Nas próximas seções, serão destacados os
constrangimentos e obstáculos que a diplomacia econômica
brasileira precisará enfrentar, junto com o setor privado, para
dar suporte ao desenvolvimento competitivo da indústria
brasileira.
O BRASIL EM FACE DA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA
A conjuntura de sobreliquidez mundial pós-1990, no contexto
de globalização financeira, modificou substancialmente o acesso
dos países em desenvolvimento aos mercados financeiros e de
capitais. A abrangência da globalização e a elevada mobilidade
dos capitais em busca de retorno tornam o isolamento praticamente
impossível. A convivência com a globalização financeira é
inevitável mas, por isso mesmo, deve ser encarada com cautela. De
um lado, o acesso aos mercados representa um novo grau de
liberdade para alavancar financiamentos para projetos de
investimento. O Brasil pode e deve tirar proveito disso para
solidificar um horizonte de investimentos sinalizadores,
especialmente nas áreas de infra-estrutura que necessitam
urgentemente de expansão. Esta nova fronteira de inversões é
importante para fixar a confiança do setor privado e viabilizar a
estabilização com desenvolvimento competitivo. O potencial de
captação de recursos externos para parcerias público-privados,
para projetos do setor público e também para novos investimentos
do setor privado constitui um fator positivo relevante. Para
tirar proveito dele, no entanto, o país deve manter os controles
sobre os fluxos cambiais, com o objetivo de captar poupanças
estáveis de médio e longo prazo, compatíveis com condições
equilibradas de serviço (i.e. de remuneração e retorno desses
56
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
capitais). De outro lado, a convivência com a globalização
financeira deve evitar a entrada não-regulada de capitais de
curto prazo, eminentemente especulativos, cuja volatilidade pode
comprometer no futuro a solidez do nosso balanço de pagamentos.
O potencial de entrada de capitais no país é muito elevado
enquanto perdurar a situação mundial de sobreliquidez com taxas
de juros reduzidas, considerando que México, Argentina, Chile e
Venezuela têm recebido volumes consideráveis e que seus
respectivos mercados de capitais se encontram relativamente
saturados. A experiência brasileira de reaproximação do mercado
internacional nos últimos dois anos é significativa e esteve
relacionada aos seguintes fatores: a) maior liberalidade de
gestão da conta de capital, com flexibilização dos prazos e
condições de permanência dos recursos externos no país e redução
das incertezas quanto ao retorno do capital aplicado; b) o
diferencial de taxas de juros - que, descontada a variação
cambial no período, foi superior a 25% em 1992; c) a difusão
crescente de instrumentos de securitização que aumentam a
atratividade das aplicações.
Os baixos níveis de endividamento do setor privado
brasileiro, o represamento dos investimentos das empresas
transnacionais, ao longo da década passada, e a presença
agressiva de bancos brasileiros e estrangeiros captando recursos
externos para repasse ao mercado local, a custos menores que a
taxa doméstica, completam o quadro explicativo. As empresas e os
bancos estrangeiros operando no Brasil foram os principais
agentes de captação e de absorção de recursos externos,
totalizando 57,4% do total captado, frente a 14,1% do privado
nacional.
No bojo desta reconexão ao mercado financeiro internacional,
o padrão de financiamento externo da economia brasileira vem
sofrendo mudanças importantes. Embora tenham se registrado
ingressos líquidos negativos de recursos oriundos das agências
governamentais, dos organismos internacionais e dos créditos de
fornecedores, nota-se importante expansão dos empréstimos
interempresas (Resolução 63), de recursos provenientes dos
mercados de bônus (majoritariamente destinados a empresas
estatais), de ingressos através de commercial papers (em que pese
a seletividade que o lançamento desses papéis envolve) e da
captação via fixed e floating rate notes (que viabilizaram a
entrada de US$ 4 bilhões em 1992). No total, o Brasil logrou
captar e absorver um total de US$ 14,8 bilhões em 1992. Cabe
observar crescimento das reservas, com contrapartida de
endividamento interno, alta de juros e especulação com a
arbitragem atraindo capitais de curto prazo.
Percebe-se, portanto, a emergência de um novo padrão de
financiamento externo, em que a captação via títulos corresponde
a cerca de 50% dos recursos externos, cabendo posição
complementar aos créditos privados (interempresas e bancos), aos
créditos de agências e organismos internacionais e finalmente aos
créditos de fornecedores e investimentos diretos estrangeiros,
situando-se esses últimos entre 10% e 15% do total. Isto
significa que o investimento direto, em suas modalidades
57
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
tradicionais (societário em moeda e bens), cuja participação
histórica foi de até 20%, não pode mais ser encarado como canal
importante de financiamento do desenvolvimento ou de programas de
estabilização. A sua relevância deve ser buscada em outras
dimensões, tais como contribuir para o avanço da competitividade
brasileira, através de comportamentos "virtuosos" em matéria de
networkings e parcerias tecnológicas, como será tratado adiante.
Importa reter, neste ponto, a cautela que deve cercar a
reconexão do país aos circuitos financeiros internacionais. O
fácil acesso a novos recursos externos pode ser extremamente
positivo para suportar investimentos e, por isso, pode auxiliar a
estabilização. Mas pode, também, dependendo da opção de política
macroeconômica, constituir-se em fator de sobrevalorização
sustentada da taxa de câmbio, com forte redução do saldo da
balança comercial sendo compensada pela entrada de capitais.
Neste último caso, poder-se-ia estabilizar o processo
inflacionário por algum tempo, porém à custa de um substancial
desajuste industrial e comercial.
O BRASIL EM FACE DAS NOVAS FORMAS DE INVESTIMENTO DIRETO
A parcela de investimento direto estrangeiro direcionada
para os países em desenvolvimento reduziu-se de 26,4% do total
para 17,4% entre 1980/85 e 1990. Ademais, a distribuição espacial
dos networks tecnológicos que se difundem atualmente é ainda mais
concentrada: "mais de 90% destes arranjos se fazem entre empresas
originárias de países do G-5" (Ernest, 1991). Há, portanto, uma
tendência à exclusão dos países "extra-OECD" em relação aos
benefícios da cooperação tecnológica entre as grandes empresas.
O impacto da alteração dos determinantes do investimento
direto estrangeiro sobre a economia brasileira pode ser percebido
pela análise da evolução setorial dos estoques e fluxos. Da
observação dos estoques, depreende-se que: a) aumentou
rapidamente a participação dos setores ligados a atividades
primárias (agricultura, pecuária, etc.), não obstante a sua
pequena participação no estoque total; b) cresceu, a partir de
1985, o estoque de investimentos de setores tradicionais
(têxteis, vestuário, calçados, madeira, bebida, etc.), ao mesmo
tempo que diminuiu a participação do estoque de investimentos do
setor de transporte; c) diminuiu a participação do setor
eletroeletrônico.
Já a observação dos fluxos recentes de investimento revela
que, em 1991-1992, os investimentos diretos estrangeiros na
indústria "tradicional" corresponderam a 28,64% do total, contra
10,85% do período 1981-1985. Os segmentos menos favorecidos foram
o automobilístico e o eletrônico, não obstante a participação
deste último ser originalmente reduzida, ao passo que os maiores
beneficiados foram as indústrias de química de base e papel e
celulose. A preferência dos investidores por setores de
competitividade revelada evidencia a aversão ao risco e a
percepção da erosão da competitividade brasileira em outros
setores. Assim, à exceção do ramo químico, os investimentos
concentraram-se em setores relacionados a recursos naturais e/ou
de baixa intensidade de valor agregado.
58
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Da análise acima, percebe-se que o investimento estrangeiro
tendeu a corroborar as tendências em curso no sistema industrial
brasileiro. A modificação desse perfil dos investimentos
estrangeiros dependerá, certamente, de uma mudança nas condições
de competitividade e de crescimento da indústria brasileira. Não
será, apenas, a possível expansão do mercado interno mas,
crescentemente, as condições internas de competitividade que
permitirão a atração dos investidores. A vigência de condições
sistêmicas benignas, a existência de parceiros nacionais aptos e
a formação de externalidades locais positivas são fatores
centrais para atração das novas formas associativas de
investimento. Neste sentido, a política de competitividade é
também uma política de preparação de condições de atração do
capital estrangeiro. É dentro desta percepção que o país deve
formular uma política específica de estímulo à formação de
parcerias com os investidores industriais estrangeiros.
O IMPACTO DOS PROCESSOS DE REGIONALIZAÇÃO SOBRE AS EXPORTAÇÕES
BRASILEIRAS
O impacto da regionalização sobre as perspectivas de
exportações brasileiras deve ser examinado em quatro direções: a
formação do Nafta, a evolução da integração européia, o bloco
asiático e o Mercosul.
Embora os impactos do Nafta sobre as exportações brasileiras
tendam a ser mínimos no curto prazo, dada a manutenção de
restrições ao acesso de produtos mexicanos nos EUA, em um
horizonte mais longo "o deslocamento das exportações brasileiras
pode atingir patamares significativos, não só como resultado da
eliminação gradual das tarifas e demais barreiras ao comércio
[mas também] da reestruturação industrial em curso no México [a
qual] ganhará impulso significativo com o provável aumento do
fluxo de investimentos norte-americanos resultante da
implementação do Nafta" (Machado, 1992).
Outro efeito para a economia brasileira relacionado ao Nafta
refere-se à "Iniciativa para as Américas" e à ampliação da área
de preferencialização que ela suscita. Para o Brasil, a expansão
dessa zona de preferências comerciais significaria a participação
em uma integração assimétrica cujos custos derivariam da
exposição da indústria brasileira à competição de um país que
apresenta níveis médios de desenvolvimento e de produtividade
muito superiores e da eventual perda de eficiência e bem-estar,
proveniente da integração bilateral, vis-à-vis a alternativa de
liberalização multilateral.
Quanto à integração européia, é importante salientar que as
relações entre a CEE e os países em desenvolvimento são
tributárias de um complexo sistema de preferências comerciais e
de restrições às importações e que este sistema é um dos dois
fatores que condicionam a capacidade dos diferentes países em
desenvolvimento de se manterem no mercado europeu. O outro fator
é a qualidade da oferta de exportação e o perfil de
especialização desses países. No caso dos latino-americanos, as
características dos produtos exportados e o perfil da
59
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
especialização produtiva enfrentam uma situação desfavorável
frente à hierarquia de acesso aos mercados da CEE.
A ampliação da CEE para países do Sul da Europa também pode
afetar a competitividade das exportações de outros países em
desenvolvimento como o Brasil. Este é o caso, em particular,
daqueles países cuja oferta se assemelhe às de Portugal, Espanha
e Grécia, ou de países do Mediterrâneo que dispunham, até o
momento, de um acesso ao mercado comunitário mais amplo que os
países da península ibérica. A concorrência em setores de bens de
consumo (como calçados, têxteis e vestuário), produtos
intermediários (como papel e celulose, aço, madeiras e couro) e
bens de capital (mecânica) tende a se acentuar e pode-se supor
que, em alguns desses setores, medidas protecionistas sancionem
compromissos intra-CEE, compromissos esses movidos pela intenção
de reduzir os custos de ajustamento das economias menos
desenvolvidas da Comunidade.
Ainda do ponto de vista da Europa, outro tema que adquire
relevância para a avaliação das possibilidades de exportação
brasileira refere-se à possível integração do Leste Europeu à
Comunidade. De uma maneira geral, Hungria, República Tcheca e
Polônia parecem habilitadas a desenvolver capacidade exportadora
expressiva em produtos intensivos em recursos naturais e energia
e em certos segmentos da indústria, intensivos em mão-de-obra mas
de reduzido conteúdo tecnológico, como é o caso da siderurgia,
metalurgia dos não-ferrosos, têxteis e segmentos de máquinas e
equipamentos. São setores da indústria brasileira que poderiam
vir a ter maior acesso ao mercado europeu, o que pode ser
frustado pela concorrência do Leste.
As dificuldades apontadas não devem, entretanto, levar a uma
atitude de abandono da Europa enquanto mercado alvo. Apenas
indicam que os esforços de venda, informação e negociação terão
que ser redobrados, por parte do governo e dos exportadores
brasileiros.
No espaço da Ásia Oriental, as políticas japonesas de
reestruturação dos anos 70 estimularam a relocalização da
produção para países da sua periferia em que a relação entre
custos de fabricação e linha de produto fosse mais adequada. Os
investimentos diretos japoneses, essencialmente trade-oriented,
deram assim origem a um fluxo de comércio entre NICs, países da
ASEAN e Japão, configurando uma rede de solidariedade empresarial
e de complementaridade econômica. Esta rede é o fundamento do que
se vem apelidando de "Bloco do Pacífico".
No contexto de constituição "informal" deste bloco
comercial, há certo consenso de que somente os países asiáticos
teriam condições de integrarem-se ao processo. As exportações
brasileiras para a região devem sofrer dois tipos de competição.
Os países asiáticos de renda média e estruturas produtivas
concentradas em manufaturas de médio/alto conteúdo tecnológico
concorrerão com o Brasil nos produtos mais nobres da pauta de
exportações. Já os países da ASEAN, do subcontinente indiano e da
China concorrerão nos segmentos de menor valor agregado onde o
custo da mão-de-obra ainda representa um forte determinante da
60
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
competitividade. Mais uma vez, é relevante assinalar que será
necessário empenho e criatividade por parte das empresas e do
governo para penetrar em brechas de mercado e gerar oportunidades
de negócio na Ásia.
MERCOSUL
Quanto ao Mercosul, abstraindo-se o atual desequilíbrio da
paridade cambial argentina, é importante considerar quatro
aspectos distintos:
a) Nos setores em que cada país preserva vantagens
comparativas absolutas, a eliminação das barreiras ao comércio
intra-regional deverá implicar relocalização geográfica de
determinadas atividades. Este é o caso, por exemplo, da
triticultura brasileira, que deverá sofrer forte concorrência do
produto argentino.
b) Nos setores em que são observados desníveis acentuados de
competitividade (por exemplo, papel e celulose e siderurgia),
será necessário implementar reestruturações industriais nos
outros países de forma a permitir a convivência com o mercado
integrado ou, no caso de estas reestruturações revelarem-se
inviáveis, será desejável estabelecer cronogramas de phase-out
através de programas de desmobilização. Será em qualquer hipótese
indesejável permitir que os produtores recorram a acordos
restritivos (comércio negociado) para proteger a produção local
deficiente.
c) Há setores em que a integração propiciará o aprimoramento
das vantagens comparativas. Estes segmentos são aqueles em que se
verifica a ocorrência de comércio intra-industrial, como, por
exemplo, petroquímicos e automóveis, cujo desenvolvimento será
beneficiado por ganhos de escala e especialização produtiva.
d) Finalmente, existem setores para os quais não existe
correspondência nos parceiros, em virtude da estrutura brasileira
ser mais completa e diversificada. Esta categoria pode ser
subdividida em duas: 1) setores para os quais a alíquota
tarifária brasileira é baixa e, portanto, de fácil negociação
para fins de fixação de tarifa comum; 2) setores para os quais a
tarifa brasileira é relativamente elevada, em razão de
deficiências competitivas. Dado que a política brasileira de
desenvolvimento competitivo desses setores requer proteção
tarifária diferenciada por algum tempo à frente, será importante
obter dos parceiros tolerância para com a alíquota brasileira.
Este é o caso dos bens de capital e dos bens do complexo
eletrônico.
A conclusão das negociações para fixação da tarifa externa
comum (TEC) não pode deixar de considerar condições mínimas de
interesse brasileiro, notadamente no que se refere ao
desenvolvimento dos setores difusores do progresso tecnológico,
cuja presença na matriz industrial é fundamental para o
encadeamento de efeitos dinamizadores e para a consolidação da
competitividade do conjunto da indústria.
61
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Até o presente, cerca de 85% da lista de produtos já tem uma
tarifa externa comum (TEC) acordada, que passará a vigir a partir
de 1995. Para os outros casos, será fixado um prazo de
convergência, sob regime de zona de livre comércio (e não de
união aduaneira). No que toca aos bens de capital, é necessário
aproximar as tarifas nacionais ao longo do prazo de convergência
(de 1995 a 2001) para um patamar mínimo viável para a indústria
brasileira. Enquanto o Brasil reduziria gradativamente a sua
tarifa os parceiros aumentariam as suas até atingir esse patamar.
O mesmo procedimento deve ser aplicado aos bens de informática,
sendo neste caso, o período de convergência dilatado para o ano
2006 em função das atuais diferenças
4
.
Mas, além da fixação da TEC é essencial a observância do
princípio da reciprocidade, mantendo-se uma margem efetiva de
preferência comercial entre os parceiros, inclusive para os bens
de maior conteúdo tecnológico. Igualmente importante é a fixação
do "regime de origem", de modo a assegurar um mínimo de
industrialização local para os produtos mercosul. Neste caso, as
regras brasileiras já estabelecidas para o "processo produtivo
básico" (mínimo de operações industriais realizadas no país)
devem servir de base para o regime de origem comum.
A convergência deve ser evidentemente buscada em várias
outras esferas, isto é, sistemática tributária, tratamento ao
capital estrangeiro, política creditícia, normas técnicas e
legislação pertinente. Finalmente, é crucial estabelecer um
sistema de estabilização das paridades cambiais reais, dentro de
uma faixa máxima de flutuação total não superior a 15%, de forma
a evitar desequilíbrios comerciais desvinculados das condições
reais de competitividade. Sem a fixação de um sistema de
estabilização das paridades relativas, o processo de integração
perderá consistência - a racionalidade econômica ficará
distorcida, com o risco de ampliação das pressões protecionistas
casuísticas.
ABERTURA COMERCIAL, PAPEL DAS IMPORTAÇÕES E SEU MONITORAMENTO SOB
UMA POLÍTICA COMERCIAL EQUILIBRADA
Os efeitos da reforma comercial empreendida pelo governo
brasileiro entre 1991 e 1993 (eliminação das restrições não-
tarifárias e implantação de um cronograma progressivo de redução
das tarifas aduaneiras) começaram a se fazer sentir desde fins de
1992. A redução inicialmente prevista da tarifa aduaneira (Tabela
2) foi antecipada em fevereiro de 1992, de modo que as alíquotas
previstas para janeiro de 1993 entraram em vigor em outubro de
1992 e as alíquotas previstas para janeiro de 1994 vigoraram a
partir de julho de 1993.
4
No caso dos bens de capital, a posição brasileira é de um patamar de 14%. O Brasil
reduziria sua tarifa, hoje de 20%, e a Argentina e os outros parceiros subiriam as
suas. A tarifa argentina é hoje nominalmente zero, existindo porém uma "taxa
estatística" de 10%. A proposta argentina é de que a TEC seja de 12%. No caso dos bens
de informática, a divergência é muito maior. A tarifa brasileira hoje admite o nível
de 35%, sendo a argentina igual a zero. A dificuldade de fixar um nível para a
convergência recomenda a dilatação do prazo em cinco anos adicionais (2006).
62
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
TABELA 2
BRASIL - TARIFAS MÉDIA E MODAL PREVISTAS PELO CRONOGRAMA DE
REDUÇÃO TARIFÁRIA
1990-1994
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO TARIFA MÉDIA TARIFA MODAL DESVIO PADRÃO
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1990 32,2 40 19,6
Janeiro 1991 25,3 20 17,4
Janeiro 1992 21,2 20 14,2
Janeiro 1993 17,1 20 10,7
Janeiro 1994 14,2 20 7,9
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Horta, Piani & Kume (1991:76). Extraído de: Leal (1993:40).
O impacto do programa de redução tarifária sobre as
importações (exclusive petróleo) vem sendo significativo,
especialmente após a última rodada de queda das tarifas em junho
de 1993. Com efeito, apesar da relativa desaceleração das
atividades econômicas no segundo semestre (de 1993), as
importações demonstraram tendência persistente de ascensão
(Tabela 3).
TABELA 3
BRASIL - IMPORTAÇÕES DE MERCADORIAS
1990-1993
(US$ milhões)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO 1990 1991 1992 1993 TAXA DE
CRESCIMENTO
(jan-set) Jan/set-/Jan-set
(93/92)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
TOTAL 20661 21041 18656 20578 27,98
Bens de Consumo 2941 3072 2179 2446 22,90
Matérias-Primas 7053 7930 7163 7606 30,52
Petróleo e Derivados 4735 4073 3282 4191 8,25
Bens de Capital 5932 5966 6032 6335 40,12
Mat. Transporte 756 995 1549 1283 117,56
Veículos 422 634 1224 891 111,03
63
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Outros 334 361 325 392 146,21
Máqs. e Mats.Elet. 5176 4971 4483 5052 24,77
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: SECEX/MICT, jan. 1994.
A elevação do patamar das importações industriais dentro da
reforma comercial é um objetivo válido e desejável, na medida em
que permite:
a) substituição de certos componentes, peças e matérias-
primas de elevado custo de produção no país, cuja agregação local
onerava fortemente o preço final dos produtos;
b) introdução mais rápida de produtos novos com coeficientes
elevados de peças e componentes importados;
c) importação mais ágil de bens finais altamente
sofisticados (especialmente bens de capital e equipamentos de
informática), cuja produção não é economicamente viável no país.
Estes efeitos positivos, à medida que se reduz o grau
excessivo de fechamento do sistema industrial às importações,
devem no entanto ser monitorados para evitar efeitos negativos de
outra natureza, que podem advir de uma tendência continuada e
acelerada de elevação das importações, a saber:
a) desestímulo à produção no país das partes e componentes
de produtos novos, cuja escala de produção e condições
tecnológicas estão ao alcance de fornecedores brasileiros. A
significativa elevação das importações de peças e componentes
ocorrida na área automobilística (Tabela 3) indica claramente que
este risco já se coloca de forma efetiva;
b) vulnerabilidade à prática de dumping por parte de
produtores estrangeiros, especialmente de insumos industriais e
matérias-primas onde a existência de elevada capacidade ociosa no
plano mundial tem ensejado, com freqüência, tais ocorrências;
c) desestímulo ao processo de learning e de produção no país
de bens e serviços de maior conteúdo tecnológico que, apesar de
sofisticados, estejam ao alcance da capacitação de produtores já
instalados ou potencialmente interessados em produzir no Brasil
em função da escala e das expectativas de evolução futura do
mercado local.
A política de importação deve procurar combinar os efeitos
positivos acima mencionados com a minimização dos efeitos
negativos. Neste sentido, a política tarifária não deve ser
encarada como um instrumento rígido. As autoridades econômicas
precisam estar permanentemente alertas para, preservando a
64
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
abertura comercial e os compromissos internacionais, evitar
condições desleais de penetração de produtos importados. Na
fixação da tarifa, em cada caso é fundamental considerar o ônus
das condições sistêmicas, particularmente enquanto perdurarem no
país condições tributárias diferencialmente onerosas, taxas de
juros mais elevadas e outras condições infra-estruturais
desfavoráveis (custos de transporte, comunicações, entre outras).
A aplicação de tarifas que estimulem a produção local de novos
produtos, componentes e peças em condições competitivas ou que
protejam a produção ameaçada por concorrência desleal (sempre com
cronogramas cadentes ao longo do tempo), a imposição temporária
de direitos compensatórios e o acionamento de medidas de
salvaguarda e antidumping compõem o arsenal de mecanismos
legítimos de defesa da política comercial.
A utilização destes mecanismos e a fixação dos diferenciais
tarifários (especialmente entre produtos finais, peças,
componentes e matérias-primas) devem ser regularmente discutidos
nas respectivas câmaras setoriais, com o objetivo de assegurar
condições equilibradas dentro das cadeias de produção. Esta é,
além de tudo, uma precaução importante para a autoridade
econômica, na medida em que a discussão aberta na câmara setorial
tende a evitar exageros de proteção e a fixar compromissos de
redução tarifária ao longo do tempo. É dentro das diretrizes
acima que a política tarifária (política de importações) deve
funcionar como um instrumento de promoção da competitividade
brasileira.
Mas, além dos limites colocados pela minimização dos
mencionados efeitos negativos, o nível agregado das importações
deve ser objeto de monitoramento do ponto de vista
macroeconômico, tendo por objetivo a solidez do balanço de
pagamentos. Dado que o influxo de capitais de curto prazo não
constitui base confiável e adequada para a cobertura dos
compromissos internacionais do país, é indispensável a manutenção
ao longo do tempo de um saldo positivo mínimo na balança
comercial (entre 2,5% e 3% do PIB). A manutenção deste saldo
requer a sustentação continuada do crescimento das exportações,
para permitir o crescimento paralelo das importações a uma taxa
semelhante. Não é conveniente, portanto, permitir que o veloz
crescimento recente das importações projete-se para o futuro de
forma a reduzir substancialmente ou reverter o resultado da
balança comercial para uma posição deficitária. Neste cenário, o
país ver-se-ia obrigado a queimar reservas ou a depender da
entrada de capitais de curto prazo, colocando-se em posição
crescentemente vulnerável.
Medidas de política para sustentação do crescimento das
exportações serão objeto de proposições logo adiante, mas neste
ponto é importante sublinhar o papel-chave da taxa de câmbio para
uma administração equilibrada da política comercial, tendo em
conta a solidez do balanço de pagamentos. O programa de
estabilização não deve ancorar-se de forma permanente numa taxa
fixa ou rígida de câmbio, sob pena de consolidar uma indesejável
65
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
trajetória de sobrevalorização cambial. Neste caso, será
praticamente impossível represar o forte crescimento que vem se
verificando nas importações e evitar que se agrave o
enfraquecimento já observado do desempenho das exportações.
OS DESAFIOS DA DIPLOMACIA ECONÔMICA E O PAPEL DO SETOR PRIVADO
À luz das considerações anteriores, é possível concluir que
o quadro internacional traz mais obstáculos do que oportunidades
para a economia brasileira. Ao contrário de etapas históricas
anteriores, quando as transformações da economia mundial
favoreceram espontaneamente o Brasil, a etapa atual de mutação do
sistema internacional exigirá capacitação e iniciativa para
contornar as restrições e capturar as oportunidades.
A ampliação do escopo do GATT, as pressões dos países
desenvolvidos e a intensificação do processo de integração tendem
a reduzir o grau de autonomia dos Estados nacionais na
implementação de políticas de desenvolvimento competitivo. Este
contexto sublinha duas conclusões importantes:
a) a necessidade de reaparelhar e capacitar o Estado
brasileiro para enfrentar esses desafios, sob um novo estilo e
uma nova agenda;
b) a relevância do exercício de um papel ativo por parte do
setor privado e da capacitação deste para cumpri-lo, de forma
articulada à ação do Estado.
A intervenção do Estado, antes baseada em instrumentos de
proteção e na concessão indiscriminada de subsídios fiscais e
financeiros à exportação, deve evoluir em direção à coordenação e
ao fomento estruturante, com ênfase na difusão das inovações
técnicas, organizacionais e financeiras e na capacitação
tecnológica das empresas. A indução de desempenhos virtuosos
(prática de P&D, treinamento, qualificação dos trabalhadores)
exige novos mecanismos de estímulos, diferenciados e seletivos. É
essencial que o Estado seja capaz de articular e promover as
condições sistêmicas da competitividade através de novas
políticas em vários campos (social, regulatório, tecnológico,
fiscal-financeiro, etc.). Para tal, os instrumentos, as agências
públicas e os mecanismos regulatórios necessitam ser
redesenhados. As políticas de natureza sistêmicas (horizontais)
devem preceder e articular coerentemente as políticas de corte
setorial, dentro de uma hierarquia de prioridades.
No plano doméstico, é fundamental assegurar coordenação e
consistência entre as diversas políticas de construção da
competitividade. No plano externo, além do reforço à capacidade
regulatória, é urgente assegurar a sua operacionalização de modo
proficiente (por exemplo, em matéria de antidumping e
salvaguardas), considerando: a) o fato de que a reciprocidade se
firma com princípio nas relações internacionais; b) a emergência
da Organização Mundial do Comércio, para a qual é preciso estar
preparado e capacitado; c) o desafio de levar adiante a
harmonização de políticas no Mercosul, assegurando minimamente os
interesses do país; d) a necessidade de parcerias público-
privadas para atrair investimentos diretos e induzir
66
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
comportamentos inovadores (por exemplo, networks industriais e
tecnológicos).
O peso dos fatores sistêmicos e da atuação do Estado não
elude, porém, a importância da missão do setor privado. A
transformação de ameaças em oportunidades no atual cenário
internacional e o aproveitamento de "janelas" de oportunidade e
de "nichos" de competitividade dependem, em grande parte, da
capacitação empresarial para criar sinergias, mobilizar recursos,
negociar contratos e acessar mercados. As novas formas de
investimento direto, de negociação comercial, de aquisição de
tecnologia e de financiamento internacional requerem um papel
ativo das empresas. Estas precisam capacitar-se com urgência para
fazer frente a esses desafios.
RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICA
Serão propostas, a seguir, recomendações de medidas de
política econômica destinadas a reforçar a capacidade do país de
lidar com os condicionantes internacionais na segunda metade dos
anos 90. Referem-se a quatro temas básicos, quais sejam: a)
diplomacia econômica; b) política de comércio exterior (câmbio,
exportação e importação); c) gestão dos fluxos de investimento e
financiamento externo; d) políticas domésticas com impactos sobre
a estratégia internacional, especialmente a regulação da
concorrência interna.
Diplomacia Econômica
O multilateralismo deve ser reforçado como prioridade da
diplomacia econômica brasileira. Para o Brasil, é desejável que o
tratamento das tensões e dos conflitos econômicos internacionais
se processe nos foros em que a geração de regras e de disciplinas
quanto ao uso de instrumentos de política industrial e
tecnológica tenda a seguir um padrão menos restritivo do que
aquele que emerge de negociações bilaterais. A opção por esta
estratégia pode ser fundamentada, ainda, na vocação de global
trader e de global host que o país possui.
Esta opção básica deve apoiar-se numa "linha auxiliar"
calcada na ativação da política externa brasileira para o
continente americano. Uma política externa ativa para a região
deveria pautar-se, hierarquicamente, em:
- uma política para consolidação do Mercosul baseada na
fixação de um mecanismo de regulação das flutuações cambiais
(faixa de variação máxima de 15%); na negociação de uma estrutura
tarifária comum que não signifique uma mudança brusca da atual
estrutura brasileira e que busque ao longo do tempo o equilíbrio
das condições de competitividade no espaço integrado; a
convergência das políticas industriais entre os parceiros visando
o desenvolvimento de novas vantagens comparativas em bens e
serviços de maior valor agregado;
- uma política para os demais países da ALADI, que busque
potencializar as exportações brasileiras para a América Latina
através de acordos de cooperação econômica; e
67
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- uma política frente às iniciativas norte-americanas no
continente, que procure, junto com parceiros do Mercosul, abrir
conversações com os EUA para explorar as condições, as
possibilidades e os custos de uma futura negociação, evitando,
como isso, o imobilismo e uma postura de automarginalização.
Essas diretrizes mencionadas, que têm no Multilateralismo
seu eixo de atuação principal e em uma política ativa para a
América Latina sua principal linha auxiliar, deveriam, ainda, ser
complementadas por políticas específicas para a CEE e para os
países asiáticos, em que pesem as dificuldades previsíveis em
acessar comercialmente tais mercados. No campo dos investimentos
de risco e da cooperação tecnológica, porém, é possível entrever
oportunidades interessantes de parceria que devem ser exploradas
de forma ativa por parte das empresas, com apoio da diplomacia
brasileira.
Política de Comércio Exterior
A política de comércio exterior mais compatível com os
condicionantes internacionais apresentados anteriormente deve
estar pautada numa firme promoção de exportação, com condições
sistêmicas alinhadas favoravelmente; com a rápida
operacionalização dos "mecanismos modernos de proteção" contra
práticas desleais de comércio e, ainda, por medidas destinadas a
suprir falhas de mercado.
As medidas sistêmicas de sinalização e de supressão das
distorções internas são: i) desoneração tributária dos produtos
exportados, de modo a promover a competitividade-preço das
mercadorias nacionais, e ii) a manutenção de uma taxa de câmbio
real estável, garantindo que esse fator não provoque elevação dos
preços dos produtos locais no mercado externo e conceda, ao
agente privado, um horizonte mínimo de planejamento das suas
atividades. A taxa de câmbio, como visto, não deve constituir-se
numa âncora rígida do programa de estabilização sob pena de
inviabilizar todo e qualquer esforço pró-competitividade. A
transição da estabilização para a retomada sustentável do
crescimento exigirá a correção das defasagens cambiais
existentes, para estimular a sustentação das exportações à medida
que se aquece a atividade econômica, com expansão do mercado
interno.
As medidas destinadas a suprir falhas de mercado e a
compensar a atuação de governos estrangeiros sobre suas
exportações constituem a política de promoção de exportações
estrito senso. São elas: i) aperfeiçoamento e efetivação de um
sistema de financiamento de exportações, incluindo a provisão de
seguros e garantias, compensando falhas dos mercados financeiros
e de seguros internacionais, mundialmente reconhecidas, bem como
a atuação de governos estrangeiros nessa área; ii)
reestruturação e valorização do aparato institucional público de
gestão do comércio exterior brasileiro; iii) desenvolvimento de
um sistema de difusão de informações e de marketing dos produtos
nacionais. Quanto a esse último ponto, sugere-se a progressiva
transferência das atribuições do setor público para o privado,
68
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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através da constituição do Centro Brasileiro de Comércio
Exterior, financiado por receita de 0,5% do valor FOB das
importações.
Quanto ao monitoramento das importações, mantida a abertura
comercial, é indispensável para evitar crescimento exagerado (que
comprometa a manutenção de um superávit comercial mínimo) e para
precaver-se de práticas desleais de comércio. A política
tarifária deve ser encarada de forma flexível para lidar com
situações específicas visando manter o estímulo à
industrialização no país, particularmente enquanto perdurarem
condições sistêmicas desfavoráveis (impostos elevados e
distorções tributárias, altas taxas de juros, custos de
transporte, etc.).
No que toca aos instrumentos não-tarifários de proteção
(códigos antidumping, anti-subsídios e de medidas compensatórias
do GATT), recomenda-se desenvolver rapidamente a capacitação
técnico-financeira do Departamento Técnico de Tarifas (DTT),
responsável pela implementação dessas medidas, assim como iniciar
urgentementea discussão acerca de um Código Brasileiro de
Salvaguardas.
O objetivo central da política de comércio exterior deve ser
o de ampliar o peso relativo das transações internacionais,
dentro de limites compatíveis com a dimensão continental e com o
tamanho do mercado interno. A título de ilustração, as
exportações que hoje representam 8,5% do PIB podem crescer para
cerca de 11% (o que significa manter uma taxa média de expansão
de 10% ao ano nos próximos cinco anos, com o PIB crescendo na
média 5% ao ano). As importações, por sua vez, podem ascender dos
atuais 5,6% do PIB (fim de 1993) para cerca de 8%, com
crescimento anual médio de 13% ao ano nos próximos cinco anos. Em
outras palavras, não é recomendável manter o ritmo atual de
crescimento acelerado das importações (25% ao ano em 1993, sendo
de 35% ao ano para as importações exclusive petróleo), o que
coloca em relevo a necessidade de uma gestão realista da política
cambial no futuro.
Gestão dos Fluxos de Financiamento e Investimento Estrangeiros
Em seção anterior, advertiu-se para o risco de entrada
maciça de capitais especulativos de curto prazo, propondo-se a
adoção de uma política de controle e supervisão da entrada de
capitais. Esta política, de competência do Banco do Central, deve
visar o equilíbrio a longo prazo do balanço de pagamentos,
assegurando condições de correspondência entre ativos e
obrigações cambiais. Devem ser incentivados os financiamentos ao
comércio exterior, à capitalização de empresas públicas e à
concretização de novos investimentos. Por outro lado, deve ser
monitorada e regulada a entrada de capitais financeiros de curta
maturação em termos de volume, fluxo e condições para evitar
instabilidades e expansões monetárias indesejadas. A política de
reservas cambiais deve considerar essas "exigibilidades" de curto
prazo mantendo contrapartidas suficientes. A política cambial -
que deve assegurar a estabilidade do patamar real da taxa de
câmbio, tendo em conta o regime cambial global (isto é, as
69
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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posições relativas do dólar, marco e iene) - não deve ser afetada
ou condicionada pelo movimento de capitais nem servir para
incentivar "ganhos" de capital provenientes de swaps cambiais.
No que toca à atração e indução dos investimentos diretos
estrangeiros, deve-se considerar as seguintes proposições,
detalhadas na Parte IV deste relatório:
- a criação de externalidades favoráveis ao investimento
direto estrangeiros através do desenvolvimento de parcerias,
associações e projetos conjuntos com empresas brasileiras. Como
ressaltado anteriormente, o investimento direto vem demonstrando
preferência por formas associativas que lhe permitam compartilhar
riscos, conhecimento do mercado local, rede de assistência, etc.
Portanto, a presença de parceiros aptos, qualificados, com
capacitação técnica e gerencial constitui fator de atração de
capitais. Neste sentido, a política de competitividade, ao
desenvolver a capacitação das empresas do país, estará criando
condições para o florescimento de parcerias com investidores
externos;
- a regulamentação e implementação dos direitos de
propriedade intelectual, de forma equânime e estável, tende a ser
fator positivo para a atração de capitais e parcerias em áreas de
alto conteúdo tecnológico;
- a revisão de restrições setoriais remanescentes
(mineração, telecomunicações e petróleo), assegurada a regulação
competente e eficaz do interesse público, à luz das alternativas
de joint ventures e parcerias;
- acesso das empresas de capital estrangeiros a benefícios e
incentivos da política de competitividade, com a contrapartida de
desempenho inovativo (formação de networks, prática de P&D,
cooperação tecnológica, etc.).
Políticas de Regulação da Concorrência
A política de regulação da concorrência afeta o desempenho
competitivo em duas vertentes:
- ao coibir desvios de conduta segundo critérios de bem-
estar social e abusos econômicos a partir do domínio de condições
privilegiadas de mercado e/ou de superioridade tecnológica;
- ao promover a competição, ampliando a contestabilidade das
posições de mercado, induzindo comportamentos competitivos que
aceleram a capacitação e a inovação. O desenvolvimento de
empresas eficientes, capazes de exportar e competir
internacionalmente esta correlacionado à existência de rivalidade
no mercado interno. Neste sentido, devem estar coordenadas as
políticas de concorrência e de comércio exterior.
O Brasil está adequadamente equipado, em termos de
legislação, para lidar com tais questões. O problema maior reside
no déficit de institucionalização da política de concorrência e
na dificuldade de sua implementação.
70
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2. OS FUNDAMENTOS SOCIAIS DA COMPETITIVIDADE
INTRODUÇÃO
A competitividade tornou-se um imperativo do cenário
contemporâneo, no bojo do processo de rápida mudança tecnológica
e de globalização financeira. A compreensão - e o adequado
enfrentamento - dos desafios trazidos por este conjunto de
transformações deve começar pelo reconhecimento de sua
complexidade e pelo reconhecimento de seus fundamentos sociais.
A construção da competitividade, coetânea à 3ª Revolução
Industrial, não pode prescindir de fundamentos sociais, como
educação básica universalizada, elevada qualificação da força de
trabalho, novas formas de organização do processo de produção,
relações de trabalho cooperativas e mercados que exigem
qualidade. Em suma, fundamentos que significam um mínimo de
eqüidade na sociedade. De outro lado, é essencial reconhecer que
os processos espontâneos de busca da competitividade, através do
jogo das forças de mercado, tendem a provocar efeitos adversos em
matéria de emprego e salários (e portanto de eqüidade social).
As transformações econômicas recentes têm produzido
desemprego crescente nas principais economias industrializadas.
Nem mesmo o período de continuado crescimento dos anos 80 foi
capaz de reduzir o número de desempregados naqueles países, que
hoje supera os 30 milhões. A persistência destes efeitos adversos
em grandes proporções e por longos períodos - inclusive de
crescimento econômico - é reveladora da impossibilidade de
superá-los simplesmente pelo automatismo das decisões privadas.
As recentes propostas de grandes empresas de evitar numerosas
demissões por meio de redução da jornada semanal de trabalho
representa também o reconhecimento do problema. A solução, no
entanto, está a aguardar a discussão e implementação de
mecanismos mais abrangentes, como a redução de todas as jornadas
de trabalho ou o retardamento do ingresso no mercado, que podem
ambos estar associados - promoção da formação profissional e
prolongamento da vida escolar.
Ao lado do desemprego crescente e da capacidade da indústria
de crescer de forma muito elástica em relação aos empregos
industriais, as características dos empregos criados pela
expansão da atividade econômica desde os anos 80 e alguns dos
novos parâmetros das relações de trabalho têm representado
salários médios declinantes para o conjunto dos assalariados:
entre 1973 e 1990 o salário médio semanal nos EUA reduziu-se de
US$ 318 para US$ 258, em valores constantes de 1982 (Mead, 1990,
citado em Lopes et alii, 1993). Ao mesmo tempo, tem havido um
crescente distanciamento entre os segmentos do topo da pirâmide
social e os menos favorecidos. Estas tendências diferenciam
radicalmente os anos 80 dos períodos anteriores de expansão, em
que se verificava um crescimento intenso dos empregos e dos
salários - em termos reais, ou seja, acima da inflação, e acima
do crescimento da produtividade - e em que as distâncias sociais
eram progressivamente encurtadas. O enfrentamento destes efeitos
71
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
sociais adversos tem sido tímido e de resultados nulos ou
limitados nos países desenvolvidos.
Portanto, uma vez que a competitividade depende crucialmente
de fundamentos sociais, mas a sua busca pode produzir efeitos
socialmente adversos, é necessário buscar formas de harmonizar
adequadamente as dimensões econômicas e sociais dos alicerces da
competitividade, por duas razões: para evitar os efeitos sociais
adversos da busca da competitividade e para que aqueles alicerces
não sejam frágeis e efêmeros.
No caso brasileiro, somam-se aos novos elementos que estão
presentes no sistema econômico internacional - desemprego
estrutural, salários decrescentes e crescente desigualdade - os
da herança histórica das fases anteriores do desenvolvimento
brasileiro. O intenso e duradouro crescimento que antecedeu a
crise dos 80 foi incapaz de eliminar o desemprego estrutural e
promover a incorporação da população a formas contemporâneas de
existência econômica. Também não foi capaz de promover a elevação
dos salários. Portanto, as desigualdades sociais - muito elevadas
e de origem remota - acentuaram-se fortemente.
O desafio da busca da competitividade é, portanto, imenso no
caso brasileiro. Este desafio desdobra-se em duas dimensões
básicas. A incompatibilidade do quadro social existente com o
alcance da competitividade exige a superação da herança histórica
e o resgate de imensas frações da população. Ao mesmo tempo, é
necessário reconhecer as dificuldades que decorrem da busca da
competitividade como objetivo prioritário. Estas dificuldades
exigem o reconhecimento preliminar dos novos problemas sociais
que podem emergir e o seu enfrentamento de modo conjunto com a
busca do desenvolvimento com competitividade.
A competitividade encontra-se cada vez mais fundada em
condições sistêmicas de natureza social, que abrangem quatro
dimensões essenciais:
a) o reconhecimento e a legitimação política e social dos
objetivos de competitividade, o que requer um compromisso mínimo
entre competitividade e eqüidade;
b) a qualidade dos recursos humanos envolvidos nos processos
produtivos e na gestão das empresas, em matéria de sua
qualificação, escolaridade, capacitação e grau de iniciativa;
c) a maturidade, respeito e mútuo reconhecimento entre
capital e trabalho em matéria de negociações trabalhistas, que
resultam em sistemas de remuneração que distribuem
eqüitativamente os ganhos de produtividade;
d) o envolvimento amplo e consciente dos consumidores quanto
às exigências de qualidade e de conformidade dos produtos às
normas de saúde, meio ambiente e segurança e à padronização
técnica envolvida.
Estes aspectos são tratados detalhadamente nas seções
seguintes, mas é necessário reconhecer que eles têm uma dimensão
unificadora, traduzida em sinergia, em influências positivas de
cada um sobre os demais. O sistema produtivo voltado para o
desenvolvimento com competitividade é o mesmo que ocupa
72
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
trabalhadores qualificados e portanto se preocupa com a educação
e o sistema educacional. O trabalhador qualificado, ocupado em
funções densas e exigentes e cuja atividade é retribuída
adequadamente preocupa-se com o seu aprimoramento pessoal e com a
educação familiar, assim como tem possibilidades de ascender a
padrões de consumo superiores em termos dos tipos de produtos e
dos seus respectivos atributos, tornando-se um consumidor que
seleciona os produtos e serviços e exige qualidade. O sistema
econômico voltado para o desenvolvimento com competitividade
tende, portanto, a irradiar os parâmetros da qualidade,
garantindo normas institucionalizadas e exigindo o cumprimento de
parâmetros que vão muito além e são mais importantes do que
simples normas legais.
COMPETITIVIDADE E QUALIDADE DOS MERCADOS INTERNOS NOS PAÍSES
DESENVOLVIDOS
A idéia de que mercados internos amplos, sofisticados e
exigentes estimulam a criação de novos produtos e promovem a
diferenciação de atributos e qualidades dos bens e serviços não é
nova. Linder (1961) explicitou claramente esta hipótese,
posteriormente desdobrada por Vernon (1966) para a teoria do
ciclo de produto. As "décadas de ouro" do pós-guerra alargaram o
universo dos mercados de alta renda nos países desenvolvidos. A
difusão acelerada do "padrão americano" de produção e consumo,
com transnacionalização das grandes empresas, políticas
keynesianas de sustentação do crescimento e a ampliação dos
mecanismos de seguridade social (Welfare State), conduziu a uma
convergência da renda per capita nos países ricos (Tabela 1). A
presença de um mercado sofisticado e exigente, indutor do
lançamento de novos produtos e da diferenciação dos já existentes
deixou de ser um privilégio americano. Vernon (1979) reconheceu
este fato e adaptou a sua teoria para explicar a liderança
japonesa e européia na criação de novos produtos a partir dos
anos 70.
TABELA 1
PAÍSES INDUSTRIALIZADOS SELECIONADOS - RENDA PER CAPITA
1960, 1977 e 1990
(US$ norte-americanos)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PAÍS 1960
*
1977
**
1990
**
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Japão 1607 5670 23801
Alemanha 4699 8160 23742
EUA 5693 8520 22062
Canadá 4637 8460 21638
França 3622 7290 21013
Itália 1885 3440 18987
Inglaterra 2905 4420 17083
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
*
Dólares de 1977.
**
Dólares correntes.
73
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Fonte: Banco Mundial e Keizai Koho Center.
O intenso desenvolvimento econômico e social alcançado pelas
principais economias capitalistas no pós-guerra criou as
condições para: a) o crescimento sustentado do emprego e dos
salários reais (acima inclusive do crescimento médio da
produtividade), encarecendo relativamente o preço médio do
trabalho mas, de outro lado, viabilizando o acesso crescente das
massas trabalhadoras ao consumo de bens e serviços
(democratização do consumo); b) a formação desses mercados
internos amplos, que garantem grandes escalas de produção
(atendidas as necessidades básicas das populações em matéria de
habitação, saneamento, saúde, alimentação), e com padrões de
distribuição de renda relativamente equilibrados propiciou a
rápida difusão dos bens de consumo típicos da 2
ª
Revolução
Industrial (bens duráveis de consumo) com notável barateamento
(redução dos seus preços relativos) e quase universalização
destes bens e serviços entre as unidades familiares.
A difusão dos bens duráveis de consumo mais característicos
do padrão industrial prevalecente no pós-guerra deu-se primeiro
nos produtos mais acessíveis (como bicicletas e rádios) e só
depois se estendeu aos mais caros (automóveis e televisores).
Formou-se, portanto, uma base de consumo ampla e acessível a
grandes parcelas da população, base que depois foi
progressivamente alargada, com a incorporação de novos ítens à
cesta de consumo "típica". Em 1960, na Europa, apenas 1/3 das
residências dispunha de refrigerador; 10 anos depois, mais de 3/4
possuíam esse item, que em 1980 praticamente estava generalizado
(93%). A lavadora teve uma trajetória semelhante. Todos os
exemplos mostram uma ampla incorporação da população aos ítens
mais característicos do padrão no nível de renda média
prevalecente, para depois esta incorporação se estender, de forma
acelerada, a outros ítens.
TABELA 2
BRASIL E PAÍSES SELECIONADOS - DIFUSÃO DO AUTOMÓVEL
1957-58, 1980 e 1988
(Habitantes/Veículo)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PAÍS 1957-58 1980
1988
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
EUA 3,2 1,4
1,3
Alemanha 27,8 2,5
1,9
Japão 500,0 3,1
2,3
Canadá 5,3 1,8
1,6
França 14,3 2,5
2,2
74
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Itália 55,6 3,0
2,3
Inglaterra 13,9 2,8
2,3
Austrália 6,8 2,0
1,7
Suécia 11,4 2,7
2,2
Espanha 200,0 4,2
3,1
Argentina 55,6 6,6
5,7
Brasil 142,9 12,1
11,4
México 83,3 12,7
11,0
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: NIESR (1957-58) e ANFAVEA (1980 e 1988).
A universalização da educação básica, a difusão das
comunicações de massa e a própria intensificação dos esforços de
marketing aprofundaram crescentemente a consciência e a
seletividade da escolha dos consumidores, tornando os mercados
mais exigentes e sofisticados em matéria de qualidade, segurança
e salubridade dos bens e serviços.
A convergência dos padrões de renda e consumo com crescente
integração da economia mundial através dos investimentos diretos
externos e do comércio internacional provocou o acirramento e a
ampliação do alcance da concorrência no plano global. A
emergência de novos competidores globais e a aceleração da
mudança tecnológica nos anos 80 tornaram a concorrência mais
ampla e intensa, estimulando as empresas a desenvolverem novas
vantagens competitivas para sustentarem suas estratégias
individuais de expansão. Nesta busca de diferenciação de
vantagens competitivas intensificou-se a velocidade de lançamento
de novos produtos e/ou o desenvolvimento de novos atributos dos
produtos existentes, visando responder com presteza às
preferências e sinalizações dos consumidores. Além dos produtos
em si, as estratégias de resposta e de adequação às preferências
dos consumidores levaram ao desenvolvimento de serviços de apoio,
de assistência técnica e de complementação das necessidades
destes. Neste sentido, não apenas acirrou-se a concorrência como
modificou-se quantitativamente o seu escopo. Além de preço,
muitos novos atributos tornaram-se essenciais: qualidade,
confiabilidade, serviços associados, relacionamento com os
usuários/consumidores, pontualidade de entrega, etc.
A qualidade crescente dos produtos e os seus ciclos de
concepção, desenvolvimento e vida comercial cada vez mais curtos
tornaram-se vitais para as empresas nas suas estratégias de
concorrência, fazendo-as depender de forma crescente - e agora
crucial - de recursos de qualidade na etapa produtiva e em todas
as demais etapas concatenadas diretamente (matérias-primas,
componentes, máquinas e equipamentos, instalações) e
75
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
indiretamente, o que inclui a infra-estrutura física da economia,
os recursos humanos de que a sociedade dispõe e o ambiente social
em seu conjunto. Entre os novos aspectos que se valorizam, está a
própria qualidade - quer dizer, os atributos específicos dos
produtos e serviços - e também a capacidade de desenvolver e
alcançar novos atributos em prazos menores e com custos
decrescentes.
CRISE E DEGRADAÇÃO DA BASE DO MERCADO BRASILEIRO
É imenso o abismo que separa a sociedade brasileira das
sociedades desenvolvidas em matéria de eqüidade e de incorporação
das massas aos padrões contemporâneos de consumo. A formação de
uma verdadeira sociedade de consumo de massas ficou truncada ao
longo do desenvolvimento brasileiro - a herança histórica de uma
sociedade que experimentou três séculos e meio de escravismo com
elevadíssima concentração da riqueza deixou a sua marca. Mas,
além disso, o desenvolvimento capitalista ao longo do século XX
manteve sempre a característica básica de uma modernização
conservadora e restrita:
a) o rápido desdobramento da industrialização no pós-guerra
não se traduziu em salários reais crescentes senão para um
conjunto restrito de trabalhadores. A forte migração rural-urbana
e inter-regional atuou como um freio permanente à subida dos
salários-de-base e do próprio salário mínimo;
b) a ausência de reformas institucionais distributivas
(reforma agrária, reforma urbana), a política salarial
conservadora (especialmente nos vinte anos de regime autoritário)
e a inépcia e dissipação dos recursos das políticas públicas não
auxiliaram a reversão dos fatores estruturais de desigualdade;
c) não se formou, portanto, uma sociedade minimamente
igualitária, onde a ampla democratização das oportunidades
permitisse a ascensão social firme e progressiva da população de
baixa renda. Durante as etapas de crescimento acelerado nos anos
50, 60 e 70, a ascensão social pela criação de novos empregos
funcionou de forma positiva mas parcial e limitada, tendo
estagnado nos anos 80 com a crise econômica. O grave fracasso
qualitativo do sistema educacional frustrou o avanço em direção à
universalização do ensino básico;
d) a rápida urbanização e a metropolização caótica
acumularam imensas carências básicas em termos de habitação,
saneamento, transportes e saúde. Nos anos 80, a pauperização das
massas populacionais marginalizadas ampliou-se: o desemprego
combinado com inflação galopante expropriou os rendimentos
monetários das camadas de baixa renda, agravando a concentração
já elevadíssima da distribuição de renda nacional. O Brasil é,
hoje, uma sociedade segregada: possui uma restrita elite de altas
e médias rendas (10 milhões), uma classe média relativamente
pequena (15 milhões de habitantes), uma classe trabalhadora
pauperizada (80 milhões, incluindo-se as suas famílias) e um
estamento marginalizado de miseráveis (40 milhões de indivíduos).
76
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Os resultados destes fatores em termos distributivos podem
ser verificados nas Tabelas 3, 4 e 5.
TABELA 3
BRASIL - NÚMERO DE FAMÍLIAS E PARTICIPAÇÃO NA RENDA
POR ESTRATO SÓCIO-ECONÔMICO
1989
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
FAIXAS DE F A M Í L I A S
RENDA
SALÁRIO MÍNIMO Número %
%
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Até 2 s.m. 9879464 28,8
4,5
De 2 a 5 s.m. 10643814 31,0
15,6
De 5 a 10 s.m. 6476817 18,8
20,3
De 10 a 20 s.m. 3912694 11,4
24,5
Mais de 20 s.m. 2809927 8,2
35,2
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: PNAD, 1989.
A degradação do mercado interno brasileiro nos anos 80 e no
primeiro triênio dos anos 90 sinalizou numa direção
diametralmente oposta ao que ocorria nas sociedades
desenvolvidas: ao invés de seletividade e de exigência crescente
de qualidade por parte dos consumidores, o mercado interno
pauperizado absorveu tolerantemente bens e serviços de "baixo"
preço e reconhecidamente de baixa qualidade, sacrificando os
demais atributos. As estatísticas de empobrecimento da base da
população brasileira são inequívocas: caiu o consumo per capita
de tecidos, de calçados, etc. Este empobrecimento do mercado está
patente no consumo de produtos básicos: o consumo per capita de
tecidos é de apenas 1/3 do nível dos países industrializados; o
consumo de sapatos reduziu-se de uma média de 3,5 pares por ano
em 1985 para 2,4 pares em 1990, com a agravante de que a
proporção de tipos inferiores (plástico) aumentou de forma muito
significativa. A mesma tendência pode ser constatada em diversos
outros tipos de produtos, incluindo os básicos (como alimentos) e
os eletrodomésticos.
Existem evidências de que produtos de qualidade inferior e
durabilidade limitada foram "desenvolvidos" e introduzidos para
atender a segmentos de demanda da população empobrecida. Há mesmo
segmentos da indústria que sobrevivem com produtos barateados a
qualquer custo, inclusive com recurso crescente a práticas de
mercado predatórias e sonegação fiscal.
77
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Estudos setoriais do Estudo da Competitividade da Indústria
Brasileira (ECIB) constataram diversos exemplos de que a
pauperização da base do mercado interno viabilizou o
florescimento de produtos industriais deliberadamente degradados
(por exemplo, autopeças do mercado "paralelo", materiais de
construção abaixo das especificações mínimas de qualidade, bens
duráveis - eletrodomésticos - simplificados com materiais de
baixa durabilidade, etc.).
Além do empobrecimento da base do mercado interno, o
desempenho deficiente do sistema educacional não contribuiu para
o aumento do nível e da qualidade da escolaridade da população,
dificultando a capacidade de informação e de escolha seletiva por
parte dos consumidores de baixa renda.
É essencial compreender que o desenvolvimento competitivo da
indústria brasileira só pode ocorrer se for acompanhado pela
incorporação da base da sociedade ao sistema moderno de consumo.
O crescimento dos salários reais e a melhoria da distribuição de
renda se, de um lado, implicarão o encarecimento relativo do
fator trabalho, de outro permitirão o alargamento do mercado
interno, viabilizando a difusão ampliada de muitos bens e
serviços hoje restritos às classes de alta renda. A elevação da
renda média de base do mercado trará consigo importantes efeitos
positivos. Permitirá o aumento das escalas de produção de vários
produtos e a produção eficiente de muitos bens e serviços
"populares" (por exemplo, eletrodomésticos, áudio, televisão,
automóveis, vestuário, etc.) com qualidade crescente; posto que a
melhoria das condições do mercado de base tende a exigir
qualidade dos produtos e a superar a situação atual em que o
preço é o único critério de escolha, freqüentemente em detrimento
da qualidade e da confiabilidade.
Mas, além desses efeitos positivos, o alargamento do mercado
interno e a redução da desigualdade social viabilizam outro
fator-chave para o desenvolvimento competitivo: a coesão social e
a legitimidade em torno aos seus objetivos.
A COESÃO SOCIAL COMO FUNDAMENTO DA COMPETITIVIDADE
A eleição da competitividade como objetivo social amplamente
aceito envolve o reconhecimento igualmente amplo de que o
processo não termina no aumento da eficiência e da participação
das empresas nos mercados interno e externos, mas se apóia também
na ampliação da participação de toda sociedade nos frutos desses
aumentos.
O aumento da participação da sociedade nos resultados do
desenvolvimento com competitividade pode ocorrer diretamente, por
meio de emprego, salários e qualidade das relações sociais e de
trabalho, ou indiretamente, na forma de novos produtos e
serviços, privados e públicos, do aprimoramento da qualidade dos
produtos e serviços já existentes, bem como do bem-estar social
de uma forma geral, o que não necessariamente se explicita nas
estatísticas tangíveis.
78
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Só por meio desta vinculação entre desenvolvimento com
competitividade e benefícios sociais é possível pleitear e contar
com a adesão da sociedade ao processo de busca e construção do
desenvolvimento com competitividade, numa fase de desenvolvimento
econômico e social em que os processos produtivos e econômicos de
uma forma geral têm, para ter sucesso, que ir muito além da mera
participação compulsória que decorre da existência de relações
formais de trabalho.
O engajamento dos trabalhadores é fundamental para a
capacidade de colaborar, de participar da produção de forma
criativa, compreendendo e aceitando como válidos os processos
produtivos, seus objetivos, fundamentos e resultados. Para que
este engajamento se efetive é preciso, porém, que a busca da
competitividade seja harmonizada e vinculada a outros objetivos
sociais, como a redução da exclusão social e a ampliação da
participação, a eqüidade crescente, o aumento dos benefícios
sociais imediatos e a percepção de benefícios futuros. Neste
aspecto, dificilmente o quadro brasileiro poderia ser mais
desfavorável. Como é sobejamente conhecido, a distribuição de
renda no Brasil é uma das piores do mundo (Tabela 4).
É importante sublinhar a distância entre os rendimentos da
população da base do mercado de trabalho e as possibilidades em
termos de renda média. Isso pode ser observado pela comparação do
salário mínimo do Brasil e de outros países com as respectivas
rendas médias (Tabela 5).
TABELA 4
BRASIL E PAÍSES SELECIONADOS - DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
Rendimento Médio dos 10% mais Ricos Relativamente
aos 20% mais Pobres
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PAÍS ANO 10+/20- ANO
10+/20-
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Japão 1969 6,9 1979
5,1
Alemanha 1973 9,3 1984
6,9
EUA 1972 11,8 1985
10,6
Canadá 1969 10,0 1987
8,5
França 1970 14,1 1979
8,1
Itália 1969 12,1 1979
8,0
Inglaterra 1973 7,5 1986
7,4
Suécia 1972 6,5 1981
5,2
Espanha 1974 8,9 1980-81
7,1
Coréia do Sul 1976 9,6
79
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Brasil 1972 50,6 1983
38,5
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Banco Mundial.
TABELA 5
BRASIL E PAÍSES SELECIONADOS - RENDA PER CAPITA, SALÁRIO
MÍNIMO MENSAL E ANUAL E PROPORÇÃO ENTRE O SALÁRIO
MÍNIMO ANUAL E A RENDA PER CAPITA
1990
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PAÍS RENDA PC S.M. MENSAL S.M. ANUAL
SMA/RPC
(US$) (US$) (US$)
(%)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Brasil 3000 60 720
24,0
Uruguai 2620 80 960
36,6
EUA 22062 680 8160
37,0
Argentina 2160 98 1176
54,4
México 2010 100 1200
59,7
Espanha 9330 600 7200
77,2
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: IBGE e DIEESE (com informações do Banco Mundial e dos Serviços Diplomáticos).
Mas, além do engajamento dos trabalhadores, é imprescindível
que os empresários e as instituições públicas participem
ativamente da construção da competitividade. O desenvolvimento
competitivo não se coloca como opção, mas como exigência
incontornável. O reconhecimento desta realidade e sua tradução
num objetivo social comum - embora não anule diferenças e
conflitos sociais - só pode realmente orientar as ações dos
atores econômicos na medida em que cada um dos respectivos papéis
seja reconhecido, aceito e respeitado pelos demais atores.
Isto envolve, como ponto de partida, a aceitação da empresa
como um espaço da maior relevância, não apenas para os indivíduos
diretamente envolvidos, mas para o sistema econômico e para a
sociedade. A empresa deve tornar-se cada vez mais um espaço no
qual os empresários e os trabalhadores, reconhecidas e
respeitadas as suas diferenças, superam a dimensão confronto e
reelaboram ou reforçam a cooperação, que fornece a base para a
qualidade, a produtividade, a eficiência, enfim, para a criação
de novas riquezas, que efetivamente revertam também em favor dos
trabalhadores e da sociedade.
80
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Este processo envolve a canalização das energias das
empresas, instituições privadas e públicas para a cooperação no
processo de fixação de metas que possam ser cumpridas, justamente
por serem uma construção que contemplou os anseios e as
possibilidades de cada um dos setores sociais e segmentos
envolvidos. Evidentemente, isto não pode ser obra do acaso, nem
alcançado por mero acidente. É, pelo contrário, uma construção
social, uma engenharia complexa, que requer coordenação eficaz.
Esta coordenação eficaz só pode ser obtida pela ação pública,
quer dizer, do conjunto dos atores no espaço público,
contemplando os interesses diretamente envolvidos em cada questão
específica e os da sociedade em seu conjunto. Da mesma forma,
deve ser afastada ou atenuada a preponderância do imediatismo, em
favor de uma conciliação das soluções que equacionam as urgências
e produzem resultados duradouros e sustentáveis.
A experiência das Câmaras Setoriais deve ser aproveitada e
aprimorada à luz dos resultados já apresentados e também das
potencialidades que elas podem oferecer nesta perspectiva. As
Câmaras Setoriais são um espaço de explicitação dos interesses e
demandas sociais, que poderiam resvalar nos interesses
corporativos menores, mas que devem ser harmonizadas com a
racionalidade de longo prazo e funcionar com critérios de
transparência. Neste caso, superados aqueles problemas, as
Câmaras poderiam ser ampliadas numa institucionalidade superior,
de compatibilização das diversas demandas específicas e de
coordenação das ações.
Estas tarefas impõem a necessidade da redefinição das ações
dos atores e das instituições, como também da sua qualificação
para este processo. A empresa só pode ser eficiente e legitimar-
se perante a sociedade como uma peça fundamental na medida em que
seus dirigentes e trabalhadores estejam preparados para a nova
agenda.
Há três exigências fundamentais para a construção de novos
ambientes competitivos a partir das empresas e locais de
trabalho, permeáveis à eleição desse objetivo como legítimo: (i)
trabalhadores educados e qualificados, (ii) empresas com
objetivos e métodos reconhecidos como socialmente válidos e (iii)
relações de trabalho densas e dinâmicas. Nenhuma destas
exigências, isoladamente, é suficiente; só as três podem,
conjuntamente, produzir resultados efetivos.
Os processos de trabalho só podem ganhar a densidade e as
novas dimensões ligadas à qualidade e ao dinamismo com
trabalhadores qualificados e desejosos de participar. Mas de nada
adianta dispor de trabalhadores qualificados se nas empresas,
além das assimetrias intrínsecas ao sistema social, os
trabalhadores enfrentam ainda o autoritarismo das gerências e a
ausência de reconhecimento por parte dos dirigentes superiores
das empresas.
Da mesma forma, as empresas só podem aproveitar todos os
benefícios da participação e cooperação dos trabalhadores nos
processos de trabalho quando estes são capazes de reconhecer na
81
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
empresa e no trabalho a existência de uma dimensão na qual essa
cooperação pode resultar simultaneamente em maiores benefícios
individuais e coletivos, sem contudo representar perda de
identidade enquanto ator social. São estes os contornos na nova
agenda sócio-política: a busca de um processo de contínuo
aprimoramento das qualidades da produção, do trabalho e da
educação, que exige o reconhecimento dos atores de que os seus
respectivos lugares e papéis são diferentes, mas que apesar disso
existe uma dimensão em que os interesses podem ser convergentes.
A produção, quando se destina à satisfação das aspirações
materiais e culturais da sociedade, interessa a todos. Só pode
ocorrer de forma eficaz e competitiva quando incorpora o trabalho
como realização das potencialidades dos trabalhadores enquanto
seres humanos que desejam desenvolver-se e progredir. Isto requer
formas ativas de participação no processo e nos seus resultados.
Além disso, exige cada vez mais trabalhadores capazes e cidadãos
com discernimento, incorporados de forma permanente aos processos
econômicos e à vida social. Isto representa muito mais do que
qualificação - é educação, para o trabalho e para o
desenvolvimento humano.
EDUCAÇÃO
A crise educacional brasileira aparece hoje com uma
gravidade que a aproxima de um verdadeiro desastre. Há, no
Brasil, mais de 30 milhões de analfabetos, mas o quadro do
desastre educacional vai além: mais de 2/5 das pessoas com idade
igual ou superior a 10 anos não alcançou o quarto ano de
escolarização e 3/5 não passaram do quarto. Entre a população com
idade entre 10 e 17 anos, 3/5 estudam, 13% trabalham e estudam, e
nada menos de 16% já abandonaram os estudos e apenas trabalham. O
contraste com o cenário internacional é gritante e muito
preocupante. Há pelo menos 25 anos que a tarefa da
universalização da educação básica e secundária foi alcançada na
maior parte dos países avançados. Os dados mostram que a
população adulta desses países tinha, já em 1970, cumprido
aproximadamente 10 anos de vida escolar (Tabela 6), permitindo
que as preocupações principais se deslocassem para o
aprimoramento da qualidade e a formação de cientistas.
Em quase todos os países industrializados, a escolarização
já foi universalizada e a população adulta ultrapassou há muito
tempo o período médio de dez anos de desempenho efetivo.
A comparação da situação educacional brasileira com a de
outros países, assim como a sua análise individualizada, permitem
identificar claramente problemas de duas ordens. Em primeiro
lugar, os países industrializados, assim como os países de
industrialização recente mais bem-sucedidos no cenário
internacional, conseguiram democratizar o acesso à educação,
partindo da base: erradicaram o analfabetismo e garantiram o
acesso generalizado à escola básica, depois à secundária e,
finalmente, avançaram fortemente sobre a formação superior e a
ciência e a tecnologia. O exemplo mais eloqüente deste movimento
é o da Coréia (Tabela 7), que partiu de uma situação muito
desfavorável e em poucos anos generalizou o acesso à educação
82
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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elementar, básica e média, e presentemente já não coleta
estatísticas sobre alfabetização, problema superado.
TABELA 6
PAÍSES SELECIONADOS - ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO
ENTRE 25 E 64 ANOS
Número de Anos por Nível de Ensino
1970
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PAÍS PRIMÁRIO SECUNDÁRIO
SUPERIOR
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Alemanha 4,00 5,13 0,23
EUA 5,80 4,75 1,05
Japão 6,00 3,98 0,44
Canadá 5,83 4,15 0,56
França 5,00 4,31 0,56
Inglaterra 6,00 4,12 0,29
Itália 4,40 2,27 0,24
Bélgica 6,00 3,68 0,62
Dinamarca 5,00 4,25 0,45
Finlândia 6,00 2,59 0,39
Holanda 6,00 2,70 0,44
Noruega 7,00 1,81 0,47
Suécia 6,00 2,68 0,65
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Maddison (1982).
TABELA 7
CORÉIA DO SUL - INDICADORES EDUCACIONAIS E DO SISTEMA
DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
1953, 1970 e 1987
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO 1953 1970 1987
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Alfabetização (%) 22 89 99
Escolaridade Elementar (6-11 anos) (%) 60 103 100
Escolaridade Básica (12-14 anos) (%) 21 53 99
Escolaridade Média (15-17 anos) (%) 12 29 83
Escolaridade Superior (%) 3 9 26
Cientistas e Engenheiros (nº) 4157 65687 361330
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Laboratórios de P&D de Empresas 1 455
Pesquisadores (nº) 5320 52783
- Institutos de Pesquisas Públicos 2477 9184
- Universidades 1918 17415
- Indústria 925 26104
83
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
P&D/PNB 0,1 0,3 0,9
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Dosi & Freeman (1992).
Em relação a isto, a situação brasileira tem ainda problemas
muito graves, patentes, de forma gritante, em todos os níveis
educacionais: no analfabetismo, na qualidade da educação básica e
no fato de que apenas uma pequena parte da população teve acesso
ao secundário.
Há, ainda, o problema da eficácia e da qualidade do ensino,
traduzido no número declinante de matrículas por série escolar e
nas elevadas taxas de reprovação e de evasão. Os indicadores de
desempenho do ensino agravam muito este quadro.
TABELA 8
BRASIL - INDICADORES EDUCACIONAIS
a) Relação Matrículas/População (1985)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO MATRÍCULAS POPULAÇÃO NA FAIXA ETÁRIA %
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Primário (7 a 14 anos) 20.187.990 24.251.162 83,2
Secundário (15 a 19 anos) 1.998.225 13.869.631 14,4
Superior 1.367.609 - -
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
b) Matrículas por série (1973, 1983 e 1985)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª
Total
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1973 33,5 17,3 13,4 11,0 9,1 6,8 5,2 3,7
100,0
1983 28,3 16,8 13,5 11,0 11,0 8,0 6,4 5,0
100,0
1985 27,2 18,2 13,6 11,0 11,1 7,9 6,2 4,8
100,0
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
c) Taxa de Reprovação (1973, 1983 e 1984)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª
Total
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1973 27,2 19,5 12,5 11,4 18,2 16,3 13,0 8,8
19,0
84
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
1983 34,2 24,3 19,9 16,3 31,0 27,2 21,2 14,2
26,0
1984 28,6 23,6 19,4 16,3 32,1 25,6 20,3 13,8
24,9
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
d) Taxa de Evasão (1973, 1983 e 1984)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª
Total
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1973 11,9 7,7 6,8 5,9 2,3 2,4 4,5 3,5
7,6
1983 8,4 10,9 11,2 10,7 18,1 14,0 17,1 15,6
11,9
1984 20,0 13,9 12,3 11,6 20,1 17,7 17,1 14,0
15,3
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: MEC/SEEC.
Dados recentes (apresentados pelo Prof. Sérgio Costa
Ribeiro) mostram que, embora o acesso ao primário seja
praticamente generalizado, o tempo médio de permanência nos 8
anos regulares é de 8,7 anos - de 6,4 anos para os que abandonam
sem concluir e de 11,8 anos para os que concluem. Entre os que
concluem, 34% dos ingressantes, apenas 2 a 3% o fazem sem
repetência. Nada menos do que o equivalente a 21 anos de ensino
são necessários para cada aluno que completa o ensino primário.
A comparação do quadro educacional brasileiro com países
mais próximos também é muito pouco animadora, como mostra a
Tabela 9, para os países do Mercosul, o Chile e o México.
TABELA 9
PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO SELECIONADOS - ANALFABETISMO
E NÍVEL DE ENSINO
1970-1990
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
a) Analfabetismo (%)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PAÍS 1970 1980 1990
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Brasil 33,8 25,5 18,9
Argentina 7,4 6,1 4,7
México 25,8 16,0 12,4
Chile 11,0 8,9 6,6
Uruguai 6,1 15,3 11,9
Paraguai 19,9 12,3 9,9
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
b) Primeiro Grau
85
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
IDADE 1970 1980 1988/1991
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
7-14 78,7 98,9 108,0
6-12 113,6 111,4 111,6
6-12 105,5 120,9 115,3
6-13 104,8 112,7 99,4
6-11 112,1 107,0 107,5
7-12 104,9 103,7 109,5
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
c) Segundo Grau
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
IDADE 1970 1980 1988/1991
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
15-17 15,7 33,6 39,0
13-17 44,6 56,0 68,8
12-17 22,0 48,6 49,5
14-17 37,9 61,5 74,0
12-17 60,9 58,9 83,9
13-18 15,3 29,6 30,7
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
d) Terceiro Grau
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
IDADE 1970 1980 1988/1991
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
15-17 5,1 11,9 11,2
13-17 14,9 21,6 40,8
12-17 5,8 14,9 13,1
14-17 9,7 10,8 18,8
12-17 10,0 17,3 50,4
13-18 4,4 7,4 4,8
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: CEPAL-ONU, Anuário Estatístico de America Latina e Caribe, 1992.
A situação brasileira é, no entanto, mais grave do que
deixam antever as estatísticas sobre a cobertura educacional,
pois o avanço quantitativo ocorreu sem concomitante aprimoramento
dos conteúdos e do aprendizado, e freqüentemente representou uma
grande degradação. Exatamente por este quadro, de verdadeiro
desastre, é que as propostas para a superação da atual fase
crítica do sistema educacional brasileiro são profundas e
abrangentes. Em nenhum caso, as propostas podem excluir
iniciativas, só somá-las.
A superação da verdadeira calamidade educacional impõe
alguns desafios. O principal destes desafios é o do necessário
86
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
reconhecimento de que a educação pública é fundamental; e vai
muito além de escola pública, no sentido de estatal e gratuita. A
educação é pública quando ela cumpre simultaneamente alguns
requisitos: quando educar e ser educado tem reconhecimento
social; quando o sistema educacional não discrimina socialmente e
é capaz de ajudar na superação das diferenças e distâncias
sociais; quando o educar atende a objetivos econômicos e sociais,
sendo capaz de formar trabalhadores e cidadãos, aptos tanto para
o trabalho como para a vida, cada vez mais complexa, em
sociedade.
A tarefa de reconstruir a escola pública passa pelo
envolvimento amplo, das instituições propriamente escolares e da
sociedade. Este envolvimento inclui a definição das novas
necessidades educacionais, de formação e qualificação, passa pela
gestão das instituições escolares e alcança também o
aproveitamento adequado dos recursos utilizados e dos resultados
obtidos.
Há um novo perfil de trabalhador que só pode ser alcançado
com um sistema educacional renovado. O novo trabalhador tem que
ter conhecimentos básicos sólidos, grande capacidade de
aprendizado, de ser treinado e treinar-se para o exercício de
funções constantemente renovadas e reformuladas, ter iniciativa
para defrontar-se com o imprevisto, cada vez mais comum nas
situações cotidianas, e ter polivalência e capacidade de
comunicação. Por isso, o sistema educacional, ao lado das tarefas
tradicionais de melhorar a qualidade do ensino básico e ampliar a
cobertura do segundo grau, tem que ser capaz de renovar-se no
sentido de privilegiar novas aptidões, especialmente o
desenvolvimento daquelas que, de forma dinâmica, podem ser
construídas em paralelo às modificações nos processos de
produção.
É evidente que estes requisitos representam novas exigências
sobre o sistema educacional. O sistema educacional terá, para
responder a estas exigências, que modificar-se profundamente.
Terá que ser capaz de produzir importantes modificações
institucionais e políticas. O professor está no centro do
processo educacional e tem que ser valorizado no essencial das
suas tarefas, que está na sala de aula, a partir de cujo
desempenho terá que ser premiado, de forma diferenciada, com base
em índices de rendimento, levando em consideração a sua qualidade
e o seu trabalho de retreinamento. Para que isto seja possível, a
gestão escolar tem que ser simplificada e desburocratizada, com
descentralização, municipalização e democratização, formas de
vincular a instituição escolar à comunidade.
Em termos das proposições para educação e qualificação, a
multiplicidade de questões que decorrem da análise do panorama
educacional brasileiro torna necessária a determinação de
prioridades de ação, que deverão orientar o tratamento da relação
entre educação e qualificação profissional, de acordo com os
novos padrões de competitividade. A determinação destas
prioridades ocorre a partir de seis recomendações básicas:
87
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
a) No que se refere aos recursos humanos, o maior problema
da indústria brasileira, como todas as pesquisas mostram, é a
baixa escolaridade dos trabalhadores, o que resulta em
dificuldades de adaptação aos novos requisitos, mesmo quando se
trata de treinamentos operacionais.
b) É preciso que se estabeleçam novas formas de articulação
entre o sistema produtivo e o sistema educacional, visando,
simultaneamente, a elevação da escolaridade da população e a
qualificação dos recursos humanos.
c) Estas novas formas de articulação devem privilegiar a
repartição de responsabilidades entre escola e empresa. O Estado,
através dos sistemas públicos de ensino, deve se dedicar à
universalização da educação básica - ensino de 1
º
e 2
º
Graus de
educação geral, que é a base da qualificação. A qualificação dos
trabalhadores deve ser assumida em comum pelas empresas e
organismos dos trabalhadores, levando em conta os seus múltiplos
e diferentes interesses.
d) A qualificação profissional diz respeito, agora, à posse
de uma escolaridade básica, de educação geral. Nesse sentido, as
empresas, diretamente ou por intermédio de suas instituições
educativas (SESI e SESC) e de formação profissional (SENAI e
SENAC), devem oferecer oportunidades de ensino supletivo de
educação geral aos trabalhadores adultos semiqualificados e de
pouca escolaridade, que encontram problemas para o retorno à
rotina escolar.
e) Os recursos públicos vinculados por lei à Educação devem
financiar a educação geral (o ensino regular de 1
º
e 2
º
Graus),
enquanto os gastos com a qualificação (incluindo a formação
específica oferecida nos cursos técnicos de 2º Grau) deverão ser
assumidos pelas empresas.
f) Os sindicatos de trabalhadores devem participar da gestão
dos sistemas públicos de ensino e das instituições de formação
profissional, especialmente no que se refere à implantação de
programas de requalificação da mão-de-obra.
A proposta começa pelo aspecto básico, que é a formação de
professores, e inclui: a extinção dos atuais cursos de
Habilitação ao Magistério; a recriação das redes estaduais de
Escolas Normais; reformulação dos Cursos de Pedagogia; a criação
de poucas e boas Escolas Normais Superiores; a descentralização
dos cursos de Licenciatura; o apoio, nas Universidades, aos
cursos de Ciências Básicas (Matemática, Física, Química e
Biologia) e das Ciências Humanas/Sociais que oferecem
Licenciaturas; a revalorização da Prática de Ensino nos Colégios
de Aplicação e nos Cursos Normais. Além disso, deve contemplar
também a reciclagem de professores, com as seguintes ações:
fortalecimento dos Centros de Formação e Aperfeiçoamento do
Magistério (CEFAMs), para atividades permanentes de atualização e
retreinamento de professores do ensino básico; expansão das
atividades de Extensão Universitária voltadas para a reciclagem
de professores do ensino básico; e criação de mecanismos de
incentivo à reciclagem e atualização permanente (bolsas,
progressão funcional). Finalmente, há que considerar a
revalorização da carreira, com as ações: elevação dos salários
atuais; estruturação de Planos de Carreira, com mecanismos de
progressão funcional vinculados tanto à qualificação quanto ao
desempenho em sala de aula; e incentivos salariais à permanência
88
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
em regência de classe, de modo a desestimular o abandono das
salas de aula, em troca de funções burocráticas; incentivos
salariais especiais aos professores do ensino básico dedicados ao
atendimento dos segmentos mais problemáticos; responsabilidade
financeira da União na complementação dos salários dos
professores do 1
º
Grau, nas regiões e localidades que não tenham
recursos suficientes para o financiamento dos novos planos de
carreira, desde que o Estado ou Município em questão já esteja
aplicando na Educação a totalidade dos percentuais exigidos por
lei (para isto, a legislação atual, que proíbe a União de
realizar tal iniciativa, precisa ser alterada).
Além das ações específicas para o Magistério, outras medidas
devem ser tomadas, relativas à estrutura e ao funcionamento do
ensino básico: expansão do atendimento ao pré-escolar; aumento da
jornada escolar, nos sistemas públicos, nas quatro primeiras
séries do 1
º
Grau; revisão dos conteúdos curriculares do ensino
de 1
º
e 2
º
Graus, com vistas, no 1
º
Grau, ao atendimento da
aquisição de competências básicas - raciocínio, linguagem,
capacidade de abstração, etc. - fundamentais à participação do
indivíduo na sociedade moderna; no 2
º
Grau, além da continuidade
desses objetivos, acrescente-se o da oferta de uma sólida base de
conhecimentos técnico-científicos; definição de um padrão
nacional mínimo de educação básica; extinção das diferenciações
curriculares entre as escolas de 2
º
Grau de educação geral e
aquelas atualmente dedicadas ao ensino técnico; na rede pública,
a prioridade no ensino médio deve ser para o 2
º
Grau regular, de
educação geral, com ampliação das vagas em horário noturno, em
locais acessíveis, para atender aos jovens trabalhadores, cuja
demanda por este nível de ensino tem aumentado muito.
No que se refere ao ensino superior, as principais propostas
são: reforço dos cursos de Ciências Básicas; aumento da oferta de
vagas, nas Universidades Federais; combate à excessiva
fragmentação profissional e à especialização precoce; inclusão de
disciplinas das "Humanidades" nos currículos de graduação das
Engenharias; retomar e implementar de fato a idéia de Ciclo
Básico, no intuito de fornecer uma formação universitária
abrangente, não especializada; a pós-graduação deverá se tornar
mais flexível nos seus conteúdos e na sua estrutura; abertura da
Universidade, especialmente a pós-graduação, para profissionais
com grande experiência, em condições de contribuir para a geração
de conhecimentos, ainda que não possuam o currículo normalmente
associado à carreira universitária; concentração de esforços da
Extensão Universitária na colaboração com programas de
reciclagem profissional em todos os níveis; e, para viabilizar
estes objetivos, a autonomia universitária deve vir acompanhada
de práticas de gestão mais profissionais, com vistas à maior
captação de recursos próprios, tanto através de melhor gestão do
patrimônio, como de maior cooperação com o sistema produtivo.
As propostas para a qualificação profissional incluem:
incentivar as novas modalidades de cooperação entre o setor
produtivo e as Universidades, participar no esforço de melhoria
do ensino público de 1
º
e 2
º
Graus, efetivar a abertura de
oportunidades educacionais nos espaços fabris (escolas anexas às
fábricas) e criação de facilidades para que seus empregados menos
89
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
escolarizados possam completar sua educação básica, a gestão dos
programas empresariais de formação profissional deve contar com a
participação de representantes dos trabalhadores. Além destas, há
um conjunto de medidas que dizem respeito às instituições
educativas administradas por órgãos representativos das empresas,
que se referem à sua adequação aos novos requisitos de
qualificação profissional e à colaboração que através delas pode
ser dada ao esforço de elevação da escolaridade básica dos
trabalhadores: utilização da capacidade instalada da rede do
SESI - pela sua menor dimensão e maior disponibilidade de
recursos - em programas de apoio aos sistemas públicos de
ensino, para o desenvolvimento de projetos experimentais, visando
a produção de inovações pedagógicas para posterior difusão na
rede pública; utilização dos espaços ociosos do sistema SENAI, em
parceria com toda e qualquer agência capaz de oferecer educação
básica, regular ou supletiva, para a oferta de oportunidades de
educação geral aos jovens e adultos pouco escolarizados; abertura
das instituições de formação profissional aos menos
escolarizados, empregados ou não, em programas de
profissionalização que contemplem também a oferta de educação
geral; reestruturação dos cursos regulares das instituições de
formação profissional, privilegiando o desenvolvimento de uma
"cultura tecnológica", com a substituição das disciplinas
instrumentais por uma base sólida de conteúdos técnico-
científicos amplos; preservação dos recursos provenientes das
contribuições sobre a folha de pagamentos exclusivamente para as
atividades que atendam aos interesses gerais da indústria, com os
treinamentos do tipo firm specific financiados integralmente
pelas empresas demandantes; colaboração dos Centros de
Desenvolvimento Tecnológico do SENAI com as empresas na
experimentação e difusão de novas técnicas de organização do
trabalho, com vistas a diminuir os riscos e as incertezas
inerentes aos programas de reestruturação.
Quanto ao papel - decisivo - dos sindicatos e instituições
representativas dos interesses dos trabalhadores, é fundamental
que o acesso da população em geral a um ensino básico de
qualidade seja considerado um item estratégico nas conversações e
negociações entre sindicatos e Governo. A maior oferta de
oportunidades de complementação da escolaridade básica e de
formação profissional, inclusive em programas de requalificação,
deve merecer maior atenção dos sindicatos nas pautas de
negociação e as entidades sindicais devem participar da gestão
das instituições de ensino, tanto nas agências de formação
profissional como nas redes públicas, assim como da formulação e
acompanhamento da implementação de planos e políticas de educação
básica regular, nos três níveis da administração pública. Além
disso, e conforme o previsto no projeto da LDB, as entidades
sindicais devem buscar participar, nas instituições de ensino
superior, da definição de ações e projetos que atendam aos
problemas do ensino básico, principalmente no que se refere às
necessidades de atualização e requalificação de trabalhadores.
AS RELAÇÕES DE TRABALHO
As grandes transformações que estão ocorrendo nos processos
produtivos - industriais em particular, mas também nos serviços -
90
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
colocam grandes desafios para o trabalho. As transformações
tecnológicas são um desafio permanente. Os processos produtivos,
no passado, mudavam apenas lentamente; e o mesmo ocorria com as
suas exigências para com a qualificação dos trabalhadores.
Atualmente, em face das novas tecnologias e da rapidez das
transformações que elas acarretam, assim como da necessidade
crescente de qualidade, o sistema produtivo tem que ser capaz de
dar respostas rápidas e aprimorar-se constantemente. Isto tem
inúmeras exigências, sobre cada um dos atores e, em especial,
sobre a sua interação.
O sistema produtivo assentado na distribuição de tarefas
entre os diversos participantes (trabalhadores diretos,
supervisores, gerentes), de forma estática, com responsabilidades
bem delimitadas e estritamente hierarquizadas, é um entrave à
busca dos novos atributos. Cada um dos participantes do processo
produtivo, cuja hierarquia rígida está sendo diluída, tem agora
novas tarefas. Nestas, destaca-se a interatividade, que se inicia
com a capacidade de compreender e formular problemas, é apoiada
na capacidade de comunicar-se e estende-se à busca coletiva de
soluções.
Isto só pode ocorrer, no entanto, a partir de mudanças
substanciais nas relações autoritárias e de distanciamento que
ainda reinam no chão-da-fábrica e entre este e as funções que
eram entendidas como superiores. Os trabalhadores envolvidos mais
diretamente na produção têm que ser estimulados a ter
participação mais efetiva, inclusive com novos esquemas de
remuneração do desempenho e por produtividade, mas as demais
camadas - gerências médias e supervisores - têm que ser capazes
de descentralizar decisões, de assumir os ônus dos esquemas
participativos, de entender os processos interativos como
necessariamente em ambos os sentidos e mais democratizados.
Além disso, a participação efetiva dos trabalhadores envolve
o seu reconhecimento e valorização coletiva. É impensável que os
trabalhadores sejam individualmente estimulados à participação
enquanto lhes é negado o direito à organização coletiva. Isto
coloca desafios para as empresas: a aceitação do diálogo
permanente e institucionalizado com os trabalhadores e suas
múltiplas organizações de representação. Esta aceitação envolve o
reconhecimento de que existe - e continuará a existir - o
conflito, mas também a participação e a cooperação.
É também neste contexto que a agenda das relações sociais e
trabalhistas coloca hoje o contrato coletivo. Compreende-se que o
contrato coletivo é, no contexto das relações trabalhistas
existentes no Brasil, um avanço significativo, capaz de
consolidar as práticas mais modernas e propiciar e
institucionalizar novos avanços. O contrato coletivo, no caso
brasileiro, em que o mercado de trabalho tem características
muito diferenciadas (segundo os setores de atividade econômica,
as regiões, as empresas), deverá levar em conta esta diversidade.
Para isso, terá que ser implementado em níveis diferentes e
articulados: sobre uma base nacional comum, contemplando as
diferenças e especificidades setoriais (setores mais ou menos
modernos, organizados e avançados), regionais (regiões mais ou
91
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
menos desenvolvidas) e empresariais (empresas maiores ou menores,
mais ou menos organizadas). Portanto, o contrato coletivo é uma
instituição reguladora do mercado e das relações de trabalho a
ser implementada de forma a garantir uma base de direitos
universais, protegendo os setores e segmentos mais
desarticulados, de forma concomitante com acordos e cláusulas
adicionais para os setores mais organizados e avançados. O papel
da Justiça do Trabalho deve ser repensado nesse contexto e
transformado num instrumento de arbitragem pública livremente
acessado pelas partes. A implementação dessas recomendações
poderá exigir alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT).
O contrato coletivo, contudo, para ser uma proposta moderna
e coerente com o desenvolvimento econômico e a competitividade,
requer dos atores sociais e dos trabalhadores em particular novas
responsabilidades, como uma visão articulada para o
desenvolvimento nacional, propostas de política industrial para
os setores de atividade econômica e as cadeias produtivas, assim
como propostas para as estratégias das empresas e para as
unidades fabris.
Em termos das proposições para as relações de trabalho e a
proteção social, propõe-se um conjunto de encaminhamentos para
uma Comissão Tripartite de Revisão do Sistema de Relações de
Trabalho e para as Câmaras Setoriais. Estas devem ser
consideradas um locus privilegiado para acordos parciais e
setoriais entre trabalhadores, empresários e governo nas questões
relativas tanto a uma política negociada de rendas quanto para
questões relativas à difusão de novas tecnologias e métodos
organizacionais. No que concerne às políticas sociais, as
recomendações sugeridas podem e devem ser encampadas nestes
fóruns, mas se dirigem mais exatamente à instância legislativa,
tendo em vista, inclusive, a proximidade das reformas
constitucionais.
O contrato coletivo de trabalho deve ser entendido como
instrumento básico e definidor das relações capital-trabalho
visando um crescente envolvimento e reciprocidade entre as
partes. Ele deve a) explicitar e buscar formas de resolução
negociada dos conflitos; b) criar um clima favorável à difusão de
novas técnicas de automação industrial e técnicas organizacionais
através de maior envolvimento dos trabalhadores e maiores
perspectivas de qualificação; c) dar maior estabilidade no
emprego concomitante a uma maior flexibilidade funcional; d)
promover a participação dos trabalhadores nos resultados das
empresas e a diminuição do leque salarial e das hierarquias.
Quanto aos mecanismos de proteção social, deverá haver a
definição das competências públicas e privadas, através de: a)
manutenção de um sistema público de seguridade incluindo a
previdência social, o sistema de saúde universal e assistência
social; b) descentralização/municipalização das ações de saúde e
assistência social; c) efetivação de medidas de controle
gerencial e fiscalização do processo de concessão de benefícios
previdenciários; d) revisão da aposentadoria por tempo de serviço
com a instituição da exigência de idade mínima cumulativamente ao
92
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
número de contribuições; e) redefinição das aposentadorias
especiais; f) revisão do número de benefícios e maior
seletividade na sua concessão; g) introdução de mecanismos de
seletividade na oferta de alguns serviços médicos; h)
coexistência da previdência pública básica com a previdência
complementar pública ou privada, fechada ou aberta; i)
regulamentação de esquemas privados de seguridade:
estabelecimento de regras de funcionamento, de aplicação de
recursos no caso da previdência e do alcance do atendimento no
caso da saúde; j) estabelecimento de laços de complementaridade
efetivos entre previdência pública e privada a partir de
negociações coletivas descentralizadas, guardados os limites
estabelecidos pela negociação; k) redefinição do seguro-
desemprego, incorporando-o a um plano mais abrangente de amparo
ao trabalhador com vistas a formação, treinamento e reciclagem. O
FAT, principal fonte de recursos, deve permanecer no BNDES e da
sua gestão devem continuar a participar os trabalhadores.
Em termos de recomendações às empresas, é fundamental o
reconhecimento da importância das comissões de trabalhadores em
nível de empresa e do direito das comissões e representação dos
sindicatos à livre informação sobre a política das empresas. Para
isso, propõe-se: a) no exercício da gestão participativa, há que
levar em consideração o fato de que a persistência de condições
sociais - incluindo de trabalho e de vida - muito adversas
dificulta que a participação possa ocorrer de forma informada,
imprescindível para conferir-lhe efetividade e resultados
adequados; assim, é necessário que a busca de formas de gestão
participativa esteja ancorada na superação das carências mais
graves e dificuldades mais prementes que ainda atingem amplos
segmentos da população trabalhadora; b) a participação dos
trabalhadores nos fundos de pensão e nos planos de saúde das
empresas; c) a redução do níveis hierárquicos e do leque
salarial; d) a introdução de esquemas de remuneração por
resultados negociados com os empregados da empresa, sem
substituir ou complementar a remuneração salarial devida (nos
termos do Substitutivo do Projeto de Lei nº 4580 de 1990); e) o
envolvimento de todos segmentos da força de trabalho em programas
de treinamento para a qualidade; f) a renovação e reciclagem das
gerências intermediárias, visando obter maior colaboração desses
segmentos para um gerenciamento mais participativo.
O PAPEL DOS CONSUMIDORES E DA QUALIDADE DO MERCADO
A qualidade dos recursos humanos de que dispõe a sociedade
evidentemente depende do sistema educacional e da preocupação das
empresas e demais instituições sociais, incluindo os sindicatos
patronais e de trabalhadores, para com o tema, mas vai muito
além. Da mesma forma que o sistema produtivo precisa de
trabalhadores bem formados, aptos para tarefas cada vez mais
complexas e cambiantes, também a competitividade depende de
consumidores qualificados, exigentes, capazes de reconhecer e
valorizar atributos dos produtos e serviços para além de preço e
quantidade.
93
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Como visto anteriormente, dispor de mercados amplos e
dinâmicos representa uma vantagem competitiva importante, mas que
no Brasil permanece inexplorada e deformada, pela segregação
social. O Brasil possui um mercado efetivo que é, apesar de tudo,
ainda muito significativo, mas poderia ser muito maior e melhor,
se convenientemente desenvolvido e aprimorado. Este mercado, no
entanto, divide-se entre alguns segmentos, excessivamente
diferenciados e muito afastados, pelas distâncias sociais, que
criam verdadeiros abismos entre as formas básicas - e
crescentemente empobrecidas - de consumo e outras formas de
consumo, consideradas mais contemporâneas, e que são efetivamente
diversificadas e diferenciadas.
Evidentemente, esta segmentação do mercado de consumo reduz
ou até mesmo elimina muitos dos efeitos - positivos sobre a
competitividade - que a posse de um mercado amplo e dinâmico
deveria ter sobre o conjunto do sistema econômico. Um mercado
amplo e dinâmico é muito mais do que apenas um mercado grande e
com elevado crescimento. Um mercado amplo e dinâmico é um mercado
de muitos produtos, muitas preferências, muitas variações
potenciais e escolhas efetivas, capaz de desenvolver-se ao longo
do tempo, tanto pela incorporação de novos consumidores como pela
criação de novas preferências, de novas exigências, de novos
atributos.
Enfim, um mercado amplo e dinâmico é principalmente aquele
em que os consumidores são capazes de evoluir e criar demandas,
em que as empresas são capazes de aproveitar-se dos "insumos" que
recebem dos consumidores e ambos vão, de forma interativa,
enriquecendo e dinamizando a produção e os mercados. Neste
processo, desenvolve-se concomitantemente a aderência dos
consumidores aos produtos, às marcas e aos produtores e são
percebidas e aproveitadas novas possibilidades comerciais em
outros mercados. A identificação de novas oportunidades de
desenvolvimento dos produtos existentes, o próprio lançamento de
novos produtos e o constante aprimoramento dos produtos
existentes são, portanto, aspectos de um processo muito
importante que não se confina aos limites da produção.
O papel da identificação dos consumidores com os produtos e
marcas locais é extremamente importante também em vários outros
sentidos. Primeiro, pelo fato de permitir um relacionamento
duradouro, estável e positivo entre produtores e consumidores,
com todos os efeitos potencialmente sinérgicos já indicados.
Segundo, como mostram as experiências internacionais (por exemplo
o Japão), a fidelidade dos consumidores perante os fabricantes
cumpre também as funções de proteção dos fabricantes locais (como
uma barreira não-tarifária), seja contra práticas predatórias de
produtores externos, ou simplesmente dando-lhes, pela inércia das
decisões dos consumidores, tempo suficiente para eventualmente
reagirem ao lançamento de novos produtos ou a mudanças nas
condições de produção que alterem de forma significativa os
custos e os preços dos produtos. É claro que esta postura não é a
dos consumidores estritamente objetivos que são descritos nos
livros (antigos e novos mas antiquados), e supõe indivíduos
conscientes, consumidores capazes de identificar-se com marcas,
94
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
histórias passadas e possíveis desenvolvimentos futuros. Mais uma
vez, também neste caso a competitividade envolve dimensões que
habitualmente são excluídas das análises econômicas mais rígidas,
mas que são intrínsecas aos comportamentos humanos e dos
indivíduos nos atos de consumo.
Haveria argumentos contrários àqueles aqui apresentados e
indicando que a economia brasileira, a sua população e os seus
padrões de consumo estão ainda numa fase que torna remotos e
improváveis os efeitos-qualidade que podem advir de consumidores
e padrões de consumo exigentes. A globalização do consumo seria
uma tendência de países industrializados muito avançados, muito
distantes da realidade brasileira. No entanto, é necessário
antepor a estes argumentos o fato de que os padrões - superiores
e cada vez mais internacionalmente aceitos - de qualidade não se
referem apenas aos produtos sofisticados, que no Brasil estão
restritos a limitados segmentos da população. Pelo contrário, os
padrões superiores e internacionalizados de qualidade estão
presentes num número cada vez maior de produtos, em alguns casos
com força legal (normas de segurança e ambientais), em outros
simplesmente pelo fato de os consumidores - diretamente ou por
ação da influência de um outro produtor - já puderam ter acesso
a eles e os preferiram.
OS NOVOS DESAFIOS
A superação do déficit competitivo brasileiro passa,
portanto, por um amplo conjunto de desafios, em todos os casos
inadiáveis. Começa pela mudança cultural e de postura dos atores
sociais, incluindo os trabalhadores, os empresários, os
consumidores e as instituições governamentais e públicas, que têm
agora que voltar-se para novas tarefas e exigências. A primeira,
mais básica e mais importante, é a do desafio educacional,
associado à integração e ao avanço social. É necessário
reconhecer e enfatizar que o desenvolvimento competitivo não pode
ser alcançado enquanto estão excluídos largos contingentes da
população e subsistem em atividades marginais outras importantes
frações. A integração dessas parcelas da população à economia e à
cidadania é fundamental e concorre no sentido de promover o
desenvolvimento de um mercado interno amplo e dinâmico, capaz de
desenvolver-se no sentido das exigências internacionais, cada vez
mais amplas e rígidas, associadas a qualidade, segurança e
respeito ao meio ambiente e aos recursos naturais. É também este
mercado que poderá desenvolver consumidores aptos à interação
dinâmica com as empresas, seja dotando-as de estímulos e
informações para o desenvolvimento de novos produtos e atributos,
seja antepondo barreiras temporárias à ação predatória de rivais.
No seio das empresas e do trabalho, o desafio é o da
necessidade de novas organizações sindicais e trabalhistas,
adequadas ao dinamismo da fase atual de desenvolvimento da
economia e da sociedade. As organizações dos trabalhadores e das
empresas não podem alhear-se das tarefas e exigências da
educação, que para atingir o patamar necessário ao
desenvolvimento de um padrão moderno - em termos de qualidade e
abrangência - tem necessariamente que contar com a participação
direta e indireta de todos os atores sociais, individualmente
95
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
(pais, famílias, dirigentes de sindicatos e empresas) ou de forma
coletiva (associações de pais e mestres, de moradores, entidades
sindicais e empresariais), pois a educação só cumpre a sua
finalidade social quando se torna um objetivo social envolvente,
a cuja tarefas todos os atores sociais aderem.
Por último, deve-se sublinhar o fato de que o
desenvolvimento competitivo pode ser compatível com um projeto
social de ampliação das oportunidades de emprego, remuneração e
qualidade de vida, mas tem para isso que incorporar de forma
explícita esses objetivos. O desenvolvimento com competitividade
pode criar empregos novos e melhores, assim como qualidade de
trabalho e de vida, mas tem para isso que estar ligada a um
conjunto de diretrizes e objetivos capazes de criar perspectivas
de crescimento econômico e redução das distâncias sociais.
96
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
3. SUPERAR A FRAGILIDADE TECNOLÓGICA E A AUSÊNCIA DE COOPERAÇÃO
ESTÁGIOS DE INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA E CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA
Até o início da década de 50, o desenvolvimento industrial
no Brasil caracterizou-se pelo reduzido grau de sofisticação
tecnológica e pela simples importação de tecnologia,
principalmente incorporada aos bens de capital.
A partir da metade dos anos 50, com a crescente proteção do
mercado nacional a importações, começaram a ser introduzidos no
país os segmentos produtores de bens de consumo duráveis e de
bens intermediários de maior complexidade tecnológica, cuja base
técnica, em nível mundial, já se encontrava em adiantado grau de
maturação. A estratégia industrial seguida para tal introdução
deu-se basicamente através do investimento direto de empresas
estrangeiras principalmente no segmento de duráveis e do
investimento estatal nos segmentos de maior prazo de maturação e
maiores requerimentos de capital. Ao longo do processo de
substituição de importações, a incorporação e difusão de
tecnologias mais modernas se deu através de constante busca de
tecnologias estrangeiras por parte de um número relativamente
reduzido de empresas líderes. Avolumou-se a importação explícita
de tecnologia e serviços tecnológicos, sem que se manifestasse de
forma sistemática esforço tecnológico interno paralelo ou
subseqüente ao processo de compra externa de tecnologia.
Durante os anos 50 e 60, o Brasil montou sua base
institucional para o desenvolvimento científico e tecnológico,
com a criação do CNPq e da CAPES no início do período e da FINEP
e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -
FNDCT, no final dos anos 60. A constituição de tal base
institucional e a alocação de volumes significativos de recursos
para a área foram extremamente importantes na condução da
política de ciência e tecnologia nos anos subseqüentes.
A partir de meados da década dos 60 assistiu-se à criação de
vários institutos de pesquisa e de centros de P&D de caráter
público. Mais de metade dos institutos de pesquisa tecnológica
industrial existentes no país foram implantados no período 1966-
80 e, a partir de 1967, criou-se a maioria dos centros de
pesquisa das empresas estatais.
No entanto, mesmo na última fase do ciclo de substituição de
importações, a capacitação tecnológica não se colocava como
requisito efetivo. O esforço tecnológico interno restringia-se
basicamente ao uso e aprendizado das práticas de produção, sendo
no máximo necessária a adaptação de processos, matérias-primas e
produtos. Como exemplo pode-se mencionar que, no último bloco de
investimentos "substitutivos" (o II PND), o fator-chave era a
escala de produção (como nos casos dos investimentos em
siderurgia, metais não-ferrosos e papel e celulose) e apenas o
97
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
desenvolvimento do setor de bens de capital requeria um esforço
tecnológico endógeno mais profundo.
O sucesso desse último estágio de industrialização, junto
com a rápida absorção das práticas convencionais de produção
eficiente e de um mínimo de aprendizado em engenharia, transmitiu
a impressão de que o país havia queimado etapas. Ao final dos
anos 70 e princípio dos 80, a estrutura industrial brasileira
apresentava elevados graus de diversificação da produção, porém
com insuficiente capacitação tecnológica interna. Tal situação
levou também a que se estabelecesse no país uma demanda
tecnológica fundamentalmente centrada nos chamados serviços
tecnológicos correntes (constituindo-se basicamente de análises e
ensaios) e uma oferta de P&D em grande parte dissociada do
sistema produtivo instalado (ver Figura 4).
Diferentemente da experiência de outros países, onde a
industrialização foi acompanhada por significativo esforço em P&D
por parte de firmas locais e pela constituição, de forma
articulada com a indústria, de uma infra-estrutura de serviços
tecnológicos, a industrialização brasileira não exerceu pressão
direta significativa sobre a oferta interna de tecnologia. Assim,
apesar de importante, a política de desenvolvimento científico e
tecnológico, implementada à margem da política industrial, gerou
como principais resultados a montagem de uma infra-estrutura
científico-tecnológica no país e o fortalecimento da formação de
pesquisadores.
A crise externa e interna iniciada neste período expôs a
incipiência de grande parte dos esforços privados internos em
P&D; da demanda privada por serviços tecnológicos; e a
dependência, por parte do sistema de C&T, do Estado e empresas
estatais. Salientaram-se, também, as conseqüências negativas da
dicotomia institucional entre os órgãos encarregados de formular
a política de C&T e aqueles responsáveis pelo desenvolvimento
industrial. A fragilidade tecnológica estrutural do país ficou
mais clara ainda diante das dificuldades de internalizar e gerar
capacidade de inovação no complexo eletrônico.
Houve, contudo, um significativo número de experiências bem-
sucedidas em áreas específicas, demonstrando as potencialidades
das estratégias tecnológicas autônomas sob certas condições. Tais
casos salientam principalmente a importância da existência de
segmentos industriais que, percebendo as oportunidades
apresentadas por investimentos em tecnologia como fator de
aumento da competitividade, desenvolveram estratégias
comprometidas, a longo prazo, com P&D e que foram efetivamente
capazes de explorar mercados "customizados", onde as relações
fornecedores-produtores-usuários são fundamentais. Dentre estes
casos, salientam-se principalmente as experiências das empresas
estatais nas indústrias aeroespacial, de telecomunicações,
petróleo, energia elétrica e siderurgia; e de algumas empresas
privadas nos segmentos de ligas especiais e de automação
bancária.
98
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Nos anos 80 e início dos 90, acentuou-se a instabilidade
macroeconômica, acelerou-se o processo inflacionário e a crise do
Estado, resultando na exacerbação das estratégias defensivas e
num maior enfraquecimento do esforço de desenvolvimento
científico e tecnológico. Verificou-se, portanto, um
significativo retrocesso em face da: a) oscilação e crise do
sistema de C&T; b) desarticulação dos investimentos das empresas
públicas e correlato enfraquecimento dos seu centros de P&D; c)
desmontagem das estruturas, estagnação e até recuo dos gastos
tecnológicos do setor privado, os quais já eram bastante
rarefeitos.
No Brasil, o setor público constitui-se na principal fonte
de recursos para C&T, responsável por cerca de 80% dos dispêndios
nesta área. Com o desequilíbrio financeiro do setor público,
observa-se a paulatina redução dos orçamentos para C&T com o
progressivo enfraquecimento político e financeiro da infra-
estrutura para pesquisa científica e tecnológica montada nos anos
70. Tal situação agrava-se ainda mais ao considerarem-se os dados
sobre execução financeira efetiva dos orçamentos para C&T.
Estima-se que, nos últimos anos, o nível de execução financeira
efetiva tenha se situado em torno de 50% a 60% dos orçamentos
iniciais destinados à área de C&T. Dois fatores principais
contribuíram para tal: o retardamento dos repasses devido à
política deliberada de contingenciamento da liberação dos
recursos (adotada em 1991) e a exarcebação do processo
inflacionário. A conseqüência mais séria de tal enfraquecimento é
a evasão de importantes pesquisadores destas instituições e a
obsolescência dos laboratórios e equipamentos de pesquisa.
Como exemplo da redução do orçamento governamental para C&T,
a Figura 1 mostra a evolução da execução financeira consolidada
do Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT), destacando-se a
oscilação e redução, ao longo do período 1980-93, dos recursos do
FNDCT - o principal fundo de financiamento à infra-estrutura de
C&T -, mesmo com o recente reforço (transitório) dos recursos
advindos do programa de privatização; e da FINEP - a principal
agência de fomento ao desenvolvimento tecnológico -, com exceção
de breve período de recuperação na segunda metade da década de
80. O programa de bolsas do CNPq surge como o único instrumento
que apresenta crescimento no período, tendo em vista a
implantação do programa RHAE a partir de 1988.
A rarefação dos gastos tecnológicos do setor privado
brasileiro, aliada à relativa exigüidade de suas atividades
tecnológicas, representam, dentro deste quadro geral, importante
deficiência competitiva. Dentro deste setor, ressalvando-se
alguma dezenas de exceções notáveis, a capacitação tecnológica
limita-se ao domínio das práticas convencionais de produção e ao
aprendizado incipiente das engenharias de processo, adaptação e
desenvolvimento de produtos.
99
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
FIGURA 1
MCT - EXECUÇÃO FINANCEIRA DOS GASTOS
1980-1993
(US$ milhões de 1991)
0
200
400
600
800
FNDCT
PADCT
Finep
CNPq-bolsas
serv. dívida
pessoal+enc.
MCT outros
Ano
US$ milhões
Nota: Valores da série 1980-92 em dólares médios de 1992; valores de 1993 em dólares médios
mensais
estimados.
Fonte: Secretaria da Ciência e Tecnologia/MCT, Relatório Estatístico, 1980/92.
Utilizando-se os dados obtidos através de entrevistas a
empresas pelo ECIB, nota-se que os dispêndios industriais médios
com P&D e treinamento de pessoal como fração do faturamento se
situam em níveis próximos a 0,7% e 0,5%, respectivamente.
Comparando-se as médias do triênio 1987-89 com 1992, nota-se
ligeiro aumento do índice relativo a treinamento, evoluindo de
0,41% para 0,49%; com os gastos relacionados a P&D mantendo-se
relativamente estagnados (passando de 0,7% do faturamento para
0,74%)
5
.
5
Deve-se lembrar que, tais indicadores superestimam a intensidade tecnológica média das
empresas brasileiras. Por um lado, a amostra de empresas incluídas na pesquisa de
campo apresenta um viés no sentido de que os setores analisados são mais intensivos em
exportação do que a média da indústria. Por outro lado, percebe-se, na análise dos
questionários, uma superestimação do índice por parte dos respondentes, que tendem a
incluir como gastos em P&D, atividades que não se enquadrariam numa definição estrita
de tais atividades. O que os dados da pesquisa de campo revelam de fato é que, ao
longo do período em análise, não tem havido aumento significativo de tais gastos por
parte das empresas pesquisadas. Dados mais abrangentes obtidos no censo de 1985
100
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Dentre as 495 empresas que responderam ao item específico à
intensidade tecnológica (gastos em P&D/faturamento) na pesquisa
do ECIB, observa-se que mais de metade, 54%, informou nada haver
investido na área em 1992. Conforme mostra a Figura 2, cerca de
25% investiram menos de 1% de seus faturamentos; 9% investiram
entre 1% e 2%; 3% das empresas investiram entre 2% e 3%; e as 9%
restantes investiram acima de 3%.
FIGURA 2
AMOSTRA DE EMPRESAS - DISTRIBUIÇÃO DAS EMPRESAS
SEGUNDO RELAÇÃO GASTOS EM P&D/FATURAMENTO
1992
(Nº Total de Respondentes = 495)
54%
25%
9%
3%
9%
0
0,01 a 1
1,01 a 2
2,01 a 3
acima de 3
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
Segundo os dados obtidos, dentre as empresas que realizam
gastos em P&D, cerca de 20% são pequenas empresas (possuem até
100 empregados), 40% possuem porte médio (entre 101 a 500
empregados), 13% possuem porte médio/grande (entre 501 a 1000
empregados), 20% são grandes empresas (entre 1001 e 3000
empregados) e 7% são megaempresas (mais de 3000 empregados).
A Figura 3 mostra a distribuição das empresas segundo
tamanho e intensidade tecnológica. Note-se ainda que as empresas
que apresentaram maiores níveis de intensidade tecnológica
pertencem aos setores de automação industrial, telecomunicações,
indicam que, naquele ano as empresas brasileiras gastavam 0,4% de suas vendas líquidas
em P&D (Matesco, 1993). Por outro lado, uma pesquisa mais específica, baseada em 42
sócios da ANPEI (e que, portanto somente inclui empresas que realizam atividades em
P&D) indicam que a média de gastos em P&D por faturamento, por parte de tais empresas,
situou-se em 1,1% em 1991 (e 1,6% se considerados os gastos em P&D e engenharia). De
qualquer forma, vale destacar que, à exceção destes resultados baseados em amostragem
tão específica quanto os sócios da ANPEI, os demais índices situam-se todos bem abaixo
das médias internacionais, não apenas de países mais avançados, como também de vários
com situação semelhante à brasileira, conforme veremos a seguir.
101
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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eletrônica de consumo e computadores (ver análise mais em detalhe
na Parte III deste relatório).
FIGURA 3
AMOSTRA DE EMPRESAS - DISTRIBUIÇÃO DAS EMPRESAS QUE INVESTIRAM EM
P&D SEGUNDO TAMANHO E INTENSIDADE DO INVESTIMENTO
1991-1992
(Nº Total de Casos = 469)
pequena
média
média/grande
grande
muito grande
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180
acima de 3
2,01 a 3
1,01 a 2
0,01 a 1
0
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
Os dados da pesquisa de campo do ECIB também mostram que,
dentre os serviços técnicos contratados pelas empresas a
terceiros no Brasil, prevalecem itens tais como: consultoria
gerencial, consultoria para qualidade, testes e ensaios,
consultoria em marketing, estudos de viabilidade, etc. O
fornecimento de tecnologia, que aparece como o 7º item em
importância dentre os serviços contratados no país, representa o
mais importante dos serviços contratados pelas empresas no
exterior. Conforme mostra a Figura 4, em contraste com o que
acontece com os demais casos, cerca de metade das empresas que
responderam contratar tecnologia de terceiros, o faz através de
fornecedores estrangeiros
6
.
6
Já os dados levantados pela ANPEI indicam que mais de 72% dos royalties e assistência
técnica pagos por seus associados em decorrência da aquisição de tecnologia de
terceiros são remetidos a fornecedores no exterior, enquanto cerca de 27% referem-se a
fontes nacionais.
102
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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No entanto, cabe ressaltar que, adicionalmente à crise e até
desmantelamento de algumas estruturas internas de C&T, mesmo o
fluxo de importação de tecnologia (via licenciamento e outros
meios) diminuiu sensivelmente, estreitando ainda mais as
oportunidades de aprendizado das empresas brasileiras (ver Figura
5).
103
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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FIGURA 4
AMOSTRA DE EMPRESAS - CONTRATAÇÃO DE TECNOLOGIA, SERVIÇOS
TECNOLÓGICOS E CORRELATOS NO PAÍS E NO EXTERIOR
1992
0
50
100
150
200
250
exterior
Brasil
Nota: Um total de 345 empresas responderam a este item, 329 tendo respondido que adquirem
tais serviços no Brasil e 142 que o fazem no exterior.
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
FIGURA 5
BRASIL - IMPORTAÇÃO DE TECNOLOGIA EXPLÍCITA
1980-1991
(US$ mil de 31/12/91)
1980 1982 1984 1986 1988 1990
0
100
200
300
Imp. de Tecnol.
Anos
Nota: Inclui assistência técnica, marcas, patentes e serviços técnicos (projetos, montagem
e supervisão) e exclui leasing de máquinas e equipamentos.
Fonte: Indicadores de C&T no Brasil, CNPq-MCT/NPCT-UNICAMP, out. 1993.
104
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Além destes entraves - que poderiam ser caracterizados como
relacionados à origem e história do sistema nacional de inovação
-, a indústria brasileira enfrenta um mundo no qual as bases
tecnológica e organizacional para a competitividade são
totalmente diferentes das décadas anteriores, o que contribui
significantemente para o aumento do contraste entre o quadro
internacional e o brasileiro.
CONTRASTE COM OS REQUISITOS DE CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA
DECORRENTES DAS TRANSFORMAÇÕES EM CURSO NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS
A dinâmica tecnológica internacional mudou
significativamente na década dos 80. Apesar da grande variedade
de inovações radicais e incrementais específicas em quase todo o
setor industrial, existe evidência de uma mudança de paradigma
das tecnologias intensivas em capital e energia e de produção
inflexível e de massa (baseadas em energia e materiais baratos)
dos anos 50 e 60 para as tecnologias intensivas em informação,
flexíveis e computadorizadas dos anos 70 e 80. As indústrias
tecnologicamente maduras foram rejuvenescidas, ao mesmo tempo em
que emergiram outras novas (lideradas pelas tecnologias de
informação e comunicação - TIC), as quais tornaram-se a base do
rápido desenvolvimento tecnológico, da produção e do comércio
internacionais.
Esta revolução tecnológica está afetando, embora de forma
desigual, todos os setores e novos requerimentos têm sido
impostos à economia como um todo, envolvendo, além de importantes
mudanças tecnológicas, várias mudanças organizacionais e
institucionais. Dentre as características mais importantes do
novo paradigma e dos efeitos da difusão da tecnologia de
informação através da economia estão:
- a intensificação da complexidade das novas tecnologias, as
quais são baseadas ainda mais fortemente no conhecimento
científico; como conseqüência, as inovações vêm dependendo de
níveis crescentes de gastos em P&D;
- aceleração dos novos desenvolvimentos, implicando uma taxa
de mudança mais rápida nos processos e produtos. Como uma
conseqüência, as empresas mais competitivas em nível mundial vêm
buscando, não mais simplesmente a especialização em produtos e
processos específicos, mas sim adquirir "competências nucleares"
(core competences) nas chamadas tecnologias genéricas como forma
de se manterem permanentemente aptas a acompanhar o intenso
dinamismo destas novas áreas;
- papel central da fusão de tecnologias como peça
fundamental do crescimento de novas indústrias e do
rejuvenescimento de outras. Ressalta-se, em particular, a
característica que as tecnologias de informação e comunicação
possuem de permearem todo o conjunto das atividades econômicas
(setor industrial, serviços, comércio, etc.);
- maior velocidade, confiabilidade e baixo custo de
transmissão, armazenamento e processamento de enormes quantidades
de informação;
105
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- novos métodos de P&D onde os sistemas de base eletrônica
cumprem importantes papéis na aceleração da geração de novos
conhecimentos, na aquisição de conhecimentos existentes e no
desenvolvimento de novas configurações. Ressalta-se
principalmente a utilização de inúmeras redes de informação,
assim como de sistemas tais como CAD (computer-aided design) e
CAE (computer-aided engineering);
- mudanças fundamentais na estrutura organizacional,
particularmente de grandes empresas (incluindo aquelas baseadas
no uso de sistemas eletrônicos em organização e administração),
gerando maior flexibilidade e maior integração das diferentes
funções da empresa (pesquisa, produção, administração, marketing,
etc.), assim como maior integração de empresas (destacando-se os
casos de integração entre usuários, produtores, fornecedores e
prestadores de serviços) e destas com outras instituições;
- mudanças nos processos de produção com a introdução de
sistemas tipo: CAM (computer-aided manufacturing), FMS (flexible
manufacturing systems) e CIM (computer integrated manufacturing),
que permitem a automação, flexibilização, integração e otimização
dos processos produtivos com o monitoramento e controle on-line
de quantidade e qualidade de produção;
- mudanças no perfil dos bens de capital requeridos pelo
sistema de C&T e de produção e também no perfil dos recursos
humanos, passando-se a exigir um nível de qualificação muito mais
amplo da mão-de-obra;
- aprofundamento do nível de conhecimentos tácitos, não
codificáveis e específicos de cada unidade industrial e ampliação
da necessidade de investir em intangíveis (software dedicado,
treinamento e qualificação, organização e coordenação do processo
de produção e sua interação com as atividades de P&D, marketing,
etc.), tornando-se a atividade inovativa ainda mais "localizada"
e específica (com importantes aspectos da tecnologia ligados ao
aprendizado inovativo e à produção que não são nem
comercializáveis nem passíveis de transferência);
- novos requerimentos por regulação e desregulação.
Como reflexo das tentativas de contrarrestar os impactos
negativos dos desajustes causados pela mudança de paradigma e
agilizar a reestruturação industrial, nos últimos dez anos vem se
observando uma intensificação da competição entre empresas e
países. Neste processo, a capacidade de rapidamente gerar,
introduzir e difundir inovações passou a exercer papel
fundamental para a sobrevivência das empresas e até para deslocar
rivais de posições aparentemente inexpugnáveis. Tal situação
colocou ainda mais clara a importância da inovação como
instrumento central da estratégia competitiva das empresas. Como
conseqüência principal assistiu-se ao significativo aumento dos
gastos de P&D nos países mais avançados e em países que, como a
Coréia do Sul, têm aumentado significativamente a sua
competitividade nos últimos anos, conforme indica a Figura 6.
Outro importante contraste entre a tendência dos países mais
avançados e o caso brasileiro refere-se ao engajamento do setor
106
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
empresarial nos esforços de P&D. Tal engajamento reflete a
eleição, conforme destacado acima, da inovação como instrumento
central da estratégia competitiva das empresas e se evidencia
através da análise da participação dos gastos do setor
empresarial nos gastos totais de P&D.
FIGURA 6
PAÍSES SELECIONADOS - GASTOS TOTAIS EM P&D/PNB
1975, 1985-87 e 1989
EUA
Japão
Reino Unido
França
Alemanha
Itália
Brasil
Coréia do Sul
0
1
2
3
1975
1985-87
1989
percentual
Fonte: Nelson (1993) e OECD (1993).
Enquanto no Brasil tal participação tem se situado em torno
de 20%, nos países avançados a mesma é superior a 40%, chegando a
alcançar, no Japão, mais de 70%. Tendência semelhante tem se
mostrado no caso dos chamados Tigres Asiáticos. Caso exemplar
neste sentido é o da Coréia do Sul, onde a participação dos
gastos em P&D do setor privado nos gastos totais evoluiu de 34%
em 1971, para 36% em 1976, 58% em 1981 e 81% em 1988.
Uma vez que as novas tecnologias vêm confrontando a maior
parte das empresas com a quebra de suas trajetórias anteriores, a
necessidade de informação sobre futuros desenvolvimentos tornou-
se ainda mais crucial. A participação em arranjos de colaboração
tornou-se de importância crítica para que o processo de inovação
ocorra de forma efetiva e particularmente para prover um mais
rápido acesso a capacitações tecnológicas que não estejam bem
desenvolvidas dentro da empresa. Portanto, o acesso a uma ampla
base científica e tecnológica, que constituía uma vantagem em
fases anteriores, tornou-se uma necessidade vital. Como
conseqüência, o grau de competitividade de uma determinada
107
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
empresa passou a refletir cada vez mais a eficiência das redes ou
sistemas nos quais tal empresa se insere.
Assim, o terceiro e correlato aspecto da tendência
internacional contrastante com o caso brasileiro relaciona-se à
rápida proliferação de novos acordos, consórcios e programas de
colaboração tecnológica entre empresas; principalmente norte-
americanas, européias e japonesas, as quais foram responsáveis
por 90% dos acordos de cooperação registrados nos anos 80.
Comparado com a década dos 70, o número de alianças tecnológicas
mais do que sextuplicou na década subseqüente. Com a exceção dos
chamados Tigres Asiáticos, a participação de empresas de países
menos desenvolvidos nestes novos arranjos de cooperação
científico-tecnológica tem sido apenas marginal. Adicionalmente,
a maior parte dos acordos envolvendo empresas destes países
concentra-se, ainda, em projetos relacionados a tecnologias
relativamente maduras e estáveis.
A constituição de redes de inovação tornou-se então
característica marcante dos anos 80 nos países avançados e
passaram a ser vistas como um dos componentes fundamentais no
novo desenho da estratégia competitiva industrial, tendo se
concentrado nas novas áreas de tecnologia genérica (tecnologia de
informação e comunicação, biotecnologia e materiais avançados). O
advento da tecnologia de informação tanto gerou necessidades de
colaboração, quanto propiciou os meios técnicos para o
aprimoramento das networks. Ao mesmo tempo em que o novo
paradigma requer mais colaboração dentre empresas e entre estas e
as instituições de pesquisa, as tecnologias da informação e
comunicação facilitam isto, por tornarem viável a rápida
comunicação e transmissão de dados, a utilização de bancos de
dados e de patentes, etc., e ainda favorecendo rápidas mudanças
nas estruturas de pesquisa, produção e comercialização. Portanto,
ao se viabilizar gradualmente o potencial para interligação dos
sistemas de informação de diferentes organizações (com o
desenvolvimento e a difusão de redes computadorizadas), ocorreram
mudanças na relação entre as mesmas.
Além destes marcantes contrastes entre a situação dos países
mais desenvolvidos e a brasileira, é importante frisar que as
alterações descritas acima resultaram também na redefinição das
condições de acesso, aquisição e utilização de novas tecnologias
através de canais internacionais por parte dos países em
desenvolvimento. A necessária reestruturação da indústria
brasileira coloca-se hoje, portanto, num quadro no qual a base
tecnológica e organizacional para a competitividade é totalmente
diferente daquela dos anos 60 e 70.
Assim, os países em industrialização vêm encontrando
atualmente crescentes problemas nos seus esforços para adquirir e
introduzir inovações geradas pelas economias industriais mais
avançadas. Acima de tudo, vale destacar que, além dos aumentos na
complexidade e especificidade das inovações e dos gastos em P&D,
aumentaram também significativamente as conseqüências econômicas
108
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
e políticas de se haver colocado como cerne da estratégia
competitiva: a) as indústrias intensivas em tecnologias e b) a
capacidade de rapidamente gerar, introduzir e difundir inovações.
Por outro lado, num ambiente muito dinâmico, os níveis de
competitividade são rapidamente erodidos e a base para se entrar
em novos mercados torna-se rapidamente inadequada para se manter
neles, se expandir dentro deles ou se diversificar além deles.
Portanto, projetos de importação de tecnologia (assim como
qualquer outra atividade pontual e estanque) podem contribuir
apenas temporariamente às posições competitivas em trajetórias de
mudanças tecnológicas aceleradas e contínuas.
Outra característica correlata do atual contexto
internacional que tem também afetado significativamente as
condições de acesso a novas tecnologias por parte dos países em
desenvolvimento são as mudanças na estrutura de produção e
comércio internacional, com a formação de blocos regionais de
comércio, onde, dentre outras coisas, se incentivam as parcerias
produtivas, comerciais e tecnológicas.
Conseqüentemente uma das conclusões fundamentais deste
estudo é que não se trata apenas de reverter a tendência de
retração das atividades tecnológicas no Brasil. O esforço
necessário à superação da atual fragilidade tecnológica nacional
requer também a indução de uma mudança fundamental nas
estratégias industriais. No cerne de tal mudança estão obviamente
os objetivos de buscar o aprendizado e a capacitação cumulativos
e persistentes em engenharia de processos e produtos e a prática
de P&D. Acima de tudo, ressalta-se que a internalização de
atividades e objetivos tecnológicos precisa tornar-se uma
dimensão significativa e permanente das estratégias do setor
empresarial. Embora a consciência das empresas quanto ao papel-
chave da capacitação tecnológica já venha crescendo, os riscos e
as incertezas inerentes à inovação requerem a intervenção
fomentadora do Estado.
SUPERAÇÃO DA FRAGILIDADE TECNOLÓGICA E DA AUSÊNCIA DE COOPERAÇÃO
Papel do Estado
Num plano geral, cabe ao Estado manter condições
estimulantes de concorrência (no mercado interno, via política de
promoção da concorrência, e com as importações, via política
tarifária) que obriguem as empresas a buscarem melhores padrões
de qualidade, excelência dos serviços e atualização dos seus
produtos. Cabe também ao Estado fixar estratégias por meio da
identificação de áreas críticas, reduzir riscos e
promover/consolidar as trajetórias das inovações através da
indução de decisões de investimento, financiamentos e do uso do
poder de compra das empresas.
Reconhece-se que a adaptação estrutural da economia tenderá
a se transformar num processo lento e doloroso se deixado por si
109
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
só, principalmente em períodos de mudanças tecnológica e
industrial tão fundamentais como o atual. O papel do governo
estimulando a renovação, ajudando a quebrar a resistência
daqueles blocos maduros de desenvolvimento arraigados a antigas
trajetórias tecnológicas e apoiando a formação de novas
trajetórias é particularmente importante.
Como um reflexo de tal reconhecimento, observa-se o
crescimento real nos orçamentos governamentais de P&D na maior
parte dos países da OECD na última década (o que tem sido
acoplado a outras medidas para estimular o investimento
empresarial em P&D). Além deste crescimento, tem se verificado
uma mudança na estrutura geral das políticas governamentais de
apoio ao setor industrial. O aspecto mais significativo desta
mudança é a diminuição do auxílio genérico ao investimento
produtivo visando a diminuição do custo de capital através de
subsídios, com o conseqüente aumento de medidas mais localizadas
como o apoio a P&D e a atividades relacionadas à criação de
conhecimento.
Juntamente com a maior importância conferida às atividades
tecnológicas, eleitas como elemento fundamental da nova
estratégia competitiva, uma diferença quanto ao enfoque das
diretrizes de política adotadas fizeram-se notar. Adotando um
enfoque sistêmico, o principal objetivo da atual política
governamental para C&T nos países mais avançados tem concentrado-
se em: a) rapidamente identificar importantes oportunidades
tecnológicas futuras; b) aumentar a velocidade na qual a
informação flui através do sistema; c) rapidamente difundir as
novas tecnologias; d) aumentar a conectividade das diferentes
partes constituintes do sistema de C&T para ampliar e acelerar o
processo de aprendizado.
Tais objetivos têm sido perseguidos de maneira conjunta,
especialmente através da mobilização de redes de inovação, a qual
tem se constituído no objetivo central da política governamental
dos países mais avançados nos anos recentes. No final dos anos
80, 4/5 do orçamento do governo japonês para P&D foram alocados
para projetos de colaboração tecnológica enquanto cerca de 2/3 do
orçamento de pesquisa da Comunidade Européia foi desembolsado
nesta forma para a promoção das novas tecnologias genéricas.
Obviamente, seria um erro acreditar que a mera adoção de
políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico, por mais
bem concebidas e executadas, possam livrar as economias de
mercado de suas atuais dificuldades. Do mesmo modo, deve ser
ressaltado que independentemente de quão bem outras partes do
sistema estejam operando, a base para o desenvolvimento e a
acumulação de tecnologias, evidentemente, situa-se na empresa e,
conforme mostra a experiência internacional, na empresa nacional,
tendo em vista as limitadas possibilidades de desenvolvimento
tecnológico criativo nas subsidiárias de empresas estrangeiras.
Portanto, a importância desses arranjos em qualquer sistema
nacional de inovação está em promover os meios para tal
110
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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acumulação, facilitando o acesso às fontes de novas tecnologias e
incentivando as empresas a realizarem sua própria acumulação
tecnológica.
Por outro lado, também reconhece-se que programas
cooperativos são insuficientes para sozinhos transformar a
capacidade inovativa das empresas. Para efetiva utilização dos
resultados de pesquisa desenvolvida externamente requer-se o
desenvolvimento de capacitação suficiente dentro dessas empresas.
Onde falta tal capacitação interna, pesquisa cooperativa
geralmente não tem trazido resultados à indústria.
A própria habilidade de formular um problema ou projeto de
pesquisa, selecionar, avaliar, negociar e, finalmente, adotar uma
nova tecnologia requer substancial capacitação técnica dentro da
empresa. As empresas que vêm investindo maciçamente em P&D
interno têm destacado não apenas as vantagens de tal estratégia
relativas à geração direta de inovações, mas também à manutenção
e ampliação de sua capacidade de reconhecer, assimilar e explorar
informações externamente disponíveis.
Assim, as várias formas de aquisição de tecnologia de
terceiros (incluindo acordos de cooperação, licenciamentos e
outras formas de transferência de tecnologia interempresas) não
podem ser vistas como possíveis substitutos para atividades
inovativas endógenas. Portanto, concomitantemente com o aumento
das formas de colaboração, tem que haver por parte das empresas
um esforço igualmente significativo de construir/reforçar suas
próprias bases internas de pesquisa e desenvolvimento. Por outro
lado, aproveitar as diversas fontes de tecnologia externas às
empresas (sejam aquelas obtidas através de importação, sejam os
resultados gerados por acordos de colaboração) pressupõe não
apenas capacidade empresarial interna de inovação, mas também a
existência de externalidades tecnológicas condizentes em termos
de formação de recursos humanos, infra-estrutura física e de
informação e comunicações.
Neste sentido, ressalta-se o importante papel dos fatores
sistêmicos, favorecendo e aperfeiçoando a capacidade de
acumulação tecnológica das empresas, tais como: um forte sistema
de educação superior, um ativo sistema acadêmico e de pesquisa
industrial, uma força de trabalho tecnicamente bem treinada e
abundante e um forte mercado interno. Adicionalmente, o papel
fomentador e catalítico do governo na promoção do processo
cumulativo de aprendizado é também particularmente enfatizado.
Portanto, a intensidade na qual é possível fazer uso das
diferentes fontes de tecnologia dependerá da organização da
pesquisa na indústria e, em outros aspectos sociais e
organizacionais, do sistema nacional de inovação.
De fato, muitas das vantagens que novos paradigmas técnico-
econômicos tornam possíveis dependem de extensas mudanças
estruturais e institucionais envolvendo o sistema de educação e
treinamento, o próprio sistema de C&T, o sistema de relações
111
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
industriais e administrativas, os mercados de capitais e os
sistemas financeiros, o padrão de investimento, a moldura legal e
política e o contexto internacional no qual se dá o fluxo de
comércio e investimento e onde as tecnologias são difundidas.
Diretrizes Gerais de Política Tecnológica
As principais conclusões do Estudo Competitividade da
Indústria Brasileira ressaltam que um potencial de extrema
importância deixou de ser plenamente utilizado pela indústria
brasileira como fator de aumento de sua competitividade: as
oportunidades apresentadas por investimentos no desenvolvimento
de capacidade inovativa e em processos criativos de aprendizado
conjunto. Seis macrodiretrizes destacam-se como pontos
fundamentais para a superação da fragilidade tecnológica e a
ausência de cooperação no sistema de inovação brasileiro:
a) desenhar uma estratégia nacional de desenvolvimento
científico e tecnológico efetivamente articulada às estratégias
de desenvolvimento industrial, das atividades relacionadas ao
setor de serviços e outras correlatas (educação,
telecomunicações, energia, transporte, etc.). Da mesma forma,
deve-se buscar garantir que a implementação desta estratégia dar-
se-á de forma coerente e articulada;
b) estimular o setor privado (produtivo e financeiro) a
reforçar suas atividades relacionadas à educação, ciência e
tecnologia, incentivando as instituições privadas a incluírem
tais atividades dentro de uma dimensão significativa e permanente
de suas estratégias; e estimulando e atraindo investimentos
privados para estas atividades;
c) aumentar a conectividade entre os diversos agentes do
sistema de C&T e induzir a cooperação como forma de expandir e
acelerar o processo de aprendizado conjunto. Tal cooperação
deverá envolver os diversos tipos de empresas - buscando-se
principalmente explorar as interfaces existentes nas cadeias de
fornecedores (de insumos, bens de capital e demais
intermediários), prestadores de serviços, produtores e usuários.
Deverá ser igualmente estimulada a cooperação entre empresas e
entidades de pesquisa, prestadores de serviços tecnológicos,
instituições governamentais e qualquer outra entidade ou conjunto
de entidades que possam contribuir positivamente no esforço de
dinamização tecnológica do setor industrial;
d) estabelecer políticas especiais de fomento à capacitação
científica e tecnológica em áreas associadas às tecnologias
genéricas de natureza estratégica (como a tecnologia de
informação e a biotecnologia), buscando-se também promover fusões
com e entre áreas tecnológicas mais maduras e dominadas no país,
como por exemplo mecatrônica, farmoquímica, etc.;
112
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
e) promover uma rearticulação em novas bases da infra-
estrutura tecnológica estatal e privada de forma diretamente
coordenada com a iniciativa empresarial.
f) implantar um sistema para a identificação de
oportunidades científicas e tecnológicas e apoiar a montagem e o
reforço de programas que garantam: a rápida disseminação de
informações científicas e tecnológicas; a efetiva difusão dos
conhecimentos e tecnologias de interesse do setor produtivo; e a
disseminação das possibilidades reais de resposta da competência
técnico-científica instalada no país aos problemas da produção.
Mecanismos Propostos para Mobilização das Atividades Tecnológicas
do Setor Empresarial
Um elenco de meios e instrumentos deve ser criado/acionado
para influir decisivamente sobre a conduta empresarial em matéria
de esforço tecnológico. A mobilização de tais meios e
instrumentos não pode ser moderada ou marginal. Buscando
estimular uma maior e mais efetiva participação do setor privado
nas atividades tecnológicas, e reconhecendo-se os altos riscos e
custos ligados aos investimentos em tecnologia por parte do
mesmo, faz-se necessário estabelecer diferenciais significativos
em termos de:
- um sistema de incentivos fiscais a P&D mais incisivo, com
possibilidade de tratamento mais profundo nas áreas de alta
tecnologia (que exigem elevada proporção de gastos de P&D sobre
vendas, como, por exemplo, química fina e biotecnologia);
- o desdobramento de um sistema de crédito diversificado
(ajustado a setores, estruturas empresariais e estágios do
processo de inovação) com prazo e taxas de juros efetivamente
vantajosas;
- o desenvolvimento de novos instrumentos baseados em
recursos de origem privada, tais como venture-capital, debêntures
especiais e participações de risco. Isto levaria a um
envolvimento de instituições financeiras poderosas (incluindo
bancos, companhias de seguro e outros investidores
institucionais), assim como os fundos de previdência privada e de
amparo ao trabalhador, os quais no Brasil, ao contrário do que
ocorre em vários países, ainda não financiam nem são usados para
financiar atividades de P&D.
Propõe-se que sejam criados espaços para uma maior
participação dos setores produtivos na definição de prioridades e
concepção de estratégias para implementação da política de C&T; e
que seja condicionada a concessão de incentivos a contrapartidas
e comprometimento das empresas com investimentos efetivos em P&D.
Para que seja acelerado e ampliado o processo de aprendizado
conjunto, propõe-se que sejam apoiados: a) os projetos
mobilizadores de cooperação tecnológica entre os diferentes
componentes do sistema de C&T; b) as instituições promotoras e
gestoras de cooperação. Sugere-se ainda que a constituição de
113
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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arranjos cooperativos seja enquadrada como condição prioritária
para usufruto de benefícios, acesso a crédito, etc.
Ressalta-se particularmente o objetivo de promover a
utilização criativa e estimuladora do poder de compra das grandes
empresas públicas e privadas para demonstração de oportunidades,
aglutinação de interesses, mobilização de esforços e indução de
articulação e cooperação tecnológica entre seus diversos
fornecedores de bens e serviços e entre estes e demais entidades
do sistema de C&T.
Deve-se buscar também promover, de maneira diretamente
articulada (financeira e tecnicamente) com a iniciativa
empresarial, a reformulação e reengajamento da infra-estrutura de
P&D já instalada no país. Tal estratégia deverá envolver: a) a
renovação das capacitações dos quadros técnicos dos centros de
pesquisa e a superação da obsolescência de seus laboratórios; b)
a reformulação dos meios de gestão e das áreas de atuação dos
mesmos; c) o estabelecimento de incentivos diferenciais que
estimulem as diversas instituições de pesquisa e as empresas a
efetuarem contatos mais estreitos.
Propõe-se ainda incentivar a realização de programas de
padronização, normalização e certificação apoiados pela
iniciativa privada (preferencialmente por associações
empresariais com metas definidas e comprovação de capacidade de
gestão).
É evidente a necessidade de reformular e capacitar as
instituições para estas novas tarefas, engajando-as de maneira
efetivamente coordenada. Isto inclui o próprio MCT (e suas
agências FINEP e CNPq), a CAPES, os institutos e centros de
pesquisa estatais, como também o Banco do Brasil, o BNDES, o
SEBRAE e os organismos estaduais. A reestruturação das
instituições-chave do planejamento, coordenação e fomento ao
desenvolvimento científico e tecnológico deve compreender
principalmente: a flexibilização de suas capacidades operacionais
e financeiras; e a capacitação para operar/dinamizar novas formas
de apoio que busquem aumentar (a) a difusão dos conhecimentos e
das novas tecnologias; e (b) a conectividade dos diferentes
atores e, portanto, o processo de aprendizado conjunto,
enfatizando-se principalmente a exploração e o fortalecimento das
ligações entre pesquisadores, fornecedores, produtores e
usuários.
Fundamental faz-se a articulação efetiva do MCT e
instituições ligadas diretamente à área de C&T com congêneres em
áreas correlatas e principalmente aquelas encarregadas da
política de desenvolvimento industrial. Tal poderá ser alcançado
através da instituição de mecanismos permanentes de articulação
institucional entre as diversas esferas institucionais envolvidas
(como por exemplo aquelas atualmente a cargo/vinculadas ao MCT,
MICT, Miniplan, MEd, Minicom, MME, etc.) ou através da unificação
das principais dentre estas instâncias governamentais (como por
114
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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exemplo com a criação do Ministério de Indústria, Serviços e
Tecnologia, congregando as ações das esferas atualmente ligadas
ao MCT e ao MICT, com outras também de vital importância à
proposta de articulação, como por exemplo o BNDES e demais
agências). Qualquer que seja a forma adotada (Conselho no âmbito
da Presidência da República, Câmara Interministerial ou
unificação ministerial), salienta-se a necessidade da implantação
de um mecanismo de coordenação da política de C&T.
Propõe-se ainda que seja ampliado o envolvimento dos
organismos estaduais atuantes na área de C&T e, sobretudo, que se
busque a descentralização administrativa, através de um maior
nível de participação dos Estados nesta área.
115
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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4. INFRA-ESTRUTURAS E COMPETITIVIDADE
PAPEL DAS INFRA-ESTRUTURAS NA PROMOÇÃO DAS CONDIÇÕES SISTÊMICAS
DE COMPETITIVIDADE
Os sistemas de infra-estrutura física e de prestação de
serviços essenciais à atividade econômica - notadamente de
transportes, energia e telecomunicações - têm um papel crucial na
promoção das condições sistêmicas da competitividade industrial,
ao proporcionar as chamadas externalidades às empresas que atuam
no país, tanto voltadas ao mercado externo quanto interno. A
profunda deterioração da base física e da qualidade desses
serviços no Brasil, após mais de uma década de instabilidade
macroeconômica, colapso do financiamento e do investimento
públicos e da base institucional desses sistemas, constituem um
sério entrave ao esforço de reestruturação competitiva da
indústria.
É inegável que as infra-estruturas desempenharam com êxito
funções de apoio à industrialização brasileira, tendo contribuído
decisivamente para a consolidação do mercado nacional, a
integração territorial, o processo de urbanização acelerado das
três últimas décadas e o rápido crescimento econômico. Superada
essa etapa e esgotados os instrumentos fiscais, financeiros e
institucionais, predominantemente públicos, que o sustentavam, o
sistema de infra-estrutura defronta-se com um novo desafio,
inadiável e difícil pela magnitude dos recursos e complexidade
das ações que envolve: o de dar um suporte essencial à
competitividade da indústria.
Embora os pontos de estrangulamento e deficiências no volume
e qualidade dos serviços oferecidos sejam numerosos e graves nas
diferentes infra-estruturas, ressalta, para as necessidades de
curto prazo da competitividade industrial brasileira, a
degradação das condições operacionais dos transportes e
atividades conexas (armazenagem e terminais, portuários e
outros), que oneram seriamente as exportações, assim como os
preços domésticos. O colapso dos mecanismos de financiamento não
apenas reduziu ao mínimo os novos investimentos como,
principalmente, tornou precária a conservação e operação dos
sistemas de transportes já existentes.
No caso das rodovias sob responsabilidade federal, destaca-
se que cerca de 35% da malha viária encontrava-se em 1990 em mau
ou péssimo estado, contra 34% em estado regular; e que a frota de
caminhões manteve-se praticamente estagnada em torno de 950 mil
veículos na década, elevando-se a idade média dos caminhões para
12 anos em 1990. As ferrovias, por sua vez, apresentam um quadro
de estagnação na capacidade de transporte de carga; deterioração
nas vias permanentes e sistemas de apoio, no material rodante e
de tração, com envelhecimento crescente; e redução dos trabalhos
de conservação e manutenção. Os portos, elemento decisivo na
criação de externalidades competitivas, têm apresentado
deficiências sérias, menos na oferta de serviços - que não têm
ocasionado grandes congestionamentos - do que na sua eficiência
operacional, muito abaixo dos padrões internacionais e
116
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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responsável por substancial elevação de custos, que chegam a
atingir níveis de 3 a 6 vezes acima dos praticados em grandes
portos estrangeiros. Por fim, a navegação de cabotagem permanece
estagnada, enquanto a hidroviária tem apresentado algumas
iniciativas bem-sucedidas (sistemas Tietê e Taquari) e constitui
importante alternativa, eficiente e moderna, para desafogar o
transporte interno de cargas em face de uma recuperação do
crescimento econômico.
No que se refere ao setor energético, os ônus à
competitividade ainda não são muito visíveis, mas podem
manifestar-se a médio prazo, à medida que a capacidade instalada
seja plenamente ocupada e a crise de financiamento do setor, ao
lado da deterioração tarifária, mantenham bloqueados os
investimentos necessários. Assim, estima-se que a capacidade
atual de geração de energia elétrica, de cerca de 55 GW, e os
acréscimos a serem trazidos pelas obras em andamento, de
programação insegura, venham a ser insuficientes já em 1997 para
atender a utilização de capacidade ociosa hoje existente nas
indústrias e de novas cargas provenientes de possível retomada do
desenvolvimento. A maior contribuição que se espera para a
competitividade é a pronta garantia pelas autoridades e pelas
concessionárias de que não haverá racionamento localizado ou
generalizado. No caso do petróleo, as metas há muito projetadas
de produção de 1 milhão de b.p.d. também têm sido
sistematicamente adiadas por insuficiência de investimentos,
enquanto os projetos de investimento na produção de álcool foram
reduzidos a partir de meados dos anos 80, uma vez atingida a
produção de 200.000 b.p.d., superando a meta de 170.000 b.p.d. A
repartição inadequada das modalidades de energia, notadamente
entre os derivados de petróleo, e entre estes e a energia
elétrica, acumulou distorções ao longo de mais de uma década, que
representam soluções economicamente ineficientes e custos
elevados e impõem a adoção de políticas integradas para
reformular o setor e a matriz energética.
Por último, o setor de telecomunicações não escapou à regra
geral de virtual estagnação da capacidade instalada e degradação
da qualidade dos serviços. Se não constitui um entrave imediato à
competitividade, tal situação pode vir a comprometer as condições
sistêmicas de longo prazo da competitividade, que são justamente
intensivas nesse tipo de serviços modernos. No quadro
internacional, a situação da telefonia brasileira é desvantajosa
tanto em número de terminais - 10,6 milhões (11º no ranking
mundial) - quanto, principalmente, no indicador de densidade
telefônica, de apenas 7,1/100 hab. (37º lugar no ranking). Sua
distribuição regional é muito desigual, refletindo as
desigualdades de renda; mas nem por isso os grandes centros
urbanos estão satisfatoriamente atendidos, uma vez que no último
qüinqüênio o tráfego interurbano vem crescendo a 14% ao ano e o
internacional a 23%, indicando um risco crescente de
congestionamento do tráfego comercial que acompanha o
desenvolvimento e a modernização do país, e que é o mais
relevante para a competitividade industrial. No mesmo sentido
aponta o extraordinário aumento no tráfego de comunicações de
dados (87% ao ano entre 1988 e 91), para o qual é particularmente
importante a qualidade e confiabilidade do serviço, além do
117
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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próprio congestionamento. Quanto a este último (entre outros
indicadores de produtividade), o sistema Telebrás estima uma
substancial recuperação nos últimos anos, mas que ainda o situa
num patamar distante do padrão internacional.
FATORES DE ESTRANGULAMENTO
Financiamento
Assim como a construção e expansão da infra-estrutura hoje
existente foi realizada mediante a alocação sustentada de
recursos de longo prazo, tanto externos como públicos, de
natureza fiscal e orçamentária, a crise do endividamento externo
e a crise fiscal do Estado brasileiro, juntamente com a tendência
recessiva, ao longo dos anos 80, no tempo em que se generalizou a
imposição de tarifas irreais subsidiadas, levaram à estagnação
dos investimentos em infra-estrutura e conseqüentemente à sua
progressiva deterioração. A recuperação e a renovação de
mecanismos institucionais de financiamento de longo prazo e a
adoção de tarifas realistas constituem, portanto, condições
indispensáveis para a superação dos obstáculos que tal situação
coloca à competitividade sistêmica da indústria.
A persistência da estagnação dos investimentos em infra-
estrutura justifica o diagnóstico de esgotamento do modelo
anterior, institucional e de financiamento. Com efeito, no setor
de transportes, enquanto tais investimentos representaram cerca
de 1,5% do PIB nos anos 70, reduziram-se à faixa de 0,5-0,7% nos
anos 1987-90. O transporte rodoviário foi o mais atingido, tendo-
se reduzido substancialmente sua participação nas dotações do
Ministério dos Transportes. Na área de energia, o fim das
vinculações orçamentárias (imposto único sobre combustíveis e
lubrificantes, empréstimo compulsório da Eletrobrás) e a
contenção tarifária levaram eventualmente ao estrangulamento da
capacidade de investir, embora este processo tenha sido menos
rápido e intenso no sistema petrolífero. Por último, os serviços
de telecomunicações, apesar de sua maior rentabilidade
operacional frente aos demais segmentos de infra-estrutura, que
favorece o autofinanciamento, tiveram suas necessidades de
expansão e modernização contidas pela compressão tarifária, pela
redução acentuada e recente extinção dos recursos fiscais (FNT) e
pelas severas restrições à captação de recursos de terceiros, que
haviam chegado a representar quase 50% dos investimentos na
segunda metade dos anos 70.
Tais restrições, em grande parte comuns aos diferentes
segmentos de infra-estrutura, sugerem uma abordagem abrangente e
conjunta para a reestruturação dos seus mecanismos de
financiamento, compreendendo:
a) a recomposição da capacidade de autofinanciamento com
recursos próprios de origem tarifária, adotando tarifas
realistas, compatíveis com os custos e a remuneração dos
investimentos;
b) a recomposição de recursos próprios por meio de
reestruturação patrimonial, com melhor aproveitamento de ativos,
inclusive mediante programas de privatização;
118
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
c) a recuperação de financiamentos externos bilaterais (com
participação de fabricantes nacionais no fornecimento de
equipamentos) e multilaterais de longo prazo;
d) o estímulo a expansões pelo setor privado, diretamente ou
em parcerias, e a captação de recursos internos e externos nos
mercados de capitais, incluindo emissão de bônus e de títulos
securitizados;
e) a vinculação orçamentária nos vários níveis de governo a
programas federais de longo prazo, com orçamento plurianual de
investimentos, nos segmentos em que a base de recursos for
essencialmente pública.
Coordenação/Regulação
A crise fiscal do Estado brasileiro nos anos 80 foi
acompanhada, como se sabe, de uma drástica perda de eficácia e de
capacidade de planejamento e definição de prioridades para a ação
pública, que atingiu os diferentes segmentos. Ressaltam, nesse
contexto, a falta de coordenação entre agências e empresas
públicas e a descontinuidade administrativa na implementação de
programas e projetos.
Nos diferentes segmentos desponta, em primeiro lugar, a
necessidade de um planejamento integrado das ações públicas
pertinentes, tendo em vista a função estruturante que os
investimentos em infra-estrutura cumprem em relação à organização
das atividades econômicas. No que diz respeito ao setor de
transportes, tal integração possui dupla dimensão: a integração
entre meios logísticos - na coleta, distribuição, armazenagem,
escoamento e sistemas portuários -, envolvendo a concepção de
corredores de abastecimento interno e de exportações e a maior
ênfase na intermodalidade dos meios de transporte; e a integração
entre as regiões produtivas, baseada em projetos de estruturação
econômica espacial entre fronteiras agropecuárias, centros
industriais, centros urbanos de consumo e áreas de apoio aos
portos, tendo em vista especialmente ampliar a eficiência no
escoamento de grãos do cerrado e de produtos para os mercados
externos, inclusive os do MERCOSUL.
No âmbito do setor de energia, têm-se acumulado distorções
que refletem a perda da capacidade de planejamento segundo uma
concepção integrada dos seus problemas, indispensável à fixação
de prioridades para a área. Entre outros exemplos, mencione-se,
no caso dos combustíveis, a crescente utilização de óleo diesel
para transportes de cargas e passageiros, que obrigou a
adaptações onerosas na estrutura de refino de petróleo e à
exportação gravosa de excedentes crescentes de gasolina, assim
como os riscos concretos de escassez de álcool combustível após o
declínio do Proálcool desde 1985. No caso da geração de energia
elétrica, os programas de eletrotermia com tarifas privilegiadas,
levando à intensificação excessiva do uso de energia elétrica por
unidade de produto na produção industrial de bens
eletrointensivos. Por último, impõe-se uma reformulação da matriz
energética tendo em vista a redução da intensidade energética na
produção, com maior eficiência e cuidado com o meio ambiente na
geração de energia, na sua transformação (produção e consumo) e
no seu transporte e distribuição, bem como a introdução de novos
119
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
energéticos como o gás natural. Os já conhecidos estudos de
conservação de energia elétrica, que podem economizar de 10% a
25% na indústria, e os recém-revelados desperdícios de 20% a 30%
de óleo diesel, facilmente recuperáveis, exigem programas de
enorme prioridade.
Nas telecomunicações, é essencial retomar a sistemática de
planejamento de longo prazo, tendo em conta as dimensões
quantitativas e principalmente qualitativas envolvidas na
programação de sua expansão. A avaliação das perspectivas de
demanda de serviços de telecomunicações inclui aspectos de grande
complexidade. Se o estabelecimento de metas para a expansão da
rede telefônica básica constitui tarefa relativamente simples, o
mesmo não se aplica à previsão dos demais serviços não-
telefônicos, que além das considerações tecnológicas e de custos,
envolve uma avaliação por parte das empresas usuárias quanto a
estratégias de segurança, controle, flexibilidade e gerenciamento
de redes.
A montagem de um sistema de planejamento permitiria
estabelecer metas de longo prazo não só confiáveis tecnicamente
como sustentáveis financeiramente em termos dos recursos
necessários ao investimento, podendo ainda proporcionar um
ambiente favorável à atração da participação privada e à formação
de parcerias. Some-se a isso a existência de diferentes opções de
modelos de sistemas de telecomunicações no plano internacional e
a constante pressão das agências financiadoras por
desregulamentação, justificando assim a premência da tomada de
decisões estratégicas na ampliação e modernização do atual
sistema de telecomunicações, e notadamente na construção de uma
infra-estrutura de teleinformática indispensável ao alcance de um
nível de oferta e um padrão tecnológico de serviços de
telecomunicações compatíveis com as exigências contemporâneas de
competitividade sistêmica.
O Quadro Institucional
A reorganização institucional, voltada entre outros
objetivos à compatibilização das atribuições entre diferentes
esferas e agências de governo, à descentralização de suas ações,
à ampliação da participação privada mediante parcerias e
contratos de concessão e à flexibilização dos monopólios
estatais, constitui um dos principais desafios a serem
enfrentados na reestruturação da infra-estrutura, nos seus
distintos segmentos.
O caráter público dos serviços e a predominância hoje
estatal da propriedade e da gestão dos ativos e dos organismos e
agências impõem uma revisão profunda do quadro jurídico-
institucional que lhes dá suporte, diante da falência dos
mecanismos de coordenação e decisão da administração pública
federal direta e indireta. Tal esforço envolve o estabelecimento
de formas adequadas - eficazes e não-redundantes - de
relacionamento institucional, a modernização e desregulamentação
das bases de suporte legal e a revisão das estruturas
organizacionais. A inadequação destes elementos institucionais -
administrativos, legislativos e financeiros - e a ausência de
120
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
regras estáveis de longo prazo têm-se colocado como um sério
entrave à prestação, em níveis eficientes, dos serviços básicos
de infra-estrutura.
No plano comum aos três setores da infra-estrutura, tal
trabalho de revisão compreende as seguintes diretrizes básicas:
a) a reestruturação dos organismos estatais de administração
direta e indireta, com a redefinição de seus papéis, de forma a
assegurar a capacidade de planejamento e a racionalidade de longo
prazo dos sistemas de infra-estrutura;
b) o estabelecimento de mecanismos institucionais que
assegurem a capacidade de regulação pública dos sistemas de
infra-estrutura, inclusive mediante a criação de órgãos
reguladores independentes;
c) o estabelecimento de legislação e regras estáveis de modo
a induzir terceirizações, privatizações e parcerias com o setor
privado;
d) o estabelecimento de regras estáveis de fixação e revisão
tarifárias, que resguardem as empresas prestadoras dos serviços
das políticas de estabilização restritivas de curto prazo;
e) a superação do impasse financeiro representado pelas
dívidas acumuladas pelas empresas públicas entre si e com o setor
privado.
Em nível mais específico dos segmentos de infra-estrutura,
merecem destaque os seguintes aspectos relacionados ao nível de
centralização da estrutura institucional e sua adequação às
mudanças técnicas e econômicas em curso:
a) o desenvolvimento industrial e a expansão do transporte
rodoviário nas últimas décadas deram lugar a formas
descentralizadas de organização no setor rodoviário, em oposição
às formas centralizadas e estatais nos setores ferroviário e
portuário. Neste último, uma legislação obsoleta dificultou sua
modernização em termos tecnológicos e organizacionais. A ausência
de planejamento integrado e de coordenação de investimentos nas
diversas modalidades de transporte dificultaram sua expansão e
modernização;
b) o desenvolvimento industrial e a expansão da infra-
estrutura de energia elétrica, de um lado, e o desenvolvimento do
sistema de transportes e da utilização de combustíveis líquidos,
de outro, condicionaram a intensidade e os rumos da gestão
estatal nos setores elétrico e do petróleo. Da mesma forma que no
caso dos transportes, a ausência de planejamento integrado e de
coordenação dos investimentos nas diferentes modalidades foram
obstáculos à sua expansão com maior eficiência na geração,
produção e distribuição de energia;
c) o imperativo de centralização e coordenação das
telecomunicações e a evolução histórica da intervenção pública
levaram a uma divisão de trabalho no sistema estatal, em que a
comunicação interestadual e internacional passou a ser feita de
forma centralizada (Embratel) e a comunicação local e intra-
estadual executada no âmbito dos estados (empresas-pólo).
Atualmente, verifica-se o início da oferta de serviços de "valor
adicionado", através de aplicativos, por parte das empresas
privadas; a progressiva digitalização das funções de comutação e
121
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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transmissão; e a consolidação dos sistemas de interconexão em
rede. A exigência de acompanhar a complexidade crescente destes
novos meios e serviços e a tendência internacional de
convergência tecnológica entre telecomunicações e informática
conduzem à necessidade de mudanças de ordem regulatória e
organizacional.
SUPERAÇÃO DOS PRINCIPAIS OBSTÁCULOS À COMPETITIVIDADE NAS INFRA-
ESTRUTURAS
São relacionadas a seguir as principais prioridades e
medidas estratégicas e de políticas públicas necessárias para
cada um dos setores de infra-estrutura, com o objetivo de atender
às exigências de condições sistêmicas adequadas para a
competitividade industrial brasileira.
Transportes
Para a reestruturação e superação de estrangulamentos do
setor de transportes, destacam-se como mais urgentes e/ou
importantes as seguintes diretrizes e linhas de ação:
a) Programa emergencial de recuperação e restauração dos
trechos críticos das rodovias federais, para o que se requer
superar as limitações impostas pela Constituição de 1988, que
dificultam o financiamento com recursos vinculados à esfera
federal, redefinindo-se as atribuições da União e dos estados e
delegando-se a estes últimos a operação, gestão e financiamento
dos trechos correspondentes das rodovias federais, preservando-se
padrões técnicos unificados. Parcerias com a iniciativa privada
mediante concessões para trechos com elevado tráfego constituem
linha de ação complementar importante para tal programa de
recuperação e de operação economicamente viável.
b) Programa emergencial de reaparelhamento da malha básica
do sistema ferroviário, no que se refere a vias permanentes,
terminais, material rodante e de tração e sistemas de apoio. A
insuficiência de recursos públicos orçamentários impõe soluções
institucionais alternativas, envolvendo a regionalização, a cisão
e a privatização em moldes realistas da RFFSA e da FEPASA. O
aproveitamento de ativos imobiliários, oficinas e outras
facilidades de prestação de serviços em moldes comerciais
constitui fonte adicional relevante de recursos e receitas que
favorecerão sua viabilidade econômica. A liberação das tarifas e
a adoção de soluções específicas para distintas regiões
complementa o quadro de uma estratégia voltada à rentabilidade
empresarial sempre que esta for viável.
c) Mudanças no quadro jurídico-institucional do sistema
portuário e um programa de recuperação da navegação de cabotagem
e de longo curso, com maior integração porto-navio, são as linhas
básicas de ação para o setor de transporte marítimo/hidroviário.
Quanto ao primeiro aspecto, aguarda regulamentação a Lei nº 8630
de 25/02/93, aprovada pelo Congresso Nacional, que oferece
soluções aos principais problemas portuários brasileiros, ao
descentralizar a operação dos portos, extinguir os privilégios
auferidos pelas Cias. Docas e pelos sindicatos, facilitar a livre
122
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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negociação de serviços, autorizar a construção e exploração de
instalações portuárias privadas e, finalmente, permitir readaptar
as tarifas portuárias às novas condições de operação com custos
reduzidos. No que se refere à recuperação da navegação, propõe-se
como diretrizes básicas, além da modernização da legislação de
movimentação de cargas nos portos, a modernização tecnológica na
estocagem, manuseio e embarque/desembarque de cargas, reduzindo a
permanência dos navios, reformulação do apoio governamental à
indústria de construção naval e aos armadores, a exemplo de
países desenvolvidos, aumentando a utilização da capacidade
instalada e a participação e competitividade do transporte
marítimo nacional. A operação da navegação interior deve ser
estendida a outras empresas de transporte e autônomos, de forma a
estimular sua descentralização e ampliação da escala.
d) Para o conjunto do setor de transportes, ressalta, como
já indicado antes, a importância do planejamento integrado,
especialmente envolvendo a integração entre meios logísticos e
regiões produtivas, com ênfase na coordenação entre esferas de
governo, entre suas agências e empresas e destas com o setor
privado; e na promoção da intermodalidade. Por outro lado, na
definição de mecanismos de financiamento e de captação de
recursos alternativos destacam-se: proposta de vinculação
orçamentária a Programas Nacionais de Longo Prazo, associados a
um orçamento plurianual de investimentos, evitando os riscos de
descontinuidades decorrentes de cortes orçamentários; e as
mencionadas medidas de regionalização, delegação de funções
operacionais e de conservação aos estados, privatização de
empresas, concessão de serviços de operação à iniciativa privada
e realização de parcerias.
Energia
A adequação do setor de energia às necessidades de maior
competitividade industrial requer um conjunto integrado de
medidas, em que se destacam:
a) Recuperação das concessionárias regionais e estaduais de
energia elétrica, no que diz respeito à eficiência operacional e
à administrativa, que deixam a desejar, assim como no que
concerne à capacidade instalada, em face do grande número de
obras inconclusas de usinas, especialmente aquelas cujo custo de
conclusão é baixo. A hegemonia da hidreletricidade deverá
permanecer a médio prazo no Brasil, mas os custos elevados de
financiamento colocam limites à sua expansão em grande escala,
abrindo espaço para pequenas e médias usinas. Paralelamente, a
busca de alternativas termelétricas de baixo custo e pouco
poluentes permanece válida, ainda que em proporções pouco
expressivas.
b) Maior participação do setor privado nas atividades de
geração e distribuição de energia elétrica para uso público, seja
pela intensificação dos programas de autoprodução, co-geração e
geração independente - que já vêm sendo parcialmente apoiados no
âmbito do BNDES, embora ainda com montantes de recursos limitados
em relação às necessidades do setor -, seja pela privatização de
empresas estatais e concessões, objeto do P.L. nº 179/90 do
123
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Senado (nº 62 da Câmara) ora em tramitação. O acesso dos
produtores de energia ao sistema de transmissão é de fundamental
importância para atrair produtores privados e para promover a
concorrência entre os produtores estatais (legislação a respeito
está sendo anunciada pelo Governo). A complexidade das questões
técnicas, jurídicas e financeiras e a dimensão estratégica
envolvidas na privatização de empresas deste setor recomendam que
qualquer que seja a solução institucional adotada, busque-se
preservar tanto a capacidade de planejamento integrado quanto a
capacidade de regulação pública do setor.
c) Recomposição, via tarifas e ajustes de débitos, da
capacidade de autofinanciamento do setor petróleo, que, embora em
situação financeira menos dramática que o elétrico, apresenta
restrições ao investimento por insuficiência de geração de
recursos próprios. Débitos cruzados da DNC junto à Petrobrás -
que já ultrapassam US$ 3 bilhões nas contas petróleo, derivados e
álcool - e desta junto a órgãos e empresas de governo, gerando
provável crédito superior ao valor referido, impõem um acerto de
contas públicas a fim de ampliar a disponibilidade interna de
recursos dessa empresa para investimentos.
d) Formulação de política energética clara e flexível para
os combustíveis líquidos e gasosos no país. O programa de
investimentos da Petrobrás basicamente consolida a estrutura de
consumo final de combustíveis do país nos anos 80, com o seu peso
acentuado e crescente de óleo diesel. A incorporação do gás
natural poderá permitir melhor equacionamento entre oferta e
demanda de derivados mediante alterações na estrutura de refino,
assim como reduzir o déficit de GLP, embora esbarre ainda em
conflitos de jurisdição entre Petrobrás e estados quanto à
distribuição do gás natural, que devem ser superados na revisão
constitucional, mediante supressão do § 2º do Art. 25 da
Constituição Federal. A superação das indefinições estratégicas
quanto à substituição de energéticos por gás natural pressupõe
uma reformulação da política de preços dos combustíveis,
fortemente subsidiados, que praticamente inviabiliza a desejável
substituição pelo gás natural.
e) Linhas de ação gerais e específicas voltadas ao setor
como um todo, objetivando definir programas de conservação de
energia, bem como fixando prioridades da política energética,
destinadas principalmente à preservação do meio ambiente; ao
aumento da eficiência nas várias etapas de geração e distribuição
de energia; na redefinição dos perfis de oferta e demanda da
matriz energética; e na reversão da tendência à intensificação no
uso industrial e de consumo final de energia. Reforçar a atuação
da Secretaria Nacional de Energia e restabelecer um órgão
colegiado assemelhado à Comissão Nacional de Energia, sem
prejuízo da necessária descentralização operacional do setor, são
providências favoráveis à recomposição da capacidade, hoje
deteriorada, de planejamento estratégico do setor de energia.
124
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Telecomunicações
Com o objetivo de dar apoio à competitividade sistêmica numa
perspectiva de médio e longo prazos, as principais linhas de ação
seriam:
a) Expansão, melhoria da qualidade e oferta de novos
serviços de telecomunicações, abrangendo os serviços básicos, a
telefonia avançada e os serviços não-voz (comunicação de dados,
imagem, multimídia e outros serviços avançados). Com o objetivo
inicial fixado na melhoria da qualidade e em ganhos de
produtividade dos serviços existentes, o desempenho do sistema
mostrará sensível progresso, seja no descongestionamento de
linhas, seja na redução do número de defeitos, o que por sua vez
tenderá a estimular o crescimento e diversificação da demanda -
esta possivelmente também favorecida pela retomada de
desenvolvimento do país com upgrading de sua inserção
internacional. De um lado, a ampliação da rede básica tendo em
vista sua universalização é um requisito primordial e consensual
para o desenvolvimento sócio-econômico e, por extensão, para a
competitividade sistêmica. De outro, a difusão do uso de
tecnologias de informação no âmbito das telecomunicações
promoverá a aceleração do ciclo de aprendizado dessas tecnologias
na produção e no consumo, no âmbito do mercado interno.
b) Ampliação e diversificação dos mecanismos de
financiamento, acompanhados de recomposição tarifária, são
indispensáveis para viabilizar os objetivos acima indicados. A
captação de recursos mediante colocação pela Telebrás de
eurobônus e ADR, entre muitas outras possibilidades de formas
alternativas de financiamento, vem sendo implementada com
sucesso. No âmbito interno, é importante explorar o potencial de
financiamento do sistema BNDES, que entretanto está atualmente
impossibilitado de financiar as empresas estatais do sistema -
assim como dos demais - em função da Resolução 1718/89 do Banco
Central, que o impede de financiar empresas públicas. É
conveniente examinar a possibilidade, senão de eliminar tal
dispositivo, de excluir sua aplicação ao sistema de
telecomunicações, considerando-se inclusive a atratividade e
rentabilidade potenciais de grande parte dos investimentos do
setor a serem financiados. No que se refere às tarifas, é
fundamental dar prosseguimento à recuperação já iniciada em 1993,
de modo a favorecer a acumulação de recursos próprios das
empresas, dando ênfase à tarifação de acordo com o perfil da
demanda, que nesse setor é particularmente diferenciada.
c) Utilização do poder de compra do sistema de
telecomunicações como instrumento de política pró-competitiva.
Empregado com sucesso no passado, quando da implantação do
sistema, decaiu substancialmente nos anos 80, seja por excesso de
fornecedores, seja por instabilidade dos investimentos e das
políticas de compras. O exercício desse instrumento no presente
contexto deve subordinar-se às diretrizes da política industrial
e tecnológica, privilegiando a capacitação tecnológica e a
internalização progressiva e seletiva de novas tecnologias,
notadamente de engenharia de softwares e microprocessadores;
requerendo a adequação a normas e padrões técnicos e de
125
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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qualidade; e estabelecendo critérios para a distinção entre
compras locais e importações.
d) Aumento da participação do setor privado, mediante
formação de alianças estratégicas e parcerias das estatais do
setor com a iniciativa privada, tendo em conta não só as
vantagens de flexibilidade e de aporte de recursos daí derivadas,
como principalmente os atrativos que os novos serviços de
telecomunicações apresentam em termos de perspectivas de mercado
de alta renda em rápida expansão. As modalidades de parceria
incluem, entre outras, joint business e joint ventures, leasing,
planta comunitária e turn key com pagamento vinculado à receita.
A privatização de ativos e empresas, nos vários níveis do
sistema, é um caminho que comporta diferentes modelos possíveis,
implementados em outros países, requerendo por isso uma decisão
política subordinada a uma prévia definição de um modelo de
telecomunicações para o país. Basicamente, trata-se de levar em
conta as diferenças econômicas e de rentabilidade entre os dois
grandes segmentos do setor - a rede básica de telefonia e os
serviços de "valor adicionado" - de forma a evitar que a
privatização se concentre neste último segmento, relegando ao
setor público os ônus, correspondentes a elevados custos e
grandes volumes de investimento com retorno mais lento,
associados à rede básica.
e) Seja qual for o modelo institucional adotado, é essencial
recuperar a capacidade de planejamento e de regulamentação
pública do setor. Além da atualização da legislação pertinente,
através de nova lei de telecomunicações que estabeleça regras
claras e estáveis para atrair investidores privados na área, é
conveniente a criação de uma estrutura autônoma de regulamentação
vis-à-vis o poder executivo, a exemplo de outros países, com a
atribuição de arbitrar conflitos entre agentes do setor e os
usuários e definir e administrar os princípios regulatórios
pertinentes. A insuficiente experiência brasileira nesse campo
recomenda estudar as várias modalidades existentes em outros
países antes de implantar essa estrutura regulatória.
126
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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5. A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PADRÃO DE FINANCIAMENTO: REFORMA
TRIBUTÁRIA E FINANÇAS INDUSTRIALIZANTES
REORGANIZAÇÃO DO FINANCIAMENTO PARA SUSTENTAR A RETOMADA DO
INVESTIMENTO PÚBLICO E PRIVADO
O agravamento da crise econômica nos anos 80 e no primeiro
triênio dos anos 90 expressou-se de forma dramática na retração
da formação bruta de capital fixo para níveis inferiores às
necessidades mínimas de manutenção e de reposição do capital,
notadamente nas áreas de infra-estrutura. O desenvolvimento
competitivo requer a retomada da taxa de investimento para cerca
de 25% do PIB, de forma compatível com a sustentação do
crescimento econômico num ritmo de 5% ao ano.
Esta necessária elevação da taxa agregada de inversão fixa
exige a mobilização de meios adequados, não-inflacionários, de
financiamento. Como foi observado na Nota Técnica "Condicionantes
Macroeconômicos da Competitividade", apesar de ter ocorrido
recuperação dos níveis agregados de poupança sobre o PIB, essa
recuperação foi absorvida pela transferência de recursos para o
exterior, pelos encargos da dívida interna (transferências para o
setor financeiro) e pelo aumento dos preços relativos de bens de
capital e obras públicas. Ou seja, o esforço adicional de
poupança não correspondeu a uma elevação do investimento real
sobre o PIB, que vem oscilando entre 17% e 19% nos últimos anos.
A capacidade de poupança corrente do governo contraiu-se
fortemente na década de 80, evoluindo para uma posição negativa
nos últimos anos, como se pode verificar na Tabela 1. A erosão da
capacidade de poupança pública deveu-se à contínua deterioração
da carga tributária bruta (nos três níveis de governo) com
simultânea ampliação das transferências financeiras (juros
internos e externos) e previdenciárias. Como resultado, a receita
tributária líquida reduziu-se de 15,6% do PIB nos anos 70 para
apenas 7,5% nos últimos anos. O lado da despesa mostra contenção,
tendo a massa salarial do setor público crescido muito pouco
(apesar do aumento expressivo do número de funcionários com forte
redução do salário real médio). Os investimentos públicos
(exclusive estatais), no entanto, foram duramente penalizados -
reduzidos a menos da metade - em prejuízo das condições
sistêmicas da competitividade.
Simultaneamente à crise das finanças públicas, o setor
privado também arrefeceu seus investimentos, desendividou-se e
passou a aplicar suas disponibilidades em títulos públicos. O
sistema de financiamento privado mostrou-se carente de
instrumentos, regras estáveis e de uma institucionalidade
suficiente para canalizar as poupanças e criar crédito em prazos
e condições estimulantes para os investimentos. Ao contrário, a
possibilidade de obter rendimentos financeiros com elevada
liquidez e risco zero passou a inibir permanentemente o
investimento produtivo. A tendência à hiperinflação, a incerteza
e os efeitos dos sucessivos "choques" de política econômica
levaram a uma pronunciada regressão da intermediação financeira
na segunda metade dos anos 80.
127
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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TABELA 1
BRASIL - CONTA CORRENTE E FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL DO GOVERNO
CONSOLIDADO, EM PERCENTAGEM DO PIB
1970-1992
(%)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ITEM 1970-78 1979-82 1983-87 1988-92
*
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1. Carga tributária bruta 25,4 24,7 23,1 21,9
2. Transferências ao setor privado 9,3 12,1 12,5 14,5
2.1.Juros internos e externos 0,6 1,4 3,1 3,5
2.2.Previdência, assistência e subsídios 8,7 10,7 9,4 11,0
Receita total líquida (1-2) 16,1 12,6 10,5 7,5
4. Despesas correntes (exclusive transferências) 10,2 9,6 9,8 10,8
4.1.Pessoal e encargos 7,3 6,7 6,5 8,0
4.2.Bens e serviços 2,9 2,9 3,2 2,8
5. Poupança em conta corrente (4-3) 5,9 3,0 0,7 -3,3
6. Formação bruta de capital fixo 3,8 2,4 2,2 1,5
7. Necessidade de financiamento (6-5) -2,1 -0,6 1,5 4,8
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
*
Estimativa.
Fonte: FIBGE/DECNA. Extraído de: Longo (1993:48).
Em síntese, a crise econômica retrata-se de forma inequívoca
na profunda desarticulação do sistema de financiamento público e
privado. A retomada de um nível minimamente satisfatório de
investimento e poupança agregados exige: a) a recuperação das
finanças do Estado; b) a criação de finanças industrializantes.
Estes dois pilares essenciais para a construção de um novo
padrão de financiamento, capaz de sustentar os investimentos
requeridos pelo desenvolvimento competitivo, serão objeto deste
capítulo.
RECUPERAÇÃO DAS FINANÇAS DO ESTADO
Reforma Fiscal e Pacto Federativo
A Constituição de 1988 não modificou substancialmente a
estrutura de arrecadação tributária, mas alterou
significativamente a partilha dos tributos em favor dos
municípios e estados em detrimento da União. Como se pode
verificar na Tabela 2, a participação da receita disponível da
União no total da arrecadação tributária reduziu-se de 68,1% em
1980 para 54,8% em 1990, enquanto a participação dos estados
subiu de 23,1% para 29,3% e a dos municípios praticamente
duplicou (de 8,7% para 15,8%).
128
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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TABELA 2
BRASIL - DISTRIBUIÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA DISPONÍVEL
1970-1990
(%)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS TOTAL
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1970 60,7 29,1 10,1 100,0
1975 68,2 23,4 8,6 100,0
1980 68,1 23,1 8,7 100,0
1985 62,7 26,2 11,0 100,0
1990 54,8 29,3 15,8 100,0
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Longo (1993:56).
A reforma fiscal deve visar o fortalecimento das finanças da
União - na revisão tributária -, principalmente através da
transferência de encargos e atribuições para as esferas
subnacionais. À desconcentração dos recursos tributários deve
corresponder uma descentralização efetiva de competências. Essa
descentralização não é apenas desejável na área das políticas
sociais (educação e saúde), mas deve também abranger outras áreas
de infra-estrutura. Como será visto na Parte IV do presente
relatório, a descentralização é um vetor importantíssimo para a
política de competitividade, especialmente no que se refere à
construção de externalidades positivas e outras condições
benignas para a formação de redes de cooperação no plano
local/regional.
A reforma do pacto federativo deve estimular, por outro
lado, a autonomia dos estados e municípios no plano dos impostos
de natureza local, induzindo-os à maior busca de arrecadação
própria.
Mas, além das mudanças necessárias no regime federativo, é
fundamental que seja empreendido um grande esforço de austeridade
e economia de custeio em todos os níveis - com legislação
punitiva e preventiva para todas as formas de desvio e
desperdício de recursos públicos. Esse esforço é uma precondição
para a legitimação social e política da recuperação da
arrecadação tributária agregada. Reformas administrativas,
transparência, probidade e principalmente eficiência na prestação
dos serviços estatais são postulados indispensáveis à evolução
democrática da vida pública brasileira.
Necessidade e Condições da Reforma Tributária
A recuperação das finanças do Estado exige a implementação
urgente de uma reforma tributária, com fortalecimento da União.
Os requisitos para recuperação das condições de competitividade
sistêmica, dados os encargos financeiros e as necessidades
represadas de investimento público - num país de dimensão
129
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
continental, com graves carências sociais acumuladas -, tornam
necessária a elevação da arrecadação tributária macroeconômica
para a vizinhança de 30% do PIB. Este nível só poderá ser
alcançado por etapas, no contexto de uma reforma tributária
equânime e racionalizadora, com a economia estabilizada, sob
crescimento organizado e sustentável.
Mas do ângulo do ECIB, a reforma tributária deve atentar
para o critério da competitividade. Isto é, não diz respeito
somente ao tamanho da carga tributária mas também à sua
sistemática, estrutura e compatibilidade com os blocos de
comércio com os quais o país transaciona, sem descuidar da
eficiência do sistema arrecadador. A pesquisa realizada demonstra
que a carga tributária brasileira é baixa e pouco dinâmica tanto
para seu próprio padrão histórico como na comparação com
"capitalismos tardios" europeus, como a Itália e a Espanha, com
os quais se igualava no início dos anos 70.
É, além disso, desequilibrada e relativamente incompatível
com o padrão tributário internacional, sobretudo europeu, em sua
estrutura e sistemática tributária, principalmente no que se
refere ao peso excessivo das ditas "contribuições sociais" sobre
o faturamento, que impedem a desoneração fiscal plena das
exportações e protegem involuntariamente as importações, as quais
recebem tratamento tributário mais compatível com a
competitividade nos seus países de origem.
TABELA 3
OECD, CEE E BRASIL - COMPOSIÇÃO DA RECEITA TRIBUTÁRIA
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ITEM OECD (1990) CEE (1990) BRASIL (1991)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Receita como Percentagem do Total
Impostos diretos 38,9 35,1 18,7
Impostos sobre propriedade 5,6 4,6 2,4
Seguridade social 23,9 28,2 31,4
Impostos indiretos 30,3 31,4 44,6
Outros 1,3 0,7 3,0
Total de impostos 100,0 100,0 100,0
Receita como Percentagem do PIB
Impostos diretos 15,12 14,32 4,65
Impostos sobre propriedade 2,18 1,88 0,60
Seguridade social 9,30 11,50 7,79
Impostos indiretos 11,80 12,80 10,99
Outros 0,50 0,30 0,75
Total de impostos 38,90 40,80 24,78
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: OECD e CEE: Knoester (1993); Brasil: Contas Nacionais.
A composição da carga, ao contrário dos países
desenvolvidos, é desequilibrada, sendo a tributação da renda e do
130
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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patrimônio de pequeno significado, frente ao peso relativo dos
"ditos" encargos sociais (destinados ou não à seguridade) e dos
demais tributos indiretos.
Quanto à incidência microeconômica, grande parte das
distorções deriva da inflação. Entre elas, no caso dos impostos
sobre valor agregado, a sistemática de cobrança de impostos
baseada nos saldos mensais entre créditos e débitos tributários
penaliza aqueles setores com maiores ciclos de produção, os que
atuam com contribuintes substitutos, além dos que destinam grande
parcela da produção para as exportações, dada a não-indexação
e/ou monetização dos créditos tributários.
O recurso aos impostos sobre o faturamento, em situações
inflacionárias, aumenta o peso dos efeitos em cascata, agravando
o impacto final da tributação sobre a elevação de preços,
impedindo a desoneração de grande parte da carga nas exportações
e, finalmente, agravando a heterogeneidade setorial da
incidência, de acordo com a complexidade das cadeias produtivas.
A conseqüência é uma enorme dispersão da carga tributária
entre setores, regiões, produtos e até entre empresas de um mesmo
setor, o que faz frutificar a revolta dos contribuintes, fomenta
a evasão fiscal e produz efeitos não intencionais na configuração
da carga, tornando inócua a política tributária nacional.
Do ângulo da competitividade, os requerimentos derivados da
internacionalização e globalização dos sistemas econômicos são
múltiplos. Parte-se da necessidade de minimização das diferenças
de tratamento tributário entre países, para neutralizar sua
influência sobre a mobilidade de bens, serviços, mão-de-obra e
capital. Assim, a harmonização tributária é uma necessidade tanto
para os países como para os blocos de comércio. Esta harmonização
não se refere apenas ao tamanho mas, principalmente, à
sistemática tributária.
No caso do Brasil, a profunda desigualdade social dificulta
a materialização de um sistema baseado na eqüidade vertical e
horizontal e na abrangência das bases de tributação, favorecendo
a combinação perversa de baixa carga tributária macroeconômica e
alta incidência sobre aqueles que são objeto da tributação, o que
amplia as resistências quanto ao necessário aumento da receita.
Além disso, torna mais complexa a concepção de um sistema de
proteção social que atenda em simultâneo demandas contraditórias
dos contribuintes (base estreita, porém muito necessária) e dos
cidadãos, financiados com recursos, hoje cadentes, do Governo
Central.
Diretrizes para a Reforma Tributária
A reforma tributária deve ter como princípio geral a
ampliação das bases de incidência, com distribuição mais equânime
e harmonização ao padrão internacional. As diretrizes e
recomendações que se seguem buscam não apenas a elevação da
131
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
arrecadação agregada, mas também uma otimização racionalizadora
com ênfase nos seguintes pontos:
- equalização das incidências impositivas;
- harmonização e adequação aos padrões internacionais;
- estímulo ao investimento e à competitividade (tratamento
às exportações e às atividades de P&D);
- aperfeiçoamento da eficácia do sistema, em particular
sobre a fiscalização e sobre os bancos de dados relacionados à
tributação.
A racionalização e otimização do sistema tributário
recomenda a seleção, dentre as possibilidades adaptativas do
padrão tributário dominante no mundo desenvolvido, das bases de
tributação que possam gerar recursos e ao mesmo tempo atenuar as
desigualdades na incidência tributária, no plano interpessoal,
entre setores de atividade e entre empresas.
Para estes objetivos, é preciso rever a área dos impostos
sobre valor agregado (IVA) e das contribuições sociais.
a) Revisão dos impostos sobre valor agregado (IVA)
i) Eliminação da discriminação contra o capital, ao qual
atualmente é negado crédito tributário sob a prática do crédito
físico. Transformação do ICMS em um IVA sobre o consumo, e início
da transformação do IPI na mesma direção.
ii) Implementação plena do princípio de destino nas
exportações, estimulando a competitividade da economia
brasileira.
iii) O número de alíquotas deveria ser limitado,
compreendendo uma alíquota normal, uma alíquota reduzida para
bens essenciais e uma alíquota superior, para bens de luxo.
Alíquotas diferenciais poderiam apenas ser aplicadas às etapas
finais do processo produtivo, sendo as etapas intermediárias
tributadas à alíquota normal.
iv) Plena aplicação do princípio do destino para as
importações, através da aplicação da alíquota normal do IVA.
v) Ampliação da base do ICMS, por meio de sua fusão com o
ISS. Como este é um imposto relevante para grandes municípios,
preservação de uma lista de serviços mínima na competência
municipal.
vi) Imunidade do ICMS para exportação de semi-elaborados.
vii) No caso do IPI, a reforma deveria contemplar a sua
substituição por um IVA federal sobre o consumo e pela criação de
impostos seletivos sobre fumo, bebidas e automóveis. A
substituição do IPI por uma base mais ampla e uma só alíquota, do
tipo consumo, cobrindo a indústria e também os serviços prestados
à indústria. Agricultura, comércio e serviços não prestados à
indústria serão isentos e exportações terão alíquota zero.
Créditos plenos serão concedidos para bens de capital.
b) Criação da contribuição sobre valor adicionado (CVA)
132
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A introdução de uma "contribuição sobre o valor adicionado"
(CVA), no conceito lucro bruto menos salários, deveria ser
adotada em substituição ao COFINS, ao PIS-PASEP e à contribuição
sobre o lucro líquido das empresas, os dois primeiros tributos em
cascata. Numa economia em que a distribuição funcional da renda
(entre salários e lucros) é extremamente desigual, na faixa dos
30% e 70%, respectivamente, se justificaria a atual divisão da
participação de empregados e empregadores (1/3 e 2/3) na
tributação sobre a folha de salários, bem como a intenção de
escolher como base alternativa ao faturamento alguma proxy da
repartição da renda observada no Brasil, como a CVA, para
financiar a Seguridade Social.
c) Revisão dos incentivos fiscais, visando sua aproximação à
política de competitividade
i) Substituição da sistemática de concessão a priori de
incentivos fiscais pela concessão de subsídios segundo cronograma
de realização de investimentos.
ii) Eliminação dos incentivos setoriais e regionais e sua
substituição por subsídios a projetos e cadeias virtuosas de
investimentos, proporcionais à capacidade de geração de melhoria
de qualidade e produtividade, e ganhos de competitividade. A
dimensão regional e setorial de projetos prioritários apenas
acrescentaria elementos adicionais à comparação entre projetos.
Substituição das atuais instâncias de concessão automática de
incentivos por colegiados com capacidade de consulta, articulação
e decisão voltadas para as prioridades da política industrial e
tecnológica e capazes de avaliar a eficiência dos investimentos.
d) Recomposição da receita pública
i) O valor do contencioso jurídico, da evasão e da sonegação
fiscal que se associa à instabilidade das regras tributárias e à
perda de poder coercitivo do governo nos últimos anos recomenda a
regularização prévia das relações do governo com o empresariado,
através da estabilidade das regras de tributação e do
restabelecimento da capacidade de fiscalização da Receita
Federal.
ii) significativo esforço deve ser dedicado ao
aperfeiçoamento dos atuais sistemas de fiscalização, com
cruzamento de cadastros, entre impostos e níveis de governo,
einformatização dos sistemas de informação.
iii) O aprimoramento do sistema de informação dependeria
também da elaboração de estatísticas tributárias adequadas que,
organizadas sob a forma de sistemas de indicadores, subsidiariam
as decisões de política tributária, em conexão com a aquisição de
competitividade sistêmica.
A ARTICULAÇÃO DE UM NOVO PADRÃO DE FINANCIAMENTO
A recomposição das finanças do Estado é simultaneamente
condição-chave para a credibilidade da estabilização e para a
133
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
sustentação da retomada dos investimentos públicos. As reformas
estruturais básicas para o desenvolvimento competitivo transitam,
assim, pela articulação de um sistema de financiamento capaz de
canalizar a liquidez sistêmica para o apoio aos investimentos. O
setor público, equilibrado e financeiramente fortalecido,
certamente contribuirá para firmar um horizonte de
previsibilidade para o cálculo privado, assim como a recuperação
dos investimentos governamentais induzirá a realização de
investimentos privados associados.
A conseqüência mais importante, contudo, deve ser a ruptura
da chamada "ciranda financeira", que assegura juros elevados,
pronta liquidez e ausência de risco às poupanças privadas. O
fortalecimento financeiro do Estado deve suprimir,
definitivamente, esta anomalia, estabelecendo uma relação
positiva entre as taxas de juros e os respectivos prazos de
maturidade das operações (yield curve positivamente inclinada,
isto é, aos prazos mais longos (curtos) devem corresponder taxas
de juros mais elevadas (baixas)). A inversão da perversa relação
vigente, que premia as aplicações de curto prazo, sem risco, deve
ser alvo primordial do novo padrão de financiamento, pois o
objetivo é financiar o investimento produtivo com "custo" mais
baixo, ancorando a liquidez sistêmica no investimento e na
produção (e não na "ciranda financeira").
Neste sentido, os instrumentos básicos de dívida pública
devem obrigatoriamente considerar a diferenciação dos prazos e
taxas de juros, segundo a natureza das operações (isto é, títulos
de curto prazo de regulação de liquidez; títulos de médio e longo
prazos do Tesouro destinados ao apoio a projetos de investimento
com taxas internas de retorno compatíveis com taxas de juros
próximas aos padrões internacionais).
Em outras palavras, dever-se-ia perseguir uma diferenciação
de prazos e de atributos dos títulos públicos de forma que os
títulos de curto prazo, dotados de maior liquidez, fossem
negociados no mercado monetário com taxas de juros reais
adequadas para as operações de regulação da liquidez da economia.
Os títulos da dívida pública de médio prazo deveriam funcionar
como ativos de instituições financeiras no âmbito das aplicações
compulsórias dos bancos e como aplicações dos demais
investidores, submetidos ao regime de repactuação de taxas e
passíveis de redesconto no Banco Central. Os títulos de longo
prazo, negociáveis no mercado secundário, seriam destinados
especialmente aos investidores institucionais com o propósito de
financiar o investimento.
Esta estratégia requer uma nova articulação, muito mais
estreita, entre o setor público e o setor privado, não apenas no
que toca à canalização das disponibilidades líquidas para o
financiamento dos investimentos mas, também, através de
parcerias, privatizações, investimentos associados e da
constituição de empresas conjuntas (privadas, com aval público)
dedicadas à promoção de projetos de mútuo interesse, conforme
será desenvolvido adiante.
134
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Mas, além disso, é também fundamental superar o divórcio
entre banco e indústria. O desenvolvimento competitivo do
capitalismo brasileiro requer a aproximação - com sinergia e
alavancagem mútua - entre os sistemas financeiro e industrial. É
indispensável criar uma solidariedade saudável entre as duas
esferas, através de parcerias estáveis ou de participações
acionárias orgânicas, que induzam o capital bancário-financeiro a
dar suporte a investimentos competitivos e à reestruturação dos
grupos empresariais brasileiros, para que estes ganhem escala e
vitalidade para enfrentar os desafios do comércio e dos
investimentos em escala global.
Esta proposta de tornar interdependentes os segmentos
financeiro e industrial assenta-se na análise dos modelos bem-
sucedidos do capitalismo desenvolvido.
Ausência de Finanças Longas: Restrição Estrutural
A experiência internacional aponta duas vias alternativas
trilhadas pelos países capitalistas avançados para combinar
estabilidade monetária, crescimento, difusão de progresso técnico
e financiamento: ou construíram vinculação estreita entre bancos
e indústrias (Alemanha e Japão), ou dispuseram de um eficiente
mercado de capitais como base do padrão de financiamento (EUA e
Inglaterra). O processo de industrialização brasileiro efetivou-
se sem que se lograsse constituir um sistema de crédito
diversificado em termos de instrumentos e de prazos, capaz de
compatibilizar liquidez, estabilidade e investimento real, nem,
tampouco, implantar um mercado de capitais forte e abrangente,
para suprir os requisitos de financiamento interno.
Por não financiar a longo prazo, a não ser por canais
públicos, o sistema de crédito brasileiro é um fator de bloqueio
ao investimento industrial. O crédito privado no Brasil é caro e
concentrado no curto prazo. É pouco expressiva a oferta
voluntária de empréstimos de médio e longo prazos pelo sistema
bancário interno e, também, a possibilidade de financiamento por
emissão de ações e de outros títulos de dívida em face da
dimensão acanhada do mercado de capitais. Nos últimos anos, estes
problemas combinaram-se com a elevada liquidez do mercado de
curto prazo, fruto da persistente redução do endividamento das
empresas e da prática quase contínua de juros reais elevados como
instrumento de políticas gradualistas de controle inflacionário.
A ausência de um sistema de crédito diversificado e o
desajuste fiscal e financeiro do Estado constituem, portanto,
restrições básicas ao crescimento com estabilidade e com
reestruturação do sistema produtivo. Assim, o esforço de ajuste
fiscal e patrimonial do Estado só conduzirá à estabilização se
ocorrer, em simultâneo, uma ampla reforma das finanças da
economia, que supere a peculiaridade de um sistema de
financiamento centrado em instrumentos indexados e de curtíssimo
prazo, que rapidamente incorporam as inflações corrente e
esperada às taxas de juros.
135
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Os Círculos Viciosos e seu Rompimento
A persistência de juros reais altos induziu uma estratégia
de ajustamento das empresas centrada na redução drástica do
endividamento e na busca de excedentes líquidos, de forma a
transformar os juros altos em fonte de receita financeira. Desta
forma, do ponto de vista microeconômico, o juro alto não pode ser
tido apenas como fonte de custos e perda de competitividade para
a indústria. Em muitos casos, representa importante componente de
receita, além de constituir parâmetro central de cálculo para o
custo de uso do capital.
Agentes privados líquidos, desajuste intertemporal de
receitas e despesas públicas, existência de instrumentos
financeiros indexados e de curto prazo e emissão de títulos
públicos para financiar a contrapartida do influxo de divisas são
elementos suficientes para gerar taxas de inflação com grande
independência do comportamento real das variáveis macroeconômicas
fundamentais à formação de preços.
É indiscutível que o declínio da inflação é condição
necessária à diminuição do custo de capital. Entretanto, dada a
situação de regressão financeira em que se encontra a economia
brasileira, não é garantido que um processo de estabilização crie
automaticamente financiamento de longo prazo. As engenharias
financeiras ficam dificultadas em face da demanda diminuta por
créditos (apesar do potencial de investimentos ser elevado) e em
face da oferta de crédito ser inibida pela falta de horizontes de
longo prazo e, ainda, pela inexistência de uma fronteira dinâmica
de investimentos.
Em suma, não adianta atacar só os fatores que afetam a taxa
de juros se, paralelamente, não se produzir uma mudança nos
fatores que influenciam a eficiência marginal do capital, isto é,
as perspectivas de rentabilidade futura dos ativos reais. Esta
transição das expectativas em direção ao crescimento sustentável,
com efetivação de decisões de investimento, ditará o ritmo de
redução da taxa de juros compatível com o ajustamento simultâneo
do grau de liquidez sistêmico. A mudança de expectativas
condiciona, também, a possibilidade de desdobrar um espectro
temporal positivamente inclinado para a taxa de juro. A indução
das decisões de investimento, por seu turno, requer a
implementação de uma política de competitividade industrial. Como
instrumentos-chave dessa política destacam-se o crédito e a
reforma dos mercados financeiro e de capitais.
Liberalização Versus Constituição de uma Base Financeira Interna
Diante da globalização financeira é hoje impensável uma
reestruturação à margem do mercado de capitais mundialmente
integrado. O desafio é como montar uma estratégia de inserção que
atraia capitais de risco para investimentos fixos, contenha
mecanismos limitantes à especulação internacional e que, ao mesmo
tempo, sirva para promover o avanço tecnológico e o
desenvolvimento competitivo. É oportuno lembrar que a
liberalização cambial e financeira pode converter-se numa grande
armadilha que conduz a uma sobrevalorização estrutural da taxa de
136
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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câmbio. Mais ainda, ela pode inibir completamente o
desenvolvimento de uma base interna de financiamento de longo
prazo ao estimular uma irreprimível extroversão das operações de
endividamento dos agentes econômicos. Ao invés de auxiliar, ela
pode inviabilizar o desenvolvimento do sistema financeiro de
países como o Brasil. A liberalização financeira só pode ser útil
se for acompanhada pelo desenvolvimento de uma base financeira
doméstica diversificada e razoavelmente ampla. Por isso, é
necessário cercar de cautelas o processo de liberalização do
câmbio e das regras de financiamento.
Esta base financeira interna pode ser constituída através da
reorganização do sistema público de financiamento; da redefinição
do funding e das estratégias do sistema bancário, capacitando-o à
oferta de crédito e financiamento longos (securitizáveis); e da
dinamização dos investidores institucionais.
Neste contexto de redefinição, o processo de financiamento
das inversões deveria associar banco e indústria, criando novas
formas de parceria e/ou de participação societária em novas
estruturas corporativas. Contudo, o desenvolvimento de finanças
industrializantes não ocorreria na ausência da emissão e
contratação, pelo lado das empresas, de dívidas e financiamentos,
revertendo o processo deliberado e profundo de desendividamento
característico da década passada e expresso na Tabela 4, que
compara os níveis de leverage no Brasil e nos países
desenvolvidos.
TABELA 4
PAÍSES SELECIONADOS - SETOR EMPRESARIAL NÃO-FINANCEIRO
DÍVIDA TOTAL/ATIVO TOTAL
(Leverage)
1975-1989
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO 1975 1980 1985 1987
1989
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Alto-Endividamento
Japão 0,85 0,84 0,81 0,72
n.a.
Alemanha 0,65 0,66 0,63 0,62
0,60
França 0,70 0,69 0,71 0,67
n.a.
Itália 0,68 0,68 0,64 0,61
0,60
Baixo-Endividamento
EUA 0,45 0,44 0,48 0,51
0,52
Inglaterra 0,54 0,53 0,53 0,53
0,52
Canadá 0,61 0,59 0,58 0,57
0,56
137
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Brasil 0,53 0,54 0,46 0,42
0,31
Brasil 1000 SAs
Total 0,33 0,31 0,28
0,16
Capital Estrangeiro 0,25 0,19 0,15
0,10
Capital Nacional 0,23 0,12 0,13
0,10
Estatais 0,39 0,39 0,34
0,19
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: OECD Financial Statistics and National Flow-of-Funds Statistics, preparadas por C.E.V.
Borio para o B.I.S. (B.I.S. Economic Papers in 27-May 1990 - Leverage and Financing of
Non-Financial Companies).
Brasil (1000 SAs): Bacic & Carpintéro (1993), com dados da Conjuntura Econômica para o
ano de 1975.
Uma outra forma de retratar o afastamento entre banco e
indústria está expressa na Tabela 5, que demonstra o
significativo processo de contração dos empréstimos ao setor
privado como percentagem do PIB. Com a exceção de 1986 (Plano
Cruzado), quando a estabilização com aquecimento econômico e
permissividade nos controles de crédito ensejaram forte expansão
dos empréstimos (especialmente da categoria "outros"), observa-se
significativa retração na década de 80 e ligeira recuperação no
biênio 1992/93.
TABELA 5
BRASIL - EMPRÉSTIMOS DO SISTEMA FINANCEIRO AO SETOR PRIVADO
(EXCLUSIVE HABITAÇÃO) EM PERCENTAGEM DO PIB
1975-1993*
(%)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO INDÚSTRIA AGRICULTURA OUTROS** TOTAL
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1975*** n.d. n.d. n.d. 33,8
1980 11,5 5,8 10,8 28,2
1985 4,0 1,7 5,6 11,3
1986 5,6 3,4 12,6 21,6
1989 4,8 1,5 3,5 9,8
1990 5,1 2,0 3,4 10,5
1991 4,9 2,2 3,6 10,7
1992 6,2 2,6 5,4 14,2
1993**** 6,6 2,6 6,5 15,7
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
* Estoque do fim do exercício (dezembro).
** A categoria outros inclui comércio, serviços, financiamentos e pessoas físicas.
*** Para 1975, utilizou-se estimativa do total, adotando-se o IGP como deflator.
138
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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**** Refere-se a junho.
Fonte: Banco Central (elaboração ECIB).
Tampouco a viabilização da oferta de finanças longas pode
prescindir de reformas no atual marco institucional. Será
necessário assegurar um mínimo de retaguarda aos bancos privados
através de um sistema de refinanciamento, nucleado pelo BNDES,
para a eventualidade excepcional de descasamentos ou problemas de
serviço das operações de longo prazo, especialmente nas
conjunturas de recessão. Este sistema deve operar sob regras de
acesso bem delimitadas e dentro de tetos fixados com
transparência. Uma das formas pode ser a aquisição pelo BNDES de
papéis securitizados pelos bancos, tendo como lastro as suas
carteiras de ativos de longa maturação.
Mas, além das mudanças institucionais e do sistema de
suporte ao crédito e às operações longas de capitalização das
empresas industriais, é também indispensável reorganizar e
recuperar o sistema de crédito e de dívida pública, de forma a
garantir e ampliar o financiamento aos setores público e privado
(e às suas parcerias) com custos de capital substancialmente
reduzidos.
Medidas de Desbloqueio no Curto Prazo
O desbloqueio das restrições de financiamento poderia
iniciar-se, a curto prazo, a partir dos seguintes expedientes:
a) Ampliação de engenharias financeiras que objetivem tanto
transformar os ativos de longo prazo contra o setor público em
créditos detidos contra o setor privado, quanto reduzir o custo
de captação. Exemplos destas engenharias são a securitização de
debêntures lastreadas na venda futura de bens e serviços oriunda
da operacionalização de projetos concretos de investimento; a
securitização de papéis lastreados em ativos; a emissão de bônus
que podem ser trocados, num determinado prazo, por ações de uma
outra empresa - o BNDES, por exemplo, poderia emitir bônus com a
opção de trocá-los por ações de uma empresa por ele controlada; e
a venda de bônus com opção de compra de ações ou de ativos da
empresa emitente.
b) Continuidade do processo de ajuste patrimonial do Estado,
mas atentando para sua coerência com os objetivos básicos da
política de competitividade para cada um dos setores produtivos.
As soluções resultantes do Programa Nacional de Desestatização
devem considerar a conveniência de obter configurações
industriais competitivas e sustentáveis. Devem, também, gerar
externalidades e sinergias positivas para os setores a montante e
a jusante nas respectivas cadeias industriais. É neste contexto
que devem ser repensadas a orientação do Programa Nacional de
Desestatização e as moedas de privatização nele envolvidas (ver
Parte IV). As possíveis transformações dos ativos de longo prazo
contra o setor público detidos pelos bancos em créditos detidos
contra o setor privado devem subordinar-se a estes critérios
gerais de ajuste patrimonial.
139
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
c) Explorar de forma mais ampla as captações de longa
maturação no mercado internacional de crédito, como forma de
baratear o custo de capital. As empresas brasileiras poderiam,
por exemplo, utilizar o mercado de eurobônus através da emissão
de bônus conversíveis em ações. No vencimento, a empresa
liquidaria sua dívida em dinheiro ou, à opção do investidor,
daria ações como pagamento. Poderiam, ainda, trocar suas dívidas
por ações de outra empresa; ou, ainda, emitir bônus com warrants.
Trata-se de um bônus com uma parte destacável e transacionada no
mercado secundário que dá direito ao investidor de comprar ações
da empresa, fazendo com que a taxa de empréstimo se reduza.
Estas ações imediatas, embora sejam possíveis e necessárias
mesmo em um contexto inflacionário como o atual, estão longe de
ser suficientes à definição de um novo padrão de financiamento.
Para tal, faz-se mister a definição de um conjunto de reformas de
longo prazo que ensejem: o saneamento patrimonial e a redefinição
do perfil dos bancos públicos de desenvolvimento; o
desenvolvimento dos fundos de pensão, da seguridade privada, dos
fundos de seguro e do mercado de capitais; a diversificação de
instrumentos e prazos de operações dos bancos privados e a
operacionalização de financiamento conjunto de bancos públicos e
privados; o incentivo à formação de alianças bancário-industriais
sob a forma de estruturas corporativas inovadoras e o
aperfeiçoamento das operações de seguro e de garantia.
O Saneamento das Instituições Públicas
A necessidade de saneamento patrimonial e de redefinição do
perfil dos bancos públicos de desenvolvimento justifica-se à luz
de sua imprescindibilidade para determinadas operações e
atividades de elevado risco. Estas tem passado historicamente
pelas instituições especiais de crédito, que cumprem papel
específico mesmo em países onde o sistema financeiro privado e o
mercado de capitais já estão maduros. A deterioração financeira
dos bancos públicos brasileiros resultou da crise do setor
público e da interrupção das fontes externas de financiamento.
Tendo grande parte de seus ativos concentrados no setor público,
muitos bancos oficiais passaram a enfrentar problemas crescentes
de liquidez, tornando-se, freqüentemente, inadimplentes no
recolhimento das reservas bancárias.
O ponto principal a ser enfrentado é a necessidade de
reverter-se uma situação em que os bancos oficiais apresentam um
perfil deteriorado de ativos de longo prazo e em que não
encontram financiamento adequado dado o encurtamento de prazos
vigente nos mercados de captação. A recorrente negociação das
dívidas existentes contra o setor público, fruto da continuidade
da crise fiscal do Estado, impede que os ativos longos
gradativamente sejam amortizados, permitindo que os recursos
sejam canalizados para apoiar novas operações.
Neste sentido, a mera renegociação da dívida do setor
público junto aos bancos oficiais, embora necessária, não é
suficiente para reverter a situação destas instituições,
especialmente em um contexto recessivo em que as receitas
tributárias ficam estagnadas. O saneamento patrimonial destas
140
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
instituições deve ser procurado a partir de dois conjuntos de
medidas: 1) da consolidação das dívidas intra-setor público,
gerando redução dos estoques de ativos existentes; 2) da
transformação dos ativos de longo prazo contra o setor público
detidos pelos bancos em participações acionárias ou em créditos
longos detidos contra o setor privado, nos moldes das operações
envolvendo as moedas de privatização no âmbito do Programa
Nacional de Desestatização.
Em paralelo a este tipo de operação, gerou-se um mercado
secundário de moedas de privatização, negociadas com deságios,
onde passou a ser possível obter liquidez na venda de ativos
anteriormente ilíquidos. Sendo possível, por exemplo, adquirir
moedas de privatização com financiamentos longos, pode-se
combinar uma compra a prazo destas moedas por uma empresa privada
com uma venda à vista das mesmas no mercado secundário, obtendo-
se um financiamento de longo prazo. A compra de moedas de
privatização a prazo pode ser feita também por empresa que busque
refinanciar passivos de curto prazo junto a bancos e
fornecedores, os quais podem converter tais moedas em liquidez no
mercado secundário.
A importância dos expedientes acima está em possibilitar o
financiamento de longo prazo, melhorando, ao mesmo tempo, a
situação patrimonial das instituições financeiras públicas. A
viabilidade destas operações depende da transformação da dívida
pública bancária em títulos negociáveis (registrados na CETIP) e
do desenvolvimento de um mercado secundário que dê liquidez a
estes papéis.
No contexto dos bancos públicos, cabe especial destaque ao
BNDES, instituição-chave à implementação de uma política
industrial de corte vertical. Para tanto, é imprescindível
equacionar de forma duradoura e estável suas fontes de funding e
possibilitar a revisão das restrições existentes aos empréstimos
para o setor público (por exemplo, aos setores de energia
elétrica e de telecomunicações). Estas condições são necessárias
para que o Banco possa implementar políticas por cadeias
industriais, empreender fomento a networkings e voltar a
financiar projetos de infra-estrutura, apoiando as parcerias
público-privadas que deverão emergir nestas atividades.
No caso dos grandes projetos de infra-estrutura nos
segmentos de energia e de transporte, dada a dificuldade de se
viabilizar financiamentos para as empresas estatais
sobreendividadas, é necessário buscar avançar no project
financing, ou seja, criar instrumentos financeiros securitizados
cujo retorno é vinculado ao próprio projeto. A obtenção de
recursos internos seria mais viável adotando-se o financiamento
vinculado ao empreendimento, servindo de lastro à emissão de um
título negociável (debênture), eventualmente garantindo-se um
prêmio ao investidor caso a rentabilidade do empreendimento
superasse a mínima garantida por lei.
Investidores Institucionais: Base das Finanças Longas e do
Mercado de Capitais
141
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Outro ponto vital, na constituição de finanças
industrializantes, é o papel que pode ser desempenhado pelos
investidores institucionais. A observação da experiência
internacional revela que os fundos de pensão e as companhias
seguradoras, como também os fundos de investimento de curto
prazo, têm rapidamente ocupado o papel outrora praticamente
exclusivo dos bancos no financiamento de longo prazo.
O crescimento do patrimônio dos fundos de pensão - ao lado
dos demais investidores institucionais - é fundamental para dar
sustentação ao alongamento de prazos e ao crescimento do processo
interno de securitização. Neste sentido, será necessário
implementar um sistema de previdência complementar obrigatório em
regime de capitalização com formato de contribuição definida;
estimular os regimes de previdência complementar abertos e
fechados voluntários e avançar na definição dos fundos de
previdência complementar em regime de capitalização do setor
público estadual, ligados à implementação do regime único do
funcionalismo. O crescimento do patrimônio destes fundos é
fundamental para dar sustentação ao crescimento do processo
interno de securitização.
A organização de entidades próprias de previdência privada
por grandes grupos pode e deve ser estimulada: embora pequenas
num primeiro momento, elas poderão transformar-se com o decorrer
do tempo em fontes de capitalização estável, a longo prazo,
ampliando a capacidade da instituição financeira própria do
grupo. A organização de entidades de previdência privada
complementar para um conjunto de empresas médias pode ser
estruturada, em bases associativas, sob a liderança da
instituição financeira.
Ao lado da definição quanto à previdência complementar, é
importante ter em consideração o papel dos fundos de curto prazo
(FAF e FIC) na alavancagem do investimento produtivo. A
importância destes fundos está em possuírem dimensionamentos
ligados ao financiamento da competitividade industrial (10% do
patrimônio do FAF destinados à compra de Títulos de
Desenvolvimento Econômico) e ao setor agropecuário (25% do
patrimônio do FIC destinados à aquisição de títulos mercantis
representativos de commodities).
O desenvolvimento dos fundos deve ocorrer em paralelo com um
maior dinamismo do mercado de capitais. Destaca-se a importância
de se proceder a um duplo movimento: de um lado, a liberalização
externa monitorada com cautela e a desregulamentação do mercado
de capitais de modo a torná-lo mais atrativo e eficiente; de
outro, um maior rigor contra práticas especulativas lesivas, que
contribuem para afastar o pequeno e o médio investidor. A
experiência internacional recomenda, ainda, uma legislação
rigorosa contra o uso da informação privilegiada (insider
trading), como um dos expedientes fundamentais para dar
credibilidade ao mercado acionário.
Vale, ainda, destacar o papel fundamental do mercado de
capitais na transferência e transformação de riscos, aspecto
decisivo em decorrência da situação brasileira de desequilíbrio
142
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
patrimonial entre os setores público e privado. Neste contexto,
entende-se que o conceito de securitização de recebíveis assume
importância vital. A essência do conceito é que uma empresa que
não seja um excelente risco pode, entretanto, ter parte de seus
ativos ("os recebíveis") líquidos e de risco reduzidos ou
tornados praticamente nulos. Os recebíveis são transferidos para
uma outra pessoa jurídica (special purpose company), ficando como
lastro da emissão de debêntures inteiramente garantidas pelos
fluxos de receitas dos recebíveis. Esta tática pode viabilizar o
financiamento das concessionárias do setor público, vinculado a
projetos de investimento a partir da securitização de recebíveis
como contas de luz e água; a utilização de parte das reservas
internacionais como garantia de emissão de títulos de longo prazo
no mercado internacional para financiamento de projetos de infra-
estrutura e a securitização das carteiras de empréstimos de longo
prazo dos bancos oficiais e privados, como critério para
beneficiar-se de redesconto seletivo junto ao Banco Central.
O desenvolvimento de um mercado interno de bônus, debêntures
e papéis securitizados requer a existência de um sistema seletivo
de refinanciamento de liquidez que lhes assegure credibilidade.
Eventualmente nucleado pelo BNDES, com o suporte do Banco
Central, este sistema permitirá que esses títulos possam
gradativamente ser aceitos para compor o porta-fólio de fundos de
investimento e dos demais investidores. Imagina-se que o recurso
a esse sistema seletivo deva ser, tal como verificado no contexto
internacional, um expediente transitório, que tenderá a perder
importância a partir do momento em que houver crescimento da
poupança financeira e em particular dos investidores
institucionais.
O Papel do Crédito Bancário
O suporte ao investimento produtivo não pode depender
unicamente da emissão direta de títulos de dívida das empresas ou
de capitalizações efetuadas através de operações de underwriting.
Este tipo de financiamento é conveniente e acessível às empresas
líderes, consideradas como "bom" risco pelos mercados. Para as
empresas não-líderes ou para empresas novas, pouco conhecidas
(ainda que de elevado potencial), este tipo de captação direta de
recursos não é possível a custos razoáveis. É, portanto,
indispensável o desenvolvimento de linhas de crédito de longo
prazo para apoiar os investimentos privados. Nos países
desenvolvidos, onde as operações de endividamento empresarial
direto, através de papéis securitizados, cresceram
substancialmente, o crédito bancário ainda continua representando
um papel fundamental. No caso brasileiro, parece sensato o
caminho misto, isto é, estimular a emissão direta de dívidas pela
via da securitização e desenvolver, simultaneamente, operações
longas de crédito pelo setor bancário privado.
A estabilização da economia oferece uma base mínima para
iniciar este processo, na medida em que provoque um forte
movimento de remonetização. Este movimento precisa ser
neutralizado pelo Banco Central para evitar expansão exagerada do
crédito de curto prazo. O instrumento adequado para esse fim é a
143
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
taxa de depósito compulsório sobre a base de depósitos à vista do
sistema bancário.
No entanto, considerando que a estabilização deve induzir
novos investimentos (para que ela própria se fixe e seja bem-
sucedida), coloca-se a questão de como oferecer funding adequado.
Assim, o controle do crédito não deve ser estéril, sendo
conveniente direcioná-lo para investimentos dos setores
prioritários da política de competitividade industrial, com
operações de prazo longo e juros compatíveis. Para isso, é
necessário que a regulamentação legal permita a imposição de
controles quantitativos e a fixação de obrigatoriedades, em
termos de prazos, tipos de operação e prioridades setoriais.
A indução à realização de operações longas numa determinada
proporção pelos bancos privados não deve, entretanto, penalizá-
los. É conveniente assegurar a criação de um mecanismo de suporte
para a eventualidade de descasamentos e/ou de dificuldades de
serviço desses créditos longos, notadamente nas conjunturas de
recessão. O BNDES poderia ser o núcleo desse sistema de
refinanciamento, cuja utilização deve ser excepcional e seletiva,
com critérios de acesso bem definidos. Este papel é natural, na
medida em que o BNDES tem experiência na administração de
carteiras de longa maturação e, também, na medida em que venha
desenvolver operações em parceria com o sistema bancário privado,
em regime de cofinanciamento ou de emissão de garantias.
É evidente que o BNDES deve ter, antes, estabilizado suas
fontes próprias de funding, que não devem ser inadvertidamente
desmontadas pela reforma tributária. A plena operação desse
sistema certamente exigirá que o Banco Central lhe ofereça
suporte, se necessário, dentro de regras estritas e garantidas.
Outra área relevante para a ampliação dos mercados internos,
necessária à competitividade em vários setores, é o desdobramento
de operações de crédito aos consumidores, usuários e clientes,
sob diversas modalidades, em condições acessíveis.
144
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
PARTE II: DIMENSÃO EMPRESARIAL DA COMPETITIVIDADE
145
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1. INTRODUÇÃO
A relativa inadequação da estrutura empresarial brasileira
aparece com clareza em várias dimensões: a) no perfil setorial
pouco diversificado e convencional dos grupos econômicos
nacionais e seu pequeno tamanho relativo, no plano mundial, em
termos de patrimônio ou de faturamento; b) no divórcio entre
banco e indústria, com ausência de crédito e de mecanismos de
financiamento de longo prazo, com taxas de juros compatíveis;
c) no nível deficiente de capacitação e desempenho produtivo e na
herança de estruturas hierárquicas de gestão avessas à
participação dos trabalhadores e à integração horizontal das
atividades departamentalizadas na maioria das empresas,
especialmente pequenas e médias; d) nos obstáculos à cooperação
entre produtores e fornecedores ou entre produtores e usuários;
e) na rarefação da capacidade inovativa.
Apesar de um promissor movimento de mudança, essas
características ainda são predominantes. Este movimento positivo
de transformação deve ser, entretanto, acelerado. Como será visto
adiante, a indústria brasileira, apesar de mover-se em direção às
novas formas de organização gerencial e produtiva, o faz a partir
de patamares insatisfatórios e com velocidade insuficiente. Com a
exceção de um número reduzido de empresas líderes, os grupos
empresariais não parecem ainda preparados para a magnitude dos
riscos e desafios colocados pela rápida mudança tecnológica,
forte pressão competitiva global e crescentes exigências dos
usuários.
Mas, antes de enveredar em recomendações de reforma do
sistema empresarial brasileiro, é indispensável entender o modelo
emergente de empresa competitiva e analisar o ajuste recente da
indústria no contexto da instabilidade macroeconômica dos anos 80
e início dos 90.
Todavia, é preciso enfatizar que, ao longo do ECIB, o
retrato que se fixa é o de um sistema industrial que, apesar das
imensas dificuldades macroeconômicas e políticas e da adoção
forçada de estratégias defensivas, demonstrou notável capacidade
de adaptar-se e de renovar-se com vitalidade. Fica a sensação de
que a economia industrial brasileira amadureceu na crise e que
está preparada para retomar o desenvolvimento competitivo se
contar com um Estudo capaz de ordenar a estabilização,
reorganizar o financiamento e coordenar de forma benigna os
fatores sistêmicos da competitividade.
146
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2. O NOVO MODELO DE EMPRESA
Durante as três décadas subseqüentes à 2ª Guerra Mundial, as
economias de escala na produção e na distribuição em massa de
bens padronizados, sob a liderança e hegemonia do "sistema
americano", ensejaram à grande corporação empresarial inegável
sucesso. Regimes administrativos hierarquizados e divisão
especializada de tarefas resultaram em grandes empresas
multidivisionais, subdivididas em pirâmides multidepartamentais,
com vários níveis de supervisão, linhas verticais de comando e
baixo grau de comunicação horizontal.
Nos anos 80, contudo, a emergência de um novo formato
organizacional compatibilizou grandes escalas com a possibilidade
de diferenciar e sofisticar produtos e tornou obsoletas as
organizações fortemente verticalizadas e hierarquizadas. O Quadro
1 ilustra algumas das características destas mudanças.
QUADRO 1
EVOLUÇÃO DO FORMATO ORGANIZACIONAL DAS EMPRESAS COMPETITIVAS
Processos Decisórios
Crescente descentralização
Decrescente número de níveis hierárquicos
Crescente participação dos trabalhadores nas decisões e nos ganhos das empresas
Fluxos de informação
Horizontalização
Crescente intensidade
Produtos
Crescente atendimento às especificações dos clientes
Crescentes esforços de desenvolvimento
Processos Produtivos
Busca de melhoria contínua
Crescente flexibilidade
Baixos níveis de estoques
Menores tempos mortos
As mudanças em curso têm um eixo, a cooperação: a) dentro das
unidades fabris, a cooperação com e entre a força de trabalho,
materializada em uma nova atitude gerencial e em técnicas de
organização celular dos processos de trabalho; b) entre empresas,
pela formação de sistemas de cooperação em rede (networks) entre
fornecedores e produtores, entre produtores-usuários-consumidores
e até entre empresas rivais em torno a projetos pré-comerciais de
desenvolvimento tecnológico.
147
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A cooperação é uma maneira inovadora de lidar com as
"imperfeições" de mercado: isto é, as relações de mercado são,
por essência, baseadas nos interesses individuais das empresas
participantes e, portanto, são antagônicas, não-cooperativas.
Apesar de atuarem como forma não-coercitiva (não-burocrática) de
coordenação econômica, os mercados não funcionam,
automaticamente, como indutores de cooperação. A formação de
redes de cooperação enseja, portanto, a possibilidade de
desenvolvimento de novas formas de organização empresarial,
superiores àquelas baseadas em hieraquias verticalizadas. A
cooperação auto-responsável é superior à supervisão-
hierarquizada, pois:
a) permite a supressão de vários níveis de gerência
intermediária e supervisão, na medida em que os trabalhadores
assumem a responsabilidade de otimizar os fluxos de produção e na
medida em que se concretize a descentralização dos processos
decisórios;
b) possibilita a desverticalização de atividades produtivas
e de serviços, dada a formação de nexos estáveis de cooperação
com fornecedores;
c) viabiliza respostas mais velozes e adequadas às
necessidades dos usuários/consumidores (redução dos lead-times);
d) propicia a redução das incertezas tecnológicas e
inovacionais e acelera o desenvolvimento de novos
processos/produtos na medida em que se conjuguem recursos e
especializações em torno a projetos pré-comerciais de P&D;
e) enseja a descentralização de responsabilidades com a
participação e engajamento dos trabalhadores, a partir do chão-
de-fábrica, na busca de ganhos de produtividade e qualidade;
f) intensifica a comunicação horizontal com redução da
departamentalização rígida e o incremento das relações entre as
funções de marketing, desenvolvimento, engenharia, produção,
suprimento.
Em resumo, este conjunto de características sublinha a
inequívoca obsolescência do modelo vertical-hierarquizado de
organização empresarial. Os desafios competitivos contemporâneos
impõem à gestão empresarial a tarefa de definir, implementar
políticas - de organização e operação - indutoras de
comportamentos orientados para a melhoria contínua de produtos e
da eficiência de processos. A busca de melhoria contínua implica
uma gestão empresarial comprometida com investimentos permanentes
em aprendizado.
Neste contexto, são necessárias ações explícitas para que a
força de trabalho esteja orientada para criar, adquirir e
transformar conhecimentos, e modificar comportamentos para
incorporar novos conhecimentos. A participação extensiva e
intensiva da força de trabalho nos processos de aprendizado
requer a ampla disseminação de atitudes empreendedoras em toda a
organização.
148
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
3. ESTRUTURAS VITORIOSAS E AS DEFICIÊNCIAS BRASILEIRAS
É inegável o sucesso e a rápida difusão do novo modelo de
organização e gestão. O mesmo não se pode dizer quanto à
estrutura e ao perfil de atividades de grandes grupos econômicos.
Sob condições iguais de gestão, são mais dinâmicas e competitivas
as estruturas financeiramente sólidas, com um perfil de
atividades que gera sinergias internas. Os sistemas empresariais
competitivamente vitoriosos são aqueles em que a excelência da
gestão se combina com duas características específicas da
estrutura: a) centralização do capital em grupos multissetoriais
com forte presença de indústrias líderes em crescimento e em
inovação tecnológica (por exemplo, complexo eletrônico);
b) articulação solidária entre banco e indústria, com a
organização bancária funcionando como "pulmão" financeiro do
grupo multissetorial.
O perfil multissetorial de atividades com forte presença de
segmentos líderes em matéria de inovação e crescimento permite a
criação recorrente de novos projetos e oportunidades de
investimento. A articulação com o setor financeiro fornece o
suporte necessário para concretizá-los. Como resultado, os grupos
empresariais competitivos são dinâmicos - crescem, mantém a
rentabilidade e ocupam novos espaços.
Essas estruturas empresariais praticam estratégias centradas
na inovação, seja para capturar mercados pela introdução de novos
produtos (e, concomitantemente, de novos processos), seja para
reduzir lead times, seja para produzir com máximo yield físico
para poder competir em preços (quando necessário). A busca de
sinergia interna, através de redes horizontais de informação e
comunicação, dentro de um perfil de atividades industriais e de
serviços que se complementam e se reforçam mutuamente, emerge
como objetivo central dos grupos econômicos modernos.
No Brasil, a estrutura empresarial é muito heterogênea.
Empresas estrangeiras de todos os portes e origens atuam em todos
os setores, comandando os mais dinâmicos. As empresas estatais
começam a se retirar da cena da produção e o setor privado passa
a ocupar novos espaços. Mesmo assim a presença estatal, no
Brasil, ainda continuará sendo relevante no futuro em vários
setores produtivos ou de infra-estrutura, como produtor,
operador, concessionário, gestor ou controlador. As empresas
nacionais estão presentes na maioria dos setores mas,
relativamente às empresas de outros países, elas são de menor
porte, têm prevalência em setores tradicionais, não estão
associadas ao setor financeiro e apresentam baixo nível de
capacidade em gestão. Estas características serão detalhadas a
seguir.
O formato organizacional das empresas estrangeiras,
naturalmente, corresponde ao padrão da casa matriz e a
diversidade de origens implica diversidade de orientações
organizacionais. Estas empresas vieram para o Brasil para
explorar oportunidades do mercado interno e aquelas que
direcionam suas vendas para outros mercados o conseguiram por
149
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
construir sólidas bases produtivas internas. Estas empresas
demonstram intenção de permanecerem no país e, nos últimos anos,
têm realizado esforços de modernização.
No longo prazo, a extensiva internacionalização da produção
local pode ser vista como fonte de oportunidades para o
desenvolvimento competitivo do país, desde que aqueles fatores
que sustentam a competitividade a longo prazo (investimento fixo
e em inovação tecnológica) sejam priorizados pelas filiais
estrangeiras. Neste sentido, todas as ações destinadas a
"enraizar" ainda mais estas empresas no país devem ser
incentivadas. No atual estágio de evolução industrial, atenção
especial deve ser dada aos investimentos que produzam
externalidades positivas para fornecedores locais e aos
dispêndios locais em automação, novas técnicas organizacionais e
pesquisa e desenvolvimento.
A contribuição das empresas estatais para o desenvolvimento
competitivo do país não é desprezível. Do ponto de vista de sua
área de atuação, elas devem se preparar para enfrentar mercados
crescentemente abertos à competição, mesmo que estes sejam
sujeitos a regulações. Adequar-se aos fatores de sucesso
competitivo de seus mercados necessariamente implicará mudanças
nos formatos organizacionais destas empresas.
As empresas estatais, salvo honrosas exceções, apresentam
sérios problemas relativos à intermitência da gestão executiva,
pela utilização extensiva de critérios político-partidários na
definição de postos de dirigentes. Neste contexto, é importante
que a gestão das empresas estatais seja profissionalizada, no
sentido de dotá-las de um corpo dirigente estável e tecnicamente
habilitado, sejam estes originários ou não dos quadros de
empregados. O formato organizacional das estatais não tem porque
não evoluir na direção da empresa competitiva contemporânea:
buscar melhoria crescente por meio do investimento no aprendizado
contínuo. O poder de compra das estatais constitui instrumento
poderoso de desenvolvimento de fornecedores aptos. Isto requer
políticas de compra que privilegiem insumos com atributos que
favoreçam a competitividade das empresas estatais.
O contraste da situação da estrutura empresarial do setor
privado nacional, principalmente as empresas líderes, em face das
tendências acima descritas, torna inequívoco o atraso brasileiro.
Este atraso pode ser constatado pelo pequeno tamanho absoluto e
relativo dos grupos empresariais de capital nacional, em termos
de vendas ou de patrimônio. Também existem deficiências
relacionadas ao perfil setorial pouco diversificado, composto por
atividades industriais convencionais, com a conspícua ausência
dos setores motores da inovação tecnológica.
Os grupos empresariais nacionais, que já eram relativamente
pequenos em dimensões comparativas internacionais (em termos de
patrimônio e de faturamento) no fim dos anos 70, tornaram-se
ainda mais defasados quando comparados aos grupos empresariais
dos países desenvolvidos ou, até mesmo, aos grandes grupos de
países de industrialização recente, como a Coréia (Tabelas 1 e
2).
150
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
TABELA 1
FATURAMENTO DAS GRANDES EMPRESAS COREANAS
1980, 1985 e 1992
(US$ milhões)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
EMPRESA 1980 1985 1992
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Samsung 3.798 14.193 49.560
Daewoo nd 8.698 28.334
Lucky-Goldstar 4.452 9.860 nd
Sugyon Group 1.708 3.689 14.610
Hyundai 5.540 14.025 8.606
Pohang Iron & Steel 1.568 2.376 7.881
Sunkyong 1.449 6.437 14.530
Hyonsung 1.950 2.390 6.335
Korea Explosives 1.201 2.750 nd
Kia Motors nd nd 4.385
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Fortune.
TABELA 2
FATURAMENTO DAS GRANDES EMPRESAS BRASILEIRAS
1980, 1985 e 1992
(US$ milhões médios)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
EMPRESA 1980 1985 1992
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Votorantim 1.097 1.081 2.097
Ipiranga 1.843 nd 2.090
Klabin 275 420 1.622
Hering 424 937 1.510
Sadia 425 832 1.490
Brasmotor 96 426 1.192
Gerdau 518 630 1.149
Cofap 142 208 844
Vicunha 174 382 799
Villares 387 388 688
Antartica 300 307 670
Suzano 241 217 484
Ultra 277 105 355
Dedini 184 218 282
Alpargatas 513 501 nd
Perdigão 185 317 nd
Machline 245 234 nd
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Gazeta Mercantil.
Mais significativa, porém, é a comparação dos perfis de
atividades. O sistema empresarial das economias líderes apresenta
151
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
uma forma multissetorial de concentração onde é marcante a
presença dos segmentos industriais irradiadores da inovação
econômica. Por exemplo, um grande número de grupos empresariais
japoneses contém dentro de si uma configuração específica do tipo
"complexo eletrônico", abrangendo os equipamentos de automação,
microeletrônica, bens de consumo eletrônico, equipamentos de
processamento de dados, de telecomunicações, etc. Contam,
ademais, com atividades "convencionais" em indústrias que mantém
dinamismo de mercado acima da média, tais como a automobilística
e petroquímica. Configuram, portanto, grupos empresariais dotados
de elevado grau de sinergia interna, seja na dimensão tecnológica
(e técnica), expressa pela complementaridade das suas atividades
industriais e de serviços; seja na dimensão gerencial-
organizacional, pela elevada intensidade de cooperação,
intragrupo, em vários planos. Os chaebols coreanos vêm copiando
este tipo de estrutura, perseguindo um processo de diversificação
"virtuoso" com forte prioridade para a busca de sinergias
internas.
Ao fim dos anos 70, antes da grande crise dos 80, a
estrutura empresarial brasileira ainda não havia sequer
desenvolvido os atributos do modelo multidivisional de gestão
profissionalizada. Muito embora a profissionalização estivesse
avançando em áreas especializadas (por exemplo, finanças,
marketing, produção), ainda predominava o comando familiar sobre
as empresas e grupos econômicos nacionais. A peculiaridade da lei
brasileira das sociedades anônimas (possibilidade de dois terços
de ações preferenciais sem direito a voto) consagrou um regime
fechado e pouco contestável de controle das grandes empresas de
capital aberto. Assim, o modelo hierárquico-verticalizado foi
sendo implantado com características conservadoras, sem que se
desenvolvessem estruturas corporativas modernas.
152
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
4. O SENTIDO DEFENSIVO DAS ESTRATÉGIAS
Nos anos 80, a forte crise cambial, a estagnação econômica
com inflação crescente, a incerteza e os juros elevados induziram
a um processo de ajuste das empresas líderes cujas
características são bem conhecidas: retração dos investimentos,
desendividamento deliberado, ampliação das exportações,
acumulação de recursos líquidos e realização de receitas não-
operacionais.
Este ajuste reativo-defensivo não contribuiu para acelerar a
modernização das estruturas e dos padrões de gestão. Com exceção
das empresas que obtiveram considerável sucesso exportador,
fixaram-se as características conservadoras já descritas. Mesmo
assim, alguns poucos grupos econômicos tentaram evoluir em
direção a um perfil dinâmico de atividades intensivas em
inovação. No decorrer dos anos 80, dos 23 maiores grupos
nacionais, 9 avançaram em direção a setores intensivos em
tecnologia. No entanto, em face do agravamento da instabilidade
macroeconômica na segunda metade dos anos 80, 5 destes
retrocederam intensamente nestas estratégias, enquanto os outros
4 tiveram suas posições fragilizadas (Ruiz, 1993). De outro lado,
foi restrita a difusão das inovações organizacionais - não mais
que duas centenas de empresas líderes iniciaram movimento de
modernização produtiva e de suas estruturas administrativas
ainda na segunda metade dos anos 80.
A grande mudança de sinalização, legislação e indução
governamental no início dos anos 90 (retórica neoliberal,
abertura comercial, desregulamentação, re-regulamentação,
privatização, etc.), simultânea à forte recessão que permeou o
primeiro triênio da década, acelerou uma nova etapa de
significativo ajuste do sistema empresarial.
Neste contexto, a indústria brasileira revela estratégias
muito sensíveis a um mercado fortemente afetado pela
instabilidade econômica. Os dados da pesquisa de campo do ECIB
mostram que a retração do mercado interno foi considerada pelas
empresas como o principal fator determinante das estratégias
empresariais, seguido do grau de exigência dos consumidores
(Tabela 3).
A sobrevivência obrigou à rápida implementação de ajustes -
vários deles cirúrgicos, abruptos e emergenciais - em três
planos: a) redução dos níveis hierárquicos, com substancial
reorganização e enxugamento das estruturas administrativas,
buscando-se absorver velozmente o novo modelo de organização
empresarial; b) reestruturação produtiva com adoção de novas
técnicas de produção enxuta e compacta e novos lay-outs, visando
reduzir estoques, aumentar eficiência e qualidade e obter
flexibilidade; c) seleção das linhas de produtos, visando a
concentração nas áreas de competência (core competences)
comprovada, abandonando-se produtos/linhas de baixa escala e/ou
de reduzido potencial competitivo, dada a perspectiva de abertura
comercial.
153
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
TABELA 3
AMOSTRA DE EMPRESAS - FATORES DETERMINANTES DAS ESTRATÉGIAS
(Nº Total de Respondentes = 614)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PRINCIPAL MOTIVAÇÃO DA ESTRATÉGIA COMPETITIVA % DE EMPRESAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Retração do mercado interno 71,8
Avanço da abertura comercial no setor de produção da empresa 21,8
Avanço da abertura comercial nos setores compradores da empresa 11,1
Crescente dificuldade de acesso a mercados internacionais 13,2
Globalização dos mercados 26,4
Formação do Mercosul 20,0
Novas regulamentações públicas 12,4
Surgimento de novos produtos no mercado interno 17,4
Surgimento de novos produtores no mercado interno 14,0
Exigência dos consumidores 49,5
Elevação das tarifas de insumos básicos 22,0
Diretrizes dos programas governamentais 8,1
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
É evidente que esse tipo de ajuste estratégico, nos três
planos, implicou supressão não-reversível de postos de trabalho,
estabelecendo-se uma tensão entre desemprego e preservação da
capacidade competitiva (sobrevivência) do sistema empresarial.
As estatísticas oficiais (IBGE) mostram que o nível de
emprego industrial é, hoje, semelhante ao de 1970 e muito
inferior ao nível máximo, atingido em 1980. Recentemente (1992-
93), a recuperação do nível da produção industrial final foi
alcançada sem recuperação do nível de emprego, o que se traduziu
no aumento da produtividade física pelo terceiro ano consecutivo.
Este aumento de produtividade está parcialmente associado à
modernização industrial e à disseminação de novas práticas
gerenciais mas, também, ao aumento - em alguns casos muito
expressivo - de insumos e componentes intermediários importados.
Neste contexto, as empresas, apresentando cautela nos
investimentos em capital fixo, privilegiam investimentos em
modernização, em contraposição àqueles destinados à expansão de
capacidade (Tabela 4).
TABELA 4
AMOSTRA DE EMPRESAS - DIREÇÃO DO INVESTIMENTO
1992
(Nº Total de Respondentes = 483)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
TIPO DE INVESTIMENTO % DE RESPOSTAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Modernização 63
Ampliação 26
154
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Ambos 11
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
Os planos de investimento das empresas líderes do painel de
empresas investigado pelo ECIB revelam que, no futuro próximo,
tais empresas não esperam modificações substanciais no quadro
atual. Conforme ilustra a Tabela 5, estas empresas mantêm e
esperam manter estáveis os níveis de investimento em capital
fixo. Este quadro revela que são poucas as perspectivas de
crescimento quantitativo. Como será observado ao longo deste
trabalho, o estágio de desenvolvimento da indústria brasileira
requer, para os próximos anos, mudanças qualitativas nos
procedimentos de compra/produção/venda, de modo a otimizar a
capacidade produtiva existente.
TABELA 5
AMOSTRA DE EMPRESAS - INVESTIMENTO MÉDIO NAS EMPRESAS LÍDERES
1990-1998
(Nº Empresas Líderes Respondentes = 166)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
PERÍODO VALOR (US$ mil) VARIAÇÃO %
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1990/92 37.206
1993/95 36.244 -2,59
1996/98 35.735 -1,40
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
Neste quadro, não causa surpresas o fato de as empresas se
apoiarem em recursos próprios para financiar seus investimentos
(Tabela 6). É muito tímida a disposição da indústria de buscar
alternativas no sistema financeiro, principalmente as formas mais
avançadas de financiamento, como captar recursos no mercado
externo, ainda um campo restrito a poucas empresas nacionais.
Este quadro é, ao mesmo tempo, negativo e positivo. Por um lado,
esta preferência por recursos próprios revela limites restritos à
disposição ao investimento. Por outro lado, caso ocorra reversão
de expectativas com aumento do grau de confiança do empresário
nas perspectivas da economia brasileira, as empresas demonstram
ter espaço para se endividarem (com fins de investimento), sendo,
potencialmente, de baixo risco para o sistema financeiro.
TABELA 6
AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIA DE FINANCIAMENTO DOS
INVESTIMENTOS EM CAPITAL FIXO
(Nº Total de Respondentes = 644)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO % DE RESPOSTAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Apoiar-se em recursos gerados pela linha de produtos 74
155
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Apoiar-se em recursos gerados por outras áreas do grupo 16
Recorrer ao crédito público 27
Recorrer ao crédito privado interno 24
Recorrer ao crédito externo 17
Recorrer a joint-ventures 6
Captar recursos nos mercados de valores internos 11
Captar recursos nos mercados de valores externos 4
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Nota: A soma das percentagens ultrapassa 100% em virtude de múltiplas respostas permitidas.
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
Em resumo, o desajuste macroeconômico e a instabilidade nos
anos 80 e a forte recessão no primeiro triênio da década de 90
não permitiram a adoção de estratégias "ofensivas" de
modernização acelerada do sistema empresarial brasileiro: a
estrutura dos grandes grupos nacionais não avançou em direção a
um perfil moderno de atividades de elevada densidade tecnológica
e de rápido crescimento; aprofundou-se o divórcio entre banco e
indústria; o tamanho econômico dos grupos de capital nacional
praticamente não cresceu - em contraste com as grandes empresas
de outros países em desenvolvimento.
O sentido "defensivo" das estratégias empresariais não deve,
entretanto, ser interpretado como paralisia e incapacidade de
adaptação. Ao contrário, as empresas reagiram com grande
velocidade às oscilações do quadro econômico e às sinalizações do
sistema político-institucional. Deve-se salientar, porém, que as
medidas de ajuste adotadas pouco contribuíram para a correção das
dificiências mais graves do sistema empresarial brasileiro. A
fragilidade desse sistema vis-à-vis os rivais tenderá, pelo
contrário, a agravar-se, a menos que as empresas alterem a
orientação geral do ajuste e adotem estratégias que priorizem a
reorganização e a gestão competitivas, a capacidade de inovação,
a eficiência produtiva, a capacitação de recursos humanos e a
cooperação com os trabalhadores.
156
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
5. RECOMENDAÇÕES ÀS EMPRESAS E PROPOSTAS DE POLÍTICA:
AVANÇAR EM DIREÇÃO À GESTÃO COMPETITIVA
ORGANIZAÇÃO E GESTÃO
Nos setores situados na base dos complexos metalmecânico,
agroindustrial, celulose, química e material de construção, a
existência de empresas nacionais é extensiva. Para estas, o
desafio competitivo está em mover-se para segmentos de mercado de
maior valor agregado. Ao evoluírem nesta direção, a concorrência
será crescentemente acirrada. Mesmo assim, existem amplas
oportunidades para serem capturadas, pois as empresas têm porte
econômico significativo e experiência nos mercados (inclusive
internacionais), já que um grande número delas tem inserção
internacional positiva. A manutenção do sucesso competitivo, no
entanto, implica organizações mais intensivas em esforço
tecnológico e vendas, incluindo alianças comerciais e
tecnológicas e atração de capital de terceiros no país e no
exterior.
No complexo eletrônico e na indústria de bens de capital,
convivem empresas estrangeiras, especializadas ou de grande porte
e diversificadas, e empresas nacionais, em geral verticalizadas e
diversificadas mas desconectadas de grandes grupos econômicos ou
casas bancárias, salvo exceções bem conhecidas, como no caso de
algumas empresas eletrônicas e de bens de capital. Em geral, para
as empresas nacionais ainda prevalecem organizações familiares e
formatos empresariais competitivamente incipientes. O desafio
competitivo para estas empresas não é trivial, implicando
processos de fusão, especialização, busca de parcerias com outras
empresas, inclusive estrangeiras ainda ausentes do mercado
brasileiro, e incremento da capacidade de gestão competitiva.
Ações nestas direções devem partir de empresas individuais,
grupos ou associações de empresas. É inevitável a participação de
agências de governo, como o BNDES e os bancos estaduais e
regionais de desenvolvimento, assim como casas bancárias
privadas, no financiamento destes processos de reestruturação.
Deste modo, cabe a estas agências o desenvolvimento de propostas
técnicas e o desenvolvimento de engenharias financeiras
adequadas.
Nas indústrias de consumo final, dos complexos
agroindustrial e têxtil/calçados e móveis, prevalece grande
variedade de empresas em termos de porte e é natural e
economicamente sadio que assim seja. No entanto, assim como no
caso do complexo eletrônico e de bens de capital, para as
empresas brasileiras as relações propriedade/gestão constituem
uma fragilidade competitiva pronunciada.
As empresas de capital nacional são, em sua maioria,
empresas familiares. Esta característica pode ser positiva para a
competitividade, como ocorre em Taiwan, mas também pode ser
negativa caso interesses familiares afetem a condução dos
negócios.
157
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
As empresas médias ou grandes estão em transição para o que
se convencionou chamar de "administração profissional". Para
estas empresas, promover a excelência da gestão pode ou não
requerer executivos contratados no mercado, sendo precedente a
resolução da questão sucessória. Neste caso, não há como
prescrever recomendações genéricas, a não ser a necessidade do
investimento na qualificação técnica da alta gestão destas
empresas, independentemente de sua origem.
O caso das pequenas empresas é distinto: não há como e
porque separar a propriedade da gestão e a interferência de
interesses familiares nos negócios. O desafio para este grupo é
distinto: é transitar de uma forma de gestão baseada na
experiência para uma gestão que, além da experiência, seja
capacitada tecnicamente.
Em conclusão, no âmbito da gestão, por se constituírem
aspectos relacionados à definição dos contornos e das
características das empresas, as políticas públicas pouco podem
interferir. Este é, por excelência, um espaço de decisão privada.
Neste sentido, para serem competitivas as empresas devem buscar a
eficácia da gestão, visando:
- coerência externa: posicionamento estratégico de acordo
com os fatores de sucesso no mercado;
- coerência interna: integração entre estratégia,
capacitação e desempenho.
As ações complementares recomendadas pelo ECIB são:
- aprimoramento dos currículos universitários e de escolas
técnicas de formação de administradores;
- disseminação de experiências de sucesso empresarial nas
Câmaras Setoriais, associações de classe e meios de comunicação
de massa;
- criação de bancos de dados para difusão de informações
sobre fatores e indicadores de competitividade;
- promoção de programas de gestão para pequenas empresas,
através da ampliação das atividades de instituições como SEBRAE,
com crescente envolvimento de Estados, Municípios e associações
empresariais;
- financiamento e apoio a instituições não-lucrativas de
formação empresarial.
CAPACITAÇÃO PARA INOVAÇÃO
A importância da inovação tecnológica para a competividade é
inequívoca. O progresso econômico da empresa está intimamente
ligado à sua capacidade de gerar progresso técnico. No contexto
internacional, empresas líderes e inovadoras não mais definem
estratégias e competências visando exclusivamente o
desenvolvimento de linhas de produtos. Visam crescentemente criar
capacitação em áreas tecnológicas nucleares - core competences -
de onde exploram oportunidades para criar e ocupar mercados.
No Brasil, a situação é distinta. Conforme visto no capítulo
3 da parte I, a intensidade de dispêndios é baixa e os esforços
158
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
tecnológicos são concentrados em poucas empresas, em geral de
grande porte, de poucos setores. Das 660 empresas entrevistadas
pelo ECIB, apenas metade realiza dispêndios em P&D e, para estas,
os esforços são baixos, em torno a 0,7% do faturamento, e
estáveis, não tendo mudado desde o final dos anos 80. Deve ser
mencionado que estes dispêndios podem incluir gastos com outras
atividades, como pequenas adaptações técnicas em produtos, que
internacionalmente não seriam consideradas P&D strictu sensu.
É importante apontar ainda que, como mostra a Tabela 7, o
grupo de empresas com dispêndios acima da média em 1992 aumentou
seu envolvimento com P&D desde 1987/89. Ao contrário, as empresas
situadas abaixo da média não declararam aumentos substanciais no
investimento em P&D. Deste modo, para este painel de empresas,
notam-se sinais de polarização entre aquelas que privilegiam ou
não as atividades de P&D em suas estratégias competitivas. Para
as empresas menos capazes, está em xeque a possibilidade de
sustentar sua capacidade competitiva no longo prazo, já que a
inovação tecnológica é elemento decisivo na competição.
TABELA 7
AMOSTRAS DE EMPRESAS - DISPÊNDIOS EM P&D
1987-89 e 1992
(Nº de Empresas)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
EMPRESAS COM DISPÊNDIOS EM 1992 EM RELAÇÃO A 1987/89 O DISPÊNDIO EM 1992
Diminui Aumenta Permanece Igual Total
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Abaixo da faixa média (entre 0 e 0,66%) 26 34 271 331
Na faixa média (entre 0,67 e 0,805) 0 1 7 8
Acima da faixa média (acima de 0,81%) 19 61 42 122
Total 45 102 314 461
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
A necessidade de fortalecimento da infra-estrutura
tecnológica foi apontada unanimente pelos estudos setoriais
desenvolvidos neste projeto. A especificação do tipo de
tecnologias adquiridas pelas empresas pode ser útil para definir
o estágio de evolução em que se encontram e quais áreas deveriam
ser apoiadas por políticas de fomento. Os dados apresentados pela
Tabela 8 revelam que a aquisição de tecnologias/serviços por
parte das empresas pesquisadas concentra-se, predominantemente,
em atividades pouco sofisticadas. Consultoria de apoio à gestão e
qualidade e serviços de testes e ensaios são priorizados pelas
empresas, em sua relação com a infra-estrutura localizada no
país. No exterior há, efetivamente, a busca por novas
tecnologias, pela aquisição de projetos básicos e detalhados.
159
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
TABELA 8
AMOSTRA DE EMPRESAS - TECNOLOGIAS/SERVIÇOS
TECNOLÓGICOS ADQUIRIDOS
1991-1992
(% de Empresas)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO NO BRASIL NO EXTERIOR
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Projeto básico 22,8% 27,5%
Projeto detalhado 19,5% 26,1%
Estudos de viabilidade 28,6% 16,2%
Testes e ensaios 45,0% 30,3%
Metrologia e normalização 23,7% 9,2%
Certificação conformidade 20,0% 15,5%
Consultoria em marketing 31,3% 10,6%
Consultoria gerencial 55,9% 13,4%
Consultoria em qualidade 49,2% 23,2%
Número de respondentes 329 142
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
Assim, os serviços da infra-estrutura tecnológica demandados
pelas empresas estão relacionados, essencialmente, ao apoio à
capacitação produtiva. No caso de aquisição de tecnologias fora
do país, é essencial a confiabilidade e rapidez dos serviços de
informação tecnológica. Esta qualificação é importante, pois
serve para orientar e focalizar as ações de política para o
fortalecimento da infra-estrutura tecnológica do país.
Estas recomendações genéricas devem ser especificadas
setorialmente. Isto porque a intensidade e a direção do esforço
inovativo necessário para as empresas sustentarem competitividade
não é aleatória, guardando relação com a natureza e o estágio de
evolução da tecnologia relacionada à sua atividade industrial.
Este detalhamento será feito a seguir, para os diversos setores
analisados pelo ECIB.
A intensidade dos dispêndios setoriais no Brasil guarda
relação com o contexto internacional: os setores do complexo
eletrônico e de bens de capital apresentam maiores níveis de
dispêndios. No entanto, como mostra a Tabela 9, foram as empresas
destes setores as que apresentaram maior queda nos dispêndios
entre finais dos anos 80 e 1992.
160
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
TABELA 9
GASTOS EM P&D POR SETOR
1987-89 e 1992
(P&D/faturamento; média ponderada)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
SETOR 1987-89 1992
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Óleos vegetais 0,05 0,07
Beneficiamento de café 0,10 0,08
Abates 0,06 0,20
Suco de frutas n.d. 1,00
Laticínios 0,46 0,51
Petroquímica 0,59 0,33
Defensivos 1,94 2,10
Fertilizantes 0,32 0,03
Fármacos 1,70 1,11
Siderurgia 0,15 0,20
Alumínio 0,86 1,45
Equipamentos de energia elétrica 0,94 0,89
Máquinas-ferramenta 1,80 1,77
Autopeças 1,59 1,96
Máquinas agrícolas 3,22 2,65
Minério de ferro 1,77 1,92
Computadores 2,88 1,65
Equipamentos para telecomunicações 2,74 2,38
Eletrônica de consumo 2,03 2,13
Automação industrial 5,19 6,25
Fiação de algodão 1,57 0,63
Tecelagem de algodão 0,52 0,42
Calçados de couro 0,69 1,69
Confecções 0,75 1,38
Celulose 0,97 1,26
Papel 0,42 0,54
Cimento 0,08 2,00
Móveis de madeira 0,22 0,12
---------------------------------------------------------------------------------------------
--------------
Nota: Os dados das indústrias de refino de petróleo e automobilística não foram apresentados
por permitirem a identificação dos respondentes.
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
Nos setores do complexo eletrônico, existem oportunidades a
serem exploradas em certas áreas de competência já estabelecidas,
o que requer a manutenção da capacitação já adquirida
principalmente em: automação bancária, centrais telefônicas de
médio porte, integração de sistemas de automação industrial e
design de circuitos integrados dedicados, ainda que neste último
caso sua produção seja contratada no exterior. O licenciamento
externo é utilizado pelas empresas e nota-se maior probabilidade
de absorção efetiva de tecnologia nos casos onde as empresas
investiram em capacitação tecnológica local. As alianças para o
desenvolvimento tecnológico em parceria com sócios internacionais
ainda é muito incipiente, sendo necessária maior disposição
161
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
empresarial para monitorar e capturar oportunidades tecnológicas
disponíveis no mercado internacional.
Nos setores de bens de capital mecânicos, as empresas
apresentam elevados níveis de dispêndios em P&D e pelo menos
metade do pessoal ocupado é de nível superior. Os esforços são
dirigidos para o desenvolvimento de novos produtos e apresenta-se
uma forte tendência à incorporação de controles microeletrônicos
nos equipamentos mecânicos. No entanto, a recuperação dos níveis
de dispêndios está associada ao incremento da demanda industrial
por equipamentos, o que requer disposição do empresariado para o
investimento. Enquanto estes não se concretizam de modo
extensivo, a sustentação da capacitação tecnológica do setor de
bens de capital mecânicos depende de programas de desenvolvimento
tecnológico de empresas isolados ou cooperativos, direcionados
para nichos de mercado ainda dinâmicos.
No caso do complexo automotivo, existe capacitação local
para desenvolvimento de produtos em algumas ilhas de excelência
bem conhecidas, inclusive nas montadoras que realizam esforços de
adaptação de projetos e onde um terço dos empregados em P&D tem
nível superior. Como as relações fornecedores/montadoras tendem a
ser cada vez mais próximas, as empresas precisam desenvolver
programas conjuntos de desenvolvimento de componentes,
utilizando-se dos incentivos fiscais que privilegiam este tipo de
atividade.
Na base do complexo metal mecânico - minério de ferro,
siderurgia, alumínio -, foram identificados dois desafios:
enobrecer produtos e diminuir os níveis de emissão de poluentes e
consumo energético. Esses desafios podem ser enfrentados pelas
empresas. Para estas duas áreas existe capacitação mínima e
pressão crescente para realização de maiores esforços, o que deve
favorecer um envolvimento mais ativo das empresas com o
investimento tecnológico.
Para o enobrecimento de produtos, além das adaptações das
linhas existentes, podem ser necessários novos processos
industriais e equipamentos. O desenvolvimento de novos processos
está aquém da capacitação local. Portanto, será necessária a
compra de novas tecnologias. Reduzir os prazos de efetiva
absorção destas através de investimentos em processos de
aprendizado torna-se vital para a competitividade.
Pela pressão nos mercados externos ou pela implementação de
regulações internas, o investimento antipoluição será crescente
no futuro. Isto requer introjetar parâmetros ambientais nos
processos decisórios das empresas - assim como o são custo e
qualidade -, desenvolver capacidade de gestão ambiental interna,
adquirir novos equipamentos menos poluentes e pesquisar novas
tecnologias. Estas atividades implicam capacitar quadros técnicos
e desenvolver pesquisas cooperativas com outras empresas
(inclusive concorrentes), fornecedores de equipamentos e centros
de pesquisa no país e exterior.
Assim como no caso do complexo metalmecânico, os setores
situados na base dos complexos de papel e celulose, material de
162
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
construção (cimento, por exemplo) e químico enfrentam o desafio
de se tornarem menos "ecodelinquentes" e mais eficientes no
consumo energético. Tanto no manejo de matérias-primas e de
florestas quanto nos processos industriais, as empresas tendem a
dar crescente importância à gestão ambiental como atividade
funcional e a desenvolver pesquisas tecnológicas para minimização
do impacto ambiental de suas atividades. Para o suporte destas
atividades internas, as empresas necessitam dois tipos de
atividades externas: a) aproximação com fornecedores de
equipamentos e serviços para desenvolvimento tecnológico
conjunto; b) cooperação com outras empresas para a constituição
ou fortalecimento de centros de pesquisa especializados.
Nos setores na base do complexo agroindustrial - sucos,
soja, etc. -, não existem desafios tecnológicos nos processos
industriais e os produtos são relativamente homogêneos. Para os
setores produtores de alimentos, o desafio competitivo é penetrar
novos mercados, de maior valor agregado. Assim, ao evoluírem para
se tornarem empresas processadoras de alimentos, o esforço para
desenvolvimento de novos produtos deverá ser crescente. Em
algumas áreas, como engenharia genética para suínos e aves e
inseminação artificial para bovinos, as tecnologias são dominadas
pelas empresas e a manutenção desta capacitação é necessária.
Duas outras áreas requerem maior atenção: tecnologias para
incremento da produtividade agrícola e tecnologias de conservação
de alimentos.
Para estas áreas, a biotecnologia - tradicional ou genética
- e a química fina são fundamentais e merecem atenção nas
estratégias tecnológicas empresariais. Além dos dispêndios em
centros cativos das empresas, também são necessários
investimentos em pequenas empresas de base tecnológica - ainda
incipientes em número e capacitação - e, principalmente, apoio
aos centros de pesquisa públicos e privados existentes. Ou seja,
as empresas deveriam promover investimentos cooperativos em
pesquisa tecnológica. Os centros do sistema EMBRAPA merecem
particular atenção pois a capacitação de vários deles, apesar de
reconhecida até internacionalmente, nos últimos anos tem sofrido
os efeitos da instabilidade econômica.
Na agroindústria, existem excelentes condições para as
empresas se posicionarem agressivamente nos mercados, a partir do
desenvolvimento de tecnologias de produto. Elas revelam
competitividade nos mercados externos, possuem porte econômico
favorável e contam com uma infra-estrutura tecnológica
desenvolvida, em que pesem os retrocessos recentes. Como o seu
desafio é agregar valor, estão reunidas as condições mínimas para
o avanço nesta direção.
No complexo têxtil-calçados, a inovação é gerada por outros
setores - bens de capital e química. Não causa surpresa o fato de
que, apesar de declararem gastos na faixa de 0,5 a 1,0% do
faturamento, somente 15 a 20% do pessoal ocupado é de nível
superior. O desafio para estas empresas é, então, desenvolver
capacidade de adaptação de novos insumos - normalmente de base
química - e equipamentos de base microeletrônica, de modo a
diminuir os tempos de aprendizado. Para as empresas de pequeno
163
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
porte, a ação associativa para compartilhar equipamentos, em
pólos regionais, pode reduzir custos de investimento.
Em resumo, a capacitação em inovação é essencial para
sustentar a competitividade em um ambiente de acirramento da
concorrência e, principalmente, para preparar o setor industrial
para um contexto de retomada de crescimento. O apoio ao
desenvolvimento tecnológico tem prioridade central nas políticas
industriais de todos os países da OECD. As engenharias
financeiras são cada vez mais sofisticadas, as ações focalizam
grupos de tecnologias ou setores intensivos em pesquisa e
desenvolvimento e, crescentemente, privilegiam-se programas
associativos ou cooperativos. A intenção programática da Coréia
de dispender 5% do seu PIB, no ano 2.000, com ciência e
tecnologia é evidência suficiente para demonstrar esta
importância. O eventual fracasso nos resultados de esforços
apoiados por instituições públicas não implica retirada do
fomento, mas avaliações dos erros para ajuste das ações futuras.
Dado o quadro de rarefação dos investimentos em P&D, de
poucos projetos de desenvolvimento tecnológico cooperativos e
baixa interação da indústria com a infra-estrutura tecnológica,
propõe-se a expansão gradual da capacidade inovativa, sustentada
pelo investimento privado, em áreas focais onde existam demanda
por novas tecnologias e capacitação mínima para sustentar o
esforço inovativo.
A avaliação setorial indica que empresas e agências de
fomento deveriam promover ações pró-ativas nas áreas de:
- projetos de equipamentos, de componentes microeletrônicos
e software para as indústrias de bens de capital mecânico e
eletrônico;
- P&D de produtos, especialmente para empresas expostas à
concorrência internacional nos mercados domésticos e externos ou
aquelas que, em suas estratégias competitivas, buscam nichos de
mercado mais sofisticados;
- tecnologias e serviços ambientais, principalmente para
indústrias de processo contínuo;
- pesquisa e difusão de tecnologias agrícolas, biotecnologia
e química fina para aumentar a produtividade da agricultura, de
modo a sustentar a competitividade das agroindústrias, do
complexo papel e celulose e das indústrias têxtil, vestuário,
calçados e móveis;
- informação tecnológica sobre oportunidades no Brasil e no
exterior para investimento e desenvolvimento tecnológico.
As ações para viabilizar o desenvolvimento tecnológico por
áreas focais incluem:
- utilização de incentivos fiscais e crédito (FINEP, BNDES,
bancos de desenvolvimento estadual) com prioridade e condições
favorecidas para programas cooperativos, contra demonstração de
capacidade de gestão tecnológica, isto é, procedimentos
operacionais que organizem e rastreiem projetos de
desenvolvimento tecnológico;
164
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
- elevação dos níveis de dedução fiscal na lei de incentivos
à P&D para áreas de alta tecnologia;
- programas de capacitação de pessoal de alto nível, em
programas de parceria empresa/institutos de pesquisa/CNPq/CAPES e
agências estaduais e reforço aos centros de excelência nas áreas
prioritárias;
- utilização do poder de compra do setor público;
- programas de fomento para empresas de base tecnológica,
através de parcerias entre BNDES, FINEP, SEBRAE e empresas
privadas de venture capital, incluindo apoio à gestão
empresarial;
- reforço do Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da
Indústria (PACTI) como instância de coordenação; para sua
operacionalização, a focalização do desenvolvimento tecnológico
deveria ser detalhada pelas comissões setoriais do programa.
CAPACITAÇÃO E DESEMPENHO PRODUTIVO
Produção
Assim como a base tecnológica é específica às várias
atividades industriais, também o são os elementos constituintes
da capacitação produtiva que assegura desempenho compatível com
os fatores de sucesso competitivo setorial. No entanto,
internacionalmente, no nível da produção, está em franca difusão
um conjunto de inovações genéricas que vêm elevando
sistematicamente os patamares de eficiência industrial.
Os equipamentos de base microeletrônica e as novas técnicas
organizacionais constituem os principais instrumentos de mudança
nos processos produtivos. Sua importância decorre do fato de
estes representarem inovações aplicáveis à maioria das atividades
industriais, mesmo que áreas de introdução, forma específica de
utilização, taxas de difusão e intensidade de uso variem
consideravelmente entre empresas, setores e países.
Equipamentos de base microeletrônica são utilizados
diretamente na produção ou para monitorar, processar informações
e controlar etapas de um processo produtivo, desde a fase de
projeto. Os mais conhecidos são: computadores de apoio a projeto
ou produção, robôs, controles númericos programáveis,
controladores lógico-programáveis e sistemas digitais de controle
distribuído.
Dentre as novas técnicas organizacionais, incluem-se just-
in-time, células de produção, círculos de controle de qualidade,
técnicas de controle estatístico de qualidade, etc. Também
existem normas (como a ISO 9.000) que constituem um receituário
genérico de procedimentos que auxiliam a empresa a se orientar
para a produção com qualidade. Estes procedimentos e técnicas
instrumentalizam parcialmente a adoção da "filosofia" da
qualidade, já que esta, por definição, implica atitudes e
comprometimentos dos agentes produtivos não circunscritos a
instrumentos, incorporando também atitudes, comportamentos e
aptidões da força de trabalho.
165
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Os benefícios da automação e das novas técnicas
organizacionais são convergentes e implicam elevação dos
patamares de eficiência produtiva sendo, portanto, bastante
extensivos, como demonstra o Quadro 2. Este quadro reflete a
avaliação de executivos de empresas brasileiras com experiência
nestas inovações, mostrando claramente as principais vantagens
observadas com a introdução de automação e novas técnicas
organizacionais.
QUADRO 2
MUDANÇAS OBSERVADAS APÓS A INTRODUÇÃO
DE AUTOMAÇÃO E NOVAS TÉCNICAS ORGANIZACIONAIS
DIMINUIÇÃO AUMENTO
Custos correntes Qualificação mão-de-obra
Custos do produto Treinamento
Prazos de entrega Qualidade do produto
Perdas de insumos Nível tecnológico do produto
Down time Adequação do fornecedor a novas especificações
Estoques intermediários Capacidade de produção
Flexibilidade do processo
Disponibilidade de informações
Fonte: SENAI (1992).
Em geral, assim que uma empresa implementa projetos de
modernização - de introdução de automação ou técnicas
organizacionais -, são auferidos ganhos imediatos e expressivos,
sem a realização de esforços substanciais. Estes ganhos, em geral
derivados da eliminação de fontes de ineficiência bastante
relevantes, são importantes economicamente e servem para
demonstrar a validade dos investimentos nestas inovações.
Entretanto, ganhos sustentados de eficiência e qualidade somente
ocorrem no longo prazo, quando há alta intensidade de uso de
inovações em termos de número de operações cobertas ou
trabalhadores envolvidos. Isto implica disposição para a busca de
melhoramentos contínuos, incorporada firmemente nas rotinas
formais e informais de cada empresa.
Atualmente, no Brasil, diante de um ambiente hostil, marcado
pela instabilidade econômica e crescente concorrência com
produtos importados, as estratégias empresariais dirigidas a
processos produtivos visam, preferencialmente, a redução de
custos, conforme mostra a Tabela 10.
TABELA 10
AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIA DE PRODUÇÃO
(Nº Total de Respondentes = 638)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO % DE RESPONDENTES
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Reduzir custo de estoques 46,3%
Reduzir consumo/aumentar rendimento das matérias-primas 44,3%
Reduzir consumo/aumentar rendimento energético 6,7%
166
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Reduzir necessidades de mão-de-obra 32,4%
Promover desgargalamentos produtivos 26,1%
Reduzir emissão de poluentes 5,8%
Não há estratégia definida 10,8%
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
A Tabela 11 apresenta uma série de variáveis (número de
níveis hierárquicos, prazo médio de produção e entrega, taxas de
defeitos, devolução de produtos e rotação de estoques) utilizadas
pela pesquisa de campo do ECIB que visam obter uma estimativa do
desempenho produtivo das empresas consultadas. Observa-se que,
apesar de apresentarem patamares elevados, as diferentes
variáveis mostram uma evolução positiva entre finais dos anos 80
e 1992, principalmente as que medem prazos médios de entrega e
produção. Comparados às best-practices internacionais, onde as
margens de tolerância são claramente mais baixas, estes dados
revelam a existência de apreciável espaço para melhorias que
podem implicar ganhos econômicos e competitivos significativos.
TABELA 11
AMOSTRA DE EMPRESAS - DESEMPENHO PRODUTIVO
1987-89 e 1992
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
VARIÁVEL (Unidade) 1987-89 1992 VARIAÇÃO
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Níveis hierárquicos (nº) 6,17 5,46 -11,5
Prazo médio de produção (dias) 29,99 22,24 -25,8
Prazo médio de entrega (dias) 42,17 30,45 -27,8
Taxa de defeitos (%) 6,79 5,57 -18,0
Taxa de devolução de produtos (%) 0,96 0,89 -7,3
Taxa de rotação de estoques (%) 41,38 33,96 -17,9
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
É importante apontar, no entanto, duas constatações
relevantes. Primeiro, os processos de melhoria contínua devem ser
avaliados em função da velocidade de evolução dos indicadores. Os
dados revelam que a intensidade do ajuste produtivo ainda pode
ser mais expressiva. Segundo, as taxas de melhoria são
diferenciadas entre empresas e setores. O ajuste produtivo atinge
todos os setores industriais mas, como demonstram as notas
técnicas setoriais, ele não é extensivo em cada um deles,
principalmente onde prevalecem pequenas empresas e produtores de
bens finais.
Estas duas constatações indicam que as estratégias na
direção da eficiência produtiva podem ser aprofundadas por
aquelas empresas que já iniciaram o processo de ajuste e adotadas
por um maior número de empresas industriais.
O ajuste produtivo para racionalização tem origem na
mobilização de recursos técnicos e humanos das empresas e para
estes devem ser focalizadas ações para o seu fortalecimento.
167
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Conforme mostra a Tabela 12, os dispêndios em engineering
aumentaram entre 1987/89 e 1992 de 1,2% para 1,45% do
faturamento. Os esforços em engineering são particularmente
elevados nas indústrias de insumos básicos (siderurgia,
petroquímica, etc.), nos setores produtores de bens duráveis, nas
empresas exportadoras e nas pequenas e grandes empresas. No
entanto, somente 25% dos empregados nestas atividades têm nível
superior. Estes dados revelam a existência de um mínimo de massa
crítica com uma base de formação profissional apta para realizar
estas atividades e que deveriam possuir melhor qualificação. Esta
constatação é extremamente importante pois indica a possibilidade
de tornar o processo de busca de eficiência e qualidade mais
abrangente e intensivo.
TABELA 12
AMOSTRA DE EMPRESAS - DISPÊNDIOS EM ENGINEERING
1987-89 e 1992
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
% MÉDIA PONDERADA VARIAÇÃO
DISCRIMINAÇÃO 1987-89 1992 (%)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Painel 1,22 1,45 18,9%
Por intensidade de exportações
até 5% 1,04 0,98 -5,8%
5%<X<30%. 1,31 1,48 13,0%
30%<X<50% 0,72 0,42 -41,7%
acima de 50% 2,11 4,18 98,1%
Por tamanho das empresas segundo as vendas
Pequenas (até US$ 10 milhões) 0,89 1,25 40,4%
Médias (US$10<X<100 milhões) 1,27 1,37 7,9%
Grandes (+ US$ 100 milhões) 1,22 1,48 21,3%
Por categoria de uso
Bens de capital 2,05 1,86 -9,3%
Insumos básicos 1,26 1,94 54,0%
Bens de consumo duráveis 1,79 2,21 23,5%
Bens de consumo não-duráveis 0,52 0,47 -9,6%
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
Os métodos e instrumentos pelos quais usualmente é atingida
a racionalização dos processos variam muito. Aqueles mais
conhecidos e genéricos - equipamentos de automação, controle
estatístico de processo e certificação da empresa pela ISO 9000 -
estão quantificados nas Tabela 13 e 14. Os resultados agregados
indicam baixa intensidade no uso destas inovações, mas uma
evolução positiva desde finais da década passada.
TABELA 13
AMOSTRA DE EMPRESAS - SITUAÇÃO EM RELAÇÃO À ISO-9000
(% de Empresas)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO Não está Iniciou Certificado ou próximo
mobilizado esforços a certificação n
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Painel 43,1% 42,0% 14,8% 633
Por intensidade de exportações
168
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
até 5% 51,1% 40,5% 8,5% 284
5%<X<30% 15,9% 55,9% 28,3% 145
30%<X<50% 14,6% 46,3% 39,0% 41
acima de 50% 34,1% 47,7% 18,2% 44
Por tamanho segundo as vendas
Pequenas (até US$ 10 milhões)65,3% 29,0% 5,7% 245
Médias (US$ 10<X<100 milhões)22,3% 63,6% 14,1% 206
Grandes (+ US$ 100 milhões) 10,8% 42,2% 47,1% 102
Por categoria de uso
Bens de capital 12,2% 54,4% 33,3% 90
Insumos básicos 13,8% 53,8% 32,3% 65
Bens de consumo duráveis 10,3% 51,7% 37,9% 58
Bens de consumo não-duráveis63,4% 33,1% 3,5% 372
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
TABELA 14
AMOSTRA DE EMPRESAS - INTENSIDADE DE USO DE AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL
(AI) E CONTROLE ESTATÍSTICO DE PROCESSO (CEP)
(% de Respondentes)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
INOVAÇÃO/TIPO DE EMPRESA INTENSIDADE DE USO*
1987-89 1992
baixa média alta n baixa média alta n
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Painel: AI 84% 13% 3% 566 74% 19% 7% 583
CEP 82% 11% 8% 543 69% 18% 14% 553
Por Categoria de Uso
Bens de Capital: AI 70% 23% 7% 90 62% 28% 10% 90
CEP 80% 15% 5% 85 67% 19% 14% 86
Insumos Básicos: AI 64% 27% 8% 59 51% 29% 20% 59
CEP 81% 12% 7% 59 60% 28% 12% 58
Bens de Consumo Duráveis: AI 81% 19% 0% 47 58% 36% 6% 53
CEP 69% 20% 12% 51 27% 42% 31% 52
Bens de Consumo Não-Duráveis: AI93% 6% 1% 324 86% 11% 4% 333
CEP85% 8% 8% 306 78% 11% 11% 315
Por intensidade de exportações:
até 5%: AI 85% 13% 2% 261 80% 13% 7% 268
CEP 84% 9% 7% 246 70% 14% 15% 249
entre 5,01% e 30%: AI 75% 21% 4% 134 60% 32% 8% 139
CEP 73% 17% 10% 132 60% 23% 16% 134
entre 30,01 e 50% : AI 83% 9% 9% 35 61% 25% 14% 36
CEP 76% 18% 5% 38 62% 28% 10% 39
acima de 50%: AI 79% 13% 8% 39 62% 26% 13% 39
CEP 77% 13% 10% 39 62% 23% 15% 39
Por tamanho segundo as vendas:
Pequenas (até US$ 10 milhões): AI93% 6% 1% 220 87% 10% 3% 228
CEP86% 8% 5% 203 78% 14% 8% 207
Médias (US$ 10 <X< 100 milhões): AI82% 15% 3% 188 69% 25% 7% 191
CEP 77% 13% 10% 183 62% 17% 21%
185
Grandes (+ US$ 100 milhões): AI 58% 33% 9% 91 45% 34% 21% 95
CEP 73% 19% 7% 94 51% 34% 15% 97
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
* Intensidade de Uso:
AI = % operações controladas por dispositivos microletrônicos
169
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
CEP = % empregados que trabalham com controle estatístico de processo
baixa intensidade = até 10%
média intensidade = entre 11 e 50%
alta intensidade = acima de 50%
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
As empresas exportadoras, de maior porte, dos setores
produtores de bens intermediários, de equipamentos mecânico ou
eletrônicos e de bens duráveis apresentam melhor capacitação no
uso destas técnicas do que empresas direcionadas para o mercado
interno, de menor porte e, principalmente, de setores produtores
de bens finais. Esta é a caracterização sintética da
heterogeneidade da capacitação produtiva da indústria nacional
que será detalhada a seguir a partir dos documentos setoriais.
A heterogeneidade no desempenho produtivo é exarcebada em um
contexto de mudanças nas formas de produzir. Não se pode
desconhecer a existência de dificuldades para adoção de inovações
organizacionais naquelas empresas que eram mais avançadas na
utilização de "velhas" técnicas, como métodos de controle de
tempos e movimentos. Este é o caso de empresas produtoras de
máquinas agrícolas, de bens eletrônicos de consumo,
telecomunicações, automobilística e autopeças. Para estas, o
desafio é mudar procedimentos e rotinas de organização e gestão
da produção que antes significavam as melhores práticas. Reforçar
este processo de mudança é uma tarefa do empresário e as ações
mobilizadoras do PBQP deveriam focalizar a reciclagem dos níveis
técnicos das empresas.
Empresas exportadoras e, ao mesmo tempo, de indústrias de
processo contínuo - siderurgia, alumínio, petroquímica - revelam
esforços significativos para introduzir um conjunto de normas de
procedimentos que as habilitam a evoluírem em direção à
incorporação da filosofia da qualidade total em suas
organizações. O desafio para estas empresas é se transformarem em
learning organisations e ampliarem sua capacitação para a área da
inovação tecnológica.
Conforme mencionado acima, as indústrias alimentares, de
vestuário, têxtil e material de construção assemelham-se em
termos de nível de capacitação produtiva. Nestes setores,
prevalece um contexto de polarização entre "maiores e melhores" e
"menores e piores". As grandes empresas destes setores estão
transitando para uma administração "profissional"; têm
equipamentos relativamente atualizados tecnologicamente; operam
tanto no mercado interno como (crescentemente) no mercado
externo; conhecem e estão cada vez mais empenhadas no uso de
novas técnicas organizacionais e utilizam extensivamente
campanhas de marketing para reforçar as suas marcas no mercado.
Nas empresas de menor porte, ocorre o oposto.
A fraca capacitação produtiva de um conjunto extenso de
empresas destes setores revela fragilidades competitivas. Este
mau desempenho é traduzido em atributos do produto desfavoráveis
para o consumidor, afetando negativamente o poder de compra dos
consumidores e obstruindo um processo de reprodução econômica
170
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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indutor do crescimento e do bem-estar. Estas são razões mais que
suficientes para justificar ações corretivas, através de
instrumentos de política industrial e tecnológica. No entanto, a
ação pública é dificultada por existirem estágios de evolução
diferenciados dentro dos setores.
Uma primeira alternativa, dedutível da clivagem por porte
das empresas, seria incentivar processos de concentração
econômica ou promover importações. Esta última alternativa deve
ser considerada pelos formuladores de política como instrumento
de indução à evolução da capacidade competitiva das empresas
locais. A primeira alternativa deve ser descartada, por três
razões. Primeiro, é característica estrutural destes setores a
possibilidade técnica e econômica da existência de variados
portes. Segundo, o contexto internacional também é de variedade e
faz parte da estratégia industrial de todos os países da OECD a
valorização da pequena empresa, principalmente as de consumo
final. Terceiro, estas empresas são social e economicamente
relevantes para o Brasil por serem intensivas em emprego.
Conforme já destacado, a existência de consumidores
exigentes conformaria condições necessárias para induzir
eficiência nos processos e a adequação ao uso dos produtos. Para
isto, uma política para a competitividade pode contribuir através
da utilização de instrumentos de regulação e fomento.
As ações regulatórias dizem respeito à segurança, saúde,
responsabilidade civil, proteção ambiental e fiscalização
tributária. A legislação brasileira na maioria destas áreas é
adequada, faltando capacidade de implementação das agências
responsáveis. Aparelhar técnicamente estas instituições,
orientando-as para a promoção de condutas competitivas é a
recomendação do ECIB.
A experiência internacional mostra que estas regulamentações
são mais efetivas quanto existe a mobilização de consumidores, em
geral com alto nível de renda e informação. Assim também devem
ser incentivados o desenvolvimento e as ações de organizações
não-governamentais de defesa do consumidor, meio ambiente, etc.
sem fins lucrativos. Para estas, é necessária a alocação de
recursos para programas de mobilização e conscientização dos
consumidores. Estes programas devem ter metas muito bem definidas
e as instituições devem comprovar capacidade de gestão.
As ações de fomento, em um contexto de diferenças entre
empresas em termos do estágio de evolução do ajuste produtivo,
devem ser direcionadas para programas de melhoria contínua
através do estímulo a processos de aprendizado.
Esta recomendação aponta para programas descentralizados,
intensivos em coordenação, envolvendo múltiplos atores e
instrumentos. Cabe reforçar o Programa Brasileiro de Qualidade e
Produtividade (PBQP) como instância de coordenação, envolvendo um
número crescente de instituições públicas e privadas locais.
Também é importante assegurar sua articulação com instituições
financeiras, de modo a potencializar a sua penetração extensiva
pelo sistema industrial.
171
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Para as empresas mais avançadas, é necessário aprofundar a
difusão de inovações organizacionais e de automação industrial,
além da atualização de equipamentos específicos a cada atividade
industrial. Para isto, são úteis:
- programas setoriais de certificação, normalização e
metrologia, apoiados pela iniciativa privada;
- crédito público de longo prazo para investimentos em
modernização, contra metas de capacitação e desempenho;
- desenvolvimento de sistemas de leasing industrial para
sistemas de automação industrial;
- apoio em condições favoráveis para integração de sistemas
e para programas cooperativos em cadeias produtivas.
Para as empresas que iniciam o processo de ajuste, são
quatro as possíveis ações de fomento:
- Apoio à infra-estrutura de treinamento e, principalmente,
de serviços técnicos especializados. Instituições como SENAI,
SEBRAE, associações de classe, governos estaduais e municipais
devem compartilhar os custos financeiros de programas de
capacitação produtiva. A participação do governo federal deve ser
minoritária;
- Apoio a programas setoriais de certificação e normalização
promovidos e sustentados por associações empresariais. As
instituições financeiras públicas poderiam desenvolver linhas de
crédito para programas desta natureza com metas definidas e
comprovação de capacidade de gestão;
- Apoio à aglomeração de empresas em pólos industriais
especializados. Programas com este propósito devem ter como
objetivos: expandir a infra-estrutura de treinamento e prestação
de serviços técnicos para facilitar a ligação eletrônica entre
fornecedores, produtores e clientes e o compartilhamento de
equipamentos eletrônicos para design de produtos. Neste caso,
existe um amplo espaço de atuação para empresas regionais de
telefonia e para a Embratel. Também pode ser útil a instalação de
escritórios de compras de insumos e vendas de produtos, ampliando
o acesso aos mercados e fortalecendo o poder de barganha das
empresas junto a fornecedores e clientes;
- Apoio ao extensionismo industrial, isto é, o
desenvolvimento de redes descentralizadas de consultores
independentes ou organizações não-lucrativas, habilitados para
realização de diagnósticos, formulação e acompanhamento de
projetos de capacitação gerencial e produtiva e organizadas por
região, tipo de empresa ou problema. Preferencialmente, as ações
destes agentes deveriam abranger grupos de empresas e a
participação financeira destas deve crescer na ordem direta do
grau de detalhamento do projeto. Neste sentido, estas ações
mobilizadoras - que devem ser coordenadas pelo PBQP - requerem a
alocação de recursos principalmente de origem estadual, municipal
e de associações empresariais.
Estratégias de Vendas e de Relações com Fornecedores
Para se posicionarem favoravelmente frente à concorrência,
as empresas devem incorporar aos seus produtos aqueles atributos
que são valorizados pelo cliente: preço, marca, prazo de entrega,
172
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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conteúdo tecnológico, conformidade a especificações técnicas,
adequação ao uso, durabilidade e assistência técnica. Estes
atributos têm importância distinta, conforme o mercado
considerado. Eles variam de acordo com a complexidade da função a
ser desempenhada pelo produto, o ritmo de mudanças possíveis, a
demanda real e efetiva dos mercados, as normas que regulam os
mercados, as tradições dos consumidores e produtores, etc.
Conforme mostra a Tabela 15, para o mercado externo a
elevada conformidade técnica e o baixo preço são os atributos dos
produtos perseguidos pelas empresas. Para estes mercados, então,
são necessários esforços explícitos para demonstrar ao cliente a
adequação ao uso dos seus produtos. Ao contrário, no mercado
interno a preferência por marca e baixos preços indica esforços
das empresas para associar a imagem da empresa às preferências
dos consumidores. Neste sentido, as empresas brasileiras dedicam
atenção especial aos esforços de vendas: o dispêndio com vendas
das empresas entrevistadas pelo ECIB é da ordem de 4,7% do
faturamento e, naturalmente, é mais alto nos setores produtores
de bens de consumo (em torno a 8% do faturamento).
TABELA 15
AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIA DE PRODUTO PARA OS MERCADOS
INTERNO E EXTERNO
(% de Respostas)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO MERCADO INTERNO MERCADO EXTERNO
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Baixo preço 29,7 36,0
Forte identificação com a marca 28,4 37,6
Pequeno prazo de entrega 22,9 20,9
Curto tempo de desenvolvimento de produtos 4,9 2,7
Elevada eficiência da assistência técnica 7,6 4,4
Elevado conteúdo/sofisticação tecnológica 10,7 16,9
Elevada conformidade a especificações técnicas 23,2 48,4
Elevada durabilidade 12,9 4,9
Atendimento a especificações dos clientes 24,1 28,0
Não há estratégia definida 8,6 4,0
Número de respondentes 590 245
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
A atenção com os níveis de preços no mercado interno
justifica-se pela existência de consumidores com baixo poder de
compra. A restrição da renda implica consumidores sensíveis ao
preço em detrimento a outros atributos do produto. A natureza
deste mercado direciona as empresas para a simplificação dos
produtos, o que é inevitável desde que associada à adequação ao
uso.
173
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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No escopo deste projeto, diretamente relacionadas com
políticas para a competitividade, são recomendadas a retomada do
financiamento ao consumidor, a exposição gradual à concorrência
externa (desde que não predatória à produção local) e a
implementação da legislação de promoção da concorrência e de
defesa do consumidor.
Com relação às mudanças nas relações entre empresas, os
novos atributos do formato organizacional das empresas
competitivas contemporâneas modificam as suas fronteiras,
alterando radicalmente as normas que regulam sua relação com
fornecedores e clientes. As decisões quanto ao que produzir
internamente às empresas e quanto à aquisição de insumos (o que e
como adquirir) são, cada vez mais, tomadas em parceria com
fornecedores. A competitividade das empresas depende
crescentemente de sua proximidade com fornecedores, em termos de
desenvolvimento conjunto de produtos, troca de informação por
meios eletrônicos, fluxos de entrega que minimizam estoques,
garantia assegurada de desempenho de insumos e estabilidade nos
contratos.
No Brasil, verifica-se excessiva verticalização das empresas
relativamente à prática internacional, principalmente em
indústrias de montagem. Uma razão, bem conhecida há tempos, é a
inexistência de uma rede de fornecedores aptos a incorporar em
seus produtos os atributos considerados relevantes pelos
usuários.
Na verdade, a natureza das relações fornecedores/clientes
preocupa as empresas, como mostra a Tabela 16.
TABELA 16
AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIAS DE COMPRA DE INSUMOS E
RELACIONAMENTO COM FORNECEDORES
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ESTRATÉGIA DE COMPRA DE INSUMOS % DE EMPRESAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Menores preços 71,7%
Menores prazos de entrega 21,6%
Maior eficiência da assistência técnica 3,8%
Maior conteúdo tecnológico 5,4%
Maior conformidade às especificações técnicas 44,4%
Maior durabilidade 8,4%
Maior atendimento de especificações particulares 14,1%
Não há estratégia definida 8,5%
Número de respondentes 611
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
RELAÇÕES COM FORNECEDORES % DE EMPRESAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Desenvolver programas conjuntos de P&D 27,2%
Estabelecer cooperação para desenvolvimento de produtos e processos 48,8
174
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Promover troca sistemática de informações sobre qualidade e desempenho
dos produtos 68,6
Manter relacionamento comercial de LP com fornecedores fixos 58,2%
Realizar compras de fornecedores certificados pela empresa 46,7%
Realizar compras de fornecedores cadastrados pela empresa 36,9%
Realizar compras de fornecedores que oferecem condições mais vantajosas
a cada momento 36,2%
Número de respondentes 287
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
A busca de menores preços é a principal meta das políticas
de compras, seguida da conformidade às especificações técnicas.
Esta preocupação está refletida nas taxas de rejeito de insumos,
que evoluíram positivamente entre 1987/89 e 1992, de 2,42% para
1,36%, uma queda de 43,8%. No entanto, os patamares ainda são
elevados, indicando a possibilidade de melhorias.
Neste sentido, as empresas revelam intenção de ter maior
proximidade com fornecedores, através de troca sistemática de
informações e contratos comerciais de longa duração. Apesar
disto, são poucas as intenções de desenvolvimento de programas
interativos como esforços conjuntos em P&D.
Pode-se elogiar as empresas brasileiras pela engenhosidade
em resolver internamente os seus problemas de abastecimento. No
entanto, isto implica dispersão de esforços, o que é ineficaz no
longo prazo, por não favorecer ganhos de escala e especialização.
Estão ocorrendo, em todos os setores, processos de
desverticalização, mas ainda de forma são tímida e lenta, e a
terceirização afeta principalmente os serviços. Não existem
indícios de surgimento amplo de redes de subcontratação de partes
e componentes.
A busca de relações entre fornecedores e usuários que
privilegiem a minimização de tempos mortos nos fluxos de entrega
e a qualidade de insumos constitui um forte desafio para o
conjunto das empresas brasileiras. Relações desta natureza são
viabilizadas em prazos de maturação longos, são intensivas em
processos de "tentativa e erro", envolvem recursos financeiros
substanciais e podem ser instrumentalizadas de várias formas:
just-in-time, troca eletrônica de informações, hierarquização de
fornecedores, etc. Estes desafios são de difícil superação
através de políticas públicas, por envolverem decisões sobre
"como e com quem fazer", que são, por definição, decisões
privadas.
No entanto, antecipando as recomendações que virão à frente,
as seguintes ações podem ser exploradas: incentivo a negociações
interindustriais em fóruns públicos ou privados; incentivos a
programas de normalização setorial e promoção de grupos de
trabalho para definição de programas de subcontratação, amparados
por linhas de crédito específicas.
RECURSOS HUMANOS
175
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A participação efetiva na busca dos objetivos competitivos
da empresa e a atuação consciente em direção ao aprendizado
contínuo só podem ser exigidos de um trabalhador que tenha
alcançado graus razoáveis de satisfação material em termos de sua
relação com o trabalho. Estabilidade no emprego, mesmo que sua
tarefa mude frente às flutuações da demanda, remuneração
adequada, participação na organização da produção, nos processos
decisórios e nos benefícios dos ganhos de eficiência, segurança
em face dos riscos de invalidez ou incapacidade e expectativas
positivas frente ao futuro constituem um conjunto de
condicionantes internos às empresas indispensáveis para que os
trabalhadores se motivem a co-participar dos desafios
competitivos da empresa contemporânea.
O acirramento da concorrência requer da força de trabalho
aptidões e atitudes que favoreçam sua maior integração no
processo produtivo. Neste contexto, o trabalho não é visto como
item de custo, mas como um ativo que deve ser valorizado; o
treinamento é intensivo; prevalece a multifuncionalidade pois há
necessidade de conhecimento de todo o processo produtivo e é
valorizada a capacidade criativa de resolução de problemas.
Na verdade, as qualificações e atributos não "aumentam", mas
se transformam. A nova base de conhecimentos para operar sistemas
produtivos que utilizam automação e novas técnicas
organizacionais está descrita no Quadro 3.
QUADRO 3
A NOVA BASE DE CONHECIMENTOS DA FORÇA DE TRABALHO;
Automação Industrial
Atributos Raciocínio lógico
Concentração
Conhecimento técnico geral
Coordenação motora
Destreza manual
Habilidade para aprender
Conhecimentos Eletrônica
Informática
Geometria
Mecânica
Manutenção
Formas de aquisição Formação profissional
Experiência profissional
Novas Técnicas Organizacionais
176
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Atributos Comunicação verbal
Comunicação escrita
Relacionamento com vários níveis
hierárquicos
Aspiração profissional
Conhecimentos Conhecimento geral
Processo global fabricação
Gestão da produção
Estatística
Forma de aquisição Educação geral
Fonte: SENAI (1992).
A implantação de inovações pode se dar em diferentes
ambientes sociais, moldando, por sua vez, resultados socialmente
diferenciados. Uma mesma inovação pode ser usada de forma a
concentrar conhecimentos e processos decisórios na gerência, ou
de forma a distribuir estes recursos entre vários postos de
trabalho. Esta segunda forma, além de mais eqüitativa, possui a
seu favor uma potencialidade de redução de conflitos, sendo,
também por isto, tecnicamente mais eficiente.
Esta questão remete às relações entre eficiência e sistemas
de relações industriais, que não são triviais. Neste contexto, é
importante identificar novos ítens que compõem as agendas de
negociações pró-competitividade entre empresários e
trabalhadores. A experiência internacional aponta para:
- requalificação e formação profissional com ênfase nas
melhorias qualitativas das tarefas;
- redução de jornada de trabalho;
- flexibilização negociada do contrato de trabalho;
- negociação da introdução de novas formas de organização do
trabalho.
Em resumo, as práticas internacionais mais avançadas
indicam, nas relações entre empresa e trabalho, a valorização de
todos os espaços de representação e a pauta de negociação
extrapola o salário para também incorporar a integração empresa-
força de trabalho. No âmbito da formação profissional, são
realizados esforços para transformar o perfil de qualificação do
trabalhador, na direção da ampliação de sua base de conhecimentos
e capacidade de intervenção sobre processos produtivos, para
viabilizar a melhoria contínua da eficiência produtiva.
No Brasil, as relações capital-trabalho são muito
heterogêneas entre setores e empresas. Genericamente, no início
dos anos 90, o país pode ser caracterizado pela presença de
relações capital-trabalho atrasadas, baixa incorporação dos
segmentos subalternos, oferta insuficiente de proteção social e
institucionalização precária dos instrumentos de representação de
interesses. Estas dimensões, de certo modo, amarram num mesmo
tecido social tanto os trabalhadores incorporados nas empresas
modernas quanto aqueles envolvidos em atividades desestruturadas
e informais.
177
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Notam-se posturas empresariais favoráveis à negociação do
processo de modernização com os sindicatos, à semelhança da
prática internacional contemporânea. Mas a prevalência é de
comportamento nitidamente anti-sindical, baseado na definição de
regras de modo unilateral, portanto, a não disposição das
empresas em negociar a modernização produtiva. Nestes casos, em
geral, as empresas tendem a buscar o envolvimento dos
trabalhadores a partir de benefícios individuais, ao mesmo tempo
que rechaçam qualquer forma de organização operária nos locais de
trabalho.
A opção por uma ou outra alternativa depende não só da
empresa mas também da capacidade de organização dos sindicatos e
a extensão em que a modernização, e portanto a competitividade
industrial, é uma questão relevante para os trabalhadores. Em
geral, onde os sindicatos são organizados e com
representatividade abrem-se possibilidades para a negociação. Mas
ainda se nota o despreparo dos sindicatos para negociar estas
questões, ou seja, uma prática sindical rígida de oposição a
processos de modernização, o que inviabiliza a resolução
negociada de conflitos.
Os setores industriais com maior prática de negociação são
os metalúrgicos e aqueles relacionados ao complexo químico. A
pauta de negociação destes setores inclui: acesso à informação
sobre projetos de modernização, estabilidade no emprego e
reciclagem e treinamento da mão-de-obra. Os setores onde a
negociação vem sendo mais difícil são: têxtil, vestuário e
calçados, mobiliário e cimento. Em cada um destes setores, as
práticas empresariais diferem bastante de uma empresa a outra.
Com relação ao emprego, os resultados do ECIB não são
diferentes das evidências de todas as pesquisas de emprego
industrial feitas no país. A pesquisa de campo mostrou que entre
1987/89 e 1992 o emprego médio por empresa sofreu uma queda de
16%. Segundo a FIESP, entre dezembro de 1992 e agosto de 1993 a
produção na indústria paulista aumentou 46,6%, enquanto o número
de postos de trabalho aumentou apenas 0,1%. A queda dos níveis de
emprego é preocupante pois está ocorrendo não só a eliminação de
empregos que eventualmente poderiam ser retomados com
crescimento, mas também a extinção de empregos, pela introdução
de novas técnicas organizacionais menos intensivas em emprego,
redução de níveis hierárquicos e mudanças das estruturas de
cargos e salários.
Dos setores examinados pelo ECIB, somente a indústria de
alumínio apresentou um crescimento forte do emprego, o que é
explicado por níveis de produção que se aproximam do limite da
capacidade instalada. Pelo menos 1/3 do emprego foi cortado nos
setores de bens de capital mecânico e eletrônico e bens de
consumo final. Para o primeiro conjunto de setores, está
refletida a inibição da indústria ao investimento em capital
fixo. Já na indústria de bens de consumo final, grande parte da
queda nos níveis de emprego pode ser explicada pelo processo de
terceirização das empresas que vem ocorrendo com forte
intensidade. Deve-se deixar claro que esta terceirização muitas
178
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
vezes está associada à informalização do trabalho,
"descarregando" as empresas de suas obrigações sociais, conforme
será indicado na análise setorial.
A questão do emprego, portanto, constitui um problema não
trivial. O progresso industrial é poupador de mão-de-obra e a
elasticidade emprego-produto está diminuindo drasticamente em
todos os países e setores industriais. Mesmo no Japão a prática
de estabilidade no emprego, considerada um ativo competitivo
fundamental, está sendo crescentemente erodida.
No Brasil, o emprego industrial ocupa algo em torno a 10% da
população econômica ativa e as características do mercado de
trabalho brasileiro, principalmente do setor terciário, são
desconhecidas. Ao mesmo tempo, mirar no exemplo externo não
ajuda, pois as especificidades do mercado de trabalho brasileiro
são grandes e as tendências internacionais são muito incertas.
Além disto, existem amplas possibilidades de expansão do mercado
interno, o que demanda expansão da produção industrial local. Na
verdade, a expansão do mercado interno é, com certeza, a maior
vantagem competitiva para o setor industrial, indicando
possibilidades de ampliação do emprego industrial, ainda que a
taxas inferiores àquelas observadas no passado. Deste modo, a
questão do emprego industrial é complexa, impossível de ser
resolvida, no curto prazo, por fórmulas simples. Por ser de longa
maturação, recomenda-se que as instituições e atores sociais
iniciem a avaliação do mercado de trabalho imediatamente.
A estratégia de gestão de recursos humanos das empresas
entrevistadas pelo ECIB (Tabela 17) revela que, se por um lado
existe a preocupação positiva com a polivalência - o que amplia o
espaço de intervenção do trabalho -, por outro lado não existe a
disposição formal de garantir a estabilidade do emprego. Dito de
outro modo, as empresas indicam a necessidade do envolvimento da
mão-de-obra com os seus objetivos competitivos, mas não pretendem
formalizar seu compromisso com a estabilidade do emprego.
TABELA 17
AMOSTRA DE EMPRESAS - ESTRATÉGIA DE RECURSOS HUMANOS
(Nº Total de Respondentes = 643)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO % DE RESPONDENTES
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
. Definir postos de trabalho de forma estreita e rígida 6%
. Definir postos de trabalho de forma estreita mas incentivar os trabalhadores a
executarem tarefas fora da definição dada 22%
. Definir postos de trabalho de modo amplo visando alcançar polivalência 47%
. Não definir rigidamente os postos de trabalho de modo que a gama de tarefas
varie consideravelmente 7%
. Não há estratégia definida 18%
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
179
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Um grande obstáculo encontrado pelas empresas para a
implantação de processos de modernização está associado à
incapacidade de desenvolver uma política de recursos humanos
capaz de garantir a motivação e participação da força de trabalho
nos diversos programas. Isto vale tanto para as alta e média
gerências quanto para o chão-de-fábrica.
O envolvimento dos trabalhadores nos processos de decisão
não é alto. Em 1992, das 661 empresas consultadas, 443 utilizam
círculos de controle de qualidade (CCQs) envolvendo até 10% dos
empregados, 59 envolvem entre 11 e 50% dos empregados e, em
apenas 41, acima de 50% dos empregados participam de CCQs. É
importante apontar que, comparado ao período 1987-89, não ocorrem
avanços substanciais no uso de círculos de controle de qualidade.
Do lado da gerência, são ainda incipientes os passos na
direção de atividades em equipe e/ou interfuncionais. A
participação do pessoal da produção é dificultada não só pelo
baixo nível de escolaridade dos trabalhadores como também pela
resistência das gerências médias. A transferência de poder
decisório para os trabalhadores é vista pela gerência com
desconfiança e, por isto, ocorre a insistência em formas de
controle tradicional. Não são raros os casos onde a solução
encontrada pela alta administração foi o afastamento dos gerentes
mais refratários aos programas de modernização.
Com relação ao treinamento, a pesquisa do ECIB indica uma
elevação tímida do investimento na melhoria da qualificação da
mão-de-obra. O investimento em treinamento era da ordem de 0,4%
do faturamento em 1987/89, elevando-se para 0,5% em 1992. Naquele
período, 42% das empresas não realizavam qualquer tipo de
treinamento e, em 1992, este grupo corresponde a 37%.
As empresas dos setores produtores de equipamentos
(eletrônicos e mecânicos), assim como aquelas que exportam acima
de 50% do faturamento, são aquelas que mais gastam com
treinamento. As grandes empresas, que exportam entre 30 e 50% do
faturamento e produzem bens de consumo duráveis e não-duráveis,
são as que apresentam menores gastos.
No entanto, como revela a Tabela 18, são poucas as que
treinam 100% dos empregados e a preferência é clara pela formação
da gerência.
TABELA 18
AMOSTRA DE EMPRESAS - NÚMERO DE EMPRESAS QUE REALIZAM TREINAMENTO
SISTEMÁTICO DE TODOS OS EMPREGADOS POR FUNÇÃO
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DISCRIMINAÇÃO Nº EMPRESAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Gerência 51
Profissionais técnicos 24
Trabalhadores qualificados 19
Operadores/empregados 23
180
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: Pesquisa de Campo do ECIB, 1992.
As entrevistas realizadas nos diversos setores revelou um
número significativo de empresas que não quantificam o montante
dispendido em treinamento. Outro elemento observado foi que
muitas empresas parecem ainda não ter dado importância a ítens
como: a) o incentivo e a motivação para treinar; b) a existência
ou não de recompensas tangíveis em termos de maior remuneração,
ou menos tangíveis, como o status mais elevado atribuído a um
trabalhador qualificado.
Em resumo, a competitividade contemporânea demanda que as
empresas considerem a força de trabalho como recurso e não como
custo. A parceria capital-trabalho é conquistada em processos de
negociação, que dependem da disposição e atitude dos atores
envolvidos. A medida objetiva do grau de intensidade da parceria
é definida pelo grau de participação dos trabalhadores nos
processos decisórios.
A construção de parcerias capital-trabalho é prerrogativa
dos atores envolvidos. Respeitando-se esta premissa, o ECIB
recomenda que empresas e representantes de trabalhadores busquem
ampliar os espaços e renovar as pautas de negociação. Para as
empresas, cabe promover novos atributos e qualificações e a
participação dos trabalhadores em seus processos decisórios. Para
isto, são necessárias as seguintes ações:
- buscar formas de resolução negociada de conflitos;
- reconhecer comissões de representantes de trabalhadores
organizados, se couber, por sindicatos;
- avançar para a estabilidade associada à flexibilidade
funcional;
- promover a participação dos trabalhadores nos resultados
da empresas e nos processos decisórios;
- negociar com representantes de trabalhadores e sindicatos,
onde couber, os projetos de modernização;
- envolver toda a força de trabalho em programas de educação
e treinamento;
- renovar e reciclar as gerências intermediárias;
- renovar currículos de treinamento para incorporar
inovações organizacionais e automação industrial;
- reciclar o corpo de treinadores.
181
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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PARTE III: DIMENSÃO ESTRUTURAL DA COMPETITIVIDADE
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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1. FUNDAMENTOS ESTRUTURAIS DA COMPETITIVIDADE
O ESTÍMULO DE MERCADOS DINÂMICOS E EXIGENTES
Mercados Internos Dinâmicos
Mercados internos dinâmicos estimulam as empresas à busca
contínua de competitividade e permitem a obtenção de economias de
escala e escopo que efetivamente viabilizam esta maior
competitividade. A constante renovação do parque industrial, com
a introdução de novos equipamentos e das tecnologias atualizadas
neles incorporadas, assim como a instalação de novas plantas, é
um processo natural em mercados que se expandem.
Em mercados pouco dinâmicos, embora plantas e equipamentos
menos eficientes sejam alijados da indústria, as empresas de
maior sucesso se expandem preferencialmente através da aquisição
daquelas de pior desempenho, ocupando suas parcelas de mercado
sem ampliar a capacidade produtiva, sem renovar o parque
industrial. Equipamentos ociosos e expectativas incertas ou
pessimistas não induzem investimentos produtivos. Empresas que
atuam em mercados estagnados tendem a introduzir inovações
pontuais, substituindo equipamentos apenas em etapas críticas do
processo produtivo e adotando parcialmente novos métodos de
trabalho. Principalmente em indústrias de processo contínuo, a
atualização tecnológica exige muitas vezes grandes blocos de
investimento, inviabilizados na ausência de perspectivas
favoráveis de crescimento das vendas.
Principalmente em indústrias de elevadas escalas produtivas,
altos níveis de capacidade ociosa inviabilizam a operação,
pressionando as empresas a exportarem a qualquer preço de modo a
manter o nível de atividade de suas plantas. Quando essa situação
é enfrentada simultaneamente por diversos países, o mercado
internacional torna-se um escoadouro da produção residual,
definindo preços no mercado internacional usualmente inferiores
aos vigentes nos mercados internos. Nesses momentos, a
dependência do mercado externo compromete a rentabilidade e o
desenvolvimento competitivo das indústrias que não contam com uma
base de mercado interno suficientemente ampla. Essa situação tem
caracterizado os mercados de produtos siderúrgicos e
petroquímicos, dentre outros.
Se o crescimento do mercado viabiliza investimentos,
consumidores exigentes quanto a padrões de qualidade e desempenho
estimulam a busca de capacitação e eficiência produtiva por parte
das empresas. Consumidores bem informados, aptos a expressar no
mercado sua demanda por produtos que atendam adequadamente a suas
necessidades, induzem as empresas a adotar estratégias ofensivas,
voltadas para a superação de suas limitações de modo a responder
a níveis crescentes de exigências.
183
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Elevação do Conteúdo Tecnológico dos Produtos
O movimento das empresas líderes internacionais na direção
do upgrading de produtos reflete estratégias de dinamização de
mercados com tendências a estagnação.
Observa-se nos países desenvolvidos claros sinais de
saturação do consumo per capita de produtos básicos, o que é
agravado por taxas de crescimento populacional negativas ou
próximas de zero. Altos níveis de renda, entretanto, favorecem o
dinamismo em segmentos específicos de mercado. A busca destes
mercados tem levado as empresas líderes a desenvolverem
estratégias de desenvolvimento de novos produtos, da introdução
de novos atributos ou melhoria de características visuais ou de
desempenho em produtos antigos, enfim, reduzindo o ciclo de vida
dos produtos e promovendo a "descomoditização" dos básicos.
As empresas líderes têm buscado a obtenção de vantagens
competitivas baseadas em sua maior capacitação tecnológica,
agilidade de resposta a mudanças no mercado e capacidade de
atendimento a rigorosas especificações de atributos do produto.
Além de mais dinâmicos, os mercados de produtos de maior conteúdo
tecnológico permitem margens de rentabilidade mais elevadas. Em
contrapartida exigem investimentos em P&D de produtos e, em
diversos casos, também de processos, assim como novos
equipamentos.
Esta tendência está presente em praticamente todos os
setores estudados: na "descomoditização" dos produtos alimentares
agrícolas, no enobrecimento dos siderúrgicos, na ênfase em
design, estilo e moda nos produtos do complexo têxtil e na
indústria de móveis, na proliferação de novos modelos na
automobilística e em bens eletrônicos de consumo, nas
especialidades e pseudo-commodities químicas, na "customização"
dos bens de capital e, sem dúvida, na constante introdução de
novos produtos e crescente ritmo de obsolescência de produtos em
todo o complexo eletrônico.
Mesmo no mercado interno brasileiro, a globalização dos
padrões de consumo é uma forte tendência. A despeito da
desiguldade na distribuição de renda, o dinamismo apresentado no
Brasil pelos mercados de produtos diet, cigarros com baixos
teores de nicotina e óleos alimentares mais saudáveis (canola),
por exemplo, atestam este processo. Em alguns segmentos, a
manutenção de linhas de produtos que já se encontram em fase
descendente de seu ciclo de vida pode significar até mesmo a
extinção de empresas (pode-se citar o exemplo de alguns produtos
de papel, como cartões para copos, que estão sendo substituídos
por artigos baseados em outros tipos de papéis ou em outros
materiais).
184
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A elevação do conteúdo tecnológico da pauta de produtos dos
países líderes exacerbou na divisão internacional do trabalho o
gap tecnológico em relação à pauta de produção dos países em
desenvolvimento. O apoio a setores-chaves na difusão do novo
paradigma constitui o cerne das políticas industriais e
tecnológicas dos países desenvolvidos e as empresas locais destas
indústrias recebem todo tipo de estímulos, inclusive para
exportações. A globalização dos setores intensivos em tecnologia
tem-se aprofundado, em geral, com exclusão dos países em
desenvolvimento.
A presença sistemática em mercados internacionais representa
certamente estímulo à competitividade. A maior concorrência, a
diversidade de consumidores, geralmente com elevados níveis de
exigência, e possibilidades de expansão independentes da
conjuntura dos mercados domésticos induzem e viabilizam
estratégias competitivas por parte das empresas.
Em países de pequenas dimensões as empresas de maior
capacitação voltam-se naturalmente para o mercado internacional.
Sua presença em mercados onde a concorrência é cada vez mais
acirrada pela globalização exige esforços contínuos de aumento de
competitividade. As estruturas industriais destes países tendem a
ser especializadas e apresentam elevados coeficientes de abertura
externa.
Já em países com grande mercado interno a estrutura
industrial tende a ser mais completa e o horizonte de acumulação
inicial para a expansão das empresas locais é o mercado
doméstico. Em geral, é a partir de posições consolidadas
internamente que as empresas se lançam internacionalmente.
Mercados internos de grandes dimensões possibilitam a auferição
de economias de escala e escopo e propiciam o aprendizado
necessário para o enfrentamento de condições de concorrência em
ambientes menos favoráveis.
Além de mais completa, a indústria desses países tende a ser
também mais diversificada em termos de capacitação e desempenho
do que em países pequenos, multiplicando-se oportunidades
derivadas de fatores como acesso privilegiado a grupos de
consumidores ou atendimento a requisitos específicos da demanda
local. Em países continentais há maiores possibilidades de
sobrevivência para empresas aquém da best-practice, de vez que em
muitos casos as ineficiências produtivas podem ser
contrabalançadas pelas vantagens da proximidade produtor/cliente
ou na habilidade de servir o mercado.
A transição da indústria mundial para o novo paradigma
técnico-industrial vem dificultando a inserção internacional de
países em desenvolvimento. O desemprego, resultante basicamente
da crescente utilização da automação flexível e de novas técnicas
Presença Sistemática no Mercado Internacional
185
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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organizacionais e dos extraordinários ganhos de produtividade daí
decorrentes, atingiu taxas historicamente desconhecidas nos
países desenvolvidos. O elevado desemprego sanciona medidas
protecionistas às indústrias locais, especialmente as que
empregam grandes contingentes de pessoas, como as indústrias dos
complexos têxtil e agroindustrial e a indústria automobilística -
todos os países desenvolvidos sujeitam as importações de produtos
destes setores a fortes restrições, inclusive quantitativas.
Paralelamente, a difusão do antigo paradigma gerou excesso
de capacidade produtiva em commodities com a entrada de diversos
países em desenvolvimento na produção de petroquímicos básicos,
produtos siderúrgicos, celulose e outros. Deparando-se com uma
demanda relativamente estagnada, a conseqüente queda de preços e
acirramento da concorrência tornou comuns práticas de dumping
para o escoamento da produção, políticas de sustentação de preços
internos e apoio a exportações (principalmente nas cadeias de
base agropecuária) e aumento generalizado de medidas
protecionistas. O desenvolvimento de estratégias comerciais
ofensivas e de maior aproximação com clientes tornaram-se
fundamentais para a penetração em novos mercados ou manutenção de
posições no comércio internacional. A crescente adoção de
sistemas de qualidade total e a incorporação de progresso técnico
visando tanto a redução contínua dos custos de produção como a
intensificação do ritmo de lançamento de novos produtos cada vez
mais vem se constituindo em pré-requisito para o sucesso
mercadológico.
O fortalecimento das barreiras não-tarifárias ao comércio
por parte dos países desenvolvidos já afeta e poderá vir a afetar
com maior intensidade no futuro a inserção externa de países de
industrialização tardia como o Brasil. Seja por pressão dos
movimentos sociais, seja por pressão dos produtores locais, a
legislação nesses países tem-se tornado mais rígida quanto a
produtos e processo que potencialmente apresentem ameaças ao meio
ambiente e à saúde e segurança dos consumidores.
O processo de formação de blocos econômicos regionais, se
podem representar maiores dificuldades às exportações
brasileiras, podem também oferecer novas oportunidades,
especialmente no âmbito do Mercosul.
A NECESSIDADE DE CONFIGURAÇÕES INDUSTRIAIS COMPETITIVAS
Desde o final da década de 70 a indústria mundial tem sido
palco de um vigoroso processo de mudança estrutural, como
resultado da crescente adaptação dos grupos empresariais e dos
modelos de organização da produção a um novo cenário competitivo
internacional, mais technology-based e mais globalizado. Na
prática, a mudança do paradigma tem se refletido no surgimento de
novas fontes de competitividade e na perda de importância das
vantagens competitivas tradicionais, como as baseadas nas
disponibilidades de recursos naturais ou de energia.
186
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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O aprofundamento da integração financeira e comercial ao
nível global trouxe fortes repercussões sobre os padrões de
concorrência vigentes nas diversas indústrias. A difusão
acelerada das novas tecnologias de base microeletrônica e dos
novos métodos gerenciais obrigaram a uma profunda revisão dos
conceitos de organização da produção, principalmente em função da
valorização da contribuição das economias de escopo na criação de
vantagens competitivas. Em termos das configurações industriais
mais adequadas para o enfrentamento desse novo cenário
competitivo, os seguintes elementos centrais devem ser
considerados.
Porte Empresarial e Integração Produtiva que Permitam Estratégias
Competitivas Agressivas
As mudanças trazidas pelos novas tecnologias de automação
flexível e métodos organizacionais fizeram com que à exploração
das economias da produção em larga escala, que desde o pós-guerra
constituía o alvo central das estratégias competitivas, viesse a
se somar a obtenção de economias de escopo como fonte decisiva de
competitividade. As empresas voltaram-se para processos de
reestruturação, reduzindo o leque de produtos ofertados visando
uma maior especialização e, principalmente, maior integração das
atividades produtivas. A diversificação concêntrica, pautada em
linhas-de-produto afins em termos da base tecnológica ou da área
de comercialização, tornou-se uma fonte de lucros mais sólida do
que a verticalização ou a dispersão de capacitações em portfolios
de produtos com baixa sinergia, mesmo que isoladamente atrativos
em termos da lucratividade proporcionada.
Setores tradicionalmente intensivos em escala -
particularmente as indústrias de processo contínuo produtoras de
insumos básicos, como a petroquímica, siderurgia, alumínio,
celulose - sofreram reestruturações através de intenso processo
de fechamento de plantas e de fusões e absorções entre empresas,
findo o qual resultaram estruturas industriais não só mais
concentradas como também mais integradas. Nessas novas
estruturas, várias das grandes empresas européias, americanas ou
japonesas que dominavam o comércio internacional de commodities
abandonaram parcial ou totalmente a produção de semi-elaborados,
voltando-se para famílias de produtos de maior valor adicionado,
com elevado conteúdo tecnológico, muitas vezes especificados de
acordo com necessidades particulares da clientela, em um processo
denominado de "descomoditização".
Na indústria de petróleo, as experiências de diversificação
tentadas na década de 70 não se consolidaram, fato que levou as
grandes empresas a retornarem para a base tecnológica original.
Isto foi feito por meio de um reagrupamento empresarial de grande
extensão. As grandes empresas procuraram atuar na comercialização
internacional de petróleo e investir na verticalização de suas
atividades dentro da cadeia petrolífera. Já as empresas nacionais
dos países filiados à OPEP vêm buscando a penetração no mercado
dos países desenvolvidos. A nova postura dessas empresas é
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
condizente com a implementação de uma política de integração das
atividades de refino e comercialização em curso. O movimento
geral de integração a jusante é fator decisivo para atenuar
riscos.
Na indústria petroquímica internacional consolidaram-se
grupos integrados em todo o complexo químico, alguns deles
atuando desde a extração de petróleo até a química fina,
constituindo megaempresas que realizam vendas superiores a US$ 20
bilhões anuais. Para essas megaempresas o balanço adequado entre
diversificação e integração é fundamental, tendo o objetivo de
encontrar uma "medida certa" entre esses dois elementos
constituído o cerne de todo o movimento de reposicionamento
estratégico ocorrido na década de 80.
Na siderurgia, uma importante vantagem da indústria japonesa
é o seu elevado grau de concentração industrial. A produção das
cinco grandes usinas japonesas é equivalente à das quinze maiores
usinas européias. Mas as usinas japonesas não apoiam as suas
vantagens competitivas apenas na produção em plantas "gigantes".
O sucesso competitivo da indústria japonesa reside na excelência
de sua pesquisa industrial. Desprovida, internamente, dos
principais insumos para a fabricação do aço (minério de ferro e
carvão mineral), a indústria japonesa é líder de mercado pela
recorrente incorporação de novas tecnologias de processo e
produto.
Na indústria de celulose, as escalas ótimas das plantas
duplicaram, atingindo, segundo algumas estimativas recentes, a
casa das 500.000 t/ano. As empresas líderes de celulose e papel
norte-americanas, as maiores do mundo, atuam em geral nos
diversos segmentos de papel, com grandes plantas industriais, e
são empresas internacionalizadas, possuindo plantas em diversos
países. Outro aspecto importante destas empresas é o seu o
potencial de mobilização de recursos financeiros, que lhes
confere uma grande capacidade de promover modificações e
adaptações necessárias rapidamente. Esta é uma característica
cuja importância cresceu muito nos últimos anos, em função do
processo de fusões e aquisições que ocorreu na década de oitenta.
No caso dos países escandinavos, a perda de competitividade
em custos para países como os EUA, Canadá e Brasil levou à
verticalização em direção à produção de papel. Isto se deu
através da integração das plantas existentes e de processos
vigorosos de reestruturação patrimonial, através da aquisição de
empresas e pela fusão e/ou criação de joint-ventures. No final
dos anos 80, o resultado deste processo eram empresas bem
maiores, mais internacionalizadas, com grande potencial
financeiro, liderança tecnológica, maior valor agregado dos
produtos e liderança de mercado, em particular, na distribuição.
Nas agroindústrias, o processo de reestruturação das
empresas envolveu um decidido reposicionamento estratégico em
direção à segmentação de mercados, com as empresas apostando na
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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lucratividade dos produtos diet, light, semiprontos ou outras
opções para o consumidor. Guardadas as devidas proporções, este
movimento não difere significativamente da busca de
"descomoditização" que tem caracterizado as indústrias de insumos
básicos.
Dentre os setores intensivos em escala analisados pelo
Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB) o único
que não se encontra em uma trajetória de "descomoditização" é o
de extração e beneficiamento de minério de ferro, uma vez que
quando comparado a outras indústrias, esse setor apresenta
progresso técnico pouco dinâmico e reduzida gama de produtos
ofertados. As vantagens competitivas na mineração de ferro
continuam fundamentalmente baseadas naquelas advindas das
economias de escala proporcionadas por elevados volumes de
capital, em particular, para levar a cabo a infra-estrutura
necessária ao escoamento da produção, uma vez que a eficiência da
logística de transporte é central para assegurar rapidez e
confiabilidade do prazo de entrega. O formato mina-ferrovia-porto
próprios tornou-se o sistema-padrão de operação eficiente no
setor, exigindo das empresas enorme capacidade de acumulação
interna e externa de capital visando consolidar ou expandir a
infra-estrutura física requerida pelas exportações.
Fortalecimento de Redes Cooperativas Horizontais
Também nos setores de menor intensidade de capital a
competitividade tem se pautado cada vez mais na incorporação de
progresso técnico em substituição às vantagens tradicionais
derivadas dos baixos custos salariais ou das matérias-primas.
Isso tem implicado o aumento do peso relativo dos investimentos
associados a construção de capacitação em P&D de processos e
produtos, formação de mão-de-obra, aperfeiçoamento gerencial,
desenvolvimento de softwares, entre outros.
Nas configurações industriais em que o pequeno porte
empresarial dificulta a exploração das novas fontes de
competitividade, é cada vez mais frequente o surgimento de formas
de cooperação horizontal, seja através do fortalecimento de pólos
regionais de produção, geradores de economias de aglomeração,
seja através da formação de alianças estratégicas entre empresas,
principalmente com vistas a dar suporte a intensificação dos
esforços de P&D.
Nas indústrias do complexo têxtil, em particular, com a
crescente utilização da informática através de CAD/CAM (computer
aided design e computer aided manufacturing) no ramo de
confecções e calçados, o fator tecnológico é fundamental para
explicar movimentos de reorganização da produção em duas direções
relevantes.
Da parte das empresas líderes dos países de industrialização
avançada, passou a predominar a prática de subcontratar outras
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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firmas (muitas vezes em países em desenvolvimento) para a
produção de determinados lotes de produtos ou apenas para a
realização da fase mais intensivas em trabalho, como a costura
(outward processing).
Da parte das empresas não-líderes internacionais, mecanismos
visando ampliar as capacitações tecnológicas e gerenciais para
conjuntos de empresas envolvendo iniciativas atenuadoras de suas
desvantagens de escala têm sido utilizados com grande freqüência.
A concentração regional típica do complexo têxtil cria
oportunidades ideais para a estruturação de pólos de confecções
ou calçadistas como mecanismo central para reestruturação
setorial no segmento das pequenas e médias empresas. Há vários
tipos de projetos normalmente contemplados na formação de pólos
para as indústrias do complexo: centrais de compra de matérias-
primas, centrais de marketing, programas de capacitação de
recursos humanos, desenvolvimento e implantação de sistemas de
gestão e controles gerenciais, implantação de sistemas de CAD/CAM
para uso compartilhado, organização de eventos, centros de
informação de tendências de moda e tecnologias.
A aglutinação de empresas nos pólos em torno de projetos
comuns, além de propiciar condições adequadas à elevação da
eficiência produtiva e gerencial, pode também facilitar as
relações tanto com fornecedores como melhorar o acesso a mercados
inexplorados pelas deficiências de escala. A formação de grupos
de pequenas e médias empresas organizadas em pólos tende a
viabilizar o fornecimento a grandes empresas, inclusive,
facilitando o estabelecimento de verdadeiras parcerias. A
experiência da formação do pólo de vestuário da região da Emília
Romana, na Itália, demonstrou a capacidade transformadora deste
instrumento de desenvolvimento empresarial. Esta região tornou-se
importante exportadora de vestuário através da atuação do sistema
de redes horizontais de empresas.
Situação similar é experimentada pelo setor moveleiro. No
nível internacional tem se desenvolvido um padrão de organização
da indústria de móveis com reduzida verticalização da produção, o
que tem possibilitado uma maior especialização em cada uma das
etapas do processo de produção. Na Itália, que tal como ocorre no
complexo têxtil é o país-líder na produção de mobiliário, as
maiores empresas dedicam-se, primordialmente, à montagem e ao
acabamento de móveis a partir de peças e componentes produzidos
por um grande número de pequenas empresas que trabalham em regime
de subcontratação. Há, no total, cerca de 33.000 empresas que, em
sua imensa maioria, empregam menos de 10 pessoas. Poucas são as
empresas com mais de 500 empregados. O sucesso de Taiwan deve-se,
em grande medida, também a uma reduzida verticalização da
produção. Este novo modelo industrial contrasta fortemente com a
indústria de móveis tradicional em que cada unidade produtiva
congrega inúmeros processos de produção e obtém uma
multiplicidade de produtos.
190
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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O mecanismo utilizado para minimizar a verticalização, e
maximizar a eficiência e a escala de produção envolve o
fortalecimento de pólos moveleiros, congregando numa mesma região
uma multiplicidade de empresas que ao invés de se dedicarem a
produzir o mesmo tipo de mobiliário sem nenhuma divisão de
trabalho, estabelecem mecanismos de cooperação horizontal que
facilitam sua integração como fornecedores de empresas maiores,
assim como amplia o acesso a grandes distribuidores e ao mercado
externo.
A formação de alianças estratégicas entre as principais
empresas líderes em nível internacional é outra tendência
fundamental observada no contexto internacional. Os projetos
ESPRIT e EUREKA, por exemplo, constituem uma resposta da
Comunidade Econômica Européia favorecendo suas empresas líderes
dos setores de eletrônica de consumo a enfrentarem o incremento
dos custos de P&D derivado das mudanças tecnológicas em curso,
como a tendência à digitalização materializada na televisão de
alta definição e na multimídia.
Intensificação da Cooperação Vertical para Otimizar Capacitações
Produtivas e Tecnológicas nas Cadeias Industriais
A intensificação da cooperação vertical, proporcionada pelo
desenvolvimento de novas formas de articulação entre o conjunto
de agentes econômicos atuantes nas cadeias produtivas, é outro
traço marcante das configurações industriais competitivas. Essas
novas formas de cooperação vertical abrem espaço para relações
intersetoriais fortemente sinérgicas articulando empresas,
fornecedores e clientes, criando assim condições estruturais
adequadas para o incremento da competitividade de todos os
agentes envolvidos.
De acordo com as formas de integração produtiva vigentes
entre empresas de uma mesma cadeia produtiva, definem-se
horizontes variáveis para a elevação dos níveis de
competitividade. Nas formas mais simples de cooperação, como as
proporcionadas por esquemas de cadastramento ou certificação de
fornecedores ou, ainda, outros métodos de garantia da qualidade,
o incremento de competitividade é associado à melhoria da
qualidade dos produtos ou a redução de custos de insumos que a
adoção dessas práticas proporciona. Os horizontes se alargam à
medida que aumenta a intensidade da cooperação existente entre
empresas. Programas de qualificação de fornecedores e de
assistência técnica a clientes, indutores de interações
tecnológicas, podem propiciar uma aceleração do ritmo de
introdução de inovações de processo e de produto. Em um estágio
superior de cooperação, pode ter lugar a própria reestruturação
da cadeia de produção, através da redivisão de trabalho
interempresas. Processos de terceirização ou subcontratação da
produção, desde que tecnologicamente racionais, podem propiciar
que a cadeia produtiva caminhe em direção a graus ótimos de
especialização, que permitam significativas reduções de custos de
produção e incrementos da qualidade em todos os seus elos.
191
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Um exemplo avançado da construção dessas redes é dado pela
indústria automobilística no Japão. A cadeia de suprimento
japonesa opera, principalmente, com base em vínculos verticais
entre empresas que desempenham diferentes papéis, hierarquizadas
em três ou quatro níveis. Os fornecedores de primeiro nível
comunicam-se diretamente com a montadora, fornecendo sistemas de
componentes ou subconjuntos pré-montados. Essas empresas, dotadas
de forte capacitação inovativa, conduzem o desenvolvimento e
planejamento do produto, gerenciam a pirâmide de suprimento e
fornecem o subconjunto pré-testado e pronto para instalação. As
empresas de segundo nível, que tendem a ser especializadas em
fabricação - normalmente sem muita qualificação em tecnologia de
produto, mas com forte competência em tecnologia de processo -
fornecem componentes, peças isoladas e materiais para as empresas
de primeiro nível. Essas empresas, por sua vez, contratam outras
de terceiro ou quarto nível para o seu suprimento de peças e
materiais isolados.
A estrutura de fornecimento acima descrita permite a redução
do número de fornecedores diretos das montadoras. A maioria das
montadoras japonesas comunica-se com aproximadamente 300
fornecedores do primeiro nível que, por sua vez, subcontratam
cerca de 10.000 pequenas e médias empresas. Segundo informações
referentes a meados da década de 80, enquanto uma montadora
japonesa comprava peças de motores de 25 fornecedores primários,
que subcontratavam 912 empresas, as quais eram abastecidas por
4960 fornecedores de terceiro nível, as montadoras norte-
americanas e européias, em contraste, trabalhavam com cerca de
1000 e 2000 fornecedores (a indústria de autopeças norte-
americana conta com cerca de 15000 pequenas e médias empresas).
A construção de amplos networks, envolvendo produtores,
fornecedores, clientes e entidades tecnológicas tem caracterizado
as configurações competitivas vitoriosas em praticamente todos os
setores da atividade industrial.
Para as indústrias baseadas em insumos primários o
networking tem envolvido crescentemente a produção agropecuária.
Seja devido à busca de maior agregação de valor por parte da
agroindústria alimentar, seja pela necessidade de redução de
custos das matérias-primas ou das perdas por não conformidade por
parte das indústrias têxtil, de calçados, de móveis de madeira e
de celulose. A constituição de uma base agrícola e florestal
adequada tem implicado aumento do conteúdo tecnológico dessas
atividades, de forma similar ao processo em curso na área
industrial. Percebe-se uma atuação bastante decidida de grupos
líderes agroindustriais na geração e transferência de tecnologias
para os produtores agrícolas.
Alguns fatores têm se mostrado decisivos para a constituição
dos laços entre empresas que garantam a elevada solidariedade
requerida para o adequado funcionamento dessas redes verticais.
192
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Um primeiro fator, e talvez o mais importante, é a
capacidade das empresas líderes de desenvolver relações de longo
prazo com os seus fornecedores (recorrendo a poucos fornecedores
por produto) baseadas na confiança e comunicação, ao invés do
estímulo à concorrência entre (muitos) fornecedores para reduzir
preços. Em muitos casos, as empresas mantêm participação
acionária nos seus fornecedores ou envolvem-se em esquemas de
participações acionárias cruzadas. Verifica-se, também, a
formação de associações para compartilhar os custos de
desenvolvimento tecnológico de produtos ou para obter economias
de escala na produção. Intercâmbios de pessoal técnico, de
projetos ou de informações e outras iniciativas associadas ao que
tem sido denominado de processo de aprendizado por interação são
cada vez mais freqüentes na indústria mundialmente.
Fundamentais também são os desenvolvimentos nas técnicas de
gestão da produção, com o contínuo aprimoramento dos métodos de
garantia da qualidade, de quick response, a intensificação das
práticas de just-in-time externo, enfim, inovações que
proporcionam um grande aumento da confiabilidade nas relações
produtor-fornecedor. Em várias indústrias, o processo de
desverticalização baseado em subcontratação de fornecedores
proporcionado por essas técnicas teve forte impacto
reestruturante.
O terceiro fator que cumpre papel preponderante na soldagem
dessas redes verticais é a infra-estrutura tecnológica. O aumento
da intensidade das trocas de mercadorias entre empresas valoriza
as atividades ligadas à chamada tecnologia industrial básica pois
metrologia, normalização e certificação da qualidade são
externalidades fundamentais para assegurar confiabilidade nessas
relações de compra e venda. A cooperação mais intensa envolve
também maior nível de trocas de tecnologias, razão pela qual
constata-se o aumento do espaço de atuação de entidades
tecnológicas cujo escopo de atuação, além das atividades de P&D
propriamente ditas, tem se ampliado em direção a áreas ligadas a
difusão de informações tecnológicas, treinamento de recursos
humanos e outras.
Em países com vocação agrícola, a infra-estrutura de
pesquisa e desenvolvimento de novas variedades de sementes, novas
técnicas de cultivo ou, ainda, de manejo das safras, tem se
revelado essencial para a competitividade da agroindústria, uma
vez que a maior dispersão econômica e geográfica característica
da agricultura restringem a viabilidade da P&D in-house
(intramuros), delimitando um importante campo para a atuação das
entidades tecnológicas.
A IMPORTÂNCIA DA PROMOÇÃO DA CONCORRÊNCIA
Participar com sucesso do jogo competitivo exige das
empresas não somente grande solidez financeira e capacidade de
mobilização de recursos produtivos, mas uma "mentalidade"
decisória decididamente voltada para o longo prazo. A despeito
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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das incertezas que cercam as atividades de P&D ou a adoção de
estratégias empresariais inovadoras, as vantagens do pioneirismo
no lançamento de novos produtos ou do desenvolvimento de novas
formas de articulação com os clientes favorecem as empresas com
grande propensão a assumir e capacidade de absorver riscos
competitivos elevados.
Simetricamente, empresas que se acomodam com obtenção de
lucros "fáceis", imediatistas, advindos de práticas oportunistas
propiciadas por distorções nas condições de competição, são
punidas com a perda de capacidade competitiva a longo prazo.
Ao fazer da existência de ambientes concorrenciais de grande
rivalidade inter-empresarial uma precondição para a
competitividade, essas transformações definem um novo papel para
a promoção e regulação da concorrência na política industrial. Se
o objetivo é assegurar o dinamismo e incrementar o ritmo de
inovação, cabe à política industrial assegurar uma pressão
competitiva ajustada para proporcionar a maximização da
inovatividade sem comprometer, no entanto, a capacidade de
sobrevivência das empresas.
Entre as mudanças institucionais mais significativas no
cenário internacional destaca-se o deslocamento nas formas de
atuação do Estado - que se torna progressivamente mais
regulatório do que intervencionista. Isso implica, de um lado,
maior ênfase na adoção de procedimentos gerais e estáveis, sempre
que possível de caráter legislativo, ao invés de medidas de
caráter administrativo, ad hoc e discricionárias, ao sabor das
políticas momentâneas dos órgãos governamentais executores; de
outro lado, menor ênfase na intervenção direta do Estado na
esfera industrial, embora sem prejuízo de ações específicas de
cunho estruturante naquilo que envolve conflitos de interesses
mais complexos e alcance público estratégico, como a articulação,
mediação e eventualmente, gestão de processos de reestruturação
produtiva ou patrimonial de setores ameaçados por condições
adversas de competitividade.
Os principais instrumentos regulatórios que afetam a criação
e o fortalecimento do ambiente competitivo são a defesa da
concorrência e do consumidor, a defesa do meio ambiente, o regime
de proteção à propriedade intelectual e de controle do capital
estrangeiro. A estes agregam-se as políticas tarifária e de
comércio exterior, incluindo os mecanismos não-tarifários, a
aplicação das leis anti-dumping e anti-subsídios e do código de
salvaguardas comerciais.
As políticas de promoção da concorrência mostram-se mais
eficazes quando a ênfase da regulação dirige-se diretamente ao
mercado, recaindo sobre as condutas das empresas e não
interferindo sobre a estrutura da indústria. No novo quadro
regulatório, marcado em certa medida, pela desregulamentação e
liberalização do funcionamento do mercado mas também pela
presença dominante do oligopólio, trata-se de reconhecer o maior
194
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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potencial competitivo de estruturas concentradas em certos
setores ou de estratégias associativas entre empresas e garantir
a rivalidade entre os grandes grupos empresariais, dotando o
Estado de capacidade administrativa de monitoramento das práticas
concorrenciais e, quando necessário, intervenção. O enfoque
moderno da legislação de defesa da concorrência volta-se para a
firme coibição dos abusos da posição dominante e de práticas
restritivas comuns em estruturas oligopólicas, com efeitos
predatórios sobre concorrentes, consumidores e parceiros
comerciais (fornecedores ou compradores), admitindo a existência
e a normalidade de posições dominantes de mercado.
Do ponto de vista do sistema de comércio mundial, os anos 90
se caracterizam pela disputa entre modelos alternativos de
política comercial, contrapondo a formação de blocos regionais
protecionistas e a tendência à liberalização dos fluxos
econômicos internacionais.
A conclusão da Rodada Uruguai do GATT ampliou o escopo do
multilateralismo e seu papel relativo enquanto instância de
produção de regras. No entanto, a situação macroeconômica e o
desempenho comercial dos países da OECD, em especial a evolução
dos fluxos de comércio entre os EUA e o Japão, influencia a
capacidade de adaptação dos países da OECD às novas regras do
jogo da competição internacional e, por esta via, condiciona a
capacidade de resistência dos governos destes países às pressões
protecionistas e às demandas pela proliferação de medidas de
administração do comércio bilateral. Apenas a evolução dos
processos de integração em curso na Europa e na América do Norte
explicitará melhor o papel econômico e político das iniciativas
de regionalização e, em particular, o grau de conflito entre tais
iniciativas e o processo de liberalização dos fluxos
internacionais de comércio e investimento.
De modo geral, o quadro é desfavorável para os países em
desenvolvimento. As políticas comerciais dos países da OECD têm
sinalizado para um crescimento da proteção aos produtos de alto
conteúdo tecnológico e para a agregação de novas barreiras não-
tarifárias, como as apoiadas em normas ambientais, àquelas já
tradicionalmente aplicadas a produtos nos quais os países em
desenvolvimento mostram-se competitivos.
Por outro lado, a intensificação da agressividade
competitiva das empresas tem estimulado o recurso ao dumping ou
outras práticas desleais de comércio como estratégia de conquista
de mercados. Diante desse quadro, a capacitação das agências
públicas na operação dos instrumentos não-tarifários de proteção
ao mercado interno, como a legislação anti-dumping, os direitos
compensatórios e a aplicação de salvaguardas comerciais, ganham
especial importância.
195
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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2. COMPETITIVIDADE ESTRUTURAL DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
PANORAMA GERAL
A heterogeneidade de capacitações competitivas é elevada na
indústria brasileira, principalmente nos setores voltados para o
consumo pessoal interno e nos principais fornecedores desses
setores, agravada pela disparidade nos níveis de renda e consumo
da população. Setores produtores de bens intermediários, baseados
em recursos naturais e voltados para a exportação, concentram a
maior parte das empresas competitivas do país.
Com 150 milhões de habitantes e cerca de US$ 2.700 de renda
per capita, o Brasil representa um dos maiores mercados do mundo.
Esta é a principal vantagem competitiva do país, fator básico
responsável pela existência atual de um parque industrial
complexo e diversificado e pela instalação, ao longo dos anos, de
empresas transnacionais de todas as procedências.
O potencial deste mercado é ainda mais amplo, restringindo-
se o consumo efetivo pela marginalização de parcela significativa
da população e pela crescente desigualdade na distribuição da
renda. Cerca de 30% da população brasileira vive em condições de
pobreza absoluta, estando portanto excluída do mercado; dos
rendimentos do trabalho, em 1990, os 50% de menor remuneração
apropriavam-se de apenas de 8,4% do total, podendo-se inferir a
limitação da pauta de consumo destes trabalhadores.
Os dados nacionais de consumo por habitante para todos os
produtos, inclusive básicos, como alimentos e vestuário, são
muito inferiores aos de países com níveis semelhantes de renda
per capita. A grande maioria dos setores industriais vem
enfrentando, em todos os segmentos, estagnação do mercado, o que
se traduz em ociosidade de equipamentos (cerca de 20% nas
empresas entrevistadas pelo ECIB) e baixos níveis de
investimentos. Neste contexto, existe potencial de crescimento
que poderá minimizar um possível trade off entre competitividade
e emprego, em uma situação inversa à dos países desenvolvidos.
Se as dimensões do mercado interno brasileiro representam a
principal vantagem competitiva do país, o baixo dinamismo
apresentado na última década pode ser considerado um dos maiores
obstáculos à competitividade da indústria no momento atual.
A instabilidade no crescimento do produto nacional na década
de oitenta e a forte recessão do início dos noventa indicam que o
mercado brasileiro não representou estímulo à competitividade da
indústria. Historicamente, nunca a formação de capital constituiu
uma proporção tão pequena do produto (17,5% em 1992), o que
mostra a insuficiência do investimento agregado para a renovação
da estrutura produtiva, especialmente numa época em que se
difunde internacionalmente um novo paradigma industrial. A
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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retração do mercado chega a colocar em risco a sobrevivência dos
segmentos produtores de bens de capital.
Como conseqüência da estagnação, as empresas adotaram
estratégias de sobrevivência que seguiram basicamente três
etapas: iniciou-se com um profundo ajuste patrimonial, no começo
dos oitenta, envolvendo redução do endividamento e aumento de
receitas não operacionais, através da realização de aplicações
financeiras em detrimento de investimentos produtivos; prosseguiu
com a redefinição de mercados, buscando as empresas o aumento de
seus coeficientes de exportação (estratégia que apresenta
especificidades setoriais, tendo sido particularmente intensa em
determinadas indústrias, como calçados, siderurgia,
automobilística, petroquímica e abate de aves, entre outras);
finalmente a terceira etapa, já ao final da década, atingiu o
processo produtivo.
Este último ajuste teve seu início nas empresas líderes e
ainda está em processo de aprofundamento e difusão por
praticamente toda a indústria brasileira. Como mencionado na
Parte II, de acordo com a pesquisa de campo realizada, 72% das
empresas apontou a retração do mercado interno como principal
elemento considerado na formulação das estratégias adotadas. O
ajuste produtivo consiste basicamente em uma estratégia defensiva
de racionalização da produção, visando reduzir custos, seja
através da introdução parcial e localizada de equipamentos de
automação industrial e de novas técnicas organizacionais do
processo de trabalho, seja através do "enxugamento" da produção,
com redução de pessoal (queda de 15% no emprego direto, contra
redução de apenas 1,3% no faturamento das empresas pesquisadas,
entre 1992 e a média 1987/89) e eliminação de linhas de produção
(movimentos de desverticalização, subcontratação e
especialização).
Embora não tenha ocorrido renovação e atualização extensiva
do parque industrial, o ajuste empreendido aumentou a eficiência
e evitou a desindustrialização (a menos de áreas específicas,
como no caso do setor de microeletrônica), o que pode ser
considerado um sucesso quando se compara o Brasil a outros países
da América Latina. Do ponto de vista da competitividade, o
aumento de produtividade e da qualidade dos produtos, a redução
dos prazos de produção e entrega e o início de utilização de
novas técnicas de organização certamente são positivos.
É preocupante, por outro lado, que apenas 18% das empresas
entrevistadas tenha informado utilizar equipamentos de última
geração, enquanto para metade da amostra o equipamento mais
importante da produção tenha mais de dez anos. Do mesmo modo, a
indústria brasileira tem investido valores irrisórios no
desenvolvimento de produtos e apresenta, em geral, defasagens
importantes neste campo em relação à indústria internacional. Ao
contrário das líderes mundiais, as estratégias empresariais, com
raras exceções, enfatizam pouco a diferenciação de produtos, a
segmentação de mercados e a introdução de inovações.
197
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Diversos fatores podem ser responsabilizados por esta
situação, podendo-se destacar: a instabilidade da demanda
interna, o baixo poder aquisitivo da população, sua carência
educacional e desinformação, a exacerbação da aversão ao risco
por parte das empresas, a redução do investimento produtivo ao
estritamente necessário à manutenção das operações e o fechamento
excessivo da economia brasileira até recentemente, que implicou
ausência de alternativas à oferta interna e também ausência de
contato com mercados mais exigentes, para diversos segmentos.
No ajuste defensivo atual, em várias empresas o
"enxugamento" da produção levou ao abandono de linhas de produtos
de maior nível tecnológico, que incorporam maior valor
adicionado, em favor de produtos mais padronizados,
caracterizando um processo oposto à tendência internacional, o
downgrading da produção. Neste ajuste produtivo foram
privilegiadas faixas médias e baixas do consumo e equipamentos
básicos à produção. Enfim, a estrutura produtiva orientou-se para
a produção relacionada aos segmentos sujeitos a menores riscos no
mercado, provocando um significativo descolamento da estrutura
industrial nacional em relação aos segmentos mais dinâmicos na
pauta de consumo dos países industrializados e no comércio
internacional.
Além do baixo conteúdo tecnológico e conseqüente pequena
agregação de valor nos produtos privilegiados na estrutura
produtiva nacional, destaca-se a permissividade para com a
ineficiência que prevalece na indústria brasileira. De um lado,
existe a passividade do consumidor final, que prioriza preço
acima de qualquer atributo, gerando tolerância para com a falta
de qualidade e não-conformidade de produtos, com reflexos
negativos também a montante das cadeias produtivas; de outro, a
inflação crônica gerou uma "cultura" nociva à competitividade sob
diversos aspectos.
A persistência de inflação elevada, além da redução do
mercado pela corrosão dos salários e da incerteza que introduz no
cálculo econômico e nos planos de investimento do setor
produtivo, tem ainda dois efeitos que devem ser ressaltados:
aumentos de custos derivados de ineficiências são repassados aos
preços com muito mais facilidade em situações inflacionárias,
postergando-se a solução de problemas, inclusive porque ganhos ou
perdas de produtividade podem ficar minimizados diante de
variações nas taxas financeiras ou nos índices acordados para o
reajuste de preços dos produtos. E, diante de preços relativos
muito instáveis, é também difícil aos compradores estabelecerem
parâmetros para sua ação no mercado - determinadas empresas podem
praticar preços superiores aos de seus concorrentes, adiantando-
se nos reajustes, sem serem punidas no mercado. Existe assim uma
"permissividade" em relação à ineficiência associada à cultura
inflacionária.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Com relação ao desempenho competitivo no mercado
internacional, o Brasil possui uma pauta de exportações
diversificada em termos de setor de origem dos produtos, embora
concentrada em bens de consumo intermediário (participação de
cerca de 70% no valor exportado nos últimos vinte anos). O peso
dos produtos manufaturados vem aumentando sistematicamente,
evoluindo de cerca de 30%, em meados dos anos 70, para mais de
60% em 1992, período em que também dobrou a participação dos
semimanufaturados.
Embora a indústria no país, desde seus primórdios, seja
muito internacionalizada, contando com forte presença de empresas
transnacionais, poucos setores foram estruturados visando o
mercado mundial. Mesmo entre os setores que apresentam atualmente
alto coeficiente de exportações, encontram-se realmente
direcionados ao mercado externo apenas alguns segmentos de
insumos metálicos (como minério de ferro e alumínio) e da
agroindústria (café e sucos), além da celulose de mercado (não
integrada à produção de papel). Com a instabilidade
macroeconômica e perda de dinamismo do mercado interno a partir
do final dos anos 70 diversas empresas buscaram se ajustar à
conjuntura adversa direcionando a produção para o mercado
internacional.
É inegável o excelente desempenho brasileiro no comércio
externo, como atestam tanto saldos comerciais sustentados e
superados apenas por países como Japão, Alemanha e China, como o
crescimento do quantum exportado - cerca de 70% ao longo da
década passada, quando o volume mundial do comércio aumentou
pouco mais de 40%. Entretanto, é preocupante que as exportações
dos setores de melhor desempenho estejam concentradas em
commodities, que apresentam tendência a um baixo dinamismo,
excesso estrutural de oferta e queda generalizada de preços (ver
Tabela 1).
TABELA 1
ÍNDICES DE PREÇOS DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS
COMPLEXOS SELECIONADOS
1981-1992
(1980 = 100)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO MUNDO BRASIL AGROINDÚSTRIA PAPEL/CELULOSE QUÍMICA
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1981 99,3 96,0 86,7 94,8 100,4
1982 95,5 91,4 78,1 88,5 93,7
1983 90,8 86,6 77,9 77,5 83,2
1984 88,4 89,1 85,2 86,9 83,6
1985 86,9 83,0 75,3 73,4 79,2
1986 94,9 86,1 87,7 80,9 63,6
1987 104,6 86,7 74,3 98,4 71,4
1988 110,1 96,4 86,3 109,3 75,3
1989 111,3 98,6 81,1 118,9 79,0
1990 122,4 97,7 70,3 114,6 80,8
199
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
1991 ... 94,4 64,4 98,9 78,2
1992* ... 91,1 65,9 96,1 71,3
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
* Dados até junho.
Fonte: Pinheiro, A. Castelar, IPEA e FEA/UFRJ, mimeo, 1993.
Além da redução de rentabilidade no mercado internacional de
commodities, na maioria destas indústrias têm aumentado as
escalas ótimas de produção. Neste sentido, as dimensões do
mercado interno constituem uma variável fundamental para a
competitividade, na medida em que determinam a escala de
operação, a capacidade de acumulação e a possibilidade de
desenvolvimento de novos produtos e aplicações. Essa
diversificação, por sua vez, guarda relação não só com o tamanho
absoluto do mercado mas também com a distribuição de renda.
De modo geral, é pequeno o porte das empresas brasileiras
quando comparado a padrões mundiais. Com raras exceções, os
principais grupos econômicos nacionais são significativamente
menores que os grupos líderes sediados em países avançados ou
mesmo em alguns países de industrialização recente (ver Tabela 2
da Parte II). Apenas como termo de comparação, o maior grupo
brasileiro com atuação no complexo eletrônico é cerca de vinte
vezes menor que o maior conglomerado coreano; a indústria
petroquímica brasileira em conjunto tem um faturamento que é
cerca de um quarto do obtido por uma das megaempresas químicas
internacionais. No complexo celulose-papel, apenas quatro
empresas brasileiras aparecem na lista das 150 maiores do mundo
no setor, mesmo assim entre os últimos colocados do ranking.
Embora não seja correto deduzir que essas diferenças de
porte empresarial impliquem de per se fragilidades competitivas
indistintamente em toda a estrutura industrial brasileira, é
inegável que impõem dificuldades adicionais para as empresas
brasileiras no enfrentamento da concorrência internacional.
Em vários setores, constata-se a excessiva pulverização do
capital como um sério limitante ao desempenho competitivo das
empresas. Práticas de cooperação horizontal, como a formação de
pólos regionais ou outras formas de aglomeração geográfica e/ou
tecnológica da produção são pouco freqüentes no país. Do ponto de
vista da articulação das empresas nas cadeias industriais, a
indústria brasileira, em parte devido à prolongada recessão,
ressente-se da ausência de uma maior solidariedade entre
fornecedores e clientes. É excessiva a verticalização da
estrutura industrial, implicando perdas de especialização e
ociosidade em atividades produtivas. A intensificação da
cooperação vertical entre fornecedores, produtores e clientes é
um dos principais desafios para o aumento da competitividade
estrutural da indústria brasileira.
200
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Ao aumento da importância da infra-estrutura tecnológica
como externalidade na acumulação e difusão de capacitação
tecnológica empresarial não tem correspondido igual aumento da
prioridade concedida à área. Ao contrário, nos últimos anos
observou-se uma deterioração parcial da infra-estrutura
tecnológica devido ao escasseamento de recursos públicos e aos
baixos níveis de investimentos privados. Também a realização de
pesquisa associativa não se difundiu entre as empresas
brasileiras. O distanciamento entre centro de pesquisa e
indústria diminuiu em alguns setores, principalmente devido à
criação de entidades tecnológicas setoriais e a implementação de
programas mobilizadores. No entanto, nas atividades de P&D há
carências de capacitações específicas e duplicações em outras e
não se conseguiu reduzir a histórica inelasticidade da oferta de
tecnologia industrial básica no país, evidenciando as
dificuldades de coordenação de esforços, em particular na
definição dos horizontes para os dispêndios privados.
Na área da promoção da concorrência, o Brasil dispõe de uma
legislação relativamente avançada que ainda carece de maior
capacidade de implementação. Condutas desleais de concorrência
têm proliferado no período recente, mormente aquelas movidas pelo
setor informal que, com o aprofundamento da recessão, vem se
expandindo a taxas aceleradas. Em certos setores, o Estado tem se
mostrado passivo diante de práticas de abuso de poder econômico
nocivas a outras empresas ou consumidores. Em outros, as ameaças
de dumping nas importações não encontra uma estrutura
administrativa apta a coibir a sua ocorrência com a necessária
agilidade. A ausência de um aparato de normalização e
certificação de conformidade dos produtos na dimensão requerida
pelo porte da indústria brasileira implica, muitas vezes, a
comercialização de produtos inadequados, implicando riscos à
saúde e segurança da população ou desperdícios para os usuários.
Iniciativas de desregulamentação da atividade econômica
relacionadas à liberalização de preços e desburocratização, assim
como a estabilização das regras de proteção da propriedade
industrial e de incentivo ao desenvolvimento da indústria
eletrônica nacional constituem pontos positivos das reformas
recentes do modelo de atuação do Estado. O mesmo não pode ser
dito do processo de privatização das empresas estatais, pois o
modelo adotado não foi definido de forma a incorporar as
necessidades de reestruturação competitiva dos setores
envolvidos.
O sucesso obtido por algumas câmaras setoriais no aumento do
dinamismo e na melhoria do desempenho competitivo de alguns
setores mostrou o potencial dessa instância como instrumento de
coordenação de preços e de decisões empresariais. No entanto,
para a maior parte dos setores, não se tem conseguido viabilizar
iniciativas dessa natureza, persistindo graus elevados de
conflito ao longo das cadeias industriais e entre capital e
trabalho.
201
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Finalmente, desequilíbrios existentes no sistema tributário
nacional têm trazido conseqüências nefastas sobre a concorrência
no mercado interno. A incidência de impostos em cascata,
defasagens no recebimento dos créditos fiscais ou tributação
antecipada das vendas a prazo sem a devida proteção contra os
efeitos da inflação ou e a intensificação de episódios de "guerra
fiscal" entre unidades da federação induzem decisões empresariais
distorcidas em relação às práticas concorrenciais promotoras de
competitividade.
CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES ANALISADOS
Em vista das especificidades dos diversos setores analisados
pelo ECIB, as considerações apresentadas na seção anterior
permitem apenas delinear os contornos gerais da competitividade
estrutural da indústria brasileira. Cada um dos 34 setores
industriais estudados apresenta particularidades quanto ao
desempenho, estratégias adotadas e capacitação e requer medidas
específicas para a ampliação de sua competitividade. As notas
técnicas setoriais detalham diagnósticos e propostas para os
diversos setores; as notas técnicas por complexo industrial
hierarquizam e destacam elementos e proposições comuns ao
complexo ou a subconjuntos de setores, bem como questões
particulares de maior relevância no complexo.
Para possibilitar uma visão mais abrangente dos diagnósticos
e das proposições da política de desenvolvimento competitivo no
que se refere aos fatores estruturais da competitividade da
indústria os setores estudados foram agrupados em três conjuntos:
setores com capacidade competitiva, setores com deficiências
competitivas e setores difusores de progresso técnico. O Quadro 1
discrimina os setores enquadrados em cada categoria, bem como o
complexo industrial a que pertencem.
QUADRO 1
CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
SETORES COM CAPACIDADE COMPETITIVA
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Complexo Agroindustrial óleo de soja; café; suco de laranja
Complexo Químico petróleo; petroquímica
Complexo Metal-Mecânico minério de ferro; siderurgia; alumínio
Complexo Celulose e Papel celulose; papel
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
SETORES COM DEFICIÊNCIAS COMPETITIVAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Complexo Agroindustrial abate; laticínios
Complexo Químico fertilizantes
Complexo Metal-Mecânico automobilística; autopeças
Complexo Eletrônico bens eletrônicos de consumo
202
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Complexo Têxtil têxtil; vestuário; calçados de couro
Complexo Materiais cimento; cerâmicas de revestimento; plásticos
de Construção para construção civil
Complexo Papel e Celulose gráfica
Extra-Complexo móveis de madeira
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
SETORES DIFUSORES DE PROGRESSO TÉCNICO
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Complexo Eletrônico informática; telecomunicações; automação industrial;
software
Complexo Metal-Mecânico máquinas-ferramenta; equipamentos para energia
elétrica;
máquinas agrícolas
Complexo Químico fármacos; defensivos agrícolas
Extra-Complexo biotecnologia
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
O critério básico utilizado na classificação foi a
capacitação competitiva dos setores, tal como avaliada nos
diagnósticos setoriais. Devido à importância crucial dos setores
difusores de progresso técnico para o desenvolvimento competitivo
da indústria, considerou-se oportuno destacá-los em um conjunto à
parte. Estes setores constituem a base do novo paradigma técnico-
industrial, constituindo a fonte de inovações e progresso técnico
para as demais indústrias. Sua presença na estrutura industrial,
mesmo que em um número bastante restrito de segmentos, é
indispensável para um avanço significativo na competitividade da
indústria como um todo e para uma melhor inserção futura do país
na divisão internacional do trabalho. Por sua condição
estratégica, toda política industrial de países desenvolvidos
inclui apoio especial a esses setores, na forma de incentivos
fiscais, restrições a importações, financiamentos favorecidos,
participação em projetos de pesquisa, uso do poder de compra do
governo, etc. Cabe observar que em relação ao critério básico, no
Brasil todos esses setores apresentam deficiências competitivas.
Os Setores com Capacidade Competitiva apresentam, em geral,
níveis elevados de eficiência produtiva e excelente desempenho no
comércio externo. Além de se beneficiarem da ampla base de
recursos minerais, agrícolas, florestais e energéticos disponível
no país, possuem boa capacidade de gestão de processos, escalas
técnicas adequadas e elevado grau de atualização tecnológica de
equipamentos.
A capacitação competitiva desses setores, entretanto, está
concentrada principalmente em commodities, produtos padronizados,
de baixo valor agregado e que enfrentam excesso de oferta mundial
e estagnação de mercados, o que significa preços declinantes no
comércio internacional. A expansão externa também é dificultada
pelo processo recente de ampliação das barreiras técnicas ao
comércio por parte dos principais mercados. A evolução para
203
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
mercados mais dinâmicos, através do enobrecimento de produtos e
do upgrading da pauta de exportações encontra obstáculos nas
deficiências de capacitação em pesquisa e desenvolvimento,
inclusive agrícola. Em vários desses setores, a despeito de
operarem com escalas técnicas adequadas, as empresas brasileiras
apresentam integração produtiva, comercial e financeira
insuficientes quando comparadas às empresas líderes
internacionais.
Foram considerados Setores com Deficiências Competitivas
aqueles que têm a maior parte da produção realizada por empresas
pouco competitivas. Estão incluídos nesse grupo tanto os setores
em que empresas de elevada competitividade convivem com empresas
pouco capacitadas como setores em que todas as empresas
apresentam deficiências competitivas. Como exemplo do primeiro
caso tem-se o setor de abate, em que, especialmente no segmento
de abate de aves, encontram-se empresas que podem ser
consideradas líderes internacionais, ao lado de abatedouros
clandestinos, que operam até mesmo sem condições mínimas de
higiene. No segundo grupo tem-se, por exemplo, a indústria
automobilística, em que todas as empresas operam com um
distanciamento significativo em relação à best-practice
internacional.
A deficiência competitiva é a situação que predomina na
indústria brasileira. A maior parte dos setores está voltada
apenas para o mercado interno que, se por suas dimensões
representa a principal vantagem competitiva do país, pela redução
do poder aquisitivo, crescente desigualdade na distribuição de
renda e alijamento do mercado de parcelas significativas da
população não tem representado estímulo à competitividade da
indústria.
A instabilidade e degradação do mercado tem inibido
investimentos - predominando equipamentos obsoletos e elevados
níveis de capacidade ociosa nos setores aqui considerados - e
restringido a introdução de inovações de produtos. Apesar da
retração do mercado ter induzido estratégias de racionalização da
produção e aumento de eficiência em diversas empresas, motivou
também a difusão de práticas não-competitivas. Especialmente nos
setores dos complexos têxtil, agroindustrial e de materiais de
construção multiplicaram-se estratégias de competição predatória
às empresas com maior capacitação através da informalização, com
degradação das condições de trabalho e sonegação fiscal e
trabalhista, além de reduções de custo pela deterioração da
qualidade dos produtos. Networkings virtuosos, fontes relevantes
da competitividade estrutural desses setores, são muito
incipientes no Brasil, tanto no que se relaciona aos esquemas de
cooperação horizontal ou vertical entre empresas, quanto à
integração da indústria com a infra-estrutura tecnológica.
Os Setores Difusores de Progresso Técnico representam um
subconjunto daqueles com deficiências competitivas. Englobam a
maior parte do complexo eletrônico, os produtores de bens de
204
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
capital do complexo metal-mecânico, a química fina (tendo-se
estudado os segmentos de fármacos e defensivos agrícolas) e a
biotecnologia (selecionando-se as aplicadas à agroindústria).
Os setores de bens de capital, incluindo os eletrônicos,
foram os mais afetados pela instabilidade da economia brasileira,
na medida em que a retração de investimentos amplifica, para os
produtores de equipamentos, a retração dos demais mercados. A
demanda por bens de capital foi ainda negativamente afetada pela
deterioração das finanças púbicas, constituindo o Estado
importante cliente de diversos segmentos, e pelas condições
crescentemente adversas do financiamento de longo prazo no país.
Por outro lado, ocorrendo efetivamente o desenvolvimento
competitivo da indústria brasileira, o mercado potencial, em
tamanho e diversidade, representado pela atualização do parque
produtivo nacional abre perspectivas muito favoráveis ao setor de
bens de capital.
Existe no país um nível satisfatório de capacitação
produtiva e disponibilidade de recursos humanos qualificados em
alguns segmentos, resultantes do aprendizado acumulado por
diversas empresas. Há entretanto sérias deficiências de
articulação, seja na cadeia produtiva, com fornecedores de peças
e componentes (destacando-se a debilidade do setor de
microeletrônica), seja com clientes, fator fundamental para o
desenvolvimento de produtos mais adequados às necessidades
específicas dos usuários e indispensável para a elevação da
competitividade tanto nos produtores como nos utilizadores de
bens de capital. Em diversas empresas, principalmente na área de
bens eletromecânicos, a falta de especialização leva à diluição
de esforços em linhas muito diferenciadas de produtos e é
excessiva a verticalização produtiva.
Apresenta-se a seguir, para os três conjuntos de setores,
diagnósticos e propostas de política de desenvolvimento
competitivo referente aos fatores estruturais da competitividade.
205
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
3. SETORES COM CAPACIDADE COMPETITIVA
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
SETORES COM CAPACIDADE COMPETITIVA
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Complexo Agroindustrial óleo de soja
café
suco de laranja
Complexo Químico petróleo
petroquímica
Complexo Metal-Mecânico minério de ferro
siderurgia
alumínio
Complexo Celulose e Papel celulose
papel
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DIAGNÓSTICO
Os setores com capacidade competitiva apresentam níveis
elevados de eficiência produtiva e conformidade dos produtos,
atendendo adequadamente às necessidades do mercado interno e
alcançando desempenho positivo no comércio externo.
Estes setores são os principais responsáveis pela geração de
divisas na economia brasileira. A indústria de petróleo é a única
a não apresentar saldos elevados na balança comercial, o que deve
ser atribuído às características da ocorrência do óleo bruto no
país. No entanto, existe competitividade no abastecimento do
mercado interno e a Petrobrás é líder mundial na tecnologia de
prospecção de petróleo em águas profundas.
O Brasil detém liderança internacional indiscutível em
minério de ferro e responde por mais de 70% das exportações
mundiais de suco de laranja concentrado. Possui a terceira
colocação em reservas mundiais de bauxita, o que garante sólida
posição no mercado internacional do alumínio. De forma
semelhante, as possibilidades da base florestal brasileira
asseguram boa participação do país no comércio internacional de
celulose. As empresas destes setores já adotam estratégias
agressivas de comercialização e têm boa penetração nos maiores
mercados mundiais.
O Brasil é ainda o maior produtor e exportador mundial de
café e, embora venha perdendo participação, tem condições de
manter liderança neste mercado. Também nos produtos do complexo
soja o Brasil perdeu espaços na década de 80, mas ainda ocupa
206
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
posição de destaque e as perspectivas são de recuperação de
hegemonia, com a consolidação da produção no cerrado.
Na siderurgia, as exportações brasileiras atingem cerca de
30% do comércio internacional de aços planos, mas neste setor,
assim como na petroquímica e na produção de papel (que apresentam
bom desempenho externo, embora não liderança), tem importância
fundamental um mercado interno estável que garanta patamares
mínimos de ocupação da capacidade instalada.
O principal fator determinante da competitividade dos
setores com capacidade competitiva da indústria brasileira é o
baixo custo das matérias-primas, resultante da disponibilidade de
boas reservas de recursos naturais, tanto em quantidade como em
qualidade, e em condições de exploração favoráveis. Os
investimentos realizados na indústria são relativamente recentes,
configurando plantas atualizadas em termos de tecnologia. As
escalas técnicas adequadas do parque industrial instalado e o
aprendizado acumulado na área de gestão dos processos produtivos
completam os fatores explicativos do bom desempenho alcançado.
No entanto, esses setores têm a maior parte de sua produção
concentrada em commodities. O baixo dinamismo e o excesso de
oferta mundial desses produtos, com a conseqüente queda de preços
nos mercados internacionais, aliados à ampliação das barreiras ao
comércio impõem limites à expansão externa. É pequeno o porte das
empresas nacionais quando confrontadas às líderes internacionais
e pouco expressivo o investimento direto brasileiro no exterior,
o que dificulta a ampliação da participação do país nestes
mercados. A evolução para segmentos mais dinâmicos, de produtos
com maior valor agregado e conteúdo tecnológico, encontra
obstáculos nas deficiências do investimento em P&D e na
desestruturação dos sistemas nacionais de pesquisa, especialmente
de pesquisa agrícola.
Mercado
De modo geral, os setores com capacidade competitiva da
indústria brasileira conseguiram desenvolver e sustentar posições
relevantes no comércio internacional, como atestam os elevados
saldos de balança comercial proporcionados nos últimos anos.
Insumos metálicos
Nos segmentos de insumos metálicos, o Brasil é grande
exportador de commodities, mercado onde é forte a concorrência em
preço e onde a margem de contribuição é muito pequena, levando a
que muitas vezes se realizem exportações a preços não
compensadores. Nesse mercado, a instabilidade de preços
internacionais tem sido grande e o mercado se encontra com
excesso de oferta e preços em declínio. O fenômeno da
. Inserção externa
207
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
volatilização dos preços tem afetado particularmente o mercado
internacional de alumínio primário.
Por outro lado, é menos relevante a presença brasileira no
mercado internacional de produtos metalúrgicos especiais, no qual
é maior a margem de contribuição.
O setor de extração de minério de ferro possui coeficiente
de exportação de aproximadamente 75%, o que corresponde a 32,6%
do comércio mundial (35,2% no minério de ferro pelotizado). A
indústria siderúrgica brasileira detém cerca de 7,5% do comércio
internacional de aço; verifica-se, no entanto, que a participação
brasileira é muito maior em semi-acabados (cerca de 30,9% das
exportações mundiais de aços planos) do que em produtos com maior
valor agregado, como chapas galvanizadas (1,4%). O coeficiente de
exportação de alumínio primário chega a 69%, sendo
insignificantes as exportações de produtos transformados. Os três
setores, em conjunto, geram para o país uma receita de exportação
próxima de US$ 7 bilhões/ano.
A capacitação produtiva é maior nas fases iniciais do
processo de produção, tanto no setor de alumínio como em
siderurgia. Na laminação e na produção de transformados, os
setores mostram menor capacitação e, sobretudo, um mix pouco
nobre de produtos e heterogeneidade de desempenho entre empresas.
Há pouco investimento em P&D de produtos e é restrita a
incorporação de equipamentos eletrônicos de automação nas etapas
finais dos processos produtivos, fatores indispensáveis para
avançar na direção de enobrecimento de produtos. Ademais, há
pouca interação com consumidores, o que representa pouco estímulo
à geração de produtos específicos para cada cliente, de acordo
com suas necessidades. Também não é desprezível o efeito da
recessão, que inibe investimentos dos clientes e sua modernização
em termos de equipamentos, utilização de insumos e produtos
fabricados.
Do ponto de vista do gerenciamento da qualidade, o segmento
de insumos metálicos é dos que mais avançou na indústria
nacional, esforçando-se as empresas, inclusive por força de sua
inserção internacional, na direção da implementação das normas da
série ISO 9000. Embora o êxito de programas de qualidade e
produtividade dependam, em grande medida, do envolvimento do
conjunto dos trabalhadores e do estabelecimento de novas relações
entre capital e trabalho, esta é uma área ainda carente.
Dificuldades financeiras têm levado as empresas até mesmo a
reduzir atividades de treinamento.
A liderança brasileira em minério de ferro é inconteste e
tende a se reforçar com o crescimento do mercado de pelotas. Os
seus principais concorrentes neste segmento, Canadá e Suécia, não
demonstram condições de superar as vantagens competitivas da
indústria brasileira. Também é muito improvável a entrada em
operação de novos empreendimentos (greenfields) neste segmento,
de modo que a expansão do demanda deverá ser absorvida pelos
208
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
produtores atuais. A grande vantagem dos produtores brasileiros
de pelotas advém do fato de conseguirem operar nos dois mercados
relevantes (europeu e japonês). Suécia e Canadá praticamente só
exportam para a Europa, enquanto Austrália, Chile e Peru apenas
para o Japão.
O maior desafio para a competitividade da mineração
brasileira é o dinamismo da siderurgia asiática. O Brasil é
distante do Sudeste Asiático, onde estão, exatamente, os únicos
países que apresentam altas taxas de crescimento da produção
siderúrgica. Austrália e, em menor grau, Índia, Chile, Peru e
Venezuela poderão se aproveitar deste diferencial. No tocante ao
mercado chinês, uma desvantagem adicional é trazida pela ausência
de ligações patrimoniais, como as joint-ventures existentes entre
empresas australianas e o governo local. As desvantagens
locacionais brasileiras com relação ao mercado importador
asiático devem ser atenuadas pela prática de diversificação de
suprimentos recorrentemente adotadas pelos compradores.
A inserção externa da siderurgia brasileira, com exportações
nos níveis atuais, resultou mais de uma estratégia defensiva em
relação à retração interna do que de uma situação estrutural. A
siderurgia brasileira, que foi planejada para exportar 10% de sua
produção, com o objetivo de equilibrar a balança comercial
setorial face à necessidade de importação de carvão mineral,
apresenta atualmente um coeficiente de exportação que já
ultrapassa a 50%.
O direcionamento repentino da produção brasileira para o
exterior não permitiu o desenvolvimento prévio de experiência
própria no comércio internacional (equipes, promoção e
desenvolvimento de clientes) e, num primeiro momento, a maioria
das exportações remunerava apenas os custos variáveis. A despeito
desse problema inicial, pode-se considerar positiva a expansão da
indústria brasileira para o exterior.
No caso de retomada do crescimento interno, não é claro o
comportamento a ser esperado das empresas, principalmente depois
da privatização do setor. Se estiverem concentradas nos semi-
acabados e seus preços prosseguirem a trajetória declinante, é
possível o redirecionamento ao mercado interno. Neste mercado,
apesar de ser previsível rentabilidade também reduzida, dada a
abertura comercial, as vantagens locacionais melhorariam a
posição na concorrência das empresas no país. Por outro lado,
caso já tenham evoluído no sentido de produtos de maior valor
adicionado e rentabilidade e estabelecido relações sólidas com
consumidores externos, parece provável que procurem expandir-se
em ambos os mercados, ampliando capacidade produtiva e
desenvolvendo novos produtos.
Petroquímica
Com a estagnação do mercado interno, a petroquímica
brasileira evoluiu de um déficit de US$ 307 milhões, em 1980,
209
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
para um superávit de US$ 609 milhões em 1985, com um crescimento
de mais de 300% no valor das exportações. Entre 1981 e 1990, a
petroquímica brasileira exportou, em média, 34% de sua produção.
Nesse setor, não só a ampliação do excedente estrutural da
oferta mundial dificulta a manutenção no futuro dos superávits no
comércio externo da década passada. O comércio mundial,
principalmente nos produtos de maior valor adicionado, é dominado
por poucas grandes empresas com flexibilidade de produção global
e elevada capacitação tecnológica. Há entretanto espaço para a
petroquímica brasileira na área de pseudo-commodities e
especialidades, principalmente se apoiada num sólido mercado
interno e no estabelecimento de relações estáveis com clientes
externos. O principal obstáculo atual para a maior capacitação em
desenvolvimento de produtos é a estrutura pulverizada e pouco
diversificada da petroquímica brasileira, que dificulta a
realização de atividades de P&D em níveis capazes de alavancar a
inovação tecnológica.
Uma importante vantagem competitiva que pode ser explorada
pela petroquímica brasileira é o tamanho do mercado interno.
Ocorre que esse mercado, apesar de amplo em termos populacionais,
é estreito em poder aquisitivo. Os elevados índices de
concentração da renda nacional impedem que seja aproveitada a
interconexão positiva existente entre níveis de renda e consumo
petroquímico, que se materializa nos elevados coeficientes de
elasticidade-renda estimados para a maioria dos produtos.
Acreditando-se em uma melhoria da distribuição de renda no
país, pode-se até considerar que a indústria petroquímica e
vários outros segmentos químicos a ela ligados estão
subdimensionados. Evidências a esse respeito podem ser dadas por
várias estimativas: o consumo de termoplásticos no Brasil situa-
se entre oito a dez quilos por habitante/ano, um patamar 7 vezes
inferior ao alemão, 6,4 vezes ao do Japão, 5,6 ao dos EUA, 5,2
vezes ao da Itália e 4,7 vezes ao da França; o consumo aparente
da mais importante commodity petroquímica (o eteno) é bem
inferior no Brasil ao observado em alguns países europeus
(Itália, Alemanha, Reino Unido e França), que utilizam a nafta
como principal matéria-prima.
Esses dados não justificam eventuais projetos grandiosos de
investimentos na petroquímica brasileira; afinal, ela convive
atualmente com uma relação capacidade instalada/consumo aparente
das mais altas do mundo. De 12 empresas petroquímicas brasileiras
consultadas pela pesquisa ECIB, nenhuma indica evolução positiva
do grau de utilização da capacidade instalada em 1992, quando
comparada com a média do período 1987-89. A utilização de
capacidade diminuiu para 7 empresas e manteve-se inalterada para
as outras 5. O que se pretende destacar é que o crescimento da
renda nacional implicaria perspectivas favoráveis de ocupação da
atual capacidade produtiva deste setor industrial que, por sua
vez, acarretariam redução de custos, elevação da rentabilidade e
geração de capacidade de acumulação. A tão desejada
210
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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modernização/diversificação da pauta de consumo de petroquímicos
(upgrading dos produtos) poderia surgir como uma decorrência.
O dinamismo e a competitividade de uma indústria
petroquímica também dependem do crescimento e modernidade
tecnológica das indústrias de transformação demandante de seus
produtos. No Brasil, o quadro não é animador. A idade média das
máquinas e equipamentos é de mais de 11 anos (segundo pesquisa
realizada junto a 800 empresas brasileiras), contra 6 anos no
Japão. A indústria de transformação de plásticos, uma das
principais consumidoras de produtos petroquímicos, possui
equipamentos e máquinas com idade média de 14 anos; um grau de
envelhecimento superior, portanto, à média da indústria como um
todo. Evidentemente, isto dificulta a modernização da pauta de
consumo de produtos petroquímicos no Brasil.
A constituição do Mercosul pode vir a se tornar uma grande
oportunidade de negócios para as empresas petroquímicas em termos
da ocupação da capacidade produtiva atual. Apesar de certas
superposições entre as duas indústrias petroquímicas, há
complementariedades que podem indicar nichos de mercado atrativos
para empresários de ambos os países e gerar um maior intercâmbio
na área tecnológica e de capitais.
Agroindústrias - soja, café e suco de laranja
As cadeias da agroindústria ressentem-se especialmente do
distanciamento crescente entre a pauta de consumo interno e a dos
países desenvolvidos. Os mercados domésticos destes países
passaram por grande mudança na década de 80. À saturação do
consumo e queda de preços de commodities contrapôs-se o aumento
do valor adicionado e redução do volume de matéria-prima
incorporada nos segmentos de maior crescimento: pratos prontos e
semiprontos, fast-food, refeições institucionais, produtos para
mercados segmentados/individualizados (produtos sem calorias,
para crianças, etc.) e alimentos "naturais". O ambiente
concorrencial nesses mercados (sobretudo na CEE), bem como a
competitividade internacional dos produtores locais, têm sido
sustentados por um conjunto de políticas setoriais que combinam
protecionismo e subsídios. Estas políticas, que sofrem atualmente
pressões por mudanças no âmbito do GATT, conseguiram
compatibilizar a defesa de preços e da renda agrícola com
estímulo à produtividade.
No Brasil, as políticas adotadas no passado para o complexo
agroindustrial visaram sobretudo o controle da inflação e,
secundariamente, a autosuficiência alimentar do país. Estas
políticas têm grande responsabilidade pela pouca modernização da
pecuária leiteira e bovina e pela baixa qualidade do trigo e do
segmento de massas. A posterior promoção a exportações favoreceu
o desenvolvimento do enclave de suco de laranja e as cadeias de
soja e carnes brancas. Estas últimas exemplificam a integração do
Brasil na internacionalização do padrão alimentar do pós-guerra,
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na medida em que simultaneamente transformam o mercado interno e
conquistam liderança na pauta de exportações.
Para a maioria dos setores da agroindústria, um mercado
interno forte é fundamental para a inserção competitiva dinâmica
no comércio internacional. A transição para o novo padrão
alimentar tem seu maior entrave no baixo poder aquisitivo da
população, não tendo nem mesmo se completado no país a
disseminação do padrão alimentar anterior. Também contribui para
esta defasagem o atraso do setor de distribuição nacional, agente
importante na difusão do novo perfil nos países desenvolvidos.
O descompasso atual entre as pautas de consumo alimentar no
Brasil e nos países industrializados se reflete em um complexo
agroindustrial competitivo em commodities e pouco desenvolvido
nos segmentos que tenderão a ter maior dinamismo. Com a abertura
do mercado, já se observou a ocupação de espaços por importações
(massas preparadas) e investimento direto estrangeiro (fast-
food). Apenas recentemente observa-se o início de estratégias de
empresas com tradição em commodities nessa direção, como indicam,
por exemplo, a introdução de cafés gourmets e de óleos com baixos
teores de gordura saturada. Este processo já está mais avançado
no setor de carnes, onde o peso dos produtos industrializados,
nulo no início dos oitenta, passou a 25% do faturamento das
empresas líderes do setor; a participação de cortes especiais nas
exportações de aves evoluiu de 10%, em 1984, para 30% em 1991.
Nas oleaginosas, o Brasil é o principal exportador mundial
de farelo de soja, tendo recentemente perdido a primeira posição
em óleo de soja para a Argentina. O mercado interno absorve 70%
da produção de óleo e a avicultura brasileira 30% do farelo de
soja. A combinação de mercado interno e externo e de
competitividade em grãos e carnes brancas nas empresas líderes
torna-as extremamente capacitadas para uma sólida inserção
internacional, facilitada ainda pelo acesso a mercados propiciado
pela presença de empresas multinacionais entre estas líderes.
Embora a primeira colocação do país em rações não esteja
ameaçada e em óleos esta posição seja recuperável em função da
elevada capacitação competitiva existente, existe consenso quanto
ao declínio da soja no duplo mercado de óleos (pelo deslocamento
da demanda para óleos com baixos níveis de gorduras saturadas) e
rações (substituição por um leque crescente de alternativas). As
empresas não estão suficientemente sensibilizadas para a
necessidade de, a curto prazo, iniciar experiências para a
diversificação na direção de outras oleaginosas e, a médio prazo,
desenvolver pesquisas de variedades com menor teor de gorduras
saturadas.
No suco de laranja, setor voltado praticamente só para o
mercado externo, não há ameaças à hegemonia brasileira nas
exportações, exceto por questões geopolíticas no âmbito do NAFTA
que podem favorecer o México. A produção nacional já é voltada
para o atendimento dos consumidores europeus e americanos,
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seguindo rigorosos índices de acidez e de concentração de sólidos
solúveis adequados a seus principais mercados.
Apesar do suco de laranja ser das commodities mais dinâmicas
no comércio internacional, observa-se aí também uma tendência à
segmentação de mercados, na direção de outras frutas, tendência
que já começa a ser acompanhada pelas empresas líderes no país. O
fato do setor destinar praticamente toda sua produção ao mercado
externo limita sua rentabilidade, uma vez que, como ocorre em
geral nas commodities de consumo final, as grandes tradings e os
distribuidores do país importador ficam com a maior parcela do
valor das vendas.
Situação inversa ocorre no café, onde o Brasil possui a
terceira posição no ranking dos principais consumidores mundiais,
embora o consumo interno tenha permanecido praticamente estagnado
por quase 20 anos. O Brasil vem perdendo participação em função
da valorização, no mercado internacional, de atributos como
aroma, sabor, corpo, acidez e outros, em detrimento de preço,
elemento principal da competitividade do país. Somente nos
últimos anos outros requisitos têm vindo a se somar ao preço na
demanda interna, com a difusão dos coffee shops e do café
expresso, que exige grãos de maior qualidade. No entanto, os
arábicos brasileiros são extremamente apropriados para máquinas
de café expresso e o robusta é ideal para a elaboração de blends.
Os grãos do cerrado e sul mineiro e o mogiano paulista estão
entre os melhores do mundo e os cafezais das regiões onde não
pode ser obtido produto de qualidade já estão sendo erradicados.
Há ainda condições para a produção de extrato de café líquido,
produto de maior procura no mercado japonês e utilizado também
para café capuccino, sobretudo nos EUA.
A adoção de estratégias internacionais mais agressivas num
futuro próximo é obstruída pelo aprendizado ainda insuficiente
detido pela indústria cafeeira. O desenvolvimento do mercado
doméstico, com a verticalização para a torrefação e varejo
(através de coffee shops, por exemplo) por parte do setor
produtivo ainda está em seus estágios iniciais e praticamente
inexiste propaganda institucional valorizando o café brasileiro
no exterior.
O Brasil historicamente tem sido líder nas pesquisas
cafeeiras. A despeito da desarticulação das atividades de
pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e variedades que
marcou a agroindústria brasileira, registre-se os aumentos da
produtividade do café robusta obtidos no Espírito Santo, através
da maior participação das lavouras clonais.
Nos novos segmentos dinâmicos do complexo agroindustrial,
sobretudo no setor de frutas e verduras, o Brasil possui grandes
vantagens agrícolas e capacitação potencial na logística da
distribuição, que é o fator-chave nestes mercados. No entanto, as
crescentes exigências de qualidade requerem canais de
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comercialização personalizados, que ligam o produtor diretamente
com o varejo, evitando os traders característicos dos mercados de
commodities e a regulação de preços através da bolsa. As empresas
ainda se mostram pouco capacitadas para desenvolver esses canais
de comercialização.
Além da evolução na direção de produtos de maior dinamismo,
para assegurar a competitividade em commodities o desafio maior é
a eficiência na articulação das distintas fases da cadeia
produtiva. O deslocamento da fronteira agrícola para os cerrados
evidenciou as deficiências da infra-estrutura na região,
especialmente em transporte e opções portuárias.
Com relação ao Mercosul, o temor inicial cedeu lugar a um
otimismo cauteloso e já se pode concluir que o Brasil tem clara
vantagem na capacitação empresarial. A competitividade das
empresas líderes brasileiras só pode aumentar com o acesso ao
mercado argentino (em processo de modernização) e a suas
matérias-primas agrícolas, e já se observam investimentos nesta
direção. Por outro lado, a maior presença de produtos agrícolas
argentinos e uruguaios aumentará o patamar de competitividade,
exigindo também políticas de diversificação. As Cooperativas do
Sul já estão liderando este duplo processo de modernização e
diversificação.
Papel e Celulose
A recessão do início dos 90 induziu as empresas brasileiras
a novos esforços de penetração externa, como se pode verificar na
indústria de papel. Entre 1990 e 1992 as exportações de papel
cresceram a uma taxa média de cerca de 15% a.a., proporcionando
uma receita de quase US$ 1,5 bilhão neste último ano. As
exportações aumentaram 61% em papéis para imprimir e 26% em
embalagens, ritmo bem superior ao da expansão do mercado externo,
e compensaram as reduções nas vendas internas, de 29% e 7,5%,
respectivamente.
Também no complexo papel/celulose as exportações brasileiras
estão concentradas em commodities e repete-se o padrão de maior
competitividade nas indústrias de base, reduzindo-se capacitações
e aumentando a heterogeneidade competitiva à medida que se
caminha a jusante nas cadeias produtivas. Desde a década de 80 o
Brasil é estruturalmente superavitário em celulose. Em papel, os
produtos exportados são basicamente commodities - papéis de
imprimir e escrever não-revestidos e embalagens kraft. Em 1991
quase 40% da produção se concentrou nestes produtos; nos demais
segmentos predominam as vendas internas. O setor gráfico é
tradicionalmente deficitário. O mercado mundial vem exibindo
evolução relativamente lenta do consumo de papel e excedentes
estruturais de celulose.
As empresas brasileiras de celulose e papel apresentaram,
durante os anos 80, um dos menores custos de produção do mundo. A
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principal vantagem competitiva das indústrias brasileiras de
papel e celulose sempre foi a disponibilidade de florestas e o
avanço tecnológico nas atividades associadas a sua exploração,
vantagem que vem se reduzindo através da difusão tecnológica.
A qualidade do papel brasileiro ofertado pelas grandes
empresas do setor é compatível com o padrão exigido pelos
clientes internos e externos e diversas empresas se encontram em
processo de certificação pela ISO-9000. Já diversos médios e
pequenos produtores estão ameaçados de exclusão do mercado, na
medida em que falta qualidade a seus produtos para atender aos
requisitos derivados do uso de máquinas mais modernas nos setores
gráfico, editorial e de papelão ondulado. O dispêndio com
assistência técnica das empresas brasileiras é ainda irrisório,
apontando deficiências nas etapas pós-produção e no
relacionamento com clientes.
Na pesquisa florestal, as empresas líderes têm capacitação
para desenvolver novos produtos e tecnologias. Na área industrial
existe grande heterogeneidade entre empresas. As líderes locais
operam com escalas adequadas de produção, a despeito de serem
empresas relativamente pequenas em relação às líderes mundiais, e
têm a vantagem da integração vertical com a floresta. É
entretanto reduzida a automação, que aumenta a velocidade do
processo, melhora a qualidade do produto e gera maior produção e
ganhos de eficiência. A defasagem nas plantas de celulose está
concentrada na área de branqueamento das plantas que ainda
utilizam o cloro gasoso, embora seja elevado o padrão de controle
ambiental. As condições de financiamento a longo prazo constituem
o grande limite às estratégias de modernização e expansão das
empresas brasileiras e uma de suas principais desvantagens frente
aos concorrentes externos.
A recente crise de preços no mercado internacional
demonstrou que embora os custos de produção brasileiros sejam
inferiores aos dos demais concorrentes, isto não é suficiente
para garantir uma posição confortável em um período de forte
excesso de oferta, como a vivenciada em 1991/93. Os estoques das
empresas brasileiras se elevaram a níveis inesperados,
demonstrando uma grande dificuldade de deslocar do mercado a
produção de outras empresas.
Petróleo
No setor petróleo, o Brasil é bastante dependente de
importações, embora as reservas provadas tenham duplicado nos
últimos dez anos. Se por um lado o porte da economia brasileira,
com seu grande mercado interno, é um fator que favorece o bom
desempenho da Petrobrás, por outro, a falta de uma política
industrial e o continuado uso dos preços dos derivados como
instrumento de política antiinflacionária são fatores que o
prejudicam. Os preços dos derivados vêm sendo sistematicamente
reajustados abaixo do custo do barril importado, gerando
importantes dívidas do Tesouro com a empresa. Da mesma forma, as
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sucessivas quedas do valor real do dólar e do preço do petróleo,
que ocorrem desde 1986 no mercado internacional, somam-se aos
fatores que têm prejudicado o desempenho da indústria de petróleo
nacional (isso porque a remuneração da empresa tem como
referência o preço do petróleo importado).
. Barreiras ao comércio
Cabe ainda ressaltar as crescentes restrições tarifárias e
não-tarifárias enfrentadas pelas exportações brasileiras nos
principais mercados internacionais.
Nas principais exportações brasileiras da agroindústria, o
Japão apenas recentemente liberou importações de suco de laranja,
e ainda assim aplica uma tarifa de 30% sobre o valor importado,
tributando também o óleo de soja com alíquota igual. O Itamarati
tem tentado a redução destas alíquotas, até agora sem sucesso. Os
EUA impõem uma sobretaxa de US$ 492 por tonelada de suco
importado, o que representa uma parcela crescente do valor, com
preços declinantes. O óleo de soja tem tarifa de 22,5% nesse
país, que ainda sujeita o produto a cotas de importação, enquanto
as exportações norte-americanas são subsidiadas. A CEE define
preços de suporte para as oleaginosas, ressarcindo os produtores
locais da diferença em relação ao preço internacional, num
montante que representa atualmente cerca de 40% da renda dos
produtores. Para o suco brasileiro importado pela CEE a alíquota
da tarifa é de 19%, enquanto para os países da área preferencial
do Mediterrâneo (Marrocos, Tunísia, Israel e outros) é inferior a
5,7%.
Normas de qualidade mais exigentes podem também afetar o
desempenho competitivo de setores agroindustriais. Os critérios
atuais de qualidade são favoráveis ao Brasil nos setores de soja
e suco de laranja. Na próxima década porém, as exigências deverão
atingir insumos industriais (corantes, conservantes), níveis de
resíduos químicos nos produtos agrícolas, embalagens e os
impactos ecológicos dos sistemas produtivos. Assim, qualquer elo
da cadeia de produção pode comprometer os novos patamares
impostos por formas legais e/ou voluntárias de regulação. A
adoção de objetivos de qualidade total ainda é incipiente, o que
coloca em dúvida a capacidade de concorrer nos mercados mais
exigentes.
Dos insumos metálicos, a siderurgia, pelo excesso de oferta
mundial, é um dos principais alvos de barreiras ao comércio
internacional, em especial barreiras não-tarifárias. Destacam-se
os acordos de restrição voluntária às exportações e a recorrência
dos processos de anti-dumping e direitos compensatórios. O Brasil
assinou acordos de restrição voluntárias às exportações com os
EUA e CEE. Com relação a esta última, os acordos têm sido
negociados anualmente. No caso norte-americano, pelo segundo
acordo, que vigorou até março de 1992, as cotas brasileira eram
de 2,1% do consumo aparente, dos EUA. Após seu término, as
empresas brasileiras diminuíram num primeiro momento suas
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exportações para aquele mercado visando evitar pedidos de anti-
dumping e direitos compensatórios.
Essa estratégia, no entanto, não se mostrou suficiente, na
medida em que desde então já foram abertos diversos processos
contra a siderurgia brasileira. Na decisão final da International
Trade Comission de julho de 1993, o único produto para o qual foi
ratificada a sobretaxa foram as chapas grossas. Como tais
processos tendem a ser disseminar por outros países, como já foi
o caso do Canadá, a decisão negativa da ITC diminui a perspectiva
de uma "avalanche de processos" em nível mundial. O Brasil deve
continuar no mercado americano, mas impondo-se uma auto-restrição
de exportações (no nível de suas exportações históricas) como
forma de evitar novos processos de anti-dumping e direitos
compensatórios.
O complexo papel, celulose e gráfica tem sido
tradicionalmente, nos países produtores, objeto de políticas
industriais nacionais na área de incentivos florestais e de
nichos específicos do setor gráfico. Nos últimos anos
intensificaram-se as pressões vinculadas a uma maior proteção do
meio ambiente, proveniente dos grupos ecológicos e da sociedade
civil em geral. Estas pressões têm-se cristalizado na legislação
dos países, em particular dos europeus e nos EUA, e na definição
de especificações técnicas mais rigorosas dos produtos e
processos.
Nos EUA está em tramitação um projeto que cria um imposto
sobre o consumo interno de energia, a ser compensado por
sobretaxa nos produtos importados intensivos em energia. Os
países da CEE, de outro lado, instituíram o "selo verde" em maio
de 1992. Tecnicamente, o "selo" não é considerado uma barreira
comercial não-tarifária, pois não impede a comercialização dos
produtos não certificados. Porém a certificação será um
instrumento efetivo de marketing para os produtores que tenham
este perfil, exercendo forte apelo junto ao público consumidor,
representando, na prática, importante barreira comercial.
O "selo verde" relativo a papéis de imprimir e escrever e
sanitários definirá critérios unilaterais relativos ao consumo de
base florestal e energia e à produção de efluentes e resíduos não
degradáveis. Teme-se que estes critérios, baseados na estrutura
produtiva dos países da CEE, não levem em conta as caraterísticas
específicas dos recursos naturais e da produção dos demais países
e tendam a favorecer os produtores locais. A regulação deverá
atingir produtores, como os brasileiros, cujo processo produtivo
esteja assentado na fibra virgem e não no papel usado e seja
grande consumidor de energia. Frente a esta situação, grandes
produtores de papel como Canadá, Suécia e Noruega optaram por
estabelecer critérios ecológicos nacionais a serem posteriormente
negociados com a CEE, caminho seguido também pelo Brasil.
Configuração da Indústria
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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De modo geral, os setores com capacidade competitiva da
indústria brasileira apóiam sua competitividade na ampla base de
recursos minerais, agrícolas, florestais e energéticos existente
no território nacional. Nas configurações industriais desses
setores prevalecem empresas que operam plantas industriais com
escalas técnicas adequadas e elevada atualização tecnológica e
demonstram boa capacitação em gestão dos processos produtivos.
No entanto, a insuficiência de porte ou de integração
produtiva das empresas líderes brasileiras têm constituído um
grande obstáculo à dinamização das suas vantagens competitivas.
A menos de poucos setores, como extração e refino de
petróleo e minério de ferro, nos demais setores com capacidade
competitiva
__
as indústrias petroquímica, siderúrgica, de
alumínio e de celulose e papel, além da cadeia agroindustrial do
café
__
um conjunto de desafios competitivos relacionados a
transição dessas indústrias em direção a configurações mais
eficientes está por ser enfrentados.
Como visto na seção anterior, a competitividade
internacional alcançada por esses setores em semi-manufaturados
não se transmite aos produtos de maior grau de elaboração
industrial. Tal fato revela que, se por um lado, essas empresas
mostram grande eficiência na exploração das vantagens
competitivas oriundas das disponibilidades de recursos naturais,
por outro, não conseguem cumprir os passos requeridos para atuar
com igual grau de sucesso nos mercados de maior valor agregado.
Para tanto, é vital que as empresas se habilitem para um salto
qualitativo em termos de capacitação tecnológica, financeira e
comercial de modo a aproximá-las de seus competidores nos
mercados internacionais.
. Porte e grau de integração elevados
Petróleo
Na indústria do petróleo, a Petrobrás é a 22ª empresa
petrolífera em volume de vendas (US$ 15,6 bilhões em 1992), o que
demonstra a grande dimensão do seu mercado. Seus investimentos em
exploração e desenvolvimento da produção foram de 1,6 bilhões em
1992, cifra comparável, em ordem de grandeza, aos investimentos
das majors nos Estados Unidos. Além do porte, a elevada
verticalização é o principal trunfo da Petrobrás, inclusive para
que se apresente como um interlocutor expressivo no mercado
internacional. Quanto a esse aspecto, a Petrobrás ocupa, em nível
mundial, o nono lugar em capacidade de refino, o décimo segundo
lugar em volume de reservas e o vigésimo lugar na produção de
petróleo bruto. Esses números demonstram a adequação do porte e
da integração da empresa para atuar competitivamente no setor.
Historicamente, o parque de refino nacional tem se mostrado
adequado às necessidades brasileiras. O volume de petróleo
importado tem sido decrescente enquanto os custos atuais de
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produção de US$ 6-10 bbl são comparáveis aos praticados fora da
área dos grandes produtores e inferiores ao preço do mercado
internacional. A parcela substantiva da produção nacional de
petróleo (70%) é marítima, acompanhando a tendência mundial.
Embora em níveis diferenciados, a Petrobrás detém expressiva
capacitação para atuar nos diversos segmentos da cadeia
petrolífera, em particular, no up-stream. Tanto a ampliação das
reservas quanto da produção de petróleo nacional se devem à
capacitação tecnológica da Petrobrás para atuar na área de
fronteira marítima. A Petrobrás é líder mundial em exploração em
águas profundas, tendo investido 0,7% do seu faturamento em P&D
em 1992, o que a coloca entre as empresas da indústria do
petróleo que mais investem nessas atividades. Também a existência
no país de uma importante rede de fornecedores para a indústria
do petróleo, cuja consolidação deveu-se em grande parte à atuação
da Petrobrás junto aos produtores locais de bens de capital e de
serviços de engenharia, favorece a competitividade do setor.
Minério de ferro
O setor de extração e beneficiamento de minério de ferro
pode ser considerado um caso atípico dentro da indústria nacional
uma vez que a estrutura industrial existente no Brasil mostra-se
extremamente eficiente. O setor é liderado por grandes empresas,
que operam com enormes escalas técnicas e econômicas e demonstra
deter capacitação para acompanhar as best-practices, como se
expressa na excelência dos produtos ofertados e na inexistência
de gargalos produtivos relevantes. Apresenta excelentes níveis de
integração no que respeita à logística mina-ferrovia-porto, tendo
conseguido endogeneizar uma infra-estrutura própria, que permite
o escoamento da produção, sem as dificuldades comumente
enfrentadas pelas outras indústrias nacionais. No caso específico
da Companhia Vale do Rio Doce, o "corredor de exportação"
estende-se até o transporte marítimo, através de sua controlada
Docenave. Por fim, as empresas brasileiras são muito bem
articuladas com os compradores internacionais, sendo praticamente
as únicas mineradoras a vender tanto no mercado europeu quanto no
asiático.
. Deficiências nas Configurações Industriais
Petroquímica
Certamente, os problemas de insuficiência de porte e
integração se manifestam de forma mais grave no setor
petroquímico, devido ao fato de que no Brasil essa indústria não
conta com vantagens competitivas naturais. O modelo de
implantação da petroquímica brasileira, apoiado na criação de
empresas monoprodutoras, com atuação restrita, via de regra, a
uma geração específica, se foi adequado para a constituição da
indústria na fase de substituição de importações, tem se revelado
deficiente no cenário atual de liberalização comercial.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Para muitos especialistas, a atuação em pequeno número de
mercados, ao deixar as empresas indefesas diante das
instabilidades de oferta características do padrão de comércio
internacional de produtos petroquímicos, constitui a principal
fragilidade estrutural do setor no país. Com a liberalização
comercial e em um quadro de super-oferta mundial, como o que se
projeta para toda a presente década, as empresas brasileiras
estariam pouco capacitadas para competir até mesmo no mercado
interno, apesar da excelência alcançada na gestão dos processos
de produção, como evidenciam os excelentes resultados em termos
de economia de energia (redução do consumo de energia por
tonelada produzida de aproximadamente 25% entre 1979 e 1985),
melhorias do rendimento industrial e superação da capacidade
nominal de produção das plantas proporcionados por operações de
desgargalamento e otimização tecnológica. Pesquisa realizada no
pólo de Camaçari constatou que as empresas operavam, em média,
25% acima da capacidade definida no projeto, sendo que o
intervalo de variação ia de 12% a 65%.
A estrutura da indústria é muito pulverizada: existe um
grande número de empresas monoprodutoras, sem a necessária "massa
crítica" para diluir custos fixos e alavancar o esforço
tecnológico indispensável para realizar inovações. Os
investimentos em P&D, quando comparados a padrões internacionais,
são insignificantes: em 1984, as empresas controladas e
associadas à PETROQUISA gastaram apenas US$ 10 milhões em P&D
próprio e contratado. Esse número aumentou para US$ 53 milhões em
1989, correspondendo a 0,86% do faturamento. Para as empresas
petroquímicas entrevistadas na pesquisa de campo a relação
dispêndios com P&D/faturamento, em 1992, foi de apenas 0,33%,
menor que a observada no período 1987-89 (0,59%).
Já há alguns anos aponta-se a necessidade de reestruturação
dessas indústrias com o objetivo de proporcionar graus de
concentração e integração produtivas compatíveis com padrões
internacionais de competitividade. No entanto, o governo definiu
um modelo de privatização que não levou em conta esses objetivos
setoriais, não aproveitando a oportunidade de reestruturação
industrial trazida pela privatização e sem estabelecer uma
política satisfatória para os preços de nafta. A simples retirada
da Petroquisa do setor aprofundou a sua pulverização,
principalmente porque essa empresa atuava como instância de
coordenação entre os diversos projetos, que embora tênue,
propiciava um nível mínimo de coordenação do setor, em particular
no que respeitava a fixação dos preços da nafta.
Alumínio
Outro setor no qual o grau de integração produtiva da
estrutura industrial montada no Brasil mostra-se pouco adequado
para enfrentar a competição internacional é a indústria do
alumínio. A despeito de exportar cerca de 70% do alumínio
primário que produz, é baixo o grau de integração "à frente" do
conjunto da indústria, dificultando o acompanhamento das
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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tendências internacionais de valorização dos produtos. A elevação
do grau de enobrecimento dos produtos ressente-se da baixa
intensidade do esforço tecnológico consubstanciado em atividades
de P&D, que por sua vez exigiria uma articulação produtiva e
tecnológica mais estável e fecunda entre as firmas produtoras de
alumínio e os setores industriais consumidores do metal, haja
vista a baixa capacitação produtiva, tecnológica e gerencial do
setor transformador de alumínio no Brasil.
No caso das empresas multinacionais verticalizadas, a
estratégia de diversificação na direção da produção de
transformados já está consolidada e tende a ser reforçada. Nesta
produção encontram-se as maiores perspectivas de ampliação dos
mercados, através da incorporação de tecnologias mais avançadas
disponíveis nos países desenvolvidos. Esta diversificação tende a
ser acompanhada por mudanças na estrutura organizacional dessas
empresas, que reforcem a autonomia das diferentes atividades
controladas.
Para as empresas nacionais, o reforço da capacidade
competitiva passa pela necessidade de promover o fechamento da
cadeia produtiva, com a retomada do projeto de produção de
alumina; a produção, em simultâneo ao alumínio primário, de ligas
que permitam o enobrecimento do produto; e uma maior participação
da produtoras de alumínio primário em empreendimentos de
transformação de alumínio, de modo a proporcionar uma atuação
mais incisiva na ponta da indústria (transformados).
Outro aspecto fundamental para a competitividade da
indústria do alumínio na atualidade é o crescimento da integração
patrimonial com os fornecedores de energia elétrica. A busca de
maior eficiência energética se reflete também na disseminação de
práticas cooperativas entre a indústria e os fornecedores de
energia, como por exemplo, o atrelamento das tarifas ao preço
internacional do metal, já presente em 30% do total da produção
mundial. Em 1990, a tarifa média de energia elétrica era de 20
US$/Mwh para o total da indústria e de 15 US$/Mwh para os países
exportadores. A energia elétrica é o principal item da estrutura
de custos dos produtores de alumínio primário, sendo responsável
por aproximadamente 40% do total dos custos relacionados à
geração do metal. A sustentação da competitividade dos produtores
nacionais de alumínio primário, seja para aqueles que orientam
sua produção preferencialmente para o mercado interno ou para
exportações, está fortemente articulada ao preço das tarifas de
energia elétrica.
Siderurgia
Assim como na fabricação de alumínio, as escalas técnicas de
produção das empresas líderes brasileiras do setor siderúrgico
mostram-se adequadas ao padrão internacional, fato que, conjugado
ao grau positivo de atualização das plantas, é uma das principais
razões para a obtenção de índices técnicos de desempenho
produtivo favoráveis. O processo de privatização permitiu avançar
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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relativamente na reconfiguração da indústria, embora não o
suficiente para viabilizar uma reestruturação mais profunda.
A siderurgia brasileira, que ao contrário das indústrias do
alumínio e de extração e beneficiamento de minério de ferro foi
construída para abastecer o mercado interno, obteve sucesso no
mercado internacional, suprindo cerca de um terço do comércio
mundial de aços planos.
Essa posição aparentemente favorável não deve ocultar o fato
de que a competitividade em custos da siderurgia brasileira cai
rapidamente na medida em que se caminha em direção aos aços de
maior valor agregado. Estudos revelam que, após todos os ajustes
necessários, o diferencial de produtividade entre as usinas
siderúrgicas integradas a coque brasileiras e as melhores usinas
do mundo é de 12 a 35% . Na área de laminação, tal diferença
atingiria algo entre 45 e 65%. Apresenta, ainda, índices de
eficiência razoáveis (rendimento integrado), igualando-se à média
européia e ao resultado americano, embora distante dos valores
praticados pelas indústrias japonesa e coreana.
Com relação ao nível de desenvolvimento tecnológico, a
siderurgia apresenta uma relação entre investimento em atividades
tecnológicas e faturamento de cerca de 0,3%, enquanto o nível dos
países líderes é de 0,6%. As atividades tecnológicas basicamente
objetivam a otimização de processo, procurando incrementar
rendimentos e reduzir custos, cabendo destacar que o país
conseguiu absorver a tecnologia de operação e manutenção, a
adaptação e otimização de processos produtivos. O volume de
recursos necessários a atividades de inovação de processos e
produtos e o longo prazo de maturação destes investimentos (de
alto risco) são fatores limitantes a tais inversões.
Papel e celulose
No complexo papel e celulose, embora as adequadas escalas
técnicas de produção e a integração vertical com a floresta
constituam importantes fatores favoráveis para as empresas
brasileiras, é necessário ressaltar que o pequeno porte das
empresas nacionais se traduz numa restrição à geração de recursos
próprios e uma menor capacidade de alavancar recursos de
terceiros em relação às mega-empresas que estão se formando no
setor.
Em relação à integração celulose-papel, apesar das vantagens
da garantia de mercado para os produtores de celulose e de
participação em um segmento mais rentável e com perspectivas mais
favoráveis de evolução, esta é uma questão que deve ser
considerada com cuidado. Em primeiro lugar, os canais de
comercialização já desenvolvidos pelos produtores de celulose não
são transferíveis para a venda de papel. Em segundo, os
produtores de papel verticalizados no suprimento de insumos
florestais (celulose e madeira) arcam com a imobilização de
capital em terras, em atividades de implantação e manutenção de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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áreas florestais e em pesquisa e desenvolvimento neste campo, em
particular no manejo florestal e eficiência nutricional adequados
às condições específicas de solo e clima de cada área florestal.
Em terceiro lugar, a tendência internacional do crescente uso de
reciclagem reduz em parte o caráter estratégico do controle no
suprimento de madeira. A oferta de recicláveis é limitada pelo
grande volume de exportações de papel pelo Brasil, mas favorecida
pela concentração urbana e industrial do país. Estima-se que o
consumo de aparas alcance hoje entre 1,5 e 1,8 milhões de t/ano
no Brasil (750 mil t/ano em São Paulo). O fornecimento do insumo
é problematizado pela flutuação de preços e irregularidade de
oferta causados pelo processo de coleta, tratamento e
distribuição do material. Tais flutuações geram movimentos de
importação, inclusive em regime de drawback, que representam
quase 10% do total consumido de papel usado.
Quanto à evolução para produtos de maior valor adicionado, é
provável que na indústria de papel, assim como em outros setores
industriais, a participação nos mercados de especialidades se
fixe em empresas que disponham de requisitos de tecnologia e
qualidade, o que, em geral, limita os pretendentes às empresas de
médio e grande porte, aptas a realizarem acordos externos ou
inovação tecnológica interna. Para as empresas de menor porte
apresenta-se o desafio competitivo urgente de modernização,
investimento em equipamentos de controle ambiental e
especialização em nichos de produtos mais promissores, pois
observam-se instalações desatualizadas e redução na demanda de
suas linhas de produtos, atualmente restritas quase que
exclusivamente ao mercado interno e a produtos de menor valor
agregado.
Suco de laranja
Nas agroindústrias com capacitação competitiva, suco de
laranja, óleo de soja e café, os problemas não dizem respeito
tanto à estrutura industrial mas às relações entre indústria e
agricultura, que necessitam ser modernizadas.
O setor de suco de laranja fornece um bom exemplo. A
excelente capacidade competitiva da indústria brasileira de suco
de laranja apóia-se no baixo custo da matéria-prima e na
qualidade do produto, uma vez que o produto converteu-se em
commodity de alta sofisticação. Adicionalmente, como cerca de 2/3
da produção de laranja no Brasil é realizada por produtores
independentes, a integração conseguida com a agricultura, capaz
de propiciar fluxos estáveis de fornecimento de matéria-prima,
também é fator determinante para o sucesso alcançado.
No passado, o crescimento do setor apoiou-se em uma
regulação estatal adequada, a partir de políticas de preços
mínimos e estocagem, na concessão de incentivos fiscais e
financeiros à produção agrícola e industrial que tenderam a ser
decrescentes conforme o amadurecimento da indústria. Também
contribuiu a consolidação de uma rede de instituições e centros
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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de pesquisa públicos voltada para a cultura de citrus, de nível
de capacitação mundialmente reconhecido, que garantiu níveis
adequados de segurança fito-sanitária aos pomares.
No entanto, essas condições favoráveis têm sido ameaçadas.
Desde fins da década de 80 observa-se a desarticulação da rede de
pesquisa. O Programa Nacional de Pesquisa, criado em 1990 com o
objetivo de coordenar as diferentes linhas de trabalho, nunca foi
realmente implementado. O declínio nos resultados alcançados pela
infra-estrutura pública de pesquisa tem levado ao fortalecimento
das pesquisas nas próprias empresas ou ao estabelecimento de
convênios entre empresas e universidades, mas não em intensidade
suficiente para evitar o surgimento de novas doenças frente às
quais não se consegue o tratamento adequado.
Mais recentemente, as relações agricultura-indústria
passaram a apresentar sinais de deterioração. Tradicionalmente a
compra de matéria-prima por parte da indústria processadora era
estabelecida através de contratos de preço fixo, definidos antes
do período de colheita. Em um quadro de elevação dos preços
internacionais do suco, esta forma de contrato criava um conflito
potencial entre produtores e indústria na determinação do preço
"justo", que era resolvido no âmbito da CACEX. As vantagens
estavam na segurança de colocação da produção para o agricultor e
no controle da matéria-prima que proporcionava à indústria, já
que o produtor se comprometia a vender a totalidade de sua
produção para a empresa contratante. Além disso, a empresa
compradora tornava-se titular dos pomares durante o período do
contrato, o que lhe permitia controlar os tratamentos culturais,
circulação da fruta, colheita e transporte.
A partir da safra 86/87, através de um acordo entre as
instituições do setor, estabeleceu-se o "contrato de
participação", que coloca toda a cadeia produtiva atrelada ao
desempenho exportador através da vinculação dos preços da laranja
à cotação do suco na Bolsa de Nova Iorque. O preço da laranja
pago aos produtores passou a ser o resultado da dedução dessa
cotação de uma margem fixa a título de remuneração da produção e
comercialização. Essa sistemática propiciou a elevação do preço
da caixa de laranja de US$ 1,84 em 1986/87 para valores
superiores a US$ 3 nas safras seguintes.
Porém, o cenário para as próximas safras é de crescimento da
oferta mundial, o que implica queda nas cotações internacionais
do suco. Como a remuneração da indústria e a taxa de rendimento
da fruta têm permanecido quase constantes, o impacto do
decréscimo das cotações do suco será mais desfavorável sobre os
produtores que sobre a indústria. Com isso, os preços a serem
pagos aos produtores na safra 92/93 devem cair a níveis
inferiores aos custos de produção. Esta situação se traduz em um
confronto entre citricultores e a indústria sobre o moldes atuais
do contrato de participação, uma vez que a atual equação expressa
posições estratégicas assimétricas no interior da cadeia
produtiva.
224
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A nova conjuntura internacional, além de afetar as práticas
de preços, impõe a necessidade de planejamento do plantio. Devido
à situação favorável do passado, a taxa de crescimento dos novos
pomares foi elevada, o que resultará em uma oferta maior de suco
a partir de 1993, exatamente quando começa a se acentuar a queda
de preços. Entretanto, dada a atomização dos produtores (existem
20.000 produtores, dos quais 75% possuem menos de 40.000 pés), a
estratégia de planejamento do plantio dificilmente poderá
acontecer sem uma coordenação externa, isto é, sem a participação
da indústria e instituições governamentais. Portanto, se na
década do 80 a questão central da citricultura foi a
produtividade dos pomares, na década do 90 a conjuntura
internacional coloca também o problema do planejamento dos
plantios.
A dinamização da competitividade da indústria de sucos lança
ainda o desafio de aprofundar a atuação internacional das
empresas brasileiras. Até o presente, as empresas brasileiras têm
concentrado suas atividades na produção e transporte de suco,
baseando sua capacitação na venda de grandes volumes a um
reduzido número de clientes, de acordo com o modelo tradicional
de exportação de commodities.
Na fase de consolidação da indústria foi importante a
instalação no país das firmas estrangeiras conhecedoras dos
circuitos internacionais de comercialização da laranja. No
entanto, a maior proporção do valor agregado (mais de 60%)
concentra-se nas atividades de empacotamento e distribuição
realizadas no mercado de destino, cabendo aos produtores e
processadores brasileiros parcela inferior a 30%.
A reestruturação do mercado mundial abre a possibilidade de
verticalização na direção do consumo final, a partir do
reprocessamento da matéria-prima ou do controle dos canais de
distribuição.
Alguns indicadores permitem entrever que as barreiras à
entrada de empresas brasileiras na distribuição do suco no
mercado americano tendem a se reduzir no mercado de suco
reconstituído (single-strength). Este mercado apresenta espaços
para a entrada de empresas brasileiras que possuam tank farms. O
sistema tank farm foi uma das grandes inovações tecnológicas
recentes no setor, substituindo o sistema de transporte
utilizando tambores, com significativa redução de custos. No
entanto, somente as empresas de maior porte possuem estruturas
próprias de transporte tank farm, devido ao alto investimento
necessário para sua implantação (aproximadamente US$ 50 milhões).
Já no mercado japonês, são pequenas as possibilidades de
entrada de empresas brasileiras visando processar e comercializar
seus próprios produtos. Entretanto, existem oportunidades para a
conformação de joint-ventures com empresas japonesas,
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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especialmente para empresas que associem exportações com a
construção de terminais próprios. Essa estratégia está sendo
implementada de forma associativa por duas das grandes empresas
do setor, estando prevista a inauguração de um terminal no porto
de Toyohashi, a um custo de US$ 30 milhões.
O aprofundamento dessas estratégias de internacionalização
exigirá fortes investimentos e capacitação na área de
distribuição, marketing e vendas.
Soja
Na indústria da soja, o parque industrial brasileiro é
relativamente recente e experimentou, além do mais, uma renovação
com o deslocamento das plantas para a região Centro-Oeste. As
empresas já passaram por um processo de concentração industrial
imposto pelas dificuldades econômicas da década de 1980, o que
implicou racionalização da estrutura produtiva e redução de
custos. No entanto, a permanência de elevada capacidade ociosa -
cerca de 30% nas empresas pesquidas - ainda é um obstáculo tanto
à redução dos custos de produção, quanto à melhoria da
produtividade industrial.
Muitas empresas adotaram estratégias bem-sucedidas de
diversificação, integrando diferentes cadeias agroindustriais e
penetrando em mercados mais dinâmicos. Sendo assim, as condições
existentes são favoráveis a uma sistemática política de liderança
em custos, o que poderia ajudar a recuperar a hegemonia
brasileira no comércio internacional.
A redução dos recursos destinados ao Sistema EMBRAPA
resultou num inadequado atendimento às demandas do complexo soja,
especialmente tendo-se em conta as mudanças tecnológicas em curso
nas demais oleaginosas, na área de genética e biotecnologia
(novas sementes com propriedades diferentes - variedades Identity
Preserved -, pesquisas industriais quanto a odor, paladar, tempo
de vida na prateleira, pesquisas na área de alimentação humana
com subprodutos de soja, farinha, lecitina, etc.).
Em 1989, foi inaugurado na Faculdade de Engenharia de
Alimentos da UNICAMP um moderno e bem equipado laboratório de
gorduras e óleos para permitir o aprimoramento da qualidade e
produtividade daqueles produtos, incluindo pesquisas em
biotecnologia e novas fontes de óleos vegetais. As firmas podem
contratar pesquisas junto a este laboratório, mas as empresas
líderes possuem centros próprios de pesquisa onde desenvolvem e
testam novos produtos e processos. Em torno ao Centro de Pesquisa
da UNICAMP existe o Fórum de Debates Permanente sobre Óleos e
Gorduras.
As mudanças na política agrícola ocorridas ao longo da
década de 80 tiveram grande influência na competitividade
internacional do complexo soja brasileiro. O grande crescimento
da produção de soja na década anterior esteve relacionado, como é
226
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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bem conhecido, com uma política de modernização da agricultura
baseada, sobretudo, no crédito farto e barato. Ao longo da década
verificou-se uma contínua redução da disponibilidade de recursos
creditícios à disposição dos agricultores. No caso da soja, o
crédito oficial foi sendo substituído (sobretudo nos últimos anos
da década) pelo crédito direto da indústria esmagadora ou mesmo
da indústria de insumos e máquinas, em troca da entrega do
produto final.
O setor passou por um processo de ajuste que se encontra
apenas parcialmente equacionado. O novo padrão de financiamento
tem impactos negativos sobre os produtores de soja menos
protegidos, como os agricultores cooperados, por exemplo,
reduzindo a incorporação de tecnologias para o incremento da
produtividade. A maior disponibilidade creditícia, sem dúvida,
colaboraria para a consolidação da capacidade produtiva do
complexo.
Café
No caso da agroindústria cafeeira, com o decorrer da crise
resultante da desregulamentação do setor, ocorreu um processo de
seleção entre os cafeicultores, uma vez que inexistiram políticas
internas para sustentação do setor. A reestruturação permitiu que
cafeiculturas empresariais com alta produtividade permanecessem
no setor, eliminando primordialmente as cafeiculturas familiares
de pequena escala e regiões decadentes. Esse novo perfil da
produção brasileira repercutirá sobre a produtividade e qualidade
do produto.
Apesar de serem, em geral, tecnologicamente obsoletos, os
equipamentos utilizados no primeiro e segundo processamento
possibilitam, ainda, um padrão de competitividade razoável.
Inovações nos equipamentos, entretanto, podem incrementar a
qualidade do produto.
A capacitação gerencial, a modernização dos equipamentos e
os baixos preços da matéria-prima constituem o cerne das questões
enfrentadas pela indústria de segundo processamento - torrefação
e moagem e solubilização de café. As torrefadoras, voltadas
essencialmente para o abastecimento do mercado interno e bastante
pulverizadas, iniciam um novo período de atuação empresarial.
Após o fim da ingerência governamental sobre o setor, que fazia
dos torrefadores meros prestadores de serviços, o setor passou
crescentemente a incorporar padrões competitivos comuns entre
indústrias alimentares de outros ramos produtivos.
A entrada das cooperativas líderes na torrefação e moagem,
verticalizando atividades, aumenta a competitividade no setor. A
articulação direta com os produtores - diferentemente das
torrefadoras que, em geral, articulam-se com os corretores e
outros intermediários - permite às cooperativas oferecer produtos
diferenciados com garantia da manutenção do padrão da bebida.
227
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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A aquisição direta de café verde - dos cafeicultores ou de
suas cooperativas - por parte de importantes torrefadoras tem
mudado o perfil da comercialização do produto em âmbito interno.
A supressão de agentes no percurso da transformação do produto
passa a ser uma exigência competitiva no setor e fator de
oportunidades.
A transferência tecnológica representa uma oportunidade para
as empresas vinculadas à cafeicultura. Verificam-se, atualmente,
esforços internacionais para a obtenção de inovações que melhorem
a qualidade dos grãos. Dependendo das capacidades empresariais
para estabelecer joint-ventures essas inovações poderão
beneficiar a indústria doméstica.
Concorrência
. Política de concorrência
Os setores de elevada capacidade competitiva, em sua
maioria, têm tradição de atuação no mercado internacional,
estando portanto expostos a ambientes de elevado grau de
concorrência. O acirramento da competição em commodities e o
crescimento das barreiras ao comércio e de práticas
protecionistas têm forçado a ampliação constante de capacitações
competitivas para a sustentação e elevação dos níveis exportados.
No mercado interno, a política de liberalização comercial
não afetou o mercado da maioria desses setores. Diversos de seus
produtos têm alíquota nula, como papel e celulose, minério de
ferro, ferro-gusa, sucata e alumínio primário e mesmo assim as
importações são desprezíveis.
Dentre as medidas de desregulamentação adotadas no passado
recente, duas devem ser destacadas como particularmente
favoráveis à competitividade dos setores com capacidade
competitiva. A primeira refere-se à liberalização dos preços
internos, fator que afetava especialmente a rentabilidade e,
conseqüentemente, investimentos e desempenho competitivo de
setores como o petroquímico, de papel e de celulose, além do
siderúrgico. A segunda diz respeito à operação dos portos que
deverá ampliar ainda mais, através do incremento de eficiência
esperado, a competitividade dos setores exportadores de
commodities.
As deficiências e a falta de tradição na operação dos
procedimentos anti-dumping, instrumentos anti-subsídios e medidas
compensatórias, entretanto, são fatores que expõem a indústria
brasileira a práticas desleais de comércio. Esse problema afeta
particularmente os setores petroquímico e siderúrgico - dado o
excesso de oferta mundial e a prática de exportações a preços que
não cobrem o custo total -, além das cadeias agroindustriais,
fortemente subsidiadas em diversos países. Entre 1991 e 1992
foram iniciadas 45 ações anti-dumping e 20 anti-subsídios no
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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país, das quais 11 foram aplicadas, concentradas no complexo
químico e na metalurgia; no caso de ações anti-subsídios todas se
voltaram para produtos agrícolas.
A falta de agilidade das instituições responsáveis prejudica
a indústria local. As importações de PVC, por exemplo, aumentaram
300% em volume entre 1990 e 1991, impondo aos produtores
nacionais prejuízos estimados em US$ 80 milhões somente no ano de
1991. De abril a agosto de 1992 estabeleceu-se uma sobretaxa
provisória. Em janeiro de 1993, a decisão definitiva foi tomada:
as importações procedentes dos EUA e México foram sobretaxadas
em, respectivamente, 16% e 18%. Nesse intervalo, as importações
de PVC voltaram a crescer.
A maioria dos países procura desonerar os tributos de suas
exportações. No Brasil, além da desvantagem em preços no comércio
externo causada pela incidência de impostos sobre as exportações
nacionais, as importações também são beneficiadas pelo sistema
tributário brasileiro em relação à produção interna. Além dos
impostos em cascata, como o PIS e a COFINS, não incidirem sobre
importações, o custo financeiro associado aos impostos sobre o
valor adicionado (e recentemente aumentado, pela mudança na
sistemática de recolhimento) também onera apenas a produção
doméstica.
Nas cadeias agroindustriais, ademais, a falta de
uniformidade tributária nos distintos setores de produção e
comércio e nas distintas regiões do país, bem como o IPI sobre
insumos utilizados na agroindústria e na agricultura conformam um
ambiente que desfavorece, na concorrência, determinados segmentos
da produção nacional frente a importações ou a segmentos melhor
posicionados na cadeia ou geograficamente. O uso da tributação
como instrumento de políticas regionais influencia a localização
não eficiente da agroindústria e promove formas de concorrência
desleal, com vantagens de custos decorrentes exclusivamente da
isenção de tributos. Pode implicar também a má utilização de
recursos escassos para incentivos na medida em que o BNDES e
outros órgãos de fomento são solicitados para projetos cuja
lógica depende desta isenção. A alta carga tributária também leva
à concorrência desleal na medida em que estimula a sonegação,
prática particularmente grave no setor alimentar.
Em síntese, a inexistência de isonomia tributária e as
demais distorções da estrutura tributária brasileira interferem
nas condições de concorrência, influenciando em alguns casos
negativamente o desempenho competitivo da indústria local.
O setor siderúrgico tem sido especialmente afetado por
medidas relativas à regulação da concorrência. Diversas ações de
desregulamentação tiveram impactos positivos sobre a
competitividade do setor: o término do controle de preços do aço
(a defasagem foi estimada, em meados de 1991, em cerca de 40%
para os aços planos); a extinção da equalização de preços (regime
de CIF-Uniforme), que transferia renda das indústrias
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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siderúrgicas para consumidores situados fora do eixo Rio de
Janeiro/São Paulo/Minas Gerais; o fim da exigência de consumo de
carvão mineral nacional, de pior qualidade em relação ao
estrangeiro; e a liberalização comercial, que implicou queda de
preços de alguns insumos importantes, como ferro-ligas, e maior
facilidade para a transferência de tecnologias internacionais.
. Participação do Estado
Siderurgia
Os impactos da privatização sobre a competitividade da
siderurgia são menos claros. De um lado, elevou-se o poder de
mercado dos maiores grupos privados siderúrgicos do país,
existindo riscos de práticas de preços mais elevados que os
internacionais com a cartelização e a substituição do monopólio
público por privado em alguns produtos; as empresas não alteraram
significativamente suas linhas de produção, fortalecendo a
situação prevalecente de oligopólios ou duopólios em diversos
segmentos. Por outro lado, a tendência internacional na
competitividade da siderurgia é na direção do aproveitamento de
economias de escala e da maior concentração industrial. Além
disso, o mercado mundial apresenta excesso de produção e aumentos
abusivos de preços podem ser coibidos, dentro de certos limites,
por importações.
Outras mudanças associadas à privatização foram: a redução
drástica de pessoal que, apesar de socialmente negativo, ampliou
a produtividade na indústria; a diminuição das despesas
financeiras, em decorrência do saneamento financeiro pré-
privatização (cujos custos foram absorvidos pelo Estado) e da
mudança do comportamento pós-privatização (incluindo acesso a
financiamentos de longo prazo de bancos públicos); e a maior
agilidade administrativa - diminuição de prazos de atendimento a
pedidos, simplificação dos procedimentos de licitações e,
principalmente, maior facilidade de diversificação de atividades.
Petroquímica e petróleo
Nos setores da base do complexo químico a forte integração
na cadeia produtiva é a principal fonte de competitividade. No
entanto, o modelo de privatização definido pelo Governo para a
petroquímica (assim como algumas propostas que vêm sendo
sugeridas para a Petrobrás) não levou em conta esse objetivo,
perdendo a oportunidade de reestruturação industrial aberta pela
privatização.
Ficou também sem solução o problema de como conciliar os
interesses da Petrobrás e das empresas petroquímicas e de
fertilizantes em torno a uma política de preços de nafta e gás
natural. Para o setor petróleo, o uso de tarifas públicas como
instrumento de combate à inflação tem afetado a competitividade
da Petrobrás, na medida em que a empresa não consegue gerar os
recursos necessários a seus investimentos. Para o setor
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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petroquímico, o preço da nafta constitui fator fundamental para a
competitividade, na medida em que representa cerca de 70% dos
custos totais de uma central petroquímica. A política de preços
adotada após dezembro de 1991 (20% de margem ao preço do petróleo
do tipo Brent), apesar de ter tido o mérito de fixar uma regra,
definiu um nível de preços incompatível com a obtenção de margens
no setor petroquímico brasileiro.
O debate institucional em torno do futuro da indústria de
petróleo brasileira se estrutura em torno de algumas
alternativas, entre as quais a manutenção do status quo, a quebra
do monopólio, parcial ou completa, a privatização, o
desmembramento da Petrobrás ou ainda um arranjo entre essas.
A análise das tendências internacionais e o diagnóstico da
indústria brasileira do petróleo mostram que, além da integração
produtiva na cadeia petrolífera, prática de preços reais para os
derivados e autonomia gerencial são condições fundamentais para o
incremento da sua competitividade.
A quebra do monopólio como meio de alcançar uma maior
competitividade não é evidente. Mesmo sem o monopólio legal é
muito provável que a Petrobrás o mantenha na prática, caso não
seja desmembrada. Por sua vez, a opção pelo desmembramento da
Petrobrás não tem suporte nas características principais de
estruturação da indústria internacional. Não se espera dessa
opção quaisquer tipos de ganhos competitivos individuais para as
empresas que vierem a ser criadas ou para a indústria de petróleo
em seu conjunto.
Deste modo, o debate sobre quebra do monopólio deve ser
colocado num contexto no qual as variáveis política tarifária e
autonomia da Petrobrás sejam as mais relevantes. Também a
capacidade do Estado em assumir funções reguladoras,
fiscalizadoras e ordenadoras do setor é de suma importância.
Do ponto de vista estritamente industrial, o monopólio
assegura níveis de escalas operacionais e de integração da cadeia
produtiva e um horizonte de planejamento de longo prazo
favoráveis à competitividade do setor petróleo. Também reduz os
riscos inerentes às lacunas ainda presentes no aparato
regulatório dessa atividade no país.
No entanto, de um ponto de vista mais amplo, a manutenção do
monopólio, sem mudanças no relacionamento da Petrobrás com o
governo, teria como conseqüência mais evidente o cerceamento ao
pleno desenvolvimento da indústria no país. Historicamente, a
autonomia da Petrobrás sempre foi restrita. A política de
tarifação dos derivados é o principal instrumento de atuação do
Estado sobre o desempenho econômico-financeiro da Petrobrás. Dada
a importância central que os recursos próprios assumem para o
financiamento da empresa, a utilização da empresa como
instrumento de política antiinflacionária compromete a
competitividade da empresa. A longo prazo, essa situação poderá
231
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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levar a uma contínua perda de capacidade produtiva, implicando a
necessidade de importações crescentes de bruto e, até mesmo, de
derivados.
A manutenção do monopólio com o estabelecimento de um
efetivo contrato de gestão é uma alternativa que pode representar
um novo elemento de equilíbrio entre governo e a estatal. No
entanto, a celebração de contratos de gestão no Brasil, embora
tenham sido objeto de Lei, tem sido postergada em virtude de
dificuldades ligadas à negociação de seus pontos centrais.
A quebra parcial ou completa do monopólio obrigaria a que o
Estado passasse a exercer efetivamente o papel de agente
regulador. Até o presente, como Estado e indústria nacional se
articulam via monopólio, a empresa estatal desempenhou as funções
produtivas e reguladoras do setor. Sem o monopólio, o
Departamento Nacional de Combustíveis, ou outro órgão a ser
criado, teria que assumir a regulação. Ficaria também a cargo do
governo a função ordenadora do setor, envolvendo da mesma forma a
estruturação desse serviço no país, tarefa até então executada
também pela Petrobrás.
As dificuldades inerentes à estruturação de um órgão
técnico-regulador apto a acompanhar as atividades de exploração
das bacias e dos campos de petróleo e gás existentes no país,
cuidando para que sejam racionais; otimizar os sistemas de refino
e de transporte; e evitar crises de abastecimento e oscilações
bruscas de preços podem representar um fator de risco ao ser
quebrado o monopólio. O Estado deve se capacitar para assumir,
entre outras, funções de controle de depleção dos poços, de
acompanhamento dos custos de produção para exercer uma
fiscalização efetiva. Outra área de complexo equacionamento seria
a de garantir a distribuição dos derivados por todo território
nacional sem a desequalização dos preços.
PROPOSIÇÕES - DINAMIZAÇÃO DAS FONTES DE COMPETITIVIDADE
Estratégia
A proposta básica para os setores com capacidade competitiva
é que consolidem e ampliem posições no mercado externo e que
dinamizem as vantagens competitivas estáticas que já detêm. Para
isto é necessário desenvolver produtos e mercados com maior
potencial de crescimento e que permitam a obtenção de maiores
margens de rentabilidade.
A manutenção de superávits no mercado de commodities passa a
exigir estratégias comerciais mais ativas e a inserção no
comércio internacional de produtos de maior valor agregado requer
capacitações específicas e substanciais esforços tecnológicos. É
necessário fortalecer os fatores sistêmicos da competitividade e
assegurar o enobrecimento e upgrading da pauta de produtos,
através do apoio às atividades de P&D. Em alguns casos, é
necessário promover reestruturações industriais ou patrimoniais
232
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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visando a integração produtiva, aumento do porte empresarial e,
quando possível, a internacionalização das empresas brasileiras.
Como se trata de setores que já contam com elevada
capacitação competitiva, o aprofundamento da inserção
internacional dependerá basicamente de estratégias empresariais
adequadas. Cabem ao Estado principalmente atividades de
coordenação, com ênfase no apoio a configurações industriais que
viabilizem a pesquisa e desenvolvimento de produtos e a expansão
externa dos setores, bem como garantir condições sistêmicas
favoráveis em termos de câmbio, logística de infra-estrutura e
diplomacia econômica.
Ações Prioritárias - Mercado
A posição das empresas nos mercados interno e externo em
commodities deve ser fortalecida pelo estabelecimento de laços
mais sólidos com clientes, buscando reduzir a instabilidade
destes mercados, e ser complementada pelo desenvolvimento de
produtos de maior valor adicionado, de modo a assegurar a
competitividade no longo prazo.
O preço é o elemento decisivo da concorrência no mercado de
commodities e há pouco espaço para a compressão de lucros.
Margens reduzidas de rentabilidade, acirramento da concorrência e
queda generalizada de preços (como forte tendência para os
próximos anos) exigem a estabilidade da taxa real de câmbio para
a sustentação do desempenho externo. A política macroeconômica
deve estar atenta a isto.
Agroindústrias - soja, café e suco de laranja
As empresas líderes dos setores agroindustriais (sucos e
óleos) já adquiriram grande experiência internacional. Nesta
década as estratégias competitivas devem focalizar a
regionalização (com atenção especial para o Mercosul) e a
internacionalização de suas atividades produtivas (presença na
Ásia), assim como a ocupação dos segmentos de maior valor
agregado, sobretudo nos serviços alimentares.
O acirramento da concorrência internacional exige o aumento
na produtividade e qualidade do setor agropecuário. É, portanto,
indispensável a intensificação da pesquisa visando o combate a
doenças e pragas, formas mais eficientes de aplicação de
fertilizantes e desenvolvimento genético de novas espécies com
atributos especiais e/ou com maior rendimento agrícola e
industrial. Para a difusão de práticas mais atualizadas na
agropecuária brasileira é fundamental a recuperação da excelência
do sistema EMBRAPA e outros institutos de pesquisa. Recomenda-se
a articulação entre empresas industriais e produtores rurais em
. Estabelecer laços sólidos com clientes, desenvolver canais de
comercialização e disputar mercados de maior valor agregado
233
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
torno a projetos definidos para viabilizar o investimento privado
na infra-estrutura tecnológica.
A política agroindustrial deve incluir também um forte apoio
às empresas médias e cooperativas, que podem ocupar com
eficiência os mercados de massa, estimulando as empresas líderes
a concorrerem nos mercados mais sofisticados, tanto internamente
como no comércio internacional.
Em relação ao complexo agroindustrial, cabe ainda estimular
a competitividade nos novos segmentos dinâmicos, sobretudo no
setor de frutas e verduras. A principal recomendação é o apoio ao
desenvolvimento dos canais de comercialização personalizados
exigidos para a venda desses produtos.
O aprendizado através do desenvolvimento do mercado interno
de produtos de maior valor adicionado (como a verticalização para
coffee shops por parte das torrefadoras, por exemplo) é uma
estratégia importante visando maior agressividade futura no
mercado internacional.
Insumos metálicos
A agregação de valor ao mix de produtos também é a
recomendação central para os setores de insumos do complexo
metal-mecânico. Para as indústrias siderúrgicas e de alumínio é
urgente avançar em termos de aumento de produtividade e
diversificação da pauta de produção, enobrecendo o mix de
produção e evitando queda de exportações e de rentabilidade. Além
de fundamental na sustentação de escalas mínimas de operação, o
mercado doméstico poderia representar importante espaço para o
aprendizado no desenvolvimento destes produtos.
A princípio não se propõe que haja grandes esforços no
lançamento de novos produtos em nível mundial. Pesquisas nesse
sentido são muito onerosas e envolvem elevados riscos. Há, no
entanto, grande espaço no sentido de introduzir internamente
produtos já conhecidos no mercado internacional, mas que demandam
adaptações em função das especificidades de cada mercado. Para
tanto, é fundamental maior aproximação do setor de vendas das
empresas em relação às necessidades de seus clientes e em relação
à área de desenvolvimento de produtos das próprias empresas.
Neste sentido, é importante que as empresas intensifiquem
esforços para o enobrecimento da pauta de produtos e invistam em
equipamentos, sobretudo na automação das fases finais do
processo. Esses investimentos devem ser estimulados através de
financiamentos em condições adequadas, inclusive a programas de
desenvolvimento de produtos que envolvam produtores e usuários, e
da depreciação acelerada para efeitos de imposto de renda. Devem
também ser definidos, com a participação de empresas produtoras,
empresas demandantes e governo, programas de normalização e
certificação de produtos, exigindo melhorias técnicas dos
234
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
produtos ofertados. A política tarifária deveria conceder maior
proteção a produtos de maior valor agregado.
A montagem de articulações produtivo-tecnológicas de longo
prazo entre empresas produtoras de alumínio e empresas
consumidoras localizadas em setores tecnologicamente dinâmicos é
medida importante para o desenvolvimento do mercado interno do
metal. Devem ser implementados programas setorializados
orientados à elevação do consumo de alumínio, no qual poderiam
interagir empresas produtoras do metal e empresas das indústrias
alimentícia (embalagens e peças laminadas), de construção (peças
extrudadas) e de material de transportes (peças fundidas), que
são os principais consumidores. O processo de adensamento da
interação produtor-usuário deve envolver também consumidores de
alumínio de outros países, aproveitando-se a formação de mercados
inter-regionais integrados com o advento do Mercosul.
Para enfrentar o contexto externo desfavorável, é importante
realizar adaptações que permitam explorar de forma mais efetiva
oportunidades vislumbradas no mercado. Estratégias mais
agressivas de exportação devem voltar-se, preferencialmente, para
a ocupação de nichos dinâmicos do mercado mundial de
transformados, acompanhando a tendência internacional de
crescente valorização dos produtos. Deve ser fornecido apoio
logístico e operacional a acordos de cooperação com empresas
dotadas de maior capacitação comercial e mercadológica, visando a
entrada no mercado internacional de rodas para automóveis, fios e
cabos para transmissão de energia e latas para bebidas, entre
outros produtos em que existam condições favoráveis ao produto
brasileiro. Outros instrumentos importantes para alcançar este
objetivo são: a eliminação de entraves burocráticos à realização
de exportações; a concessão de linhas de crédito seletivas aos
exportadores; a manutenção de uma política de realismo cambial; o
ajuste da carga tributária; a intensificação dos esforços
orientados à certificação dos produtos oferecidos.
Para diminuir a vulnerabilidade das empresas exportadoras
brasileiras em relação às variações de preços do metal primário
no mercado internacional é importante adotar políticas comerciais
que contemplem preferencialmente contratos de longo prazo e
reduzam a dependência em relação a tradings na comercialização do
produto no mercado internacional, inclusive através da realização
de operações triangulares envolvendo a comercialização de
bauxita, alumina e alumínio.
Petroquímica
Na petroquímica, as oportunidades no comércio internacional
dependem da ampliação do mercado interno e de incentivos à
criação de estruturas de P&D no interior das empresas, através de
medidas fiscais, como as aprovadas recentemente, e de
financiamento. O desenvolvimento do mercado doméstico envolve
também a modernização do parque de transformação de produtos de
matéria plástica. Com esse objetivo, é desejável a discussão na
235
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
câmara setorial de formas de propagar os benefícios negociados no
âmbito da política de preços de nafta para a indústria
transformadora, favorecendo assim o consumidor final de bens
demandantes de insumos petroquímicos.
A busca de uma maior complementaridade petroquímica no
âmbito do Mercosul, cuja concretização pode duplicar o fluxo de
comércio entre Brasil e Argentina, hoje concentrado basicamente
em eteno, propeno, polietileno e polipropileno, requer algumas
ações. A criação de empresas binacionais e a produção integrada
de etileno por meio de terminais marítimos de recepção e
despacho, como proposto pela Associação Petroquímica Latino
Americana (APLA), seriam medidas positivas. Uma outra ação
demandada por empresários dos dois países é o desgravamento
tributário.
Papel e celulose
A manutenção de posições no mercado internacional de
commodities pela indústria de papel exigirá consolidar presença
externa ainda mais agressiva na comercialização e no marketing. É
também importante acelerar a definição do certificado ambiental
brasileiro, sem o qual ficará vulnerável a posição do país no
mercado europeu. O direcionamento da produção de máquinas menores
e/ou plantas não-integradas para linhas de maior valor agregado e
conteúdo tecnológico (especialidades definidas por variações de
fibras, fillers, cores e tratamento superficial no papel) é uma
alternativa complementar importante, e que reduz o risco da
concentração em commodities. A ausência de escala no mercado
interno pode ser compensada pela flexibilidade para atender a
pedidos em pequenos lotes de produção. Em importantes produtos de
vocação regional mas de demanda estável devem ser consolidadas
parcerias tecnológicas e acordos de fornecimento com clientes,
envolvendo grandes e pequenas empresas produtoras de papel.
. Qualificar recursos humanos
Para todos os setores o upgrading de produtos e a elevação
dos patamares de qualidade indispensáveis à competitividade e a
uma inserção externa mais favorável exigem maior qualificação de
recursos humanos, incluindo "chão-de-fábrica", gerência e
técnicos. A educação básica e atividades sistemáticas de
treinamento são hoje fatores determinantes de competitividade. A
adoção de processos de trabalho com distribuição de
responsabilidades e ampliação da participação nos processos
decisórios da empresa valorizam o trabalhador e exigem sua
capacitação. Nos estudos setoriais e também na pesquisa de campo
realizada, no entanto, constatou-se que o treinamento ainda tem
sido pouco priorizado. É preciso reforçar o treinamento e a
requalificação profissional, atribuição das várias esferas de
Governo, instituições especializadas e também das empresas.
236
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
. Adotar estratégias exportadoras mais agressivas
Outro fator de relevância para o enobrecimento da pauta de
produção e de exportação do país é o estreitamento das relações
comerciais com clientes e usuários, a evolução nas etapas pós-
produção: relacionamento comercial, logística de distribuição e
assistência técnica. Para evoluir nesta direção e mesmo na
consolidação e expansão da participação nos mercados de
commodities também devem ser apoiadas a formação de joint-
ventures com clientes e distribuidores e a constituição de
estruturas de comercialização compartilhadas.
Também decisivo para o aprofundamento da inserção brasileira
no mercado internacional é a transformação da diplomacia nacional
em instrumento eficaz de apoio às empresas locais. Tanto no
âmbito do GATT quanto nas relações bilaterais é necessária uma
atuação mais ativa das embaixadas no sentido de forçar revisões
em cotas e tarifas, negociar contenciosos e estabelecer relações
favoráveis a nível bilateral. Compensar subsídios e implementar
medidas de retaliação também integram a diplomacia econômica
ativa. A propaganda institucional também pode ter um papel
relevante na consolidação de posições no mercado internacional,
como demonstra o sucesso colombiano na associação da imagem de
qualidade ao café deste país.
É importante fortalecer a posição brasileira diante de
sobretaxas, impostos discriminatórios, fixação de quotas e outras
medidas adotadas nos principais mercados internacionais contra as
exportações do Brasil. A CEE tem sido enérgica na defesa de seus
interesses, enquanto esforços insuficientes são feitos pelo
Brasil contra a sobretaxa americana sobre o suco de laranja, a
permanente ameaça de sobretaxação de produtos siderúrgicos ou a
definição unilateral dos critérios do "selo verde".
Maior rigor na aplicação de medidas sanitárias seria um
importante complemento à política tarifária, para as cadeias
agroindustriais, servindo como aviso contra uma eventual
discriminação às exportações brasileiras.
Ações Prioritárias - Configuração da Indústria
. Estimular a concentração industrial e ampliar a integração
produtiva
A expansão dos setores com capacidade competitiva na última
década, motivada centralmente por oportunidades de ocupação de
mercados internacionais e promovida na ausência de uma política
industrial e tecnológica, deu margem a que as configurações
industriais se desarticulassem, não assegurando às empresas a
necessária capacidade de controle e organização dos fluxos de
mercadorias, tecnologias e financiamentos.
237
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Como norma geral, a dinamização das vantagens competitivas
proposta como diretriz da política de competitividade para esses
setores exige ajustes nas configurações industriais que,
dependendo do caso, podem ser de grande extensão e profundidade.
Insumos metálicos
Na indústria siderúrgica, após o término da privatização do
setor, o espaço para fusões, incorporações e mesmo fechamento de
algumas unidades parece ser muito reduzido. Perdida a
oportunidade aberta pelo Programa Nacional de Desestatização, as
iniciativas visando a reestruturação da oferta já instalada não
devem ser muito radicais, e sim buscar otimizar a estrutura
existente.
Os instrumentos de financiamento devem ser coordenados de
modo a que a expansão da capacidade produtiva se faça acompanhar
da melhoria do mix de produtos. Com esse intuito, as recorrentes
solicitações de financiamentos públicos para a construção de
novas usinas de aço bruto não devem ser atendidas. Essa
recomendação é particularmente importante no que se refere às
usinas que fabricam somente produtos semi-acabados, atípicas na
siderurgia mundial. Os projetos de ampliação dessas empresas
deverão ser reanalisados.
Uma reestruturação industrial mais aguda deve envolver a
indústria de gusa, uma vez que o pólo guseiro de Minas Gerais é
muito fragmentado e apresenta resultados insatisfatórios em
termos do aproveitamento de energia. Este segmento deverá passar
por um processo de concentração, inclusive com a desativação de
vários alto-fornos, em decorrência da incapacidade de atendimento
à nova Legislação Florestal e dos onerosos investimentos
necessários para aumentar o aproveitamento de energia. Os
guseiros possivelmente terão uma sobrevida se os grandes
produtores de aço a carvão vegetal converterem seus alto-fornos
para coque. Para promover esta centralização de capitais, o
segmento deveria planejar sua reestruturação e contar com acesso
a financiamentos do sistema BNDES.
Já para o setor de extração e beneficiamento de minério de
ferro não se vislumbra a necessidade de reestruturação
patrimonial e/ou industrial significativa. Para manter a
competitividade, postula-se a manutenção do status quo, não se
promovendo aumentos na carga tributária e mantendo-se o realismo
cambial.
A principal diretriz da reestruturação da indústria de
alumínio visando incrementar a competitividade setorial é a
promoção de um maior grau de integração entre as diversas etapas
da cadeia de produção e consumo.
Com relação à verticalização de produtores de alumínio
primário que não estão presentes no mercado de transformados,
deve-se buscar uma melhor adequação do mix de produtos gerados às
238
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
necessidades do parque transformador, inclusive através do
reforço das atividades de marketing e assistência técnica. No
caso específico dos produtores de alumínio de origem estatal,
cabe acelerar a diversificação visando o enobrecimento de
produtos, acompanhada da reestruturação organizacional e da
reorientação de esforço tecnológico. Participações societárias
minoritárias em transformadores independentes e o eventual aporte
de recursos de agências públicas de fomento podem constituir
meios adequados de direcionar esse processo.
Do lado do parque transformador, é necessária a elevação do
porte empresarial e das escalas de produção, partindo-se da
identificação de empresas com capacitação já acumulada para
atuarem como foco de aglutinação de recursos e qualificações.
Participações societárias cruzadas entre essas empresas e
produtores de metal primário não-verticalizadas contribuiriam
para esse objetivo. Outros instrumentos a serem utilizados
seriam: concessão de aportes de capitais por agências públicas de
fomento; concessão seletiva de incentivos (fiscais, creditícios,
etc.) que estimulem a aglutinação empresarial; montagem de grupos
setoriais por segmento de transformados, com a função de
coordenar o processo, avaliando os desenvolvimentos realizados a
partir de parâmetros de eficiência e capacitação.
É também necessário aprofundar as atividades de reciclagem
de alumínio, através de programas institucionais e do apoio à
capacitação tecnológica do segmento produtor de alumínio
secundário. Em particular, seria interessante uma aglutinação de
refusores independentes em unidades de maior escala (inclusive
recorrendo-se à concessão de linhas especiais de crédito) e/ou
uma diversificação de produtores primários para atividades de
refusão, através da montagem de unidades com escalas mais
econômicas.
Petroquímica e petróleo
Nos setores da base do complexo químico a forte integração
na cadeia produtiva é a principal fonte de competitividade. No
setor petróleo, essa integração já existe. Tal fato, porém, não é
verdadeiro para a petroquímica.
A criação de empresas integradas ao longo da cadeia e com um
nível de faturamento na casa dos bilhões de dólares é vista como
essencial à competitividade internacional da indústria. Para
tanto, é necessário estimular, através de fusões e absorções, a
criação de empresas integradas e de grande porte (faturamento
acima de US$ 1 bilhão), explorando famílias de produtos afins em
termos tecnológicos e/ou mercadológicos, com massa crítica
suficiente para diluir custos fixos e realizar investimentos
sistemáticos em P&D.
Com esse objetivo, seria recomendável que o Executivo
promovesse o redirecionamento do processo de privatização, no
sentido de que a venda dos ativos estatais fosse um instrumento
239
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
de reestruturação. Essa visão comporta a permanência do sistema
Petrobrás/Petroquisa como ator significativo no setor, embora com
seu raio de ação reduzido. Há que se criar empresas de porte,
para depois partir para a desestatização.
Por essa proposta, os leilões de privatização só
aconteceriam depois da fusão de empresas. Caso a participação da
Petroquisa no capital votante de cada nova empresa conglomerada
for superior ao percentual fixado por negociação entre governo e
empresários, a estatal venderia em leilão esse excedente,
destinando uma parte para os empregados.
A implementação dessa proposta não é uma tarefa fácil. Além
da dificuldade de compatibilizar os diversos interesses
acionários, algo que demandaria um grande esforço de engenharia
financeira, dever-se-ia evitar a fusão indiscriminada, em uma
única empresa, de atividades downstream que não possuam
afinidades. Afinal, uma das tendências observadas
internacionalmente é a concentração de operações em famílias de
produtos, escolhidos de acordo com critérios de capacitação
tecnológica e mercadológica.
Quanto à integração refino-petroquímica, considerando-se que
o modelo baseado na venda isolada de empresas que orientou as
privatizações já realizadas seja de difícil reversão, sugere-se a
negociação entre empresas, trabalhadores e governo, no âmbito de
uma câmara setorial, de um acordo de preços de nafta e gás
natural que garanta a estabilidade das suas relações com o setor
petróleo, na tentativa de minimizar os conflitos já existentes, e
que tenderão a crescer com a continuidade da privatização nos
moldes atuais.
Nesse acordo negociado, os preços das matérias-primas (nafta
e gás natural) seriam fixados a partir de uma política que
contemplasse as lógicas micro e macroeconômica. Do ponto de vista
microeconômico, deve-se considerar, fundamentalmente, o preço de
oportunidade das matérias-primas para a Petrobrás e o seu custo
de produção. Do ponto de vista macro, deve ser considerado que é
mais vantajoso exportar petroquímicos do que gasolina em relação
à balança comercial e que a inviabilização da competitividade da
química básica pode fechar fábricas e eliminar postos de
trabalho. Porém, a política de reestruturação setorial da química
básica não deve penalizar a competitividade dos demais setores da
economia brasileira.
No caso da indústria de petróleo, recomenda-se não
implementar propostas que visem o desmembramento da Petrobrás.
Como já mencionado, a verticalização é condição essencial para a
manutenção da competitividade das empresas atuantes no setor. O
desmembramento, certamente, implicaria perdas competitivas para
as empresas criadas e para a indústria como um todo.
240
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Papel e celulose
As transformações da configuração das indústrias do complexo
papel e celulose exigem redefinir produtos e mercados e adequar o
suprimento de insumos. Essas transformações exigem, de início, o
reforço financeiro das empresas. É preciso fortalecer as empresas
do ponto de vista patrimonial para que elas possam enfrentar a
concorrência internacional. Na medida em que os recursos de
crédito são limitados, as empresas líderes das indústria de
celulose e papel devem atrair o apoio financeiro de novos
acionistas, grupos nacionais de outros setores (inclusive
financeiro), investidores institucionais estrangeiros (também via
securitização de exportações, ainda não utilizada no setor), e
mesmo de grupos estrangeiros do setor (em eventuais associações e
parcerias). A integração entre produtores locais, nos moldes da
Bahia Sul, deve ser considerada com particular atenção.
É necessário, de outro lado, ampliar o potencial financeiro
das médias empresas, fator essencial na alavancagem do
investimento e de processos de atualização tecnológica.
Inicialmente, cabe apoiar iniciativas de reestruturação, fusão e
demais formas de associação entre empresas que consolidem
capacidades financeiras mais elevadas e que evitem o alijamento
daqueles impactados por sua obsolescência tecnológica. Para
superar a eventual não integração com a base florestal, pode-se
enfatizar ainda o uso da reciclagem.
O maior uso de reciclados é tendência mundial que deverá se
repetir no país, não só pela eventual exigência do importador
estrangeiro, mas por propiciar redução de desperdício e do lixo
sólido, e garantir também menor necessidade de fibra virgem e
assim de imobilização de capital. A irregularidade no
fornecimento de papel usado torna necessário reordenar a relação
entre usuários e fornecedores, inclusive por meio de contratos de
fornecimento de médio prazo e articulação de associações
cooperativas de compra, estocagem, venda e processamento.
Diante dos requerimentos da modernização, da busca de maior
eficiência energética e dos desafios ambientais, é necessário
estimular a capacitação tecnológica, em particular na área
industrial. O setor precisa construir (ou reconstruir) uma infra-
estrutura adequada de pesquisa e desenvolvimento, à altura da sua
importância em nível mundial. Propõe-se, portanto, a criação de
um centro de pesquisa e desenvolvimento e/ou a recuperação e
reforço das instituições existentes, com participação das
empresas e dos fornecedores de bens de capital, que também
participariam na definição de linhas de pesquisa e no
gerenciamento do centro, de forma semelhante ao funcionamento no
passado do CTCP/IPT. Dada a escassez de recursos públicos, o
centro deverá funcionar prioritariamente de financiamentos
privados. No entanto, deve-se utilizar os mecanismos de
tratamento tributário diferenciado disponíveis na atual
legislação, como por exemplo depreciação acelerada, diferimento
dos investimentos, entre outros. O esforço tecnológico
241
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
associativo não pode prescindir da indústria fornecedora de
equipamentos e serviços.
Em geral, os equipamentos e tecnologias estão disponíveis
para as empresas brasileiras em condições similares aos
competidores internacionais, porém com preços ainda não
compatíveis. É urgente mapear cuidadosamente as possibilidades
existentes hoje e no futuro e as alternativas de configuração
industrial e de interação entre produtores de celulose e papel e
fornecedores de equipamentos ampliar e induzir ações
cooperativas.
Agroindústrias - soja, café e suco de laranja
Para as agroindústrias é necessário a implementação de uma
política agrícola estável que propicie a incorporação de novas
tecnologia e aumentos de produtividade. Novos mecanismos de
planejamento do plantio devem ser desenvolvidos, visando também o
processo de substituição gradativa de culturas.
No caso do setor de suco de laranja, por exemplo, é urgente
evitar a expansão da produção no momento de maior depressão do
mercado internacional. Uma sugestão é a implementação de um
redutor de preços progressivo para as laranjas produzidas a mais
de 50 km da indústria. Assim, a própria indústria estabeleceria
uma seleção, afastando os produtores marginais.
O âmbito para delinear estratégias de administração e
controle da produção seria um forum que agrupasse as entidades
representativas dos produtores agrícolas e da indústria com
propostas de tipo associativo tal como o Florida Citrus
Commission, que coordena as estratégias de produção e de vendas
de seus associados. A implementação de estratégias cooperativas
permitiria organizar oferta de matéria-prima de forma que a
competitividade nacional não seja prejudicada, tal como acontece,
por exemplo, no caso do café e do cacau. Adicionalmente, esta
ação evitaria que as estratégias dos produtores e da indústria se
tornem assimétricas, uma vez que as empresas de grande porte
tendem a se verticalizar ou a formar mercados cativos com os
grandes produtores, enquanto os produtores pequenos começam a
arrendar suas terras para o plantio de outros produtos.
Esta medida poderia ser implementada a partir da agilização
e reestruturação da câmara setorial, incorporando representação
dos produtores agrícolas. Uma atividade inicial é a formação de
uma comissão de especialistas do governo, empresas e produtores,
para a elaboração de um documento anual sobre as tendências
econômicas no setor. Este documento permitiria que os produtores
estimassem seus rendimentos futuros e, portanto, suas estratégias
de plantio, em função das projeções de preços e de consumo.
Para contornar a falta de recursos para a pesquisa agrícola
cabe buscar a unificação de centros de pesquisa, a exemplo da
reestruturação recentemente promovida no Centro de Citricultura
242
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Sylvio Moreira, na região de Limeira (SP), a partir da absorção
da Seção de Citricultura do Instituto Agronômico de Campinas.
O setor privado vem desempenhando atividades de pesquisa por
conta própria, mas uma atividade de prospecção tecnológica
sistemática, a criação de redes de tecnologia e informação, a
viabilização de associações entre empresas, ou mesmo atividades
de extensionismo tecnológico junto às cooperativas e empresas
regionais, são as recomendações básicas para a constituição de um
novo sistema institucional de pesquisa pública.
Especificamente para a indústria cafeeira é importante o
apoio público para viabilizar culturas alternativas nas regiões
onde não podem ser obtidos produtos de qualidade. No cerrado e
sul mineiro e o mogiano paulista, onde os grãos estão entre os
melhores do mundo, devem ser utilizados os recursos do Fundo de
Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) vinculados a programas de
racionalização e revigoramento da lavoura, visando à qualidade,
com apoio das instituições técnicas e governos locais. As
pesquisas para o aumento da produtividade do café robusta através
da maior utilização de lavouras clonais, desenvolvidas com
sucesso no Espírito Santo, devem ter continuidade e seus
resultados repassados a regiões produtoras na Bahia e Rondônia.
. Incrementar presença internacional
A maior presença internacional dos setores com capacidade
competitiva requer a realização de investimentos diretos no
exterior pelas empresas brasileiras. Deve-se estimular a formação
de joint-ventures com empresas dos países importadores ou outras
em situação geográfica mais favorável, em particular visando a
maior penetração nos mercados asiáticos, os mais dinâmicos na
atualidade. A exemplo do que iniciou a ser feito pelos
exportadores de suco de laranja, a construção de terminais de
carga nos portos de destino, entre outras iniciativas, deve ser
buscada como forma de incrementar a competitividade diante da
globalização do mercado internacional.
No complexo agroindustrial, estratégias de atuação conjunta
dos países do Mercosul em relação a terceiros mercados poderiam
favorecer políticas que enfatizassem a qualidade do produto,
ganhos de produtividade com a modernização tecnológica de setores
agroindustriais e a formação de joint-ventures entre empresas.
Por sua vez, é importante incentivar a internacionalização
da Petrobrás dentro do quadro da América Latina e,
particularmente, no Mercosul. Embora existam limitações à
capacidade de expansão externa da empresa, decorrentes da maior
ordem de grandeza dos recursos requeridos para tal, a expansão
para essa região é, certamente, mais viável por apoiar-se em
claras economias de integração. Acordos como os celebrados entre
o Brasil e a Bolívia, para a construção de um gasoduto, são
indicadores desse potencial. Na esteira desse acordo, a Petrobrás
243
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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pode, inclusive, ampliar seu interesse na exploração e produção
na Bolívia e Norte da Argentina.
. Desbloquear infra-estruturas
Fatores sistêmicos relacionados à infra-estrutura física de
transportes e energia são cruciais para a competitividade dos
setores analisados. Para as commodities, é urgente a implantação
de uma logística capaz de compatibilizar os distintos fluxos
materiais e de informações sobre produção, estoques e movimento
de produtos, eliminado os tempos mortos e garantindo a
confiabilidade de prazos e condições de entrega.
Para as grandes cadeias agroindustrais, que enfrentam o
desafio do deslocamento para o Centro-Oeste, é necessário
implementar a proposta do Programa de Racionalização do
Transporte de Cargas Agrícolas. Este programa, além da
recuperação e expansão da malha e estrutura portuária existente,
propõe um sistema intermodal que inverte os pesos relativos de
rodovias e ferrovias.
O setor de minério de ferro, assim como algumas empresas
produtoras de celulose e papel, montaram e operam infra-
estruturas próprias, assegurando sua competitividade a despeito
das fragilidades do país nessa área. Com a implementação da nova
legislação portuária, será possível reduzir a ociosidade dos
terminais próprios, através da operação de cargas de terceiros. A
regulamentação dos procedimentos na troca de energia excedente é
importante para aumentar a autogeração de energia, especialmente
dos produtores de celulose e papel, através da utilização da
energia gerada no processo e do aproveitamento de recursos
hídricos e florestais próximos às fábricas.
A falta de investimentos em geração e distribuição pode
trazer problemas de suprimento de energia, ameaçando
especialmente a competitividade do setor de alumínio. Propõe-se
para este caso específico monitorar a viabilidade de associar o
sistema de tarifação à evolução do preço internacional do
alumínio. Essa iniciativa é comum em outros países e a avaliação
de sua efetividade para o caso brasileiro pode indicar ou não a
pertinência de sua adoção. Também é recomendável estimular
projetos de auto-geração e o aumento da cooperação entre
produtores de alumínio e concessionárias de energia.
Para os setores com capacidade competitiva, propõe-se a
manutenção de tarifas baixas como principal forma de promoção da
concorrência no mercado interno brasileiro.
Ações Prioritárias - Concorrência
. Permitir a conglomeração, regular condutas dos oligopólios e
garantir a concorrência no mercado interno
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Em alguns casos, é interessante a diferenciação de alíquotas
na estrutura tarifária, favorecendo produtos com maior conteúdo
tecnológico e valor agregado. Um instrumento de estímulo à
mudança no mix de produção dos setores de insumos metálicos, por
exemplo, pode ser a concessão de alíquotas mais elevadas aos
produtos mais nobres.
No âmbito do Mercosul, é necessário harmonizar as condições
de competitividade, tanto em termos de tarifas quanto de
tributos, prevendo-se a aplicação de medidas compensatórias que
protejam os países contra oscilações bruscas do câmbio.
Para alguns produtos siderúrgicos a estrutura tarifária
argentina é contrária à brasileira. Enquanto no Brasil produtos
mais nobres já contam com tarifas mais elevadas, na Argentina a
maior proteção está nos produtos semi-acabados. Como se postula
que a proteção tarifária deva incentivar a estratégia de
enobrecimento de produtos, a unificação tarifária do Mercosul
deve ser negociada de forma a não comprometer esse esforço de
modernização da indústria brasileira.
Especificamente para as cadeias agroindustriais, a frequente
concessão de subsídios que distorcem as condições de concorrência
no comércio mundial justifica a opção por uma tarifa externa
comum no nível máximo permitido pelo GATT. Uma tarifa que
compensasse subsídios permitiria ao Brasil aproveitar a
competitividade dos produtos agrícolas argentinos e contribuiria
também para acordos em outras áreas. Existe receio de ocorrerem
concessões excessivas em relação ao setor agroindustrial como
forma de compensar outros desequilíbrios entre os países da
região.
Na química básica, deve ser buscada uma equalização na
política de preços das matérias-primas (nafta e gás natural)
entre os países do Mercosul, para evitar a concorrência em bases
inadequadas. Ademais, seria recomendável que, após a queda das
tarifas, fosse definido um acordo de restrição voluntária, com o
intuito de proporcionar maior suavidade ao processo de transição,
particularmente para os produtos cujo mercado internacional
esteja conturbado por excesso de oferta e guerra de preços. Até o
limite dessas cotas a alíquota seria nula.
A maior abertura do mercado brasileiro precisa ser combinada
com maior eficiência na sua defesa contra práticas desleais,
recorrendo-se a todos os mecanismos disponíveis no contexto do
GATT, automatizando o uso da cláusula de salvaguardas, a
declaração de regime de origem e medidas contra o dumping e
consolidando a Lei de Comércio nacional. O grau de proteção
destes instrumentos depende basicamente da tradição institucional
dos órgãos encarregados de gerenciá-lo, da capacidade de pressão
dos grupos que demandam proteção, da orientação geral da política
comercial dos governos e da existência de contenciosos bilaterais
nas relações comerciais. Para tal, o Departamento Técnico de
Tarifas do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo necessita
ser fortalecido.
245
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
É também urgente a revisão do sistema tributário nacional,
visando desonerar exportações - eliminando impostos em cascata e
ICMS da exportação de produtos primários e semi-elaborados - e,
principalmente, alcançar a isonomia tributária entre produção
doméstica e importações, assim como buscar reduzir as
disparidades do trato tributário entre atividades e regiões do
país.
. Adequar o modelo de atuação do Estado
A privatização aumentou o grau de centralização do capital
no setor siderúrgico. Para evitar possíveis efeitos negativos
desse movimento, como a prática de preços abusivos ou controle da
distribuição, sobretudo nos produtos de baixo valor agregado, há
necessidade de adequação do aparelho de Estado para a defesa da
concorrência. Cabe ao Estado facilitar a concorrência externa,
mantendo a liberalização das importações, e aplicar a legislação
anti-truste quando necessário.
No setor petróleo, a política de preços públicos é o
principal instrumento de atuação do Estado sobre o desempenho
econômico-financeiro da Petrobrás. O estabelecimento de tarifas
reais para os derivados, baseadas no preço de importação do
petróleo, é um ponto central para uma política tarifária
adequada. O estudo do setor indicou que a aplicação estrita deste
princípio permitiria aumentar em 30% o faturamento da Petrobrás,
viabilizando o plano de investimento da empresa. No âmbito de um
Contrato de Gestão, a nova política teria como contrapartida a
obtenção de metas de produtividade e redução de custos pela
Petrobrás.
Os benefícios e riscos existentes nos diferentes modelos de
regulação da indústria em debate (manutenção ou quebra parcial ou
completa do monopólio, privatização, desmembramento, etc.) devem
ser motivo de constantes avaliações e de ação reguladora do
Estado.
Na hipótese de quebra do monopólio, essa deve ser promovida
mediante uma política de flexibilização progressiva. Essa
flexibilização deveria se iniciar pelas atividades de risco no
segmento exploração e desenvolvimento, e pela permissão para a
formação de joint-ventures, mantendo a Petrobrás o exercício da
função reguladora. Na medida que a capacidade reguladora do
Estado fosse se consolidando, a flexibilização poderia ser
estendida a outros segmentos.
Independentemente do encaminhamento a ser dado à questão do
monopólio, é necessário conferir maior autonomia empresarial para
a Petrobrás através da implantação efetiva do contrato de gestão.
Tal contrato poderia, inclusive, regular o engajamento
internacional da empresa sem comprometer o abastecimento do
mercado interno.
246
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
O aperfeiçoamento do aparato estatal, dotando-o de estrutura
técnica-regulatória adequadam, é fundamental para assegurar a
implementação das orientações da política para a atividade.
A estrutura verticalizada atual da indústria do petróleo
deve ser mantida. Com relação à atuação a jusante, deve-se
procurar manter níveis de integração patrimonial refino-
petroquímica que colaborem para o estabelecimento de uma política
de preços para a nafta e gás natural favorável à competitividade
da petroquímica e da produção de fertilizantes. Caso a
privatização da petroquímica promova a retirada da Petrobrás do
setor, sugere-se a negociação entre empresas, trabalhadores e
governo, no âmbito de um forum tripartite, de um acordo de preços
de nafta e gás natural que garanta a estabilidade das relações
entre o setor petróleo e a química básica, na tentativa de
minimizar os conflitos já existentes.
Na indústria petroquímica, é importante reduzir a
participação estatal no controle das empresas, na regulamentação
da indústria e no financiamento de novos investimentos. No
entanto, o programa de privatização na petroquímica deve levar em
conta a necessidade de reestruturação dessa indústria com o
objetivo de proporcionar graus de concentração e integração
produtivas compatíveis com padrões internacionais de
competitividade.
Para o complexo papel/celulose é importante o
estabelecimento de uma política florestal abrangente, consistente
com os planos de investimentos do setor de celulose e de outros
setores usuários. É preciso preservar as áreas com cobertura
florestal nativa remanescentes e desvincular definitivamente
estas áreas da atividade de exploração para produção. Cabe
realizar o planejamento da ocupação e de zoneamento econômico-
ecológico do espaço, que defina, de forma coordenada com as
diretrizes de reforma agrária, áreas propícias à agricultura,
pecuária e silvicultura, onde poderiam ser definidos distritos
florestais. Para as áreas aptas à formação de florestas de
produtores integrados e independentes são necessários mecanismos
de fomento florestal (crédito e seguro) e apoio dos setores
industriais consumidores para reduzir a imobilização do capital
da indústria em terras. Faz-se necessário construir uma
institucionalidade adequada, no que diz respeito à regulação e à
fiscalização destas atividades, em particular, dos
reflorestamentos com fins produtivos.
A utilização de tecnologias de controle ambiental é
heterogênea entre as empresas, até mesmo em função do grau
igualmente heterogêneo de exigência dos órgãos de controle em
cada unidade da federação. Maior definição e uniformidade
regional da legislação teriam efeitos positivos para o equilíbrio
das condições de concorrência entre empresas. Também devem ser
implementados novos instrumentos de política que não só coibam
práticas agressivas ao meio ambiente mas também induzam o
poluidor a considerar como um custo a emissão de poluentes. Ao
247
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
mesmo tempo, face às tendências de crescimento da demanda por
crédito para investimentos antipoluição, abre-se um espaço
importante para que as agências públicas promovam o
desenvolvimento de fornecedores locais de tecnologias e serviços
ambientais.
248
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
4. SETORES COM DEFICIÊNCIAS COMPETITIVAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
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SETORES COM DEFICIÊNCIAS COMPETITIVAS
---------------------------------------------------------------------------------------------
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Complexo Agroindustrial abate; laticínios
Complexo Químico fertilizantes
Complexo Metal-Mecânico automobilística; autopeças
Complexo Eletrônico bens eletrônicos de consumo
Complexo Têxtil têxtil; vestuário; calçados de couro
Complexo Materiais de Construção cimento; cerâmicas de revestimento;
plásticos para construção civil
Complexo Papel e Celulose gráfica
Extra-Complexo móveis de madeira
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DIAGNÓSTICO
Foram considerados setores com deficiências competitivas
aqueles que têm a maior parte da produção originada de empresas
pouco competitivas. Esses setores são responsáveis pela maior
parte da produção e do emprego industrial no país e são, em sua
maioria, voltados para o consumo pessoal.
Uma constatação importante proporcionada pelos diagnósticos
setoriais realizados é a de que em quase todos esses setores há
núcleos de empresas líderes dotadas de significativa capacitação
produtiva e gerencial, embora a existência de empresas com
capacitação tecnológica para inovação seja menos frequente. Isso
revela o fato de que, de modo geral, as deficiências competitivas
desses setores decorrem menos da impossibilidade de superar
fragilidades estruturais ou sistêmicas da ecomomia brasileira e
mais da heterogeneidade de competências empresariais acumuladas
entre segmentos de uma mesma indústria e entre empresas de um
mesmo segmento.
Empresas líderes nos setores de abate, têxtil, calçados de
couro, cerâmicas de revestimento, plásticos para construção e
autopeças, por exemplo, apresentam desempenho equivalente às
empresas de maior competitividade internacional e conseguem
combinar vigorosa expansão no mercado interno e externo. A maior
parte da produção destes setores, no entanto, provém de empresas
249
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
pouco capacitadas, que utilizam equipamentos obsoletos,
desconhecem práticas gerenciais modernas e não valorizam
conceitos de qualidade. Também em setores como laticínios,
vestuário, gráfica e mobiliário, prevalece a produção em empresas
com deficiências competitivas e é pouco significativa a
participação no mercado internacional de suas empresas líderes.
O pequeno porte da maioria das empresas desses setores
dificulta o investimento e a adoção de estratégias competitivas e
de busca de mercados mais dinâmicos frente à estagnação do
mercado interno, agravada pelo aumento na desigualdade da
distribuição de renda. O acirramento da concorrência neste
mercado e a virtual ausência de redes horizontais ou verticais
que confiram a pequenas empresas melhores condições para superar
conjunturas desfavoráveis têm impedido a difusão de práticas
competitivas das empresas de maior capacitação para as demais e
levado ao recurso crescente a estratégias não-competitivas de
sobrevivência. Tem aumentado nesses setores a informalização, a
sonegação fiscal e a degradação das condições de trabalho e da
qualidade dos produtos.
A heterogeneidade competitiva é menor na produção de bens de
consumo duráveis - bens eletrônicos de consumo e automobilística
-, seja pela maior intensidade de capital característica destes
setores, seja pela presença quase que exclusiva de filiais de
grandes empresas multinacionais na indústria local. O nível de
capacitação e desempenho destas empresas no país, a despeito de
terem apresentado grande evolução positiva nos últimos anos, está
ainda aquém da best practice internacional. Especialmente no
segmento de televisores, a profundidade do ajuste recente pode
conduzir à capacitação competitiva, embora atualmente ainda se
distancie dos patamares atingidos pela indústria do sudeste
asiático.
Também no setor produtor de cimento existe certa
homogeneidade. Apesar deste setor possuir capacitação competitiva
em tecnologias de processo, foi incluído entre os setores com
deficiências por apresentar preços superiores aos praticados
internacionalmente, defasagens em termos de tecnologia de produto
e um relacionamento na cadeia produtiva incompatível com as
práticas industriais contemporâneas.
Quanto ao setor de fertilizantes, diversos fatores
contribuem para a existência de deficiências competitivas em
praticamente todas as suas empresas. Dentre estes, destacam-se o
custo elevado ou a baixa disponibilidade das matérias-primas; a
estagnação da demanda, que implica elevados níveis de ociosidade
e desestímulo aos investimentos em melhorias de processos e
produtos; a pulverização excessiva da produção, em particular no
segmento de formulação; e o posicionamento estratégico das
empresas inadequado diante do acirramento da competição no mundo
e no Brasil.
250
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Mercado
Dado o tamanho do mercado interno brasileiro, uma das
principais características da maior parte da indústria nacional é
o direcionamento para o mercado doméstico. Mesmo entre as
empresas de maior capacitação, boa parte tende a encarar o
mercado externo apenas como alternativa de escoamento da produção
em fases de maior retração da demanda interna. Com o
prolongamento da recessão na década passada, este comportamento
foi parcialmente alterado, mas ainda existe pouco contato com
mercados internacionais, em geral mais exigentes, mesmo nas
empresas líderes de indústrias como a do vestuário ou moveleira.
O baixo poder aquisitivo da população leva a que, para
grande parte dos consumidores brasileiros, o preço seja o
atributo mais relevante do produto, priorizado mesmo em
detrimento da qualidade. Como conseqüência, não só as empresas
líderes tendem a se concentrar em linhas de produtos mais
banalizados e de menor valor agregado, estabelecendo parâmetros
de competição relativamente modestos, como abre-se espaço para
empresas com níveis competitivos muito baixos, principalmente em
termos de conformidade a especificações, adequação ao cliente,
confiabilidade, durabilidade e desempenho.
O tamanho do mercado interno brasileiro proporciona escalas
adequadas para a maioria dos setores com deficiências
competitivas, embora o nível de ociosidade de equipamentos (75%
de utilização, em média, nas empresas desses setores pesquisadas)
prejudique a eficiência técnica e o desempenho econômico de
grande parte das empresas. Os setores de bens de consumo
duráveis, entretanto, enfrentam efetivamente problemas de
insuficiência de escala, principalmente em decorrência dos
aspectos perversos da distribuição de renda, que restringem
assimetricamente o consumo de produtos de maior valor unitário e
maior conteúdo tecnológico. A ausência de instrumentos adequados
de financiamento ao consumidor agrava esta situação, reduzindo
ainda mais o mercado de bens duráveis.
O caso das indústrias automobilística (e autopeças) e de
bens eletrônicos de consumo merece destaque. Na década de 70 os
níveis de produção e do consumo interno no Brasil eram elevados e
muito superiores aos de países do sudeste asiático, como a
Coréia. Atualmente, com a estagnação dos anos oitenta e a
incapacidade destas indústrias de se lançarem firmemente no
mercado externo, a situação se inverteu. Apenas recentemente, com
a retomada de 1993 e o estímulo ao "carro popular" pela renúncia
fiscal, a produção de automóveis recuperou os níveis do início da
década passada, superando a marca de um milhão de unidades. O
número de veículos produzidos por modelo no Brasil não alcança as
escalas mínimas apontadas em estudos internacionais (cerca de 200
mil por modelo), com o agravante, no caso nacional, das plantas
. Dimensões do mercado interno
251
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
apresentarem menor flexibilidade produtiva, requerendo, portanto,
volumes ainda maiores de produção.
Em bens eletrônicos de consumo, a abertura acelerada da
economia mostrou a ausência de condições de competição frente aos
bens produzidos para uma escala mundial a partir do sudeste
asiático, processo que recaiu principalmente em produtos high-end
e aparelhos portáteis, penalizando particularmente a indústria
local de áudio. O ajuste produtivo recente incluiu uma redução
substancial do número de modelos fabricados, objetivando as
empresas, através da maior padronização da produção, auferir
maiores rendimentos de escala. O aumento da importância da
qualidade e preços no padrão atual de concorrência elevou a
intensidade de capital da indústria (exigindo equipamentos de
inserção automatizada, robôs, máquinas de solda com controles
programáveis, testadores automáticos de placas, etc.), tornando
as dimensões do mercado, associadas à forma de estruturação da
indústria e seu grau de concentração, em condicionantes decisivos
para a apropriação de economias de escala e, portanto, para a
competitividade da indústria. No caso de televisores coloridos,
de 1986 a 1992 o consumo interno ficou estacionado em cerca de 2
milhões de unidades ao ano (ocorrendo forte expansão em 1993),
quando todas as avaliações apontam para um potencial de mercado
no Brasil entre 4 e 5 milhões de televisores.
Em ambos os setores as economias de escala são importantes,
na medida em que viabilizam a automação dos processos produtivos
e permitem significativas reduções de custos. Não deve também ser
desconsiderado o poder de alavancagem destas indústrias sobre
seus fornecedores, tendo em vista o peso do segmento de autopeças
na estrutura produtiva brasileira - e, principalmente, na geração
de empregos industriais -, assim como a fragilidade da produção
nacional de componentes eletrônicos.
A indústria da construção civil, e, conseqüentemente, todo o
complexo de materiais de construção, foi especialmente afetada
pela crise, somando-se à recessão os problemas associados ao
financiamento de longo prazo e a deterioração dos programas
habitacionais públicos. A ociosidade em alguns setores
industriais da produção de materiais e componentes chegou a 50%
da capacidade instalada e importantes centros da rede estatal de
pesquisa e desenvolvimento para a área de construção civil foram
desativados ou passaram por um processo de esvaziamento. A
instabilidade da demanda não favoreceu a realização de programas
de longo prazo visando melhoria da capacitação em produtos ou
processos. Praticamente todos os setores do complexo ressentem-se
da perda de poder aquisitivo do mercado brasileiro, que torna
pouco atrativo o lançamento de produtos que acompanhem mais de
perto as tendências internacionais, ao mesmo tempo que estimula a
produção em não-conformidade por parte das empresas não-líderes.
. Dinamismo
252
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A falta de dinamismo e instabilidade, entretanto, afeta
negativamente o investimento de todos os setores voltados para o
mercado interno. Existe nestes setores clara correlação entre a
idade dos equipamentos e o último surto de crescimento da renda
interna, podendo-se citar a indústria têxtil como um dos casos
mais evidentes.
A redução do poder aquisitivo da população brasileira tem
levado ao distanciamento das estratégias adotadas pelas empresas
no país em relação às líderes internacionais. As indústrias do
complexo têxtil exemplificam esta situação. A saturação do
consumo nos países desenvolvidos e a "invasão" de produtos
têxteis provenientes de países em desenvolvimento têm deslocado a
concorrência cada vez mais para fatores "não-preço". As empresas
que conquistam maiores fatias do mercado são as que conseguem
flexibilidade para adaptar-se às alterações do mercado,
introduzindo constantemente produtos que incorporam intensamente
estilo, moda e design.
No Brasil, o mercado interno não estimulou a adoção de
estratégias condizentes com as tendências internacionais. A
heterogeneidade prevalece nas indústrias do complexo, mas a
grande maioria das empresas, além de operar equipamentos
obsoletos, carece de capacitação para a produção de artigos de
boa qualidade e atualização frequente em termos de design.
A diversidade de capacitações e desempenhos nas indústrias
têxtil e de vestuário pode ser percebida através dos seguintes
dados: em 1989, somente 456 empresas exportaram produtos têxteis
para os EUA e a CEE, principais mercados do Brasil; as vinte
maiores exportadoras foram responsáveis por 60% do total
exportado, e algumas destas empresas até mesmo avançaram no
processo de internacionalização, estabelecendo filiais e joint-
ventures no exterior.
No conjunto, entretanto, a indústria de vestuário brasileira
apresenta sérias limitações em seus níveis de qualidade e
produtividade. Tendo sua produção quase que totalmente voltada
para o mercado interno (em 1990 as exportações representaram
menos de 2% da produção), sofre acentuadamente as conseqüências
da estagnação dos níveis de consumo da economia nacional. Por não
se tratar de uma indústria intensiva em capital, sua principal
deficiência não se encontra nos equipamentos, mas na grande
carência de métodos gerenciais modernos, que permitam não somente
o aumento da flexibilidade produtiva e atualização de produtos
como também a redução de custos (e preços), via diminuição de
desperdícios, aumento da qualidade e eliminação do excesso de
estoques.
A indústria de calçados, apesar de sofrer, como as demais do
complexo, com a retração do consumo interno, baseou seu
desempenho em duas estratégias bem definidas: aumentou
exportações e procurou redirecionar as vendas internas para itens
de baixo valor unitário. As exportações, que em 1970 somaram
253
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
apenas US$ 8 milhões, atingiram cerca de US$ 1,5 bilhões em 1992.
No início da década de 80, as vendas externas respondiam por
cerca de 10% da produção total, passando a representar no início
dos anos noventa cerca de 30%. A mudança na pauta da produção
destinada ao mercado interno levou à queda da participação de
calçados de couro de cerca de 37% em 1974 para 21% em 1990 e ao
aumento da participação dos produtos de borracha e matéria
plástica, de 40% para 55%, no mesmo período.
. Nível tecnológico dos produtos
Apesar do dinamismo no mercado externo e do aumento no preço
médio dos calçados exportados, indicando o upgrading da pauta,
são raras as empresas que vendem com marca própria. Os modelos,
assim como os preços, são definidos pelo importador de calçados
brasileiros, caracterizando um padrão subordinado de inserção no
mercado externo. Esta limitação coloca o desafio de resistência à
pressão da concorrência de países com menores custos de mão-de-
obra, como a China. O segmento de calçados atléticos e de
material sintético, de maior dinamismo no consumo dos países
desenvolvidos e que também vem sendo rapidamente incorporado no
padrão de consumo nacional, apresenta dificuldades para as
empresas brasileiras. Especialmente nos calçados atléticos de
alta performance, estas dificuldades concentram-se na falta de
capacitação em design e desenvolvimento e pesquisa de novos
conceitos.
O pequeno desenvolvimento do design no país é também um dos
fatores que explicam o desempenho pouco expressivo (embora em
expansão) do setor moveleiro brasileiro no comércio
internacional. Possuindo matéria-prima em abundância e
disponibilidade de mão-de-obra, o setor não foi estimulado pelo
mercado interno a capacitar-se no desenvolvimento de produtos,
fator básico do sucesso das empresas dos países líderes no
comércio internacional, como Itália e Alemanha.
Outras indústrias defrontam-se com níveis diferenciados de
exigência dos consumidores e adaptam-se à composição da demanda.
Na indústria do cimento, a queda nas obras públicas e
empreendimentos imobiliários fez com que a participação dos
revendedores no consumo total de cimento alcançasse 77,6% em
1991, ficando as usinas de concreto com 8,7%, empreiteiras com
4,3% e órgãos públicos e prefeituras com pouco mais de 1% do
total. Na medida em que o pequeno consumidor apresenta baixa
exigência de qualidade e pouco pressiona pela redução de preços,
a indústria volta-se a esse consumidor em detrimento dos
consumidores industriais (construção civil, pré-fabricados,
artefatos de cimento, cimento amianto), adaptando-se às condições
desfavoráveis à competitividade.
O exemplo mais difundido do distanciamento entre os produtos
fabricados no Brasil e a pauta internacional se refere à
indústria automobilística. Os produtos locais apresentam idade
média de projetos muito elevada em relação a outros países, o que
254
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
se traduz não apenas em produtos defasados para os consumidores
como também em preços mais elevados. A defasagem no desenho dos
veículos dificulta a introdução das novas técnicas de processo de
produção, que possibilitam grandes saltos de produtividade e
qualidade.
Recentemente, entretanto, com a perspectiva da abertura
comercial e as negociações ocorridas na Câmara Setorial, observa-
se a reestruturação das linhas de produção: até 1995, as
montadoras estarão alterando seus modelos, através da introdução
de novos modelos ou de novos desenhos para veículos já produzidos
internamente. Com isto, a idade média dos projetos de veículos no
Brasil deverá reduzir-se de três para duas vezes a média mundial.
Por outro lado, a possibilidade de incrementar
significativamente a produtividade na indústria montadora depende
da instalação de novas plantas, o que somente ocorrerá se houver
confiança de que o atual crescimento do mercado interno é
duradouro. A alternativa do mercado externo é restrita, na medida
em que são grandes as barreiras ao comércio internacional. Pela
sua relevância econômica e no emprego industrial e capacidade de
gerar desequilíbrios comerciais entre nações, quase todos os
países desenvolvem políticas de comércio exterior específicas
para o setor automotivo: acordos de restrição voluntária,
barreiras estruturais, cotas quantitativas ou regras de origem,
além de elevada tributação às importações.
O estágio de capacitação de cada segmento do setor de
autopeças é distinto, mas nota-se que o esforço recente de
aumento de competitividade vem surtindo efeito. Não só o
faturamento do setor vem crescendo bem mais que o das montadoras,
como seu coeficiente de exportação, inferior a 6% em 1980, em
1991 já atingia 13,5%.
Na indústria automobilística e em alguns segmentos de
autopeças, a tecnologia de produto é fundamental. As empresas
brasileiras, ao investirem pouco em atividades tecnológicas,
restringem seu poder competitivo. As empresas estrangeiras
beneficiam-se do esforço tecnológico desenvolvido por suas
matrizes, e são poucas as empresas nacionais do setor de
autopeças que consideram a estratégia tecnológica como essencial
para a competitividade. Há entretanto possibilidades de
aumentarem as restrições ao acesso à tecnologia externa, em
função da ampliação do global sourcing, da abertura do mercado
interno e do acirramento da concorrência internacional. Nestas
condições é possível que a indústria brasileira encontre
dificuldades para realizar a reestruturação do seu segmento
automotivo, visando reduzir a defasagem atual.
A especialização das montadoras exclusivamente em carros
"populares" pode limitar o desenvolvimento tecnológico, levando
também as autopeças a se restringirem a produtos de menor
conteúdo tecnológico, importando aqueles mais estratégicos. Esta
possibilidade corresponde não só à perda de postos de trabalho,
255
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
mas à perda daqueles que exigem maior qualificação e, portanto,
de maior remuneração. É importante a adequação da produção das
montadoras ao perfil da demanda interna; no entanto, a manutenção
na pauta da indústria de produtos mais atualizados e com maior
conteúdo tecnológico beneficia, através do aprendizado e da
capacitação das empresas, o conjunto de linhas produzidas.
A maioria das empresas de cadeias agroindustriais no país
direciona-se unicamente para o mercado interno. O reduzido poder
de compra dos consumidores leva à aceitação de produtos de baixa
qualidade, em alguns casos até mesmo impróprios para o consumo.
De outro lado, a heterogeneidade presente na agropecuária
brasileira favorece a diversidade competitiva, através da oferta
de matérias-primas para a indústria com grande diferenciação de
qualidade. Assim, mesmo em setores em que algumas empresas
conseguem conjugar eficazmente exportações e vendas internas
obtendo altos níveis de competitividade, prevalecem deficiências
de capacitação na maior parte da produção setorial.
A indústria brasileira de abate, por exemplo, apresenta
grande disparidade competitiva, embora o país tenha posição de
destaque no mercado internacional, através de empresas
extremamente competitivas. Três empresas são responsáveis por
mais de 70% das exportações de aves e têm evoluído
consistentemente para a maior agregação de valor na sua pauta de
produção, tanto para o mercado interno como externo. Para o
conjunto do setor, em relação aos países do Mercosul, o Brasil
perde em custos na área bovina, mostra condições equivalentes em
relação a suínos e apresenta nítida vantagem em aves. No entanto,
é crescente o abate clandestino e sem condições adequadas de
higiene no país e persiste a ameaça da febre aftosa.
A diversificação e defasagem sazonal em relação ao
hemisfério norte da agricultura brasileira poderia constituir
importante vantagem competitiva para a indústria local de
fertilizantes. A diversidade de utilização de práticas agrícolas
modernas e o baixo nível de exigências, entretanto, reduzem o
potencial indutor deste mercado. Agrava esta situação a
instabilidade das políticas agrícolas no país, uma vez que
subsídios e financiamentos à agricultura estão entre os
principais determinantes da expansão ou retração do mercado de
fertilizantes. Enquanto para o conjunto dos países em
desenvolvimento o consumo de fertilizantes vem se expandindo
acentuadamente, no Brasil mantém-se praticamente estagnado desde
1977 em cerca de 3,2 milhões de toneladas de nutrientes.
Embora a capacidade de produção de fertilizantes em 1990
tenha sido 45% superior à de 1977 (correspondendo a 59% do
consumo aparente nacional), pode-se prever, para os próximos
anos, aumento do saldo comercial negativo, basicamente na área de
potássio. De modo geral, a produção de fertilizantes no Brasil
apresenta lacunas de capacitação e os esforços de modernização
realizados pelo setor têm sido de pouca expressão.
256
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Configuração da Indústria
A análise das configurações industriais dos setores com
deficiências competitivas permite identificar situações distintas
em termos do porte empresarial, níveis de integração produtiva e
efetividade da formas de organização da produção em otimizar as
capacitações produtivas e tecnológicas nas cadeias industriais.
. Presença significativa de empresas de padrão internacional
Nos setores de abate, laticínios, produtos fundidos e
forjados de autopeças e cerâmicas de revestimento, as empresas
líderes brasileiras apresentam níveis de excelência comparáveis
aos dos grandes grupos internacionais.
Abate
O setor de abate e preparação de carnes é dominado por
empresas privadas nacionais com faturamento acima de US$ 1
bilhão, que alcançam elevados níveis de produtividade e têm tido
o mesmo acesso à tecnologia de processo e aos "pacotes genéticos"
das empresas líderes mundiais. Mesmos nas áreas em que as
perspectivas de avanço da fronteira tecnológica são mais fortes -
novos híbridos, no caso de suínos, e inseminação artificial e
transferência de embriões, na área bovina - as empresas
brasileiras estão bem posicionadas.
O surgimento de empresas de padrão internacional, que
caracteriza esses setores, deve-se em grande parte a iniciativas
das próprias empresas objetivando o desenvolvimento de
capacitações produtivas e tecnológicas em todos os elos de
fornecedores e clientes de seus produtos.
No setor de abate, por exemplo, as empresas líderes
iniciaram na área de suínos e depois desenvolveram a avicultura
como eixo dinâmico. Mais tarde, a diversificação se processou
horizontalmente, incorporando a carne bovina, e verticalmente -
tanto para trás, nas rações, como para frente, nos
industrializados - enquanto outras empresas fizeram o caminho
inverso, mais ao estilo americano, diversificando de cereais para
carnes. O nível de concentração é mais alto em aves, seguido por
suínos, com o setor de bovinos permanecendo bastante pulverizado.
A estrutura cooperativa, apesar de seu alcance sobretudo
regional, é importante na indústria.
A rápida modernização do setor de aves decorreu da
convergência de um conjunto de fatores ligados a difusão de novas
tecnologias (genética e nutrição) apoiadas na capacitação
empresarial e em atividades públicas e privadas de pesquisa e
assistência técnica. A entrada simultânea nas exportações
aprimorou a eficiência nas áreas de planejamento, logística e
qualidade. As empresas avícolas têm se mostrado inovadoras também
nas relações com a agricultura, consolidando e continuamente
atualizando sistemas de contrato no fornecimento de aves e
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
suínos. No período mais recente, as empresas líderes demonstraram
sua capacidade para negociar formas de cooperação em nível
internacional, sobretudo na conquista de acesso aos mercados
japonês e da CEE com a consolidação de joint-ventures.
No entanto, observando o setor de abate em seu conjunto
percebe-se que a configuração industrial fortemente competitiva
prevalecente no ramo avícola não se reproduz na indústria de
preparação de carnes bovinas. O menor ritmo de modernização da
pecuária bovina mostra a falta de integração entre o setor
industrial e o abastecimento de matéria-prima, quando comparado
com aves e suínos, e o grau de autonomia e poder econômico que o
setor pecuário ainda mantém. Mostram também a falta de uma
revolução tecnológica comparável à hibridização ocorrida na carne
branca.
Entre as tendências mais favoráveis para a manutenção e
aumento da capacidade competitiva brasileira na área de
preparação de carnes bovinas destacam-se a reestruturação em
curso no setor, com a entrada dos grandes grupos de carnes
brancas e oleaginosos, e a concentração dos capitais das empresas
líderes estabelecidas no setor. Em poucos anos de investimento,
empresas originárias do segmento de carnes brancas já são líderes
no abate de carne bovina. Estas empresas, com faturamento várias
vezes superior ao dos frigoríficos tradicionais, têm sido
responsáveis por um posicionamento estratégico mais agressivo do
setor, sobretudo na área de industrializados. Este processo,
porém, apenas se inicia e enfrenta graves obstáculos na elevada
pulverização do setor: o fato de a empresa líder ser responsável
por menos de 3% do abate total dificulta a introdução de sistemas
de integração como os que prevalecem no setor de carnes brancas.
Laticínios
O setor de laticínios evidencia de forma ainda mais nítida
as deficiências competitivas das cadeias industrias originadas na
pecuária bovina. A despeito da existência de empresas
multinacionais fortes e de cooperativas dinâmicas, os principais
problemas competitivos decorrem da ausência de solidariedade
entre indústria e pecuária, levando ao estabelecimento de
relações conflitivas entre os fornecedores de leite in natura e a
indústria processadora.
Tanto no abate quanto em laticínios subsiste um amplo
segmento que apresenta patamares bastante baixos de
competitividade. Em lácteos, trata-se de médios laticínios e
produtores de queijo, com o setor mais tradicional recorrendo à
clandestinidade como forma de superar a aceleração da
obsolescência tecnológica. No abate bovino é grande o peso do
setor informal de abate clandestino e de abatedouros sem câmara
de congelamento, estimado em até 40% do total, e que aumentou
muito nos anos 80, depois da elevação das alíquotas do ICMS.
258
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Cerâmicas de revestimento
No setor de cerâmica de revestimento há um conjunto de
empresas dotadas de elevada capacitação produtiva. Embora a
indústria seja constituída por um grande número de pequenas e
médias empresas, as empresas líderes são de grande porte, uma vez
que oito empresas brasileiras figuram entre as 50 maiores
empresas do mundo em capacidade de produção.
Dentre os setores do complexo de materiais de construção,
esse é, certamente, o que se encontra melhor estruturado para a
competitividade. O setor vem conseguindo nos últimos anos um
significativo aumento da competitividade de seus produtos no
mercado internacional através de um processo de modernização
baseado na busca do atendimento às normas internacionais
(inclusive normas ISO 9000) e a criação de um centro tecnológico
de caráter nacional. Essa última iniciativa, realizada em
parceria com várias instituições de pesquisa, volta-se para a
promoção de pesquisa cooperativa e certificação de produtos. Os
maiores problemas que o setor enfrenta referem-se à qualidade da
matéria-prima, uma vez que a atividade mineradora é muito
ineficiente no Brasil, e à baixa disponibilidade de gás natural
(com grande variedade de fontes energéticas utilizadas pelas
empresas).
. Heterogeneidade competitiva
Já nos setores têxtil, vestuário, calçados, moveleiro e
gráfico a heterogeneidade acentuada entre as empresas leva a
desempenhos e inserções competitivas muito diferenciados.
Têxtil, vestuário e calçados
Nos setores têxtil e vestuário, apenas as empresas de grande
porte e exportadoras conseguiram reunir as capacitações
necessárias para a competitividade, quando seria importante
desenvolver também as capacidades requeridas num conjunto muito
mais amplo de empresas. Semelhante é a estrutura industrial do
setor de calçados. O grupo dominante na indústria é formado por
empresas de médio/grande porte, especialmente no setor
exportador, sendo grande a dispersão de tamanhos entre as
empresas dedicadas ao mercado interno. As empresas do Rio Grande
do Sul, com 1/3 do valor total da produção, são responsáveis por
aproximadamente 85% do valor das exportações brasileiras.
Esses setores, estruturalmente caracterizados pela enorme
fragmentação da estrutura de capital e por grande pulverização da
produção, têm constituído um campo propício para a formação redes
cooperativas horizontais, como pólos regionais de produção, nos
quais se procura compartilhar investimentos competitivos e
racionalizar o uso das capacitações existentes. Apesar da
existência de algumas experiências bem sucedidas de constituição
desses pólos cooperativos, essas práticas são ainda pouco comuns
259
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
na indústria brasileira, fato que certamente limita o potencial
competitivo desses setores.
No complexo têxtil, o reduzido grau de integração da cadeia
produtiva tem se manifestado tanto através de estratégias de
verticalização inadequadas como, no contexto atual de abertura
comercial, nos conflitos entre os principais elos da cadeia.
Praticamente inexistem processos cooperativos de forma a que os
ganhos de produtividade derivados da especialização pudessem
garantir melhores condições de competitividade aos participantes.
A principal limitação à ampliação da competitividade do
complexo têxtil brasileiro é a ausência de mecanismos que
promovam maiores capacitações tecnológicas e gerenciais para o
conjunto de médias e pequenas empresas, inclusive iniciativas
atenuadoras de suas desvantagens de escala, como o acesso
cooperativado as informações de mercado, equipamentos de
automação microeletrônica (CAD) entre outras.
Esse problema tem se agravado com a intensificação do
recurso à subcontratação de empresas menores nos últimos anos. As
relações entre as partes geralmente são conflitivas, já que não
são motivadas por formas evoluídas de gestão, onde ganhos de
produtividade derivados da especialização formam a base da
relação contratual. No Brasil, a integração produtiva tem visado
apenas a redução de custos diretos, sem grandes preocupações com
qualidade. Freqüentemente é motivada pelas possibilidades de
contornar obrigações tributárias e encargos sociais.
Tendo em vista que uma parcela muito pequena das empresas do
complexo têxtil brasileiro possui nível gerencial e tecnológico
comparável com a best-practice internacional, torna-se ainda mais
importante a integração entre os ofertantes de tecnologia e as
empresas. Neste sentido, a infra-estrutura tecnológica torna-se
um fator-chave na busca de maior competitividade pelas pequenas e
médias empresas.
A análise do estágio de atualização tecnológica dos
principais agentes da infra-estrutura tecnológica prestadora de
serviços à indústria têxtil revela heterogeneidade na capacitação
da oferta de serviços pelas instituições públicas. De uma forma
geral, a avaliação indica uma capacitação mediana na prestação de
serviços. As razões para essa defasagem estão relacionadas às
restrições financeiras, que não permitem a modernização das
instalações e a remuneração dos pesquisadores em níveis
compatíveis com o mercado. Já os laboratórios de prestação de
serviços mantidos por empresas multinacionais, produtoras de
corantes e de fibras sintéticas e artificiais, podem ser
considerados como bem capacitados. Esses laboratórios dispõem de
plantas-piloto de fiação, tecelagem e acabamento de tecidos de
modo a desenvolver ensaios para seus clientes.
No âmbito das cadeias produtivas, a indústria de calçados
brasileira encontra-se em situação vantajosa em relação aos
260
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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demais setores do complexo. Existe junto ao setor um conjunto de
atividades de apoio que colocam alguns pólos produtores regionais
em condição privilegiada, mesmo quando se compara com a situação
existente em nível internacional.
O pólo do Vale do Sinos no Rio Grande do Sul, por exemplo, é
uma dessas regiões produtoras em que há praticamente todos os
requisitos necessários para a produção de calçados. Nesse pólo
existe junto à indústria um conjunto de atividades que fornecem
máquinas, couros, componentes e prestação de serviços, formando
um parque industrial integrado e diversificado. A infra-estrutura
tecnológica tem se constituído em fator importante na
competitividade do setor. Esta infra-estrutura é constituída por
um conjunto de instituições que prestam assistência em
treinamento de recursos humanos e serviços tecnológicos, como
análise química e testes físico-mecânicos em materiais, adesivos
e no calçado. Uma entidade civil sem fins lucrativos, o Centro
Tecnológico do Couro, Calçados e Afins (CTCCA), localizado em
Novo Hamburgo, e uma rede de escolas mantidas pelo SENAI, entre
outras instituições, permitem ao setor contar com uma infra-
estrutura de serviços tecnológicos que, embora ainda não
suficientemente disseminada em todas as regiões produtoras, tem
se revelado uma importante fonte de competitividade.
Franca e Birigui, em São Paulo, são pólos também
tradicionais e em anos recentes Minas Gerais, Santa Catarina e
alguns estados do nordeste brasileiro têm-se constituído em
locais importantes na produção de calçados.
Afora o aprendizado e a experiência de produção, a
capacitação tecnológica, com a difusão de técnicas CAD e outras
de base microeletrônica, bem como de técnicas organizacionais, de
controle da qualidade e de comercialização são fatores
importantes para o ingresso no segmento de calçado de qualidade,
de moda, design elaborado e modelos variados.
Um dos principais obstáculos à competitividade é a baixa
qualidade do couro produzido domesticamente. Há em curso algumas
experiências de parceria entre empresas e curtumes,
principalmente através do intercâmbio de pessoal técnico, que têm
se mostrado parcialmente eficazes. No entanto, essas formas de
cooperação não alcançam, ainda, a intensidade e o escopo
desejável pois não envolvem ainda todos setores da cadeia
produtiva (pecuaristas, abatedouros/frigoríficos, curtumes,
calçadistas). As deficiências de qualidade do couro originam-se
não somente na defasagem tecnológica de muitas empresas
curtidoras, principalmente no acabamento mas também nos métodos
de criação e no abate do gado.
Móveis
De forma semelhante ao que ocorre no complexo têxtil, no
setor moveleiro predominam pequenas e médias empresas havendo
poucas empresas de grande porte. Inclui-se, também, uma
261
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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infinidade de pequenas empresas de caráter tipicamente artesanal.
Mesmo entre as empresas líderes há uma disparidade muito grande
quanto ao grau de modernização tecnológica. Em geral,
equipamentos antigos convivem com equipamentos mais modernos de
penúltima e mesmo de última geração, de vez que, tal como ocorre
nas indústrias do complexo têxtil, o investimento é divisível
permitindo que máquinas de diferentes gerações convivam numa
mesma planta industrial.
No segmento de móveis de madeira retilínios, o menos
defasado, o lay-out da maioria destas fábricas resume-se a linhas
de produção seqüenciais e limpas que garantem um fluxo contínuo
de produção sem desdobramentos laterais e sem a formação de
estoques intermediários. Apesar da adequação dos processos
produtivos, a falta de competitividade externa explica-se pelo
elevado custo de sua matéria-prima básica que é a madeira
aglomerada. Nos demais segmentos (móveis torneados e de
escritório) a heterogeneidade tecnológica é bem mais acentuada.
Em geral, a característica básica da organização industrial
do setor é a grande verticalização do processo produtivo. Numa
mesma unidade fabril convivem inúmeros processos tecnológicos dos
quais se obtém uma grande variedade de produtos. Trata-se,
portanto, de um modelo industrial radicalmente distinto de países
como a Itália. Esta característica deriva, em grande medida, de
um mecanismo de defesa das empresas do setor que visam assegurar
o fornecimento e a qualidade dos seus produtos.
Apesar de ser uma indústria dispersa por todo o território
nacional, a indústria brasileira de móveis localiza-se,
principalmente, nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e
Santa Catarina onde estão concentrados 68,5% do valor adicionado
total e 39,8% do emprego total. No estado de São Paulo, a
indústria de móveis é extremamente dispersa, espalhando-se pela
capital e pelo interior. Já no Rio Grande do Sul e em Santa
Catarina, ela organiza-se em torno de dois pólos industriais
moveleiros: Flores da Cunha e Bento Gonçalves no Rio Grande do
Sul e São Bento do Sul em Santa Catarina. Este fato confere aos
dois estados vantagens comparativas significativas relativamente
às demais unidades da federação. Estes dois pólos industriais são
responsáveis pela maior parte das exportações brasileiras de
móveis de madeira.
Os pólos da indústria de móveis já existentes congregam,
numa mesma região, uma multiplicidade de empresas que se dedicam
a produzir o mesmo tipo de mobiliário sem nenhuma divisão de
trabalho entre elas. As maiores empresas normalmente sofrem uma
concorrência muito grande de uma multiplicidade de pequenas e
microempresas que lhes copiam o design e trabalham com uma
estrutura de custos diferente pois muitas delas pertencem ao
setor informal da economia. A cooperação entre elas permitiria
potencializar a competitividade da produção de móveis com
benefícios para o setor como um todo.
262
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A ausência de normas técnicas gerais que regulem as
atividades do setor contribuem para esta situação. A existência
de normalização é um elemento chave para permitir o
estabelecimento dessa divisão de tarefas. São muito grandes, no
entanto, as lacunas da oferta de serviços de tecnologia
industrial básica para o setor.
. Deficiências competitivas generalizadas
Na maioria dos setores do complexo de materiais de
construção, fertilizantes, bens eletrônicos de consumo,
automobilística e na maior parte do setor de autopeças, as
empresas líderes brasileiras não conseguem alcançar níveis de
competitividade comparáveis aos praticados em outros países.
Mesmo as filiais de empresas internacionais, que hegemonizam a
produção local em vários desses setores, não repetem no país o
desempenho de suas matrizes.
As deficiências competitivas apresentadas por esses setores
no plano de suas configurações industriais têm como principal
origem a baixa integração produtiva ao longo das cadeias
industriais. Nesses setores, a competitividade depende
intensamente de solidariedade entre fornecedores e produtores
para assegurar os níveis adequados de eficiência e qualidade na
produção e, devido a uma série de fatores detalhados adiante, são
incipientes as práticas de cooperação vertical na indústria
brasileira.
Bens eletrônicos de consumo
Na indústria de bens eletrônicos de consumo, verifica-se a
reprodução, no interior das fronteiras nacionais, da estrutura de
oferta da indústria internacional: a maior parte das empresas
líderes em nível internacional estão presentes no mercado
brasileiro, seja como subsidiárias integrais, joint-ventures ou
através do estabelecimento de acordos de transferência de
tecnologia com empresas nacionais. As posições de liderança são
bem estabelecidas e o setor apresenta um grau de concentração
elevado, com as três maiores empresas do setor controlando cerca
de 50% do mercado interno. Um denominador comum a toda a
indústria é a forte dependência frente a fornecedores externos de
tecnologia.
No entanto, apesar da formação de um parque industrial de
peso e fortemente diversificado, capaz de fabricar volumes de
produção expressivos a nível internacional, todos os indicadores
convergem para a conclusão de que esta indústria saiu da década
de oitenta sem apresentar as condições de competitividade
necessárias para enfrentar a concorrência internacional.
Em resposta às modificações nas condições competitivas
vigentes no mercado interno as empresa promoveram um ajuste
produtivo visando fundamentalmente a racionalização e redução de
custos a curto prazo, traduzido em:
263
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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- "enxugamento" das linhas de produção tanto pelo abandono
de linhas de produtos, principalmente produtos high-end e
aparelhos portáteis e diminuição do número de modelos fabricados.
- incremento no conteúdo importado dos produtos fabricados -
incremento da relação importações/faturamento das empresas de
12,1% em 1989 para 17,3% em 1992 (e 20,6% previsto para 1993) e
aumento do conteúdo importado dos principais produtos fabricados
- televisão colorida (de 13,5% em 1989 para 35,5% em 1992),
videocassete (de 69,8% para 77,4%), sistemas de som (de 16,7%
para 36,8%) e toca-discos a laser (de 73,3% para 84,3%);
- introdução de inovações no processo produtivo com a
generalização da utilização de máquinas de inserção automática de
componentes convencionais, introdução de novos equipamentos
computadorizados. É importante ressaltar, contudo, que os
investimentos têm caído aceleradamente desde 1991. Neste ano, os
investimentos das empresas selecionadas atingiram a cifra de US$
87 milhões - depois de terem alcançado o valor de US$ 97 milhões
no ano anterior -, declinando para US$ 54 milhões em 1992 e US$
49 milhões em 1993 (previsão). Além disso, foi identificada uma
forte heterogeneidade nas empresas quanto a seus níveis de
automação do processo produtivo, reflexo, em grande medida, das
diferenças em suas taxas de investimento.
- terceirização inicialmente das atividades de suporte mas
envolvendo de forma crescente etapas do processo produtivo,
muitas vezes através de microempresas formadas por ex-
funcionários, na maioria dos casos destinadas a comprimir custos.
As repercussões mais visíveis deste ajuste concentraram-se
em duas direções. Primeiro, na melhoria efetiva dos indicadores
de qualidade e produtividade das empresas: as três maiores
empresas produtoras de televisores coloridos acusaram um
incremento de produtividade médio (horas-homem/produto, na fase
de montagem) de 2,5 para 1, entre 1989 e 1992; estas mesmas
empresas atingiram um declínio de falhas em campo de 17,8% para
8,1% nesse período. Segundo, na redução expressiva dos preços
industriais - 40% em média no mesmo período (24,8% para
televisores coloridos). A despeito destes avanços consideráveis
(realizados num espaço de tempo bastante curto), deve-se
ressaltar que estes indicadores de preço, qualidade e
produtividade evidenciam estar a indústria brasileira ainda aquém
das condições internacionais de competitividade.
Porém, a direção dada aos movimentos de redefinição
estratégica das empresas pode revelar-se inócua ou mesmo
prejudicial ao se tomar como objetivo maior a penetração da
indústria brasileira no mercado internacional. Neste sentido,
merecem referência os impactos exercidos pelo "enxugamento" da
produção industrial e suas repercussões ao longo da cadeia
produtiva.
264
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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O processo de substituição de componentes nacionais por
importações (ao qual se associou a própria contração da produção
local) conduziu a indústria brasileira de componentes a uma crise
sem precedentes. A competitividade da indústria brasileira de
bens eletrônicos de consumo no mercado internacional passa,
necessariamente, pela presença de uma indústria local produtora
de componentes competitiva, em função do potencial de
desenvolvimento de produtos que atendam necessidades específicas.
A concentração da indústria eletrônica de consumo em Manaus
deveu-se à política de incentivos fiscais, que decretou a criação
de uma Zona Franca nessa região. Não se conseguiu, no entanto,
efetivar a articulação do complexo eletrônico. O setor de bens
eletrônicos de consumo, diferentemente do têxtil ou do
mobiliário, não apresenta economias de aglomeração
significativas, embora a proximidade geográfica entre a produção
de componentes e o setor montador possibilite importantes ganhos
competitivos.
De uma forma geral, é possível identificar a atual
fragilização das relações fornecedor-produtor como um sério
obstáculo à manutenção ou ampliação da competitividade não só do
próprio setor, como do conjunto do complexo eletrônico. Em uma
indústria globalizada e de elevado dinamismo tecnológico como a
de bens eletrônicos de consumo, essa desarticulação pode
constituir séria ameaça à sobrevivência da produção local a médio
ou longo prazos.
Fertilizantes
As deficiências competitivas do setor de fertilizantes são
de natureza distinta uma vez que, no Brasil, essa indústria é
ainda excessivamente pulverizada. Em função disso, as empresas
brasileiras não possuem escalas empresariais que favoreçam o
equacionamento, no ritmo necessário, dos problemas enfrentados
pelo parque produtivo nacional. Além disso, o nível de integração
é muito baixo, o que, associado ao anterior, impede as empresas
brasileiras de adotarem estratégias tecnológicas, mercadológicas
e de preço, entre outras, similares às das empresas líderes
internacionais do setor, com reflexos negativos sobre a sua
competitividade.
De modo geral constata-se a existência de lacunas de
capacitação na indústria brasileira de fertilizantes. Os esforços
de modernização realizados pela indústria de fertilizantes no
Brasil têm sido de pouca expressão, apesar do setor contar com
empresas com alguma tradição na área de pesquisa e
desenvolvimento. Em conseqüência, o parque produtivo encontra-se
relativamente desatualizado, requerendo volumosos investimentos
para a recuperação do patamar tecnológico detido há dez anos. O
principal foco de defasagem refere-se à utilização de
equipamentos de base microeletrônica de controle e otimização de
processos. Um outro problema é a baixa eficiência energética. As
limitações decorrentes das baixas escalas operacionais, no
265
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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entanto, têm sido contornadas por programas de otimização das
plantas.
Também é baixo o nível de investimento em P&D da indústria.
Um melhor desempenho operacional dos processos produtivos na área
de fosfatados é limitado pela insuficiência dos esforços
tecnológicos visando desenvolvê-los internamente, uma vez que as
tecnologias disponíveis na área não se adequam às especificidades
das reservas mineralógicas do país.
Algumas empresas do segmento integrado possuem um certo
nível de experiência em desenvolvimento tecnológico, em
particular nas áreas de beneficiamento e solubilização da rocha
fosfática nacional. Nas empresas semi-integradas destacam-se as
que, através de melhoramentos de processos, conseguiram elevar a
capacidade de produção de algumas plantas, atingindo escalas
mínimas eficientes. No segmento de empresas formuladoras não se
registra desenvolvimento de atividades tecnológicas no Brasil,
sendo a capacitação mercadológica regionalizada a principal
dimensão competitiva.
Várias das empresas que ocupam posição de destaque no setor
ainda se caracterizam por pequeno grau de profissionalização da
administração e pequena experiência em negócios de grande escala.
Constata-se nessas empresas um posicionamento estratégico
inadequado para enfrentar a nova realidade vivida pelo setor, na
qual prevalece um forte acirramento da competição, no mundo e no
Brasil.
É importante observar que o setor de fertilizantes é
altamente beneficiado com o progresso técnico na agricultura,
tendo encontrado na EMBRAPA um modelo exemplar de pesquisa
cooperativa. A formação de redes de pesquisa em fertilizantes
envolvendo empresas, centros de pesquisas e universidades, embora
seja alternativa importante para contrabalançar o virtual
desaparecimento da pesquisa pública, é pouco valorizada no setor,
dado o pequeno porte empresarial das empresas brasileiras.
Materiais de construção
Em alguns dos setores do complexo de materiais de construção
tem ocorrido significativa atualização tecnológica como resultado
dos esforços de modernização das empresas líderes. Essa
atualização vem ocorrendo de forma lenta e gradual, através
principalmente de projetos de implantação e não por substituição
de equipamentos existentes. A introdução de automação da produção
tem ocorrido por etapas, com foco principal nas operações
unitárias mais críticas do processo de produção. Em vários casos,
tem havido substituição de matérias-primas e de tecnologias de
processo tradicionais a fim de minimizar o impacto sobre o meio
ambiente.
A abundância de matérias-primas no país o coloca em vantagem
no panorama internacional, tornando-o pouco dependente de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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importações e possibilitando um potencial de ingresso em muitos
mercados que não dispõem desses recursos naturais. Apesar disso,
o complexo de materiais de construção não apresenta condições
competitivas gerais. Há dificuldades de atingir padrões de
qualidade compatíveis com os produtos dos países líderes e,
conseqüentemente, dificuldades de ocupar mercados mesmo que em
alguns casos as vantagens de preços sejam significativas. A
produção em não-conformidade também ocorre amplamente no mercado
interno.
A implantação de centros de pesquisa e desenvolvimento
tecnológico setoriais com ênfase no controle da qualidade por
meio laboratorial foi um fator positivo para o incremento da
competitividade em algumas cadeias do complexo. Também deve ser
mencionado o esforço de elaboração/atualização da normalização
técnica brasileira.
No entanto, também pode ser identificado um comportamento
heterogêneo entre os setores e obstáculos causados pelo baixo
grau de integração e, por vezes, relação de conflito entre os
setores que se expressam nas dificuldades de estabelecimento de
condições de equilíbrio entre produtores/consumidores nos
processos de elaboração de normas técnicas, com predominância dos
primeiros e conseqüente surgimento de conflitos de interesses e
necessidades.
A indústria do cimento caracteriza-se por um parque
industrial solidamente estabelecido com predominância de capital
nacional e elevado grau de concentração econômica. Os dois
maiores grupos da indústria respondem por mais da metade da
produção. A despeito da existência de capacidade ociosa
significativa, em face da diminuição das atividades de construção
civil no país, o setor não busca o mercado externo, em função da
localização das fábricas e condições de infra-estrutura que
repercutem no preço final do produto.
A estrutura clássica das empresas produtoras de cimento é a
de domínio da extração do calcário e gipsita pela própria empresa
e compra das demais matérias-primas. A qualificação dos demais
fornecedores através de critérios de qualidade ainda é informal
no setor, sem a utilização de sistemas com procedimentos
padronizados e documentados. Em alguns casos existem problemas
nas relações entre os fornecedores (como na embalagem, por
exemplo), mas de um modo geral as relações são estáveis.
O transporte do produto contratado pelas fábricas é
atualmente um entrave em potencial, face ao poder de organização
dos transportadores que atuam de forma cooperativa e estabelecem
suas condições de preços e prazos e à baixa renovação da frota e
das condições das rodovias. Por parte dos consumidores existe a
acusação de realização de acordos de preços entre produtores e
transportadores. Um aumento da demanda com a reativação da
construção civil pode transformar a distribuição do produto em um
expressivo "gargalo" para o setor.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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As empresas nacionais de cimento, ao contrário das empresas
dos países líderes, investem pouco em P&D. O desenvolvimento e
aperfeiçoamento de processos visando à redução do impacto da
produção sobre o meio ambiente e sobre as condições de trabalho
ainda é lento em comparação aos países líderes, onde se colocam
como fatores primordiais de investimento do setor. A liderança
tecnológica e organizacional não coincide com a liderança por
tamanho, uma vez que os grupos que têm maior participação no
mercado não apresentam políticas de atualização e modernização
tão claras e estabelecidas quanto alguns dos grupos menores.
No âmbito da infra-estrutura de P&D destaca-se a existência
de vasto conjunto de instituições públicas com atuação
tradicional na área de materiais de construção. No entanto, as
dificuldades de obtenção de recursos para o financiamento de
projetos, capacitação laboratorial e atualização da capacitação
de recursos humanos, bem como a queda dos níveis salariais,
geraram um processo de esvaziamento com perda de capacitação. A
integração dessas instituições com a indústria é, de um modo
geral, baixa, havendo, no entanto, registros mais recentes de
aproximação entre produtores e pesquisadores através de convênios
e projetos, o que é restrito a algumas empresas.
A indústria de tubos e conexões de PVC apresenta grande
discrepância de capacitação entre as empresas líderes e um grande
número de pequenas empresas que atuam no setor. Nas questões
relacionadas à atualização tecnológica e organizacional as ações
empreendidas no setor limitam-se às empresas líderes, que se
colocam nessa condição pelo domínio de mercado (duas empresas) e
pelo atendimento às normas técnicas com programas de qualidade
incipientes (aproximadamente dez empresas). A integração na
cadeia produtiva vem sendo buscada pelo setor, embora seja ainda
difícil o relacionamento com os fornecedores de matéria-prima
(resina de PVC) em termos de preços. Esse desacordo levou a um
aumento recente de importações de resina do México e EUA, ao que
correspondeu reação dos produtores nacionais com solicitação de
medidas anti-dumping, afinal concedidas pelo governo.
Automobilística e autopeças
Apesar dos avanços recentes na modernização gerencial e
tecnológica realizados pelo segmento automotivo e da existência
de alguns segmentos de autopeças que são competitivos, a
competitividade da indústria automotiva brasileira ainda é muito
limitada.
As vantagens fundamentais da indústria brasileira devem-se
aos baixos custos salariais, à mão-de-obra flexível e interessada
em aprender, embora carente de qualificação técnica, à capacidade
de manufaturar competitivamente mesmo com tecnologias de processo
antigas, além de recursos naturais e matérias-primas abundantes e
relativamente baratos.
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Em termos da configuração industrial vigente no complexo
automotivo brasileiro existem alguns fatores que inibem a sua
competitividade. As empresas, tanto montadoras como de autopeças,
são verticalizadas, fato que as impede de atingir escalas ótimas
de produção em uma série de componentes, provocando custos mais
elevados e dispersão do esforço tecnológico. O movimento de
terceirização observado no setor ainda não atingiu as atividades
produtivas na dimensão necessária.
Também é elevada a diversificação da linha de produtos
quando se tem em conta as dimensões do mercado brasileiro e a
pequena flexibilidade tecnológica das linhas de produção no país.
Caso a expansão do mercado interno ocorrida nos últimos anos
tenha continuidade, esse problema poderá ser contornado pelo
direcionamento dos investimentos para uma maior especialização
produtiva. No entanto, se o mercado interno voltar a manter-se
estagnado, somente uma grande reestruturação da oferta
possibilitará o incremento da competitividade da indústria.
Mesmo num cenário de retomada da demanda interna, o segmento
automotivo necessita enfrentar outra insuficiência estrutural que
é a relação entre as montadoras e as fornecedoras de autopeças.
Esforços visando a racionalização dessas relações vêm sendo
realizados, como atesta um programa de melhoria contínua
desenvolvido por uma montadora que já cobriu 130 fornecedores
desde o final de 1991. Todavia, essas iniciativas não devem estar
exclusivamente voltadas a questões de curto prazo, visando a
redução de custos de produção. A redução de custos é sem dúvida
necessária, mas as empresas do segmento automotivo necessitam
desenvolver novos padrões de relacionamento baseados em maior
confiança e capacitação técnica de ambas as partes. A indústria
mundial tem colocado na construção dessas sinergias um dos seus
pilares de sustentação da competitividade.
Na indústria de autopeças é grande a heterogeneidade em
relação aos produtos fabricados, ao porte e origem do capital das
empresas e à capacitação técnica, produtiva e gerencial.
Componentes centrais, como motores, transmissões, suspensões,
sistemas de freio etc., são produzidos pelas próprias montadoras
e alguns fornecedores cativos, empresas tecnologicamente mais
avançadas, que produzem com qualidade; neste segmento a
tecnologia de produto é muito importante, exigindo grandes
investimentos em P&D. Em produtos fundidos e forjados o Brasil
apresenta competitividade, decorrente de boa capacidade de
manufatura das empresas e de baixos custos dos produtos
siderúrgicos básicos e da mão-de-obra (sendo um segmento
intensivo em trabalho). O segmento de partes estampadas (tais
como carrocerias, pára-choques e tanques de combustível), com a
produção pulverizada em 126 empresas, apresenta uma configuração
pouco compatível com as escalas requeridas para um melhor
desempenho competitivo. Em produtos de plástico e de borracha a
competitividade é ainda menor devido a problemas de custo e
qualidade. Finalmente, os produtos que são muito específicos para
certos modelos (tais como assentos, painéis, pára-choques e
269
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
espelhos) sofrem com a baixa escala e encontram dificuldades em
serem produzidos com custos competitivos.
Quanto ao uso da eletrônica, o Brasil não é competitivo na
produção de chips, mas a sua importação pode capacitar os
produtores de itens convencionais a produzir bens baseados em
eletrônica mais simples, como mecanismos eletrônicos de
fechamento de portas, diagnósticos de bordo e mostradores
digitais. Mesmo produtos mais complexos, tais como sistemas de
freios ABS e transmissões, podem beneficiar-se de chips
eletrônicos importados. Alguns produtores nacionais fabricam
carburadores com injeção de combustível eletrônica com chips
importados, embora as montadoras geralmente tenham os seus
próprios fornecedores cativos.
A crise econômica do início dos anos 90 produziu forte
transformação na indústria de autopeças no Brasil, tanto setorial
quanto internamente às empresas. A reestruturação setorial foi
baseada num forte processo de enxugamento pela saída de empresas
e pela realização de grande número de fusões e aquisições. Como
resultado, o número de empresas reduziu-se de quase 2000 em 1989
para aproximadamente 1.200 empresas. No nível das empresas, o
processo de reestruturação se deu pela redução dos níveis de
hierarquia e do quadro de pessoal nas áreas produtiva e gerencial
e pelo recurso à terceirização (notadamente de serviços e menos
nas atividades produtivas). A reestruturação resultou em um setor
mais concentrado, favorecendo empresas de maior porte.
Não se observa na indústria brasileira uma tendência clara à
hierarquização vertical como ocorre no Japão. Há exemplos
incipientes de adaptações desse sistema, porém, com resultados
pouco significativos. Em vez de hierarquizar a produção entre
várias empresas da cadeia produtiva, os produtores de componentes
continuam verticalizados, suprindo a maioria dos insumos
necessários. Mesmo assim, o grau de integração vertical já não é
tão absoluto ou desordenado como anteriormente, porque a crise
econômica e a terceirização dos serviços têm imposto uma lógica
competitiva ao processo de desverticalização, tornando-o mais
estratégico.
No setor de autopeças, que conta com expressiva participação
de pequenas e médias empresas, a infra-estrutura educacional e de
treinamento brasileira é extremamente frágil, embora entidades
como o SENAI tenham conseguido suprir com rapidez algumas das
necessidades imediatas de treinamento dos trabalhadores quando da
introdução de técnicas básicas de controle de qualidade.
A gestão familiar presente em um número expressivo de
empresas fornecedoras de autopeças tem se tornado um obstáculo à
modernização das empresas e ao estabelecimento de novas relações
entre capital e trabalho. A participação dos sindicatos na Câmara
Setorial da indústria automobilística tem demonstrado o interesse
dos trabalhadores para com questões relativas à competitividade
da indústria. O nível de conflito entre capital e trabalho
270
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
reduziu-se, seja devido à crise econômica que limita o espaço
para reivindicações, seja como decorrência das negociações
efetivadas no âmbito da Câmara Setorial. A mão-de-obra no Brasil
é relativamente bem qualificada e versátil, mas o padrão de
remuneração está bem abaixo do praticado em outros países.
Concorrência
O longo período de instabilidade e recessão econômica,
aliado à abertura comercial, tem intensificado a concorrência na
maioria dos mercados industriais do país. Estratégias de
racionalização da produção, redução de custos e aumento da
qualidade expressam a reação positiva de grande parte das
empresas.
. Práticas comerciais inadequadas
Por outro lado, este ambiente tem também estimulado a adoção
de práticas de sobrevivência oportunistas. Em alguns casos, os
produtores optam por vantagens de custo pelo não-cumprimento de
obrigações fiscais e trabalhistas (nas empresas ou através de
terceirização com informalização) ou então preferem aderir em
conjunto a práticas abusivas de preço ou exigências de
contrapartidas, ou ainda, de manipulação da qualidade dos
produtos. Com isso, essas empresas não somente se despreocupam da
busca de fontes autênticas de competitividade, apoiadas em
transformações tecnológicas nos processos e na gestão da
produção, como prejudicam o desempenho competitivo das empresas
que com elas concorrem e dos demais setores com os quais se
relacionam.
A julgar pela intensidade dos conflitos entre produtores e
usuários por razões de preço, de qualidade ou ambas, o complexo
de materiais de construção tem sido um campo particularmente
problemático da indústria brasileira em relação a esse aspecto.
Na indústria do cimento, a despeito da existência de níveis
satisfatórios de capacitação competitiva, os preços elevados
praticados pela indústria acentuaram nos últimos anos os
conflitos com consumidores, em particular a parcela representada
pela indústria organizada da construção civil, gerando
iniciativas de importação e um grande número de denúncias de
cartelização e venda casada (venda condicionada à incorporação do
frete no preço final). Em abril de 1993 registravam-se 38
denúncias no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE),
tendo havido a aplicação de penalidades a pelo menos uma empresa.
Para coibir essas práticas, o governo brasileiro conta com
uma lei de defesa da concorrência que, em seus aspectos gerais, é
considerada adequada. Falta, no entanto, maior capacidade de
aplicação da lei (enforcement).
Não somente conflitos abertos entre produtores e usuários
indicam problemas de regulação da concorrência na indústria
271
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
brasileira. A enorme expansão da informalidade no setor
industrial ocorrida nos últimos anos tem introduzido
desequilíbrios nos setores de pequena escala e fracas barreiras à
entrada, dentre os quais destacam-se vestuário, calçados, abate,
laticínios, móveis, papel, plásticos para a construção civil
entre outros.
A estratégia de "terceirização espúria", onde a busca de
maior poder de competição reduz-se a evasão de impostos e
obrigações sociais, tem contribuído para desarticular
capacitações tecnológicas, humanas e gerenciais da indústria. Ao
constituir-se como verdadeira concorrência predatória às empresas
formalmente estabelecidas, com maiores chances de investir em
tecnologia, desenvolvimento de produto e treinamento de recursos
humanos, acaba por dificultar a competitividade da indústria como
um todo.
Nas indústrias do complexo têxtil brasileiro, especialmente
em confecções, em grande parte dos casos a terceirização tem sido
espúria, divergindo do processo observado internacionalmente que
visa sobretudo ganhos de flexibilidade através da integração
dinâmica de unidades empresariais de diferentes tamanhos. Além da
concorrência desleal para com empresas organizadas, este processo
tem elevados custos sociais, ao manter uma parcela crescente da
mão-de-obra sem cobertura da legislação trabalhista e
previdenciária. A produção "isenta" de tributos e encargos
sociais torna não-competitivas em preços empresas que cumprem as
obrigações legais, tornando quase inevitável a participação
destas no processo de informalização.
O Estado brasileiro tem sido pouco ativo no exercício
efetivo da regulação no que diz respeito à defesa do consumidor.
Embora o país disponha de um Código de Defesa do Consumidor
bastante avançado mesmo em termos internacionais, sua aplicação
deixa a desejar. O reconhecimento da legitimidade deste Código,
resultado que foi da mobilização da sociedade, através da atuação
de associações de consumidores, pode ser comprovada pela rápida
adaptação da indústria e comércio a diversas determinações (como
em relação à discriminação da data de validade, procedência e
ingredientes dos produtos nas embalagens), mesmo antes de sua
regulamentação.
Entretanto, é insuficiente a capacitação pública no controle
e fiscalização de produtos e processos produtivos lesivos à
integridade física do consumidor, até porque as atividades de
normalização e certificação são ainda incipientes no país, para a
maior parte dos setores. Com relação à questão ambiental, as
instituições, critérios e sanções aplicadas são muito
diferenciadas regionalmente, levando a comportamentos
heterogêneos entre empresas. Aliam-se a esses fatos a baixa
consciência de cidadania prevalecente no país e a desinformação
dos consumidores, pouco exigentes mesmo quanto à conformidade dos
produtos.
272
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Como resultado, não é desprezível na estrutura industrial
nacional a presença de produtos e processos que podem ser
considerados simplesmente como inaceitáveis em uma sociedade
contemporânea.
A situação é particularmente grave em determinados segmentos
do complexo agroindustrial, destacando-se, entre os setores
estudados, as indústrias de carnes e laticínios. O abate
clandestino ou a fabricação de queijos "caseiros" realizados em
estabelecimentos sem condições mínimas de higiene são exemplos
claros deste problema. Apenas no Rio Grande do Sul, que já está
implementando o Programa Estadual de Inspeção e Fiscalização de
Carne, estima-se que o abate clandestino chegue a 1,4 milhões de
cabeças.
As práticas na pecuária e a deficiência do controle público
na área rural, principalmente com relação à febre aftosa, agravam
os problemas sanitários do processamento industrial. Embora os
dados possam sofrer um viés pela maior fiscalização no período
recente, os surtos de aftosa aumentaram 27% em 1992, enquanto na
América Latina como um todo declinaram cerca de 8%. Esta ameaça à
saúde da população é inaceitável em países desenvolvidos: os
países asiáticos e os EUA só permitem importações de países
comprovadamente livres de peste suína e aftosa, o que exclui o
Brasil, e as exportações para a CEE estão permanentemente
sujeitas a embargos, mesmo partindo apenas de frigoríficos
homologados para este fim. As exportações brasileiras de suínos
foram sustadas nos anos 70, em decorrência da peste suína, tendo
havido uma pequena retomada recentemente, sobretudo no âmbito do
Mercosul.
São crescentes as restrições sanitárias no mercado
internacional, utilizadas não só como defesa das populações
locais, mas também como barreira não-tarifária a importações.
Deste modo, além dos riscos a que sujeita o consumidor
brasileiro, a ineficácia de controle e fiscalização prejudica
seriamente o desempenho exportador do país.
A insuficiência de normas ou a tolerância para com seu
descumprimento são também comuns na indústria nacional.
No complexo da construção civil, por exemplo, é marcante a
ocorrência de produção em não-conformidade às normas técnicas,
especialmente em tubos e conexões de PVC, cerâmica vermelha e
para revestimentos, esquadrias metálicas e de madeira e cal
(inclusive ocorrendo na cal mistura de vários tipos de materiais
inertes que lesam o consumidor). Em vários desses setores têm
proliferado empresas que produzem a custos baixos por meio do
desrespeito às normas e não-cumprimento da legislação fiscal e
trabalhista.
Os mecanismos de redução de custos utilizados pela
construção civil e programas governamentais de habitação
sancionam e agravam este problema, o que tem implicado
273
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
deterioração precoce das edificações, com elevados custos de
manutenção para os usuários, ou a produção de edificações que não
atendem a requisitos mínimos de conformidade. Muitas vezes não
são respeitados nem mesmo critérios de adequação ao uso que
evitem a repetição de casos extremos já vividos no país de
necessidade de abandono de unidades ou até mesmo demolição por
deterioração irrecuperável.
No Brasil, ao contrário de outros países onde a indústria de
materiais de construção é marcada pela elevada exigência de
atendimento às normas técnicas e grande padronização de
materiais, prevalece a incompatibilidade dimensional dos
materiais e componentes pelo não-atendimento às normas técnicas,
erros de execução e especificações insuficientes de projeto.
Estes fatores, juntamente com deficiências de qualificação da
mão-de-obra, falta de informações para a correta utilização de
materiais, embalagens e manuseio inadequados, entre outros, são
responsáveis por um dos maiores problemas competitivos do
complexo, o elevado nível de desperdício.
Deve entretanto ser registrado que as empresas do complexo
começaram recentemente a empreender ações no sentido de
estruturar uma política da qualidade e combate à não-conformidade
e empreendem esforços de elaboração e atualização da normalização
técnica brasileira, de modo a estabelecer padronização
dimensional e possibilitar a redução e controle de desperdícios,
bem como assegurar qualidade aos materiais.
Em diversos setores da indústria brasileira, e
principalmente naqueles voltados para o consumo pessoal, observa-
se a questão de normalização insuficiente ou seu não-cumprimento
por várias empresas. Na automobilística, são inúmeras as
modificações que têm que ser introduzidas nos veículos
exportados, de modo a adequá-los às exigências de segurança e
controle ambiental dos países de destino. Nos produtos têxteis, a
ausência de regulação específica permite a oferta de produtos
abaixo dos padrões de qualidade, muitas vezes de difícil detecção
por consumidores no ato da compra. Esta situação não incentiva a
elevação da capacitação das empresas e possibilita a concorrência
desleal de produtos, inclusive importados, de baixa qualidade.
. Tributação
Desequilíbrios do sistema tributário nacional têm
constituído outra fonte de perturbação da concorrência no mercado
interno.
Os impostos "em cascata" oneram proporcionalmente mais
empresas situadas a jusante de cadeias produtivas mais extensas
em relação às situadas na base ou ao final de cadeias com menos
etapas de transformação. Esses tributos recaem também com maior
intensidade em empresas mais desverticalizadas, favorecendo as
integradas. Empresas com ciclos de produção mais longos são mais
oneradas pela desvalorização dos créditos fiscais de impostos
274
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
sobre o valor adicionado, não corrigidos, do que as de ciclo
reduzido. Vendas a prazo incluem empréstimos ao Governo -
recolhimento de tributos antes do recebimento do cliente -, o que
não ocorre nas vendas à vista. Enfim, diversas distorções são
introduzidas na concorrência através do sistema tributário
nacional, agravadas por altas taxas de inflação.
Merece destaque um fenômeno relativamente recente na
indústria brasileira, a "guerra fiscal" entre unidades da
federação no estímulo à produção corrente ou na atração de
investimentos. Apesar da concessão unilateral de incentivos
fiscais por parte das diversas esferas de governo ser
adequadamente limitada pela legislação, as taxas elevadas de
inflação têm proporcionado meios para contornar as restrições. A
utilização do ICMS para incentivar faturamento em certos estados
(concessão de crédito ou permissão para pagamento com prazos
dilatados e sem correção dos débitos) introduz distorções ao
incentivar relocalizações industriais em condições de tratamento
tributário instáveis. É oportuna a implementação de políticas
regionais, especialmente em apoio a regiões carentes. Existem,
entretanto, uma série de instrumentos adequados para atração de
atividades econômicas para regiões específicas, indo desde
impostos e tarifas locais até a concessão de terrenos e infra-
estrutura básica. A utilização do ICMS, no contexto de verdadeira
"guerra fiscal", provoca desequilíbrios competitivos e introduz
no cálculo empresarial fatores locacionais de baixa racionalidade
econômica e instáveis no tempo, prejudicando a competitividade do
conjunto da indústria.
Outra questão importante, especialmente para os segmentos
mais intensivos em mão-de-obra, consiste na carga tributária
oriunda dos encargos sociais. Ao penalizar sobremaneira os
segmentos intensivos em mão-de-obra acaba por constituir-se em um
incentivo a estratégias de informalização.
. Política comercial
Cabe, por fim, comentar o processo de abertura recente da
economia. É positiva a exposição dos produtores locais à
concorrência internacional como forma de introjetar dinamismo
competitivo no mercado interno e coibir práticas abusivas de
preços ou de qualidade. Esta exposição, entretanto, exige cuidado
com a possibilidade de ocorrência de dumping nas importações. Os
diagnósticos setoriais realizados permitiram identificar dentre
os setores com deficiências competitivas as indústrias de
laticínios, bens eletrônicos de consumo e têxtil como as mais
ameaçadas por práticas desleais de comércio dessa natureza.
Os problemas enfrentados pela indústria têxtil nacional
exemplificam o que ocorre em diversos setores. Há excesso de
capacidade produtiva e estoques no mercado mundial, motivados
pela estagnação, em nível internacional, da demanda por produtos
têxteis e agravados por grandes investimentos realizados por
países asiáticos nos últimos anos da década de 80. Parte
275
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
significativa dos excessos de estoques, que os produtores
procuram colocar em novos mercados mesmo sem realizar lucro,
consiste de produtos de fibras artificiais e sintéticas,
justamente o segmento mais frágil do complexo têxtil brasileiro,
que tem maior competitividade nos produtos baseados no algodão.
Há, inclusive, implicações regionais desta ameaça, como a região
de Americana, no estado de São Paulo, que concentra sua produção
naquele segmento.
PROPOSIÇÕES - ELEVAÇÃO CONTÍNUA E GENERALIZADA DA COMPETITIVIDADE
Estratégia
Um projeto de desenvolvimento competitivo para a indústria
brasileira necessariamente deve promover a elevação contínua e
generalizada da capacitação produtiva nos setores com maior peso
na estrutura industrial do país.
A grande heterogeneidade que prevalece na indústria
brasileira, principalmente nos segmentos voltados para o consumo
final, não é um obstáculo ao incremento generalizado de
competitividade. No que diz respeito à pauta de produção, propõe-
se que empresas com maior capacitação busquem excelência
internacional através da atuação em nichos do mercado interno e
expansão para o exterior em segmentos de maior valor adicionado e
conteúdo tecnológico. Essas empresas devem buscar evoluir na
mesma direção proposta para os setores com capacidade
competitiva. Deve-se procurar maximizar os efeitos de sua
operação tanto nas cadeias a montante, através de seus requisitos
em relação a insumos, quanto no aumento dos padrões de
competitividade em seus setores de atuação. Para o grande
conjunto de empresas com menor capacitação, é fundamental a
indução e apoio para a elevação geral dos níveis de
competitividade e mesmo procurar dificultar a operação abaixo de
patamares mínimos de qualidade e eficiência em custos.
Empresas com pouca capacitação para o desenvolvimento de
novos produtos ou com pouco acesso a determinados segmentos de
mercado podem ser eficientes na produção de produtos com
tecnologias difundidas, praticando preços compatíveis com o nível
tecnológico destes bens (caso de cooperativas agrícolas
regionais, por exemplo). Empresas sem a escala mínima necessária
para a produção de determinados produtos padronizados, como
ocorre em diversos segmentos do complexo têxtil, podem
especializar-se em etapas produtivas que exigem maior agilidade e
rapidez de resposta, como por exemplo as fases de acabamento.
O acirramento da concorrência interna derivado da recessão
já promoveu maior preocupação com a eficiência produtiva, o que
se reflete no ajuste industrial observado. É necessário ampliar
este processo, tanto quantitativamente - incorporando mais
empresas na busca de racionalização da produção - como
qualitativamente - transformando estratégias defensivas em uma
busca agressiva de maior competitividade: introdução de inovações
276
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
em processos e produtos, investimentos em novos equipamentos e
mudança radical nos processos de trabalho e nas relações com
fornecedores e clientes.
A ampliação e aceleração do processo de desenvolvimento de
capacitações competitivas requer a promoção de condições
favoráveis, o que, para os setores aqui considerados, traduz-se,
em primeiro lugar, no fortalecimento do mercado interno. Como são
em geral setores predominantemente voltados para a demanda
doméstica, a elevação do poder de compra da população e a
recuperação dos mecanismos de financiamento ao consumidor
consistiriam os principais estímulos ao incremento de sua
competitividade.
Em segundo lugar, a promoção da concorrência visaria
aproveitar as forças do mercado para impor às empresas a elevação
dos patamares competitivos. Propõe-se manter a indústria exposta
à concorrência internacional e coibir práticas desleais ou não
indutoras de competitividade, para o que é indispensável o
reaparelhamento das instâncias responsáveis pela regulação -
elaboração, aplicação e fiscalização de normas técnicas e
legislação de defesa do consumidor e da concorrência.
Para diversas empresas, principalmente pequenas e médias, o
aumento de produtividade e redução de deficiências de qualidade
de produtos e processos exige medidas específicas de apoio que
busquem elevar sua capacitação através da inserção em redes
horizontais ou verticais que reduzam desvantagens de porte e de
capacitação gerencial.
Considerando a dispersão espacial do consumo e da produção
da maioria dos setores que apresentam deficiências competitivas,
é fundamental a descentralização das ações, com ênfase nas
organizações locais e setoriais. Dada as especificidades das
oportunidades e obstáculos à competitividade que caracterizam os
diversos segmentos setoriais e regiões apenas com o
fortalecimento da capacidade local de direcionamento e
implementação das ações pró-competitividade será possível
alcançar a adequada convergência entre a política de
competitividade e os recursos existentes.
Ações Prioritárias - Mercado
O crescimento e melhoria na distribuição de renda
representariam as principais contribuições na transformação do
mercado interno em fator indutor de estratégias competitivas por
parte das empresas nos setores analisados, a maior parte deles
voltados para o consumo de massas.
A principal política para a indução de investimentos em
equipamentos atualizados tecnologicamente nestas indústrias é uma
. Ampliar mercado interno e aproveitar a diversidade de padrões
de consumo e capacitações competitivas
277
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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política de rendas e emprego. A elevação do poder aquisitivo
também é o elemento básico para tornar o consumidor nacional
exigente quanto a padrões de qualidade, níveis de desempenho de
produtos e preços adequados. Ainda que a durabilidade de um bem
represente maior economia no médio prazo, ou a relação
desempenho/custo seja mais favorável, a falta de disponibilidade
de recursos leva a preteri-lo por outros que impliquem menor
dispêndio imediato.
Maior educação e acesso a informações poderiam, com a
elevação do poder de compra da população, traduzir-se em
instrumento eficaz para a impor à indústria comportamentos
condizentes com a competitividade internacional, de busca
contínua de melhoria no desempenho produtivo e introdução de
inovações nos produtos de modo a satisfazer crescentemente o
consumidor.
Para os bens de consumo duráveis, o principal instrumento de
fomento é o crédito ao consumidor visando a ampliação do mercado.
Propõe-se a criação de linhas de financiamento com prazos
dilatados e juros favorecidos, negociando o governo com o sistema
financeiro condições para a viabilização destas linhas
(redesconto, prazos de float, outros mecanismos). Este crédito
deveria exigir contrapartidas dos produtores e poderia
privilegiar, embora não exclusivamente, produtos do complexo
eletrônico (computadores pessoais, softwares, eletrônicos de
consumo) para os quais as economias de escala e escopo são
fundamentais para a competitividade. Entre essas contrapartidas
deveriam estar exigências de agregação local de valor, associadas
ao cumprimento do processo produtivo básico, e requisitos de
qualidade e conformidade.
Também para o setor automotivo é fundamental o financiamento
ao consumidor, já que apenas o mercado interno pode proporcionar
escala e viabilizar os investimentos necessários na indústria,
dadas as enormes barreiras ao comércio internacional e os
patamares já alcançados nas exportações (31,5% da produção, em
1992). A manutenção da renúncia fiscal no caso do "carro popular"
também deveria estar condicionada à introdução gradual de
requisitos de desempenho, relativos a consumo de combustível e
níveis de emissão de poluentes, por exemplo, além das cláusulas
já estabelecidas nos acordos na Câmara Setorial.
Para o complexo da construção civil é importante a retomada
dos programas de financiamento à habitação, acoplada ao
estabelecimento de programas de incentivo ao desenvolvimento
tecnológico. O poder de compra do Estado poderia ser utilizado no
sentido de exigir a adequação dos produtos a fins específicos
(especialmente na utilização para obras de caráter social, como
os programas habitacionais para famílias de baixa renda e de
saneamento) e incondicional conformidade às normas técnicas, por
parte de todos os órgãos contratantes de obras e serviços.
278
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Também na agroindústria é importante o uso do poder de
compra do governo, como forma de garantir não só patamares
mínimos de demanda como para assegurar padrões de qualidade e
níveis de preço que induzam ao aumento de competitividade da
indústria. Programas de alimentação escolar e voltados para a
população carente, administrados com envolvimento das comunidades
e governos locais, com planejamento, previsões de compra e
transparência, têm impacto no complexo agroindustrial,
principalmente em regiões menos desenvolvidas. Levando-se em
conta que, por exemplo, a demanda institucional já chegou a
representar cerca de 30% do leite C distribuído no país entre
1988 e 90, deve-se evitar a todo custo a interrupção dos
programas sociais dessa natureza.
Propõe-se ainda a desoneração tributária dos produtos
integrantes da cesta básica, de modo a ampliar o acesso ao
consumo. A política de tabelamento de preços, que visava
basicamente o controle da inflação, mostrou-se extremamente
prejudicial à competitividade do complexo agroindustrial
brasileiro e deve ser evitada.
. Promover exportações
A principal contribuição das empresas para o fortalecimento
do mercado interno seria o incremento de eficiência e
produtividade e o repasse destes ganhos a preços e salários,
incluindo formas mais contemporâneas de participação dos
trabalhadores nos lucros das empresas.
As exportações, estimuladas através do apoio dos órgãos de
comércio exterior, desoneração tributária, difusão de informações
sobre o mercado internacional e ações setoriais específicas,
também podem cumprir o papel de proporcionar maior interação da
indústria local com consumidores que normalmente apresentam
maiores níveis de exigência. Para empresas que iniciam sua
inserção externa, o Mercosul pode representar uma oportunidade
importante, considerando a proximidade e semelhança relativa de
padrões de consumo e nível de renda. A constituição de centrais
de exportação é indispensável para viabilizar vendas externas de
empresas de menor porte e deve merecer apoio dos governos locais
e instituições técnicas.
Para as empresas do complexo têxtil, as maiores
oportunidades de exportação concentram-se nos esquemas de outward
processing ou subcontratação. Naturalmente, este tipo de inserção
internacional restringe a atividade produtiva local às etapas de
menor valor adicionado e retira do país o comando da dinâmica do
processo industrial, mantidos pelas empresas dos países
contratantes. Entretanto, vários países em desenvolvimento que
inicialmente haviam ingressado no mercado internacional através
dos segmentos de baixo preço e grande volume conseguiram elevar a
qualidade de seus produtos, via capacitação tecnológica e
produtiva, inclusive produzindo com marca própria e
subcontratando de países mais atrasados, como ocorreu no caso de
279
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Coréia, Hong-Kong e Taiwan. A experiência da indústria brasileira
de calçados também sugere os benefícios de uma maior inserção
internacional, advindos de ganhos de escala e de um maior contato
com a best practice internacional. Claramente, o melhor
aproveitamento de oportunidades de exportação, via
subcontratação, deve ser acompanhado de políticas de apoio
visando ganhos de produtividade, qualidade e capacitação
tecnológica endógena.
As sinergias entre o aumento de competitividade das
montadoras e o setor de autopeças são claras, desde que sejam
estabelecidas relações mais favoráveis entre ambos. Para as
primeiras, possibilitando reduzir sua verticalização, além de
ganhos em custo e qualidade; para o setor de autopeças, buscando
capacitá-lo a participar de sistemas de global sourcing, o que
requer escala de produção, eficiência produtiva, qualidade e
tecnologia de produto. Espera-se que o segmento automotivo tenha
condições de produzir veículos modernos com preços competitivos,
sem que haja necessidade de se especializar na produção de
"carros populares", com baixo grau de evolução tecnológica.
O diagnóstico das configurações industriais dos setores com
deficiências competitivas indica a fragmentação da estrutura
produtiva e a ausência de solidariedade entre os diversos elos
das cadeias de produção e consumo como fragilidades a serem
superadas. No entanto, ao contrário dos setores com capacidade
competitiva, não são recomendadas ações que favoreçam a
concentração econômica. É necessário construir e perseguir uma
estratégia de fortalecimento dos nexos entre empresas, através da
constituição de redes horizontais e verticais, respeitando-se a
diversidade de configurações industriais em termos de capital das
empresas, origem, localização e portfolio de produtos.
Principalmente para os setores têxtil, vestuário, calçados,
gráfica e móveis de madeira, mas também para certos segmentos da
indústria de autopeças, apoio especial deve ser dado a pequenas
empresas, através de instituições como o SEBRAE, e do incentivo à
constituição de pólos regionais, criação e aperfeiçoamento de
estruturas de difusão de informações, treinamento, prestação de
serviços técnicos e comerciais, entre outros, que minimizem suas
desvantagens de escala das empresas. Além do acesso privilegiado
a financiamentos e incentivos fiscais, uma forma de apoiar a
constituição e desenvolvimento desses pólos é através do
estabelecimento de experiências piloto em locais selecionados,
contemplando as várias etapas do processo produtivo, desde compra
de insumos à comercialização.
Ações Prioritárias - Configuração da Indústria
. Fortalecer os nexos entre empresas através da formação de redes
horizontais e verticais
280
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Para dar a essa estratégia a necessária funcionalidade, uma
série de ações voltadas para o desenvolvimento da infra-estrutura
de P&D e de serviços tecnológicos mostra-se de grande
importância. Por exemplo, é importante a continuação e
aprofundamento dos programas do CETIQT/SEBRAE de acompanhamento e
divulgação de informações sobre moda e estilo e o desenvolvimento
de um projeto para criação de design com características
culturais nacionais. Para o setor moveleiro, é vital o
estabelecimento de normalização técnica, cuja ausência tem
constituído um dos principais obstáculos às experiências de
cooperação entre empresas já em andamento.
Além destas redes horizontais, devem também ser estimuladas
redes verticais, entre grandes empresas e seus fornecedores,
visando a incorporação de práticas mais competitivas por parte de
empresas de menor porte. Nesse sentido, é importante o
aprimoramento do nível tecnológico das atividades terceirizadas e
a observância das obrigações trabalhistas de forma a não
penalizar a classe trabalhadora.
Ainda para o complexo têxtil, devem ser adotadas medidas que
visem o equilíbrio e fortalecimento das cadeias produtivas
relacionadas diretamente com os principais segmentos produtores
de seus insumos estratégicos: fibras sintéticas e artificiais,
algodão, couros e materiais sintéticos para indústria de
calçados.
A queda na produção interna de algodão e os problemas de
qualidade, agravados pelos reflexos regionais, justifica a
definição de um programa de recuperação da cultura. Uma política
de curto prazo para a recuperação da produção interna deve
basear-se em estímulos fiscais e creditícios e de política
comercial.
No caso de couros, recomenda-se o reforço das instituições
de apoio técnico, que deveriam contar com recursos públicos
adicionais, para incrementar suas atividades de disseminação de
técnicas modernas e de novas tecnologias disponíveis. Recomenda-
se também o estabelecimento de programa de melhoria da qualidade,
baseado na atribuição de selo de qualidade para as empresas que
preencherem os requisitos do programa. Este selo de qualidade
consistiria não somente numa recompensa às empresas com padrões
de qualidade desejáveis, como também facilitaria o reconhecimento
dos insumos de qualidade.
No caso dos materiais sintéticos utilizados na indústria de
calçados, iniciativas direcionadas a facilitar as importações,
como centrais de compras cooperativadas entre empresas produtoras
de calçados, deverão gerar maior dinamismo desses segmentos.
Para o setor de bens eletrônicos de consumo, o objetivo
central deve ser o aumento da integração do parque industrial.
Para tanto, deve ser promovido o fortalecimento da indústria de
componentes de uma forma funcional às necessidades da indústria
281
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
produtora de bens finais. Isso pode ser alcançado através da
incorporação da indústria de componentes na definição de uma
estratégia concertada não só para a indústria de eletrônica de
consumo, mas para o conjunto do complexo eletrônico. A
identificação de componentes potencialmente competitivos, seguido
da realização de acordos informais de compra e o incentivo a
realização de acordos de cooperação entre produtores de bens
finais e fornecedores devem guiar a reconfiguração da indústria.
Para o complexo automotivo, além da promoção de
produtividade e qualidade em toda a cadeia produtiva e de avançar
na adoção de novas técnicas organizacionais, a objetivo central
deve ser estimular a cooperação entre as empresas fornecedoras e
as montadoras.
Para estimular à hierarquização vertical do setor de
autopeças, deveria ser formado um grupo de trabalho para propor
um plano de ação, com a participação de agências públicas e
trabalhadores. Esse plano deve definir diretrizes para o processo
de terceirização, encorajando relações cooperativas entre
empresas.
No caso do prosseguimento da expansão das vendas de veículos
poderá ser positivo o estímulo à entrada de novas empresas na
indústria. Com esse objetivo, deve-se permitir a redução inicial
dos índices de nacionalização dos veículos para novos entrantes
Uma iniciativa que provavelmente traria repercussões
positivas sobre o ritmo e a profundidade do processo de
modernização do complexo automotivo é a implantação de um Centro
de Tecnologia, Organização e Gestão para prestação de serviços
tecnológicos em todos os níveis às montadoras e aos produtores de
componentes. Levando-se em conta o estágio atual de organização
da complexo automobilístico brasileiro e da institucionalidade
que o cerca, a alternativa mais adequada parece ser a
constituição de uma entidade tecnológica de cunho não-
operacional, voltada para a difusão de informações sobre as
capacitações já existentes em Centros de P&D, Institutos de
Pesquisa e outros elos da infra-estrutura tecnológica.
No abate bovino e na indústria de laticínios é fundamental a
redefinição das relações agropecuária-indústria, principalmente
através da promoção de especialização da pecuária. Para tanto,
deve-se definir critérios de concessão de crédito condicionados a
maior tecnificação da criação, promover pesquisas através do
sistema Embrapa e criar formas de acompanhar o desenvolvimento de
pesquisas nas empresas privadas.
No setor de fertilizantes, a competitividade depende da
modernização do setor agrícola via aumento da sua produtividade.
Cumpre estimular a criação de estruturas próprias de P&D nas
empresas, especialmente nos grupos empresariais formados após a
privatização. A recuperação do CEFER/IPT e a retomada das
pesquisas agrícolas sobre utilização de fertilizantes é um passo
282
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
fundamental para a modernização produtiva. Também a definição de
uma política de preços adequada para o gás natural é fundamental
para incrementar a competitividade do setor.
Para a indústria do cimento, assim como os demais materiais
de construção, é importante incentivar a integração do setor
através do estabelecimento de termos de compromisso entre os
integrantes da cadeia produtiva para viabilizar o desenvolvimento
tecnológico e organizacional. Para adequar o produto brasileiro
às tendências internacionais e atender as necessidades dos
consumidores em termos de qualidade cabe valorizar a atividade de
normalização nas instituições de pesquisa e buscar o equilíbrio
produtores/consumidores na elaboração das normas.
Ações Prioritárias - Concorrência
. Promover a concorrência e inibir práticas não indutoras de
competitividade
O fortalecimento de um ambiente concorrencial indutor de
competitividade exige, mais que ações de desregulamentação,
medidas ativas de promoção e regulação da concorrência. É
necessário coibir o abuso de poder econômico e práticas desleais
de comércio, tanto por parte de agentes internos como externos.
Para tal é indispensável ampliar a capacitação dos órgãos
públicos para a aplicação eficaz da legislação de defesa da
concorrência e do consumidor. A exposição à concorrência de
produtos importados é benéfica, desde que o país também disponha
da agilidade e capacitação necessária para a utilização dos
modernos instrumentos não-tarifários de proteção à indústria
local contra a concorrência predatória.
Aperfeiçoar sistemas de normalização e fiscalização
Ao mesmo tempo, cumpre avançar nas atividades de
normalização e homologação de produtos e ampliar a atuação
regulatória do Estado, coibindo e punindo empresas que utilizam
processos produtivos que colocam em risco a saúde de seus
trabalhadores, agridem as legislações sobre o meio ambiente, ou
cujos produtos não atendam a requisitos de salubridade, segurança
ao usuário ou durabilidade mínima.
Principalmente na atuação fiscalizadora, é importante a
descentralização, devendo-se incentivar a multiplicação de
entidades privadas e públicas nas esferas estaduais e municipais
para a defesa do consumidor. Além da capacitação de pessoal
técnico na administração pública e a reestruturação e
reequipamento das instâncias fiscalizadoras, é importante a
disseminação de informações sobre diretrizes e procedimentos e o
aproveitamento de infra-estruturas já existentes em vários pontos
do território nacional, como por exemplo as da SUNAB.
283
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A promoção das atividades de normalização deve visar maior
equilíbrio entre interesses de produtores e consumidores nas
especificações brasileiras. Para tanto deve-se incentivar a
participação nas comissões de estudos da ABNT de especialistas e
técnicos de empresas, órgãos públicos e instituições envolvidos
como produtores, consumidores ou pesquisadores na atividade
específica, através da criação de mecanismos que estimulem e
viabilizem esta participação. Também deve ser incentivada a
criação de Organismos de Certificação Credenciados, entidades sem
fins lucrativos que se enquadrem nos requisitos estabelecidos
pelo INMETRO, para a certificação de terceira parte.
Para a elevação dos níveis de competitividade nas cadeias
baseadas na pecuária é imprescindível o reforço à fiscalização da
qualidade dos animais e do processo industrial. Por lei a
responsabilidade pela inspeção sanitária cabe aos estados; seus
técnicos, em cooperação com produtores e suas associações, devem
intensificar a fiscalização e assegurar a vacinação compulsória.
É urgente acelerar a implementação do Programa Federal que prevê
a eliminação da febre aftosa até o ano 2.000, bem como eliminar o
abate clandestino. Para os setores de carnes e lácteos é também
importante a modificação do Regulamento de Inspeção Industrial e
Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), cujos critérios
não acompanham inovações na área de preservação e controle da
qualidade.
Reverter a tendência à informalização
Para tentar reverter a tendência ao aumento de
informalização observado em diversos setores, além do apoio às
pequenas e médias empresas através de medidas como o incentivo à
constituição de redes cooperativas e organização em pólos,
propõe-se: a) criação de linhas de crédito oficiais relacionadas,
ou condicionadas, aos recolhimentos tributários e previdenciário;
pode-se estudar a possibilidade de concessão de crédito em
condições favorecidas cujos montantes fossem proporcionais aos
recolhimentos fiscais por parte da empresa beneficiada;
b) intensificação de programas voltados à capacitação de pequenas
empresas; c) revisão do sistema tributário brasileiro, inclusive
a base de cálculo das obrigações sociais, de modo a diminuir a
carga tributária micro e, conseqüentemente, diminuir os estímulos
à informalização; d) incentivo às grandes e médias empresas para
exigirem de suas subcontratadas o cumprimento da legislação
fiscal e trabalhista; e) principalmente depois do encaminhamento
das recomendações acima, será também necessário reforçar a
fiscalização de modo a incentivar o cumprimento da legislação.
A experiência internacional demonstra que o papel
desempenhado pelas grandes empresas pode constituir o instrumento
de maior eficácia dentre todas as iniciativas para a capacitação
e modernização das empresas de menor porte. Ao invés da imposição
de preços ou aproveitamento de "vantagens" da informalidade,
exigências de qualidade, orientação na implementação de práticas
produtivas atualizadas, especificação de produtos, sistemas de
284
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
qualidade, testes, etc. podem levar à modernização de empresas
com menor capacitação. O comportamento cooperativo beneficia
também as grandes empresas, que passam a contar com fornecedores
capazes de assegurar qualidade, prazos de entrega e menores
custos (advindos de aumentos de produtividade), aumentando sua
competitividade.
Aprimorar a política comercial
A abertura da economia a importações pode dar acesso aos
consumidores locais a novos produtos, níveis de preços mais
acessíveis, maior assistência aos clientes, menores prazos de
entrega ou outras condições mais favoráveis de oferta. Além das
vantagens imediatas de propiciar atendimento mais satisfatório à
demanda, é importante o papel das importações no esclarecimento
dos consumidores e na exposição da indústria local à maior
concorrência.
A diretriz da política comercial deve ser a de sinalizar, de
forma permanente, a necessidade dos setores com deficiências
competitivas adotarem estratégias dinâmicas de ajuste, baseadas
em aumento da capacitação produtiva e tecnológica. Para estes
setores as tarifas alfandegárias devem ser mantidas baixas ou
mesmo nulas. Em hipótese alguma, no entanto, a política tarifária
deve ser utilizada como mecanismo antiinflacionário.
Por outro lado, é necessária a utilização criteriosa deste
instrumento, não expondo a indústria doméstica a práticas
desleais de empresas que necessitam escoar excedentes de produção
ou que desejam entrar no mercado, adotando estratégias
insustentáveis no médio prazo. Naturalmente, uma abertura
desindustrializante, com concorrência predatória, não cumpre este
papel. Neste sentido, é fundamental buscar a capacitação dos
órgãos da área de política comercial e acelerar a elaboração do
Código Brasileiro de Salvaguardas, a ser posteriormente
consolidado com os códigos anti-dumping e anti-subsídios.
No caso concreto de segmentos com evidentes necessidades de
reestruturação e que se deseje preservar a produção local por
questões de emprego e viabilidade de recuperação em curto prazo
(como parece ser, por exemplo, o caso de produtos têxteis
baseados em fibras sintéticas e artificiais), poderia ser
contemplada a aplicação do imposto seletivo, sujeitando o setor a
compromissos quantitativos relacionados a metas de capacitação e
desempenho, e com prazo definido de vigência.
O fechamento do mercado no passado foi importante para
viabilizar a instalação da indústria automobilística, mas a
estagnação do mercado e a proteção continuada durante os anos 80
dificultaram o processo de avanço competitivo. Um dos pontos mais
polêmicos das proposições da Câmara Setorial para a modernização
e reestruturação do setor é o relativo a cotas restritivas às
importações de veículos, instrumento utilizado por diversos
países.
285
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
O projeto prevê a não adoção de cotas, privilegiando
mecanismos de proteção via executivo, mais ágeis e eficazes, além
de mais favoráveis a negociações internacionais para o Brasil. A
proteção real que a alíquota de importação atual de 35% permite
depende, além da própria capacidade de competir da indústria
doméstica, de inúmeros aspectos sistêmicos da competitividade,
como por exemplo, a estabilidade econômica e política. O processo
de redução gradual das alíquotas de importação, até atingir 20%
no ano 2.000, deve ser monitorado de perto pelo governo e
corrigido sempre que necessário, para evitar o aumento excessivo
de importações, além de eventuais práticas de dumping.
A utilização de mecanismos não-tarifários de modo não
colidente com as postulações do GATT implica o recurso a
instrumentos de grande sofisticação e exige grande competência
técnica e agilidade dos órgãos responsáveis, do mesmo modo que a
aplicação dos demais mecanismos que visam assegurar um grau
adequado de concorrência entre as empresas.
286
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
5. SETORES DIFUSORES DE PROGRESSO TÉCNICO
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
SETORES DIFUSORES DE PROGRESSO TÉCNICO
---------------------------------------------------------------------------------------------
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Complexo Eletrônico informática; telecomunicações;
automação industrial; software
Complexo Metal-Mecânico máquinas-ferramenta; máquinas agrícolas;
equipamentos para energia elétrica
Complexo Químico fármacos; defensivos agrícolas
Extra-Complexo biotecnologia
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
DIAGNÓSTICO
Os setores difusores de progresso técnico são os mais
ameaçados pela prolongada crise econômica brasileira. Exatamente
por estarem vinculados à incorporação de inovações tecnológicas
na indústria em geral, esse conjunto de setores, mais que
qualquer outro, depende da realização de investimentos. A perda
de dinamismo da economia, a deterioração das condições de
financiamento de longo prazo e a descoordenação das políticas
industrial e tecnológica nos últimos anos fragilizaram
severamente a capacidade competitiva desses setores.
As indústrias do complexo eletrônico brasileiro atravessam
atualmente uma fase de transição, fruto da reformulação das
estratégias competitivas empresariais, de maneira a adequá-las ao
novo cenário de crescente integração com o mercado internacional.
Ao longo da década de 80, a quase totalidade dos segmentos do
complexo apresentava reduzida competitividade, com a principal
exceção da automação bancária e computadores de grande porte.
Destaca-se, no entanto, o importante potencial associado às
capacitações tecnológicas desenvolvidas por estas empresas a
nível das atividades de projeto de produtos e, em menor medida,
nos processos produtivos. Além disso, as empresas realizaram um
significativo processo de aprendizado na montagem de redes
nacionais de comercialização e prestação de serviços aos
usuários. A partir de 1990, após a revisão da Política Nacional
de Informática, o complexo enfrentou queda no valor das vendas,
acompanhada por uma significativa diminuição nos seus preços e
margens de lucro, e elevação das importações. Parcela importante
das atividades industriais locais foram desativadas, com as
empresas optando pela montagem de kits adquiridos em regime SKD,
com base em acordos de distribuição ou transferência de
tecnologia. Os cortes de pessoal foram acentuados, em particular
287
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
nos departamentos de P&D das empresas nacionais, colocando em
risco uma das principais oportunidades competitivas do complexo,
que é a disponibilidade de recursos humanos de alta qualificação.
Embora o ajuste empreendido tenha proporcionado
consideráveis melhorias nas relações desempenho/preço dos
produtos, a já reduzida competitividade das empresas brasileiras
vê-se dificultada pela diminuição do valor localmente agregado
nos produtos comercializados.
A problemática enfrentada pelas indústrias de bens de
capital eletromecânicos é de natureza distinta. A indústria, que
historicamente demonstrou possuir boa capacidade de manufatura,
corre atualmente o risco de perder parte desta capacitação em
função, fundamentalmente, da desatualização de seus equipamentos.
A indústria não acompanhou a tendência internacional de
intensificação dos investimentos em desenvolvimento de processos
e produtos, sobretudo os voltados para a produção de equipamentos
de automação microeletrônica, fato que fez aumentar a defasagem
tecnológica, particularmente para os bens de capital seriados.
Dentre os setores produtores de máquinas e equipamentos
analisados, o setor de bens de capital sob encomenda para o setor
elétrico demonstra possuir níveis satisfatórios de
competitividade, com a possível exceção da fabricação de
disjuntores. É o que se encontra menos defasado em termos de
processo - as plantas são relativamente novas e atualizadas e as
empresas têm investido em programas de produtividade e qualidade
- e de produto - pois os produtos podem ser considerados
relativamente maduros. Porém, essa competitividade é muito
afetada por fatores sistêmicos como o desequilíbrio financeiro
das empresas estatais do setor elétrico, principais demandantes
do setor e da ausência de condições de financiamento às
exportações.
Já no setor de máquinas-ferramenta a competitividade é maior
em produtos seriados convencionais, gerados com base no paradigma
tecnológico eletromecânico, e vem se erodindo nos últimos anos.
As empresas de origem estrangeira são as que possuem maior
coeficiente de exportação, uma vez que têm adaptado mais
rapidamente suas estratégias ao ambiente de globalização. As
grandes empresas nacionais encontram maiores dificuldades para
exportar. A sua maior competitividade em máquinas convencionais
obriga as empresas brasileiras a disputarem um mercado que,
apesar de ainda significativo, vem crescendo a taxas muito
moderadas e enfrenta forte acirramento da competição.
O setor de máquinas e implementos agrícolas é o que se
encontra em pior situação competitiva. É neste setor que as
tecnologias mais modernas de processo de produção se encontram
menos difundidas e, principalmente, são maiores as defasagens de
produto em relação ao exterior. Isto se verifica de forma mais
intensa para os implementos agrícolas que para os produtos mais
complexos (tratores, moto-cultivadores e colheitadeiras).
288
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
Os setores de defensivos agrícolas e fármacos, assim como a
química fina em geral, são pouco competitivos no Brasil. A
despeito de alguns avanços em termos da capacitação produtiva
ocorridos na década de 80, as empresas de capital nacional não se
mostram aptas a alcançar os níveis de capacitação tecnológica,
financeira e de marketing requeridos para atuar nos mercados mais
dinâmicos. As empresas de capital estrangeiro, que hegemonizam
esses setores no país, adotam uma lógica de atuação global que
tende a limitar o desenvolvimento dessas indústrias. Em diversos
casos, a produção realizada localmente se limita a poucas etapas
de síntese a partir de precursores importados altamente
elaborados.
Situação semelhante é experimentada pela biotecnologia. Há
pouca capacidade de inovação no país e são reduzidos os
investimentos nessa área, tanto em empresas farmacêuticas quanto
agroalimentares. Neste último segmento, são maiores as
oportunidades ainda pouco aproveitadas.
Mercado
. Potencialidades e restrições do mercado brasileiro
O fato do Brasil possuir uma malha industrial densa e
diversificada proporciona aos fornecedores de bens de capital um
mercado potencial amplo e que oferece oportunidades em
praticamente todos os segmentos da indústria. A diversificação da
agricultura apresenta ainda grande potencial para o
desenvolvimento das atividades agroquímicas, o que, somado à
capacitação já atingida em diversas cadeias agroindustriais, abre
também boas perspectivas para biotecnologias nesta área.
Deslanchando-se efetivamente o processo de desenvolvimento
competitivo da indústria brasileira, a atualização do parque
produtivo nacional e da infra-estrutura física necessária
representará grande oportunidade para a evolução dos setores
difusores de progresso técnico.
Os dados relativos à indústria de equipamentos para
telecomunicações, setor básico para a constituição dos networks
característicos do novo paradigma industrial, exemplificam o
potencial do mercado brasileiro. No ranking mundial, o Brasil
possui a 12
a
colocação em número absoluto de terminais
telefônicos. Por outro lado, a penetração destes serviços ainda é
muito reduzida no país: existem entre 6 e 7 terminais por 100
habitantes (situando-se entre 40 e 100 nos países desenvolvidos);
apenas 23% dos domicílios urbanos e menos de 2% dos rurais são
atendidos pela rede telefônica; a taxa de crescimento da rede,
que chegou a atingir 20% a.a. na década de 70, reduziu-se para 6%
na década passada. Considerando o objetivo de universalização dos
serviços básicos de telefonia, através da expansão da rede
instalada, a crescente demanda por serviços mais sofisticados e
segmentados e a expansão nos canais de integração do país com
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
redes telemáticas internacionais, a demanda já existente e
projetada exigirá taxas de crescimento da ordem de 15 a 20% a.a.
Não obstante esse potencial, a área mais atingida pela
instabilidade econômica e baixo dinamismo da economia brasileira
foram os bens de capital (Tabela 2). Além dos efeitos da crise do
início dos 90, assim como a do início dos 80, terem sido mais
profundos neste segmento, sua recuperação não acompanha a dos
demais setores, exigindo expectativas positivas para um horizonte
mais longo de tempo.
TABELA 2
ÍNDICES DE PRODUÇÃO FÍSICA
(1981 = 100)
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
ANO BENS DE CAPITAL INDÚSTRIA DE
TRANSFORMAÇÃO
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
1985 89 108
1986 108 120
1987 106 122
1988 104 117
1989 104 121
1990 88 110
1991 79 109
1992 69 103
---------------------------------------------------------------------------------------------
---------------
Fonte: IBGE.
Ademais, a concretização de investimentos é muito sensível
às condições de financiamento. Além da amplificação do risco
introduzida pela instabilidade de preços, as atuais condições de
financiamento, mesmo as praticadas pelo BNDES, colocam as
empresas locais em desvantagem em relação a seus competidores
internacionais. Um financiamento a custo de TR mais 12% a.a.
representou em 1992, por exemplo, variação cambial mais 19% a.a.,
quando no exterior obtém-se 7% a.a.
A competitividade das indústrias produtoras de bens de
capital é afetada pela queda dos investimentos na economia
brasileira de diversas formas. Os principais efeitos são a
ineficiência produtiva - operação com ociosidade e distante das
escalas ótimas de produção - e os obstáculos que esta fragilidade
cria ao desenvolvimento tecnológico.
As empresas de todos os setores do segmento de máquinas e
equipamentos e do complexo eletrônico têm sistematicamente
reduzido os recursos destinados a estruturas de longo prazo, como
P&D, atividades de treinamento de recursos humanos, assistência
técnica e planejamento estratégico. A atualização tecnológica dos
290
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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produtos, um dos principais fatores determinantes da
competitividade nestes segmentos, fica assim severamente
prejudicada.
No setor de automação industrial, os investimentos em P&D
representaram 12,8% do faturamento das empresas em 1989,
reduzindo-se para 8,8% em 1992. Na indústria de informática, o
mercado interno cresceu a taxas médias anuais próximas a 30%
entre 1986 e 1990, mantendo as empresas dispêndios com P&D em
torno de 5% ao ano. Entre 1989 e 1992, com a queda estimada em
32% no faturamento do setor, os investimentos em P&D tiveram uma
redução de 67% e foi desmobilizada a maior parte das equipes
dedicadas ao desenvolvimento de produtos. Em vários segmentos de
bens de capital o dispêndio pelas empresas brasileiras é inferior
a 2% do faturamento, valor incompatível com os níveis
internacionais do setor.
Os efeitos negativos a montante das cadeias produtivas
acumulam também obstáculos à competitividade nessas indústrias.
De acordo com os principais fabricantes de circuitos integrados
para aplicações específicas (ASICs), virtualmente deixou de
existir mercado no Brasil para este tipo de componente para a
indústria de informática, uma vez que seu projeto é um
desdobramento do projeto do respectivo equipamento. A
comercialização bruta das empresas brasileiras de microeletrônica
caiu de US$ 469 milhões em 1989 para US$ 100 milhões em 1992 e a
quase totalidade das empresas estrangeiras suspendeu suas
atividades industriais no país.
Especialmente nos bens de capital de base eletromecânica, a
instabilidade do mercado induz à internalização do suprimento e
desestimula o estabelecimento de maior cooperação entre produtor
e fornecedor. Em períodos de súbito aquecimento da demanda, os
fornecedores elevam preços, não atendem a prazos de entrega e
agravam-se os problemas da qualidade. Em períodos de retração do
mercado, a produção de componentes pelos próprios fabricantes dos
bens de capital reduz a ociosidade de seus equipamentos e evita a
demissão de mão-de-obra qualificada. Como as oscilações de
mercado na economia brasileira são freqüentes, os estímulos à
verticalização são permanentes.
Do mesmo modo, o reduzido investimento do conjunto da
indústria brasileira levou à excessiva diversificação das
empresas, que buscavam diminuir a ociosidade de sua capacidade
produtiva através do atendimento a demandas por diversos tipos de
equipamentos. Políticas não-seletivas de apoio ao setor e a busca
de autosuficiência do país sancionaram este comportamento. A
ausência de especialização, além de acarretar falta de escala nas
várias linhas de produção, limita o aprendizado tecnológico.
Dada a crise de mercado enfrentada por esses setores, o
nível de investimentos em modernização produtiva foi muito
reduzido, o que desatualizou seu parque de máquinas. Ao mesmo
tempo, a indústria de bens de capital internacional acelerou seus
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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investimentos, sobretudo em equipamentos de automação
microeletrônica, o que resultou no aumento da defasagem
tecnológica dos processos produtivos da indústria brasileira face
aos produtores internacionais.
A possibilidade técnica, e também comercial, de lançamento
de novos produtos de bens de capital depende do comportamento do
mercado, de investimentos em modernização nos setores usuários, e
é nesta perspectiva que a crise econômica vem afetando seriamente
a capacitação interna no desenvolvimento de produtos. Em
praticamente todos os segmentos de bens de capital ampliou-se nos
anos 90 o período de novos lançamentos. Na medida em que é muito
baixa e pontual a modernização da indústria têxtil, por exemplo,
não se gera mercado suficiente para que a indústria de máquinas
têxteis realize investimentos no lançamento de novos produtos.
Automação industrial
O mercado nacional para equipamentos de automação industrial
é cerca de 80 vezes menor que o americano e praticamente não
existe exportação. Enquanto no Brasil foram vendidos cerca de
5.090 controladores programáveis e 136 sistemas SDCD (sistemas
digitais de controle distribuído) em 1990, por exemplo, nos EUA
foram comercializados 400.000 e 3.500 destes equipamentos,
respectivamente. Em máquinas-ferramenta, o valor da produção do
Japão e Alemanha, principais países produtores, situa-se em torno
de US$ 8 bilhões, ao passo que o Brasil produziu, em 1992, cerca
de US$ 420 milhões.
A maioria das empresas líderes nacionais no setor de
automação industrial possui acordos de transferência de
tecnologia realizados na vigência da política de reserva do
mercado. Entretanto, as tecnologias licenciadas nas primeiras
licitações da SEI estão superadas e a segunda leva de
tecnologias, licenciadas em 1987/89, não chegou a ser
nacionalizada. Observa-se, de forma geral, desatualização
tecnológica dos produtos fabricados no país.
Além disso, produtos mais sofisticados, como os SDCDs, foram
os mais afetados pela recessão recente - o valor comercializado
de SDCDs passou de US$ 95,5 milhões, em 1989, para US$ 30,6
milhões, em 1990 -, devido a seu alto preço, sendo substituídos
por soluções envolvendo equipamentos menos complexos, como os
SCSs (sistemas de controle e supervisão) e CPs (controladores
programáveis). Os fabricantes locais de CPs e de controladores
digitais dominam a tecnologia dos produtos atuais e possuem uma
base instalada razoável. Os fabricantes de SDCDs, que não
chegaram a absorver a tecnologia dos produtos de última geração,
têm preferido importar placas montadas ou equipamentos completos.
Equipamentos para telecomunicações
Em equipamentos para telecomunicações, o avanço da
capacitação nacional correspondeu a um processo iniciado com o
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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aprendizado na operação e manutenção dos equipamentos de rede e
evoluiu até a capacitação hoje existente nas áreas de
desenvolvimento e integração de sistemas, software, projeto de
sistemas digitais, produção de fibras óticas e de diversos
equipamentos demandados pela expansão da rede.
A política de compras do Sistema Telebrás revelou-se de
importância estratégica para o desenvolvimento da indústria. O
setor também se beneficiou das tecnologias desenvolvidas pelo
CPqD em parceria com as empresas, como foi o caso dos
concentradores e centrais de pequeno e médio portes, a partir da
família Trópico. Estão presentes neste setor as principais
empresas líderes internacionais, que têm atuado também em
parcerias com empresas nacionais, visando estas o acesso a linhas
de produtos tecnologicamente mais avançados ou não disponíveis no
país e, sobretudo, a obtenção de produtos complementares capazes
de compor sistemas completos de soluções demandadas pelo mercado.
Informática
A indústria brasileira de informática possui um elevado grau
de diversificação e desenvolveu uma certa capacitação tecnológica
principalmente em projeto de produtos. Dispõe atualmente de redes
nacionais de marketing e suporte com pessoal extremamente
qualificado (resultante inclusive do desmonte de estruturas de
P&D) e tem significativa participação de grandes grupos
econômicos em suas empresas líderes. Carece, entretanto, de
sinergias com outros segmentos do complexo eletrônico e de maior
experiência com clientes externos; é reduzida a sofisticação dos
usuários locais, sendo pouco difundida a cultura de processamento
distribuído, assim como arquiteturas padronizadas fora do
segmento de microcomputadores.
Como decorrência da combinação de retração profunda de
investimentos com abertura comercial, os preços da maioria dos
equipamentos nacionais reduziram-se substancialmente nos últimos
anos. Além de ter sido particularmente intenso nesses setores o
ajuste de racionalização da produção observado em toda a
indústria nacional, ampliou-se grandemente a importação de
insumos e componentes e as filiais de empresas estrangeiras
aproximaram os preços praticados no país aos internacionais.
Especialmente no complexo eletrônico, houve uma significativa
redução do valor agregado localmente nos produtos
comercializados, sendo também mais acentuada a diminuição na sua
relação preço/desempenho, superando mesmo o declínio observado
internacionalmente nos produtos do complexo.
A Tabela 3 apresenta dados para o setor de informática
referentes a 1989 e 1992, ou seja, antes e depois das mudanças na
Política Nacional de Informática, que ilustram os impactos
causados por esses movimentos.
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TABELA 3
DESEMPENHO DAS EMPRESAS DE INFORMÁTICA
1989-1992
DISCRIMINAÇÃO 1989 1992
Faturamento Empresas Nac. (US$ Milhões) 2774 2061
Faturamento Empresas Estr.(US$ Milhões) 2025 2691
Faturamento Total Equip. (US$ Milhões) 4799 4752
Importações (US$ Milhões) 882 1498
Investimento Empresas Nac. (US$ Milhões) 848 238
Investimento Empresas Estr. (US$ Milhões) 1597 374
Investimento Total (US$ Milhões) 2445 612
Empregos Nível Superior 24113 13343
Empregos Total 74390 30919
Fonte: Panorama do Setor de Informática Vol. 1 N. 1 Set. 91, para dados de 1989. Dados
preliminares da Automática para 1992.
Bens de capital eletromecânicos
Para o conjunto do setor de máquinas e equipamentos, dispor
de produtos tecnologicamente atualizados é um importante fator de
competitividade. Nos produtos maduros e de menor complexidade
tecnológica, a indústria brasileira tem, em geral, demonstrado
competitividade. Entretanto, este mercado tende a declinar
internacionalmente em função do surgimento de produtos de
concepção mais moderna.
No passado, a engenharia reversa foi utilizada como forma de
capacitação no desenvolvimento de produtos menos complexos do
ponto de vista tecnológico, e a indústria brasileira demonstrou
capacidade para realizar adaptações e inovações incrementais.
Para a produção de máquinas mais sofisticadas a indústria
recorria ao licenciamento do exterior, principalmente empresas
estrangeiras, mas também as nacionais. Muitas vezes o
licenciamento não era acompanhado por um esforço endógeno de
desenvolvimento tecnológico, o que mantinha a dependência do
exterior.
Com a difusão no mercado internacional da tecnologia
eletrônica integrada à mecânica, a engenharia reversa tornou-se
mais difícil, fazendo do licenciamento de produtos uma imposição
natural. A maioria das pequenas e médias empresas nacionais da
indústria de bens de capital, no entanto, não se encontra
capacitada para realizar bons contratos de licenciamento,
carecendo de conhecimento técnico e comercial sobre as empresas
no exterior detentoras de tecnologias. À medida em que várias
máquinas que incorporam dispositivos microeletrônicos tendem a
uma maior padronização, a indústria brasileira novamente consegue
retomar sua trajetória tecnológica anterior.
A falta de dinamismo da economia brasileira cria um "círculo
vicioso" onde a fragilidade do mercado dificulta a
competitividade dos setores produtores de bens de capital e, por
sua vez, estes segmentos não cumprem adequadamente seu papel de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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difusores de progresso técnico, fragilizando o conjunto da
indústria. Ao contrário do que ocorre nos países líderes, onde
diversos instrumentos são utilizados para estimular exportações e
garantir assim patamares mínimos de demanda e menores oscilações
a estes setores estratégicos, no Brasil são insuficientes os
mecanismos de fomento a exportações.
Química fina e biotecnologia
As áreas de química fina e biotecnologia, segmentos que,
como os bens de capital, têm potencialmente papel chave na
difusão de inovações na indústria contemporânea, são também
particularmente afetadas pela instabilidade econômica. O alto
risco associado ao desenvolvimento de novos produtos exige
perspectivas positivas e baixos níveis de incerteza.
A produção de fármacos apresenta algumas especificidades.
Nos produtos de introdução mais recente, economias de escala são
pouco relevantes, existindo baixa relação entre custos de
produção e custo total. Os gastos com P&D são elevados e
concentram-se em poucas unidades internacionais. Já para os
produtos de tecnologia mais madura, em geral genéricos, e que
constituem o segmento de maior potencial competitivo na indústria
brasileira de fármacos, a eficiência produtiva exige escalas
mínimas de certo porte. Além disso, tendo os fármacos alta
relação preço/volume, só se justifica a instalação de uma planta
local quando o mercado possui grandes dimensões. Não existe uma
avaliação precisa, mas estima-se que menos da metade da população
do país tenha acesso a medicamentos, situando-se o consumo per
capita em cerca de US$ 17 por habitante/ano (frente a US$ 182 nos
EUA e US$ 256 no Japão). A desarticulação da política de compras
públicas de medicamentos, com a virtual desativação da CEME,
estreitou ainda mais a base de mercado para a indústria.
Na biotecnologia, tanto em empresas especializadas como nos
desenvolvimentos in house, predominam no país projetos relativos
à agrobiotecnologia - em áreas como mudas e inoculantes para
fixação biológica de nitrogênio - e alimentares, diferentemente
da indústria internacional, onde é maior a participação das
biotecnologias associadas à saúde. Características do mercado
nacional explicam esta discrepância: a extensão e diversificação
da agricultura brasileira, o peso das cadeias agroindustriais na
economia e a tradição de pesquisa agrícola no país conferem
grande potencial de desenvolvimento de biotecnologias voltadas
para estas áreas, enquanto são muito reduzidos os investimentos
em P&D na indústria farmacêutica local.
Os elementos-chaves da competitividade no mercado de
aditivos relacionam-se à conformidade dos produtos e ao
estabelecimento de uma rede eficiente de assistência técnica,
tendo a competição em preços um papel secundário. O caráter
heterogêneo da indústria alimentar no país provoca uma
segmentação no mercado de aditivos, permitindo a sobrevivência de
295
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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produtos de preço e qualidade diferenciados. A capacitação
tecnológica e estratégias voltadas ao cliente são fundamentais.
As oportunidades estruturais no setor de defensivos
agrícolas estão também relacionadas à elevada diversificação da
agricultura brasileira. Seu aproveitamento, entretanto, exige
competência das empresas em desenvolver produtos, visando tornar
o setor menos dependente das culturas da soja, trigo, cana-de-
açúcar, citros e arroz, como ocorre atualmente. A prática dos
agricultores de manter fixa a participação do custo dos
defensivos no custo total de produção e as limitações referentes
às técnicas de aplicação de defensivos utilizadas são os
principais obstáculos à introdução de novos produtos.
Configuração da Indústria
. Reestruturação recente
Nos setores difusores de progresso técnico, embora as
escalas empresariais possam constituir fonte relevante de
competitividade, constata-se no plano internacional a existência
de grande número de empresas de médio porte extremamente
competitivas. Essas empresas compensam a incapacidade de
concorrer em preços em linhas de produtos muito "comoditizadas"
pela flexibilidade de seus processos, pela agilidade de resposta
às solicitações do mercado em termos das especificações de
produto e pela grande habilidade de servir a clientela com
rapidez e confiabilidade.
Complexo eletrônico
Os diagnósticos setoriais realizados indicam que já existe
uma razoável concentração em todos os setores do complexo
eletrônico brasileiro, com duas ou três empresas detendo a maior
parte do mercado interno em praticamente todos os seus segmentos.
Na indústria de informática, embora o porte econômico das
empresas seja muito pequeno se comparado ao das líderes
internacionais, é significativo o envolvimento de alguns dos
principais grupos econômicos nacionais, o que confere uma certa
capacidade financeira para a realização dos investimentos
necessários para o incremento dos níveis de competitividade.
Adicionalmente, as principais empresas transnacionais estão aqui
instaladas, fato que, potencialmente, estimula um maior ritmo de
incorporação de tecnologias mais atualizadas.
As principais deficiências apresentadas pelas empresas ao
nível da produção estão ligadas à limitada experiência em
"projeto para a manufatura" e à difusão incipiente de
equipamentos automatizados e de técnicas modernas de gestão nos
processos produtivos.
Também a experiência em atividades de integração de sistemas
é muito limitada no Brasil e ainda é restrito o leque de produtos
com projeto nacional. A principal vantagem detida pelo Brasil na
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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área de integração de sistemas vincula-se à disponibilidade de um
grande contingente de mão de obra qualificada a um custo
relativamente reduzido em termos internacionais. Neste sentido,
existe um grande número de engenheiros projetistas de hardware e
software que, após a desativação da maior parte das equipes de
P&D das empresas nacionais, encontram-se desenvolvendo atividades
pouco intensivas em tecnologia - muitas vezes de natureza
estritamente comercial - mas que poderiam ser aproveitados na
área de integração de sistemas.
A desmobilização generalizada, no período recente, das
equipes de P&D das empresas nacionais em todos os setores do
complexo eletrônico envolve o risco de sucateamento de um amplo
conjunto de capacitações acumuladas no período anterior, no
âmbito das atividades de projeto de produtos. Ainda mais grave é
a situação dos fabricantes que realizaram cortes abruptos na sua
área industrial, eliminando uma grande parte das atividades antes
desenvolvidas, para limitar-se à montagem de kits importados em
regime SKD. Nestes casos, existe o risco de se perder a cultura
industrial desenvolvida anteriormente. Principalmente nos
segmentos de micros e periféricos, defasagens de capacitação nos
processos produtivos podem dificultar o avanço para níveis de
eficiência compatíveis com os verificados no mercado
internacional, especialmente nas faixas de produtos com
tecnologias relativamente maduras, em que as possibilidades de
entrada são maiores para os fabricantes nacionais.
O espaço para as firmas não verticalizadas e/ou de menor
porte (ou participação de mercado) restringe-se à exploração de
mercados "verticais" - sistemas de uso específico projetados de
acordo com as necessidades de determinados setores usuários
(bancos, empresas de telecomunicações, etc.) ou à fabricação de
equipamentos baseados no uso inovativo de arquiteturas paralelas
e componentes de última geração.
A variedade de produtos e tecnologias acessíveis às empresas
nacionais através da realização de parcerias externas tem
assumido proporções inéditas e deverá refletir num fortalecimento
relativo das suas atividades comerciais. Cumpre frisar, no
entanto, que a quase totalidade das joint-ventures ocorridas após
a "abertura" apresentou resultados muito limitados no âmbito dos
processos de transferência de tecnologia do parceiro estrangeiro
para o nacional.
Informática
Uma das debilidades apresentadas pela indústria brasileira
de informática é o seu reduzido aproveitamento das sinergias
passíveis de serem obtidas na interação com outros segmentos do
complexo eletrônico. Verificou-se uma relativa desativação da
rede de fornecedores especializados de partes, peças e
componentes para a indústria de informática que, graças aos
esforços das empresas montadoras, tinha sido constituída no
período anterior. Restam alguns fornecedores nacionais de
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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componentes microeletrônicos, que mesmo não realizando localmente
o ciclo completo de produção destes últimos e apesar de terem
sofrido drásticas quedas nas suas receitas, têm mantido a sua
infra-estrutura de projeto, particularmente no caso dos circuitos
integrados para aplicações específicas.
O aumento das compras de componentes no exterior pelas
empresas de informática tem sido motivado pela redução das
alíquotas de importação, assim como pelo crescimento das
importações de produtos em regime CKD ou SKD. A estes fatores
deve-se somar também a desativação da maior parte das unidades
industriais locais de fabricantes estrangeiros de componentes e a
redução do leque de produtos ofertados pelas empresas nacionais.
Deve-se frisar, contudo, que, apesar da substituição do
fornecimento local por importações diretas ter significado uma
redução dos custos diretos das empresas de informática, ela tem
acarretado também o surgimento de maiores custos financeiros,
como conseqüencia da necessidade de manter maiores estoques de
componentes, dados os maiores prazos de entrega oferecidos no
mercado internacional para as empresas brasileiras (em relação à
situação verificada quando as compras eram feitas no país). Deve-
se acrescentar também o acréscimo de 3 a 4% nos custos devido as
cartas de crédito exigidas no mercado internacional e os
problemas operacionais decorrentes da necessidade de realizar um
planejamento mais apurado das compras. Por estas razões, o
retorno, pelo menos parcial, à utilização de fornecedores locais
de componentes é avaliado como uma fonte potencial de ganhos de
competitividade, na medida em que as condições de preço e
qualidade se tornem compatíveis com as do mercado internacional.
Também desfavorável é o grau de desenvolvimento da infra-
estrutura educacional, de ciência e tecnologia e de
telecomunicações.
Software
No setor de software, as empresas nacionais são, em geral,
pequenas e descapitalizadas, sem recursos financeiros e de
marketing significativos. As perspectivas são mais favoráveis
para aquelas firmas que operam em segmentos onde é mais fácil
seguir uma estratégia de diferenciação de produto, seja em
ferramentas de desenvolvimento, sistemas de suporte ou
aplicativos de uso específico. Aqui as capacitações tecnológicas
acumuladas podem ser utilizadas na construção de vantagens
competitivas a partir de produtos diferenciados e originais.
Uma alternativa para as empresas encontra-se na atuação
simultânea como distribuidor de software importado nos mercados
mais padronizados e produtor naqueles segmentos onde produtos
diferenciados são viáveis. Desta forma a empresa pode ganhar uma
posição competitiva mais sólida, destacadamente em termos
financeiros, desde que as linhas de produto sejam complementares.
Entretanto, a viabilidade desta estratégia tende a estar restrita
aos sistemas de maior porte, onde a comercialização requer
298
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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vendedores mais capacitados e uma linguagem mais técnica na
abordagem ao cliente.
Automação industrial
No setor de automação industrial encontra-se em curso um
processo de reestruturação da oferta que pouco tem contribuído
para a preservação da capacitação em sistemas de automação criada
no país. De fato, a crise recessiva e o fim da reserva de
mercado, em outubro de 1992, provocaram grandes alterações no
setor expressas no grande número de empresas líderes vendidas ou
que abandonaram o setor, significando o aumento da importância
das empresas multinacionais, principais detentoras da tecnologia,
com a perda de espaço das antigas líderes nacionais.
Além da concorrência das multinacionais, as empresas de
capital nacional têm que competir também com os produtos
importados. Estas empresas não conseguiram tornar-se
independentes tecnologicamente, nem atingir um porte razoável, o
que torna mais difícil sua situação.
Equipamentos para telecomunicações
O aumento da presença de empresas estrangeiras também se
verificou na indústria de tele-equipamentos, tanto pela
instalação de escritórios no país, quanto pela participação em
concorrências diretamente ou em conjunto com empresas já
instaladas no mercado brasileiro.
Os efeitos da multiplicação das parcerias entre empresas
nacionais e estrangeiras, amplamente verificado na estrutura
setorial no período recente, ainda são pouco previsíveis. Muitos
destes acordos podem ser classificados como joint-business, cuja
efetivação depende do sucesso específico em concorrências ou em
outras encomendas. O efeito positivo está na possibilidade das
empresas aqui instaladas tornarem-se "integradoras" e
fornecedoras de sistemas completos para as soluções demandadas
pelo mercado. O aproveitamento das respectivas estruturas, o
acesso e o conhecimento de características específicas do mercado
interno constituem vantagens que podem alavancar estas operações
na direção de um upgrading e maior desenvolvimento próprio.
A prática de terceirização de etapas do processo produtivo
expandiu-se fortemente no setor de teleequipamentos, o que pode
ser observado não apenas pelo crescimento das importações de
partes e componentes a nível setorial mas sobretudo pela
desverticalização radical da produção em alguns casos. Tal
processo introduz o risco destas empresas tornarem-se meras
representantes comerciais, sem qualquer desenvolvimento próprio e
inclusive sem agregar valor interno no resultado das operações.
299
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Bens de capital eletromecânicos
Ao contrário das indústrias do complexo eletrônico, no
segmento de bens de capital eletromecânicos ainda se constata uma
pulverização excessiva entre fabricantes dedicados às mesmas
linhas de produtos. O segmento conta com um número relativamente
grande de empresas que detêm uma capacidade instalada superior às
possibilidades de absorção pelo mercado interno ou externo,
refletindo o resultado do modelo brasileiro de substituição de
importações, que viabilizou o surgimento de empresas de pequeno
porte com baixa capacitação.
O excesso de capacidade instalada é estrutural, não se
referindo apenas à conjuntura atual de retração de mercado. Deve
ser lembrado que ao longo dos anos 80, com a tendência de queda
de mercado, várias fusões e incorporações de empresas já foram
realizadas e outras empresas simplesmente deixaram de existir,
elevando o grau de concentração da produção. De certo modo, as
empresas resistem a um processo de reestruturação devido aos
efeitos perversos da recessão sobre o volume e a regularidade da
demanda de máquinas.
A despeito disso, ainda há excesso de capacidade de
produção. No setor de bens de capital sob encomenda para o setor
elétrico, apesar de mais concentrado, ainda há um número maior de
empresas do que o mercado comporta, o que significa que a
pulverização de empresas ainda permanece. Em decorrência, as
empresas apresentam graus insatisfatórios de utilização da
capacidade instalada, reduzindo as possibilidades de obtenção de
economias de escala. Na indústria de máquinas e implementos
agrícolas se observa o mesmo, existindo, atualmente, uma
tendência a fusões no seu segmento mais avançado, que é o de
produção de tratores. Na indústria produtora de máquinas-
ferramenta, apesar da maior concentração da produção hoje
existente, também há excesso de capacidade produtiva, evidenciado
pelos elevados índices de ociosidade das plantas.
Na medida em que o mercado interno é relativamente limitado
e que há excesso de capacidade produtiva, cada empresa seguiu uma
estratégia de diversificação da sua linha de produtos,
contrariando a tendência internacional. A diversificação de forma
alguma representa um estágio avançado da indústria no sentido de
proporcionar maior flexibilidade de produção. Ao contrário, as
empresas não demonstram possuir flexibilidade e, na realidade,
dispõem de um grande patrimônio que se encontra ocioso.
Além dos problemas decorrentes da falta de escala em cada
linha de produtos, a diversificação acaba se constituindo num
obstáculo à maior capacitação da empresa na medida em que dilui o
esforço tecnológico. A especialização, por outro lado, viabiliza
a concentração dos esforços de capacitação tecnológica, com
resultados muito mais positivos.
300
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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As empresas produtoras de máquinas e equipamentos geralmente
apresentam ainda elevado grau de verticalização. Esta última
característica também é de ordem estrutural, estando presente
desde as origens da indústria no Brasil.
No período mais recente, as empresas de maior porte têm
procurado caminhar em direção à maior especialização da linha de
produtos. Este movimento é muito claro na indústria de bens de
capital sob encomenda para o setor elétrico, onde as empresas vêm
reduzindo o número de segmentos de mercado em que atuam,
ampliando, porém, o número de produtos dentro de cada segmento.
Esta estratégia objetiva a obtenção de economias de escala e de
escopo.
No setor de máquinas-ferramenta, as empresas estrangeiras
têm procurado se especializar numa gama mais reduzida de
produtos, ofertando para o mercado global e, por outro lado,
tendem a complementar a sua oferta de produtos com a importação
de equipamentos de outras empresas do mesmo grupo empresarial.
Nestes casos, as empresas procuram obter economias de escala e de
escopo no plano internacional.
No setor de máquinas agrícolas, várias empresas de
implementos estão tentando intensificar a venda de fundidos para
terceiros, visando minimizar os custos fixos decorrentes do alto
grau de ociosidade. Observa-se, em contrapartida, uma tendência a
utilizar serviços de terceiros nas etapas de tratamento térmico e
de superfície realizados por outras empresas da indústria metal-
mecânica, de maior porte, cujos equipamentos são mais modernos.
As empresas de tratores e cultivadores começaram na década
de 80 a desverticalizar a etapa de fundição e iniciaram um
programa de racionalização da capacidade, promovendo
reestruturações patrimoniais, desativação de algumas unidades
produtivas ou investindo na implantação de programas para
formação de redes de fornecedores visando a terceirização de
componentes.
Química fina
A indústria química fina, após alguns avanços obtidos nos
anos 80, apresentou uma evolução desfavorável nos anos iniciais
da década de 90.
No setor de defensivos agrícolas, com o fim da proteção
tarifária, várias plantas foram fechadas, configurando uma certa
desindustrialização do setor. A natureza de pequena empresa
independente, por vezes familiar (fortemente identificada com a
pessoa de seu fundador), e a desproporção de tamanho em relação
às concorrentes diretas, divisões agroquímicas de grande
corporações químicas, constituem importante obstáculo à
competitividade do setor. A pulverização da produção por um
número excessivo de empresas de pequeno porte tem levado a vários
momentos de disputa predatória nos últimos anos e que, caso
301
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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prossigam, podem comprometer a sobrevivência destas empresas. O
fato de algumas dessas empresas estarem entre os poucos
produtores mundiais de certos produtos (trifluralina e
gliphosato, por exemplo) poderia, após um programa de fusões,
abrir espaço para um maior incentivo às exportações, uma vez que
o atual percentual exportado não ultrapassa 10% do faturamento,
contrastando com os resultados alcançado por firmas congêneres
situadas em Israel, Itália e Taiwan.
As grandes multinacionais farmacêuticas atuam de forma
verticalizada, abrangendo todos os estágios de fabricação: P&D de
novos fármacos, produção industrial de fármacos, produção de
especialidades farmacêuticas (medicamentos) e marketing e
comercialização das especialidades. Centralizam em seus países de
origem os dois primeiros estágios e distribuem pelos diversos
países a realização dos dois últimos, retirando assim o máximo
proveito do comércio intrafirma e do monopólio (temporário)
resultante das inovações tecnológicas.
No Brasil, mais de 80% do mercado de medicamentos é ocupado
por empresas estrangeiras e existe baixo nível de integração
vertical: o segmento químico-farmacêutico é ainda pouco
desenvolvido, apesar do crescimento registrado na década de 80,
através de avanços realizados por grupos químicos nacionais.
Acompanhando estes avanços, de modo geral a capacitação
tecnológica para a produção de fármacos ampliou-se nos últimos
anos. São bons os padrões de qualidade atingidos, bem como a
eficiência dos processos, o que é indissociável das atividades de
P&D. Em decorrência da grande heterogeneidade de empresas e da
instabilidade do setor, esta constatação não pode ser
generalizada.
Biotecnologia
Com relação à biotecnologia, é muito baixo o nível de
atividades sistemáticas de P&D e investimentos em biotecnologia
por parte das empresas já estabelecidas nas áreas de química,
farmacêutica, pesticidas, alimentos e sementes. Existe uma ampla
predominância do investimento do setor público, sendo que mais de
80% das atividades e dos investimentos em biotecnologia estão
localizados em universidades e instituições públicas de pesquisa,
que ademais concentram mais de 90% do pessoal qualificado.
De forma divergente do padrão internacional, é pouco
expressiva a formação de NEBs (novas empresas de biotecnologia),
predominando projetos de mais curto prazo, caracterizados pela
busca de nichos reduzidos de mercado e utilização de técnicas com
um grau "intermediário" de sofisticação (cultura de tecidos,
fermentações, etc).
Devido à inexistência no país de empreendimentos de peso
econômico, a indústria é formada por micro ou pequenas empresas
ou centros de desenvolvimento tecnológico que operam em nichos
reduzidos de mercados de insumos agrícolas e alimentares (como o
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Centro de Desenvolvimento Biotecnológico de Santa Catarina, um
empreendimento misto público/privado). Já nas áreas de saúde
humana e animal encontram-se empresas de maior porte, com
procedimentos tecnológicos e comerciais melhor estabelecidos.
. Relações inter-setoriais
Uma séria deficiência da configuração industrial dos setores
difusores de progresso técnico no Brasil é a forma ainda tímida
com que as empresas buscam se organizar de modo a otimizar os
ganhos derivados da maior sinergia na articulações intra e inter-
setoriais. Nesses setores, principalmente devido ao encurtamento
dos ciclos de produto, esquemas associativos são fundamentais
para propiciar a necessária agilidade às empresas nos seus
esforços de desenvolvimento tecnológico e de racionalização dos
custos de produção.
Em particular para os bens de capital, tanto os
eletromecânicos quanto os de automação digital, a adequação dos
projetos às características do mercado envolve interações
produtor-usuário capazes de propiciar as sinergias requeridas.
Também a transformação das empresas em montadoras, que é uma
clara tendência internacional da produção de bens de capital, faz
da existência de uma rede de fornecedores uma importante fonte de
competitividade estrutural.
Dentre as principais razões que obstaculizam o
desenvolvimento de interações verticais mais intensas na
indústria de bens de capital está a estrutura deficiente de
fornecedores. A instalação da indústria de bens de capital no
Brasil não se fez acompanhar da estruturação de uma rede de
fornecedores. A política industrial, ao baratear o investimento,
acabou favorecendo a que as empresas produtoras de bens de
capital também produzissem seus componentes. Os fornecedores
existentes não têm capacitação suficiente para garantir
qualidade, ser competitivo em preço e cumprir os prazos de
entrega acordados. Desta forma, os produtores de bens de capital,
mesmo não tendo escala, conseguem produzir peças e componentes
com menores custos e melhor qualidade. Alguns conjuntos de
componentes se constituem em setores industriais específicos como
são os casos dos componentes hidráulicos, pneumáticos e
eletrônicos e motores. A verticalização existente na indústria de
máquinas e equipamentos diz respeito principalmente à fundição e
usinagem.
Também ao proteger o produto nacional, limitando a
importação de similar, e ao exigir índices mínimos de
nacionalização, a política industrial levou a que as empresas de
máquinas e equipamentos internalizassem a produção de
componentes, para poderem ter direitos aos benefícios concedidos.
Nos anos 90 alguns desses condicionantes mudaram de sentido.
Em primeiro lugar, deve-se destacar a abertura do mercado
interno, que acabou com as restrições não-tarifárias às
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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importações e reduziu as alíquotas, viabilizando a importação de
partes, peças e componentes. De outra parte, o governo brasileiro
reduziu significativamente os índices mínimos de nacionalização.
Em relação ao comportamento do mercado, a crise atual é tão forte
e incerta que tem levado as empresas produtoras de máquinas e
equipamentos a adotarem estratégias de terceirização, para
racionalizar a produção e, principalmente, reduzir custos. O
movimento de terceirização ainda é tímido, sendo que avançou
muito mais na área de serviços do que propriamente na área
produtiva. A mesma restrição de mercado tem levado algumas
empresas produtoras de máquinas e equipamentos a realizarem
serviços para terceiros, procurando aumentar o grau de utilização
da sua capacidade instalada. Parte dessas empresas pode vir a se
constituir apenas num fornecedor de partes no futuro, retirando-
se da produção de máquinas. Desta forma, a indústria de máquinas
e equipamentos apresenta atualmente tendência de reduzir o grau
de verticalização e de nacionalização dos seus produtos.
Concorrência
Para os setores difusores de progresso técnico, a questão
chave de uma política de desenvolvimento competitivo é conseguir
compatibilizar, de um lado, o amplo acesso a inovações e
equipamentos atualizados para o conjunto dos agentes econômicos;
de outro, a participação do país nas indústrias intensivas em
tecnologia, produzindo bens e serviços, criando espaços para a
geração de empregos com elevado nível de qualificação e adequando
essas tecnologias à realidade e necessidades do país.
A criação de vantagens competitivas dinâmicas está cada vez
mais associada à geração e incorporação de inovações
tecnológicas, exigindo políticas ativas que se distanciam da
simples promoção de concorrência nos setores difusores de
progresso técnico. Nos países centrais, a ação do Estado abrange
tanto a oferta quanto a demanda. Do lado da oferta, criando
condições favoráveis na educação, incentivando investimentos em
P&D, concedendo financiamentos especialmente atraentes,
estabelecendo condições de redução de custo e de riscos; e
atuando pelo lado da demanda através do uso eficaz do poder de
compra do governo, fomentando a modernização e automação do
parque industrial e apoiando a inserção externa destes setores.
No passado as políticas industriais brasileiras, inclusive
por força de restrições cambiais, privilegiaram excessivamente o
aspecto da oferta, mas sem preocupação com a adaptação das
tecnologias às condições locais, e sem promover o desenvolvimento
do mercado interno nem incentivar exportações.
Como resultado, foram desenvolvidos conhecimentos e
competências que poucos países conseguiram, acumulando-se
experiências, base industrial razoável em determinados segmentos
e recursos humanos qualificados. Em contrapartida, o parque
. Política industrial
304
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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industrial nacional está, em geral, bastante defasado em relação
aos países industrializados.
Entretanto, deve ser relativizada a afirmação de que esta
defasagem seja unicamente devida à incapacidade da indústria
nacional de bens de capital em atender à demanda interna. Se é
verdade que a proteção à indústria nacional permitiu a obtenção
de altas margens de rentabilidade através da prática de preços
elevados em relação aos níveis internacionais, o saldo da balança
comercial da indústria de bens de capital mecânicos no Brasil é
estruturalmente deficitário (apesar da obtenção de alguns saldos
positivos durante a década de 80). A importação de bens de
capital sem similar nacional sempre foi estimulada, através do
antigo Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) e de
programas como o BEFIEX.
Mais recentemente a "política industrial" brasileira passou
a conferir maior ênfase à demanda, ao acesso a produtos e
tecnologias desenvolvidos externamente, através da liberalização
de importações. A partir de 1990, qualquer usuário passou a poder
requerer alíquota zero para a importação de bens de capital,
desde que esta solicitação não seja contestada pela indústria
brasileira fabricante de equipamentos similares. A FINAME tem
reduzido os índices de nacionalização exigidos para os
equipamentos financiados, que atualmente está em 60%. No final de
1991 foi aprovada a nova Lei de Informática (Lei n.8248).
Não houve entretanto preocupação com o fortalecimento do
mercado nem em apoiar o ajuste da indústria instalada às novas
condições. O aparato regulatório existente é deficiente na
prevenção e repressão a práticas desleais de concorrência, o que,
combinado a distorções tarifárias e a incentivos concedidos
internacionalmente aos setores difusores de progresso técnico,
colocam, em diversos casos, os produtores locais em posição
desvantajosa.
A combinação de retração do mercado interno com
liberalização de importações chegou a colocar em risco diversos
segmentos da indústria de bens de capital e do complexo
eletrônico. Por outro lado, a existência de regras estáveis -
como a Lei de Propriedade Industrial, além da Nova Lei de
Informática - proporcionou um horizonte menos incerto para a
formulação de estratégias empresariais. Além disso, a
regulamentação da Lei de Incentivos Fiscais a P&D deve vir a
representar importante apoio no fortalecimento do mercado dos
setores difusores de progresso técnico, além de estimular os
necessários investimentos do próprio setor.
Embora a reserva de mercado para bens de informática
implicasse custos mais elevados para os componentes
microeletrônicos, comparativamente ao mercado internacional, esta
política gerava fortes estímulos para a indústria de bens de
capital avançar na sua capacitação em tecnologias de base
eletrônica, tanto para o desenvolvimento da interface entre a
eletrônica e a mecânica, quanto para o desenvolvimento de
305
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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softwares para suas máquinas. O crescimento do setor produtor de
máquinas-ferramenta nos anos 80, baseado na produção de máquinas-
ferramenta a comando numérico, atesta este fato.
. Inserção externa
Por sua vez, a maior abertura a importações não beneficiou
significativamente os setores produtores de bens de capital na
medida em que a grande maioria das empresas brasileiras não conta
com escalas suficientes para se abastecer de partes, peças e
componentes no mercado externo.
Nos setores do complexo eletrônico as importações de
componentes - e mesmo de kits completos SKD - tiveram aumento
substancial. Custos e preços foram reduzidos, mas também geração
local de valor adicionado, emprego e investimentos, tendo
diversas empresas praticamente abandonado atividades industriais,
transformando-se em empresas comerciais.
Para o conjunto dos bens de capital, em diversos casos as
importações gozam de condições privilegiadas na concorrência com
a produção local. Há produtos importados cujas condições de venda
incorporam esquemas de financiamento externo de longo prazo, com
taxas de juros menores e cobertura superior às oferecidas pela
FINAME. O financiamento externo tem assim retirado
competitividade da indústria brasileira, mesmo no mercado
doméstico.
Há ainda desequilíbrios na estrutura tarifária nacional. No
setor de máquinas-ferramenta, por exemplo, a alíquota para a
importação de comando numérico é de 35%, enquanto a de máquina-
ferramenta a comando numérico (universal) é de 20%. A importação
do equipamento completo pode assim tornar-se vantajosa em relação
à produção nacional.
Vários países desenvolvidos protegem seus mercados através
de mecanismos não-tarifários. No caso do Brasil, o sistema de
salvaguardas comerciais ainda é muito precário, não apenas em
termos de legislação, mas também do desaparelhamento do Estado
para tomar iniciativas e apoiar as empresas brasileiras nesta
área.
Especialmente no complexo eletrônico, são freqüentes
práticas de dumping, contrabando, sub-faturamento nas importações
ou não-cumprimento de contrapartidas estabelecidas em
correspondência a incentivos (principalmente o não-cumprimento
dos processos produtivos básicos). Estas práticas desleais de
comércio instabilizam e reduzem o já frágil mercado interno e
colocam em desvantagem empresas corretas e que buscam o
desenvolvimento da indústria local.
No setor de fármacos, alguns produtos são vendidos no
mercado mundial como excedentes de produção, a preços iguais aos
custos variáveis, e mesmo a preços que não mantêm relação com os
306
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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custos de produção (caso dos países do leste europeu). A ausência
de produção interna facilita a prática do transfer-pricing e
assim se perde o suposto benefício ao consumidor final permitido
pela importação "mais competitiva" das matérias-primas. O preço
dos medicamentos produzidos com fármacos importados costuma ser
maior, na comparação com outros países, relativamente ao dos
produtos que utilizam insumos locais.
A posição do câmbio argentino e a sobrevalorização do
cruzeiro contribuíram para que o Brasil realizasse significativas
importações de máquinas argentinas em 1989 e 1990. A situação se
inverteu nos anos seguintes, novamente muito em função das
flutuações cambiais. Recentemente, a Argentina reduziu a zero
suas alíquotas para importação de bens de capital, o que anula o
direito de preferência para o mercado regional; as máquinas
brasileiras estariam competindo no mercado argentino em
igualdades de condições com importações de outros países.
. Zona Franca de Manaus
A implantação da indústria de bens eletrônicos de consumo na
Zona Franca de Manaus destruiu por completo a indústria então
existente no restante do país e ainda hoje cria obstáculos sérios
a uma política adequada para o complexo eletrônico. Persiste a
ameaça a empresas instaladas em outras regiões, caso a política
da Suframa continue a tentar criar vantagens comparativas
artificiais, via incentivos, buscando atrair empresas de outros
setores que não o de bens eletrônicos de consumo. No setor de
equipamentos para telecomunicações, por exemplo, esta questão vem
assumindo destaque, embora este seja um setor com condições de
desenvolvimento competitivo sem o apoio maciço de subsídios, como
seria o caso na hipótese de sua transferência completa para a
Zona Franca.
. Normalização e qualidade industrial
No que se refere à especificação de produtos, apesar dos
esforços recentes de normalização na indústria brasileira de bens
de capital, a infra-estrutura existente se encontra subutilizada,
sofrendo de falta de recursos financeiros e relativamente isolada
das empresas. É comum na indústria de bens de capital a
utilização de normas de diversas origens, seja em função da forte
presença de empresas estrangeiras, seja em função da
heterogeneidade dos mercados de destino dos produtos, seja ainda
como decorrência da origem da tecnologia de produto.
307
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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PROPOSIÇÕES - ESPECIALIZAÇÃO COMPETITIVA
Estratégia
A política de desenvolvimento competitivo da indústria
brasileira não será eficaz se não tornar os setores difusores de
progresso técnico capazes de contribuir para a modernização do
parque industrial. A competitividade estrutural de toda a
indústria depende da existência de um forte setor de bens de
capital, incluindo a presença de um complexo eletrônico com grau
de desenvolvimento compatível com os requisitos de modernização
da indústria na atualidade, e da disponibilidade de insumos da
química fina e da biotecnologia adequados às especificidades
locais.
A proposta básica é que se busque excelência internacional
em linhas de produtos onde exista potencial de demanda, vantagens
da proximidade com clientes e capacitação mínima e, a partir
dessa base, evoluir alavancando competitividade para produtos
afins. A política de competitividade deve estimular a
especialização setorial, e não empresarial, garantindo
seletivamente a competitividade dessas linhas de produto.
Não se propõe que o Brasil seja auto-suficiente em todos as
linhas de produtos, mas que as empresas instaladas no país
atendam, com tecnologias atualizadas e, principalmente, adequadas
ao mercado local, parcelas relevantes da demanda interna.
Importações sempre serão necessárias, sobretudo daqueles bens com
maior complexidade tecnológica, para os quais não haja
capacitação interna e escala de produção rentável. Nestes casos,
deve-se manter nula a alíquota do imposto de importação,
estimulando a necessária complementariedade entre produção
interna e importações.
O princípio de seletividade sugerido é o de privilegiar os
produtos nos quais a indústria local, por um lado, já acumulou
aprendizagem e capacitação e, por outro, onde a competitividade
do produtor e dos usuários se beneficie da proximidade física e,
preferencialmente, onde o setor usuário tenha capacitação para
estimular o desenvolvimento de produtos mais competitivos e
posssibilidade de manter uma demanda sustentada.
Os diagnósticos realizados indicam que há na indústria
brasileira diversos segmentos onde esses condicionantes são
atendidos.
No complexo eletrônico, os esforços devem ser concentrados
nos segmentos de automação bancária e comercial, impressoras,
terminais de exibição, integração de sistemas de automação
industrial e softwares aplicativos. Em telecomunicações, o apoio
seletivo deve se direcionar para o projeto Trópico e seus
derivados e modens, enquanto na microeletrônica o alvo deve ser o
projeto de circuitos integrados dedicados. Nas tecnologias
308
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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básicas ao complexo deve-se buscar estabelecer projetos
cooperados, via consulta com empresas.
Nos bens de capital eletromecânicos, as melhores
oportunidades para os produtores locais parecem encontrar-se no
segmento de máquinas-ferramenta convencionais, tornos e centros
de usinagem a CNC e máquinas especiais. As empresas poderiam
ainda atuar como fornecedores de suprimentos, de acessórios ou
como "integradoras" de sistemas de automação a partir de máquinas
padronizadas ou de máquinas especiais.
Na química fina, o desafio é incentivar a produção local,
dado o alto grau de internacionalização dos segmentos de fármacos
e defensivos, a fragilidade das empresas nacionais e um quadro
mundial de intensa mudança tecnológica e empresarial. A
estratégia a ser perseguida deve voltar-se, em um primeiro
momento, para a viabilização da produção no país de fármacos e
defensivos genéricos, situados aquém da fronteira tecnológica
internacional mas de conteúdo tecnológico elevado, e para a
atuação em nichos de mercado. Para tanto, é necessário
reestruturar o Estado para utilizar com coerência o seu poder de
compra, normalizar as áreas de alcance social, fiscalizar a
qualidade e promover o uso adequado dos produtos. Papel
semelhante deve ser desempenhado pela política agrícola. Apenas
em um segundo momento, após os produtores locais terem atingido
maiores níveis de capacitação produtiva e tecnológica e
desenvolverem algum poder de barganha junto aos detentores
internacionais das tecnologias, deve-se partir para estratégias
mais inovativas.
Os mesmos princípios de seletividade devem nortear as
políticas para as biotecnologias, levando a que se concentre
esforços nas áreas relacionadas à agroindústria. Ademais, devem
também ter-se em conta as capacidades de desdobramento das
tecnologias e dos mercados no longo prazo. As prioridades
definidas devem ser constantemente revisadas em função do caráter
incerto dos impactos econômicos da moderna biotecnologia.
A implementação da estratégia de seletividade por segmentos
exige políticas convergentes de fomento ao mercado das linhas de
produtos selecionadas e de apoio à reestruturação setorial
visando uma maior especialização produtiva.
Prioridade em financiamentos, uso do poder de compra
preferencial, proteção tarifária mais elevada e fomento a
exportações às linhas de produtos selecionadas necessitam ser
competentemente conectados com iniciativas visando o reforço à
estrutura patrimonial das empresas, à desverticalização produtiva
e ao aumento da cooperação.
O sucesso dessa estratégia implica forte coordenação dos
intrumentos de política utilizados e permanente acompanhamento,
condicionando a concessão de incentivos a contrapartidas e
comprometimento das empresas com investimentos.
309
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
IE/UNICAMP - IEI/UFRJ - FDC - FUNCEX
A escolha das linhas de produtos a serem priorizadas deve
ser realizada de forma transparente e submetida a constantes
reavaliações. Como mostra a experiência internacional, há muito
de tentativa e erro na formulação da política industrial para
esses setores. A capacidade de introduzir correções de rumo com
flexibilidade e agilidade é indispensável.
Ações Prioritárias - Mercado
Assegurar financiamento
O instrumento estratégico para o fortalecimento do mercado
de bens de capital é o financiamento. A carência de financiamento
em volume e condições adequadas afeta tanto a produção - pois são
elevadas as necessidades de investimentos e longos os períodos de
produção, sobretudo no caso dos bens de capital sob encomenda -
quanto a comercialização, pois são bens de elevado valor unitário
e muitas vezes a opção de investir em determinado equipamento
está ligada às condições de financiamento. Engenharias
financeiras que combinem as melhores condições para fornecedores
e usuários podem constituir importante instrumento para a
promoção da necessária aproximação produtor/cliente.
O BNDES é a única fonte no país de recursos em condições
adequadas à viabilização de investimentos. Para os segmentos e
linhas de produtos a serem priorizados, as taxas de juros e
prazos de carência e amortização devem ser compatíveis com os
vigentes a nível internacional. Com esse objetivo, propõem-se
duas medidas básicas: elevar para até 80% a participação dos
recursos do BNDES/FINAME nos financiamentos (atualmente em 50% do
valor, quando no passado este órgão chegava a participar com 80%
e 90%), para a gama de produtos selecionados como prioritários, e
facilitar a criação de novos tipos de financiamento (ampliando
por exemplo o leasing), inclusive com a participação do setor
financeiro privado. Esta última proposta diz respeito à criação
de "finanças industrializantes", viabilizando investimentos
produtivos com créditos de longo prazo, mas é particularmente
viável para bens de capital destinados a setores exportadores,
com capacidade de alavancagem de recursos externos.
Devem também ser desenvolvidos esforços no sentido de
estimular e viabilizar investimentos de empresas de menor porte.
É necessário criar mecanismos que possibilitem financiamentos a
conjuntos de pequenos produtores - ampliando mercados para bens
de capital e incrementando a competitividade desses produtores -,
como por exemplo para a compra de equipamentos CAD/CAM para
utilização comum em pólos têxteis ou de máquinas agrícolas
através de cooperativas de produtores.
. Promover integração com usuários, mobilizar o poder de compra
do Estado e apoiar exportações para as linhas de produtos
selecionadas
310
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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Utilizar poder de compra do Estado
Além do financiamento, outro instrumento relevante para a
sustentação do mercado e fortalecimento da produção interna,
utilizado intensivamente em todos os países desenvolvidos tanto
para bens de capital como para os diversos segmentos do complexo
eletrônico, é o poder de compra do Estado.
Em setores como equipamentos de telecomunicações, de energia
elétrica, alguns segmentos de automação e diversos bens de
capital sob encomenda, que têm no Estado seu principal
demandante, o poder de compra pode ser utilizado com grande
eficácia no aumento da competitividade da indústria. Além de
reduzir a instabilidade da demanda, através de planejamento e
transparência nas compras, pode expandir o mercado interno e
induzir não só ao aumento do conteúdo tecnológico e qualidade dos
produtos no sentido de melhor adequá-los às necessidades do país,
como também à redução de preços dos equipamentos. Mesmo que se
amplie o processo de privatização nos serviços de infra-
estrutura, o poder de regulação do Estado deverá ser mantido e,
por conseguinte, seu poder de indução ao aumento de
competitividade de seus fornecedores.
No caso do complexo eletrônico - especialmente computadores,
equipamentos de automação e de telecomunicações e software -, a
utilização do poder de compra do governo serviria a um duplo
propósito: de um lado, estimularia a competitividade da
indústria; de outro, possibilitaria ganhos de eficiência e
produtividade do setor público, com reflexos na competitividade
de toda a economia. Para os produtores, o estímulo se daria
através da ampliação do mercado e da imposição de requisitos de
desempenho. Propõe-se tomar como referência para o uso do poder
de compra como indutor de competitividade o American Technology
Preeminence Act de 1991, considerando na geração local de valor
agregado a definição do processo produtivo básico. Seria
importante o estabelecimento de projetos específicos de
informatização na áreas de saúde, educação, previdência, receita
federal e judiciário, além da modernização da infra-estrutura
física do país.
O reequipamento de escolas técnicas e centros tecnológicos
setoriais também pode representar benefícios tanto para os
produtores de equipamentos como para o conjunto da indústria. De
um lado, pode contribuir para a reativação das atividades dos
setores de bens de capital nas áreas priorizadas. De outro, a
ampliação e melhoria dos serviços de treinamento técnico teria
efeitos positivos na competitividade de diversas indústrias que
se ressentem da qualidade do ensino profissional e da
desatualização dos equipamentos disponíveis na maioria das
escolas. Além da atuação direta do Governo - em suas várias
esferas - no reaparelhamento dessas unidades, indispensável pelas
externalidades geradas em atividades deste tipo, é importante
também que exerça atividades de coordenação, interessando e
311
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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articulando parcerias com as empresas diretamente interessadas
nestes serviços.
Apoiar tecnologias básicas
Há grande convergência quanto a áreas de tecnologia básica
como suporte a todas as indústrias do complexo eletrônico:
componentes microeletrônicos, comunicações óticas, displays
planos, micromanufatura e software/sistemas. Algumas destas áreas
podem não apresentar interesse imediato por parte da indústria,
voltada ao ajuste defensivo de curto prazo. A conjuntura
desfavorável do mercado não estimula investimentos nestas áreas.
Entretanto, são fundamentais para o desenvolvimento do complexo
eletrônico, pelo que devem ser definidos programas prioritários
para investimentos, com ênfase na área de projeto de circuitos
integrados, com participação conjunta de empresas do setor e
forte apoio dos bancos de desenvolvimento e financiadoras
oficiais.
Implementar desoneração tributária
A desoneração tributária completa dos bens de capital é
prática internacionalmente adotada, como forma de estimular o
investimento interno. No Brasil, os bens de capital estão isentos
de IPI, mas ainda são tributados pelos impostos em cascata e pelo
ICMS, sendo ainda os produtores onerados pela demora no
ressarcimento dos créditos relativos aos impostos indiretos de
seus insumos, problema agravado para os produtos de ciclo longo
de produção.
Propõe-se assim impostos indiretos com alíquotas zero para
os bens de capital, o que permitirá aos produtores de máquinas e
equipamentos se creditarem dos impostos pagos nas suas compras;
os créditos fiscais devem ser corrigidos monetariamente ou
devolvidos imediatamente.
Promover exportações
Finalmente, as exportações são um recurso importante para
manter o dinamismo tecnológico - garantindo padrões
internacionais para a produção - e para evitar os efeitos de
flutuações excessivas do mercado interno. Na atual conjuntura
recessiva, a implementação por parte das empresas e do governo de
uma estratégia que vise, a médio prazo, a exportação de uma
parcela importante da produção local de equipamentos selecionados
pode gerar um horizonte de mercado que facilite a reestruturação
competitiva da oferta. No entanto, a política de promoção das
exportações deve ser entendida como uma estratégia de longo prazo
e não como um conjunto de medidas emergenciais e esporádicas.
A produção nacional deve ser capaz de concorrer com
importações de máquinas e equipamentos, estabelecendo uma relação
de complementaridade entre importação e produção nacional. Nessa
estratégia, elevar o coeficiente de exportação do segmento de
312
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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bens de capital é um passo vital para que se alcance as escalas
mínimas requeridas e seja possível acompanhar o desenvolvimento
tecnológico internacional.
No caso dos bens de capital, a linha de financiamento do
Finamex é o mecanismo principal para promover as vendas no
exterior. Propõe-se, assim, reativar, ampliando recursos e
prazos, as linhas de financiamento Proex e Finamex (estendendo o
apoio ao crédito para instalação de estruturas comerciais no
exterior, dada a importância em alguns casos da proximidade com o
usuário) e, principalmente, direcionar estas linhas a famílias de
máquinas selecionadas e a esforços cooperativos (parcerias entre
produtores).
Também importante é a criação do seguro de crédito à
exportação, mecanismo existente em todos os principais países
exportadores e que representa redução de preços e apoio
significativo à internacionalização da produção.
Esses setores devem contar ainda com apoio comercial por
parte do Ministério de Relações Exteriores, além de se
beneficiarem das demais medidas propostas em relação ao conjunto
das exportações nacionais: estabilidade e realismo cambial,
desoneração tributária das exportações e melhoria da infra-
estrutura física, especialmente portuária.
Estimular absorção de tecnologias externas
O conhecimento do mercado detido pelas empresas nacionais, a
familiaridade com as necessidades específicas das indústrias
locais, as estruturas já montadas de assistência técnica e
distribuição constituem um importante patrimônio destas empresas.
O aproveitamento deste patrimônio no desenvolvimento de produtos
mais adequados à indústria e a facilidade de acesso mútuo podem
gerar relevantes vantagens competitivas a produtores e usuários.
Por outro lado, este conhecimento do mercado interno e
acesso privilegiado aos usuários podem constituir importante
elemento na formação de joint-ventures com empresas estrangeiras
ainda não sediadas no Brasil. Para as empresas nacionais, este
arranjo pode significar o acesso a tecnologias de produtos mais
complexos e atualizados e maior desenvolvimento industrial. Para
as empresas estrangeiras, a constituição de joint-ventures pode
ser importante na medida em que na indústria de máquinas e
equipamentos são elevados os custos de comercialização e
assistência técnica.
Para que isto se concretize é necessário, fundamentalmente,
que as empresas nacionais tomem a iniciativa de identificar
possíveis parceiros. Ao governo cabe apoiar e facilitar as
iniciativas empresariais, excluindo do apoio, evidentemente, os
casos em que seja elevado o risco das empresas nacionais
tornarem-se meras representantes das empresas estrangeiras, sem
desenvolvimento próprio e sem agregar valor interno no resultado
313
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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das operações, como tem ocorrido em algumas parcerias recentes,
sobretudo em empresas do complexo eletrônico, nas áreas de
informática e telecomunicações.
. Apoiar seletivamente fármacos genéricos
Contrastando com o que ocorre nos países desenvolvidos, a
atuação do Estado brasileiro na área farmacêutica é marcada pela
fragilidade institucional e pelo casuísmo na definição de
políticas relacionadas ao setor. Embora não existam estimativas
confiáveis do mercado institucional (variando de 20 a 40%), é
certo que representa um peso considerável, que deve ser utilizado
para assegurar um consumo estável e fomentar a competitividade na
área de fármacos. Também deve ser estudada a desoneração
tributária, ao menos para determinados segmentos da indústria,
associados a medicamentos essenciais.
A dimensão dos recursos e as qualificações necessárias para
realizar atividades de P&D de novos fármacos extrapolam as
capacidades das empresas nacionais. Isto não ocorre no caso dos
genéricos, onde se parte de uma molécula já conhecida,
restringindo a questão à produção industrial do fármaco, muito
menos exigente em termos dos níveis de competência tecnológica e
de investimento requeridos. Esta é, portanto, uma área de atuação
acessível às empresas brasileiras, onde se pode pretender
alcançar uma posição competitiva, ao passo que no segmento de
produtos patenteados, concorrendo com as grandes empresas através
da descoberta e lançamento de novas drogas, não há perspectiva a
médio prazo (talvez nem a longo) de adquirir competitividade.
. Definir programa de longo prazo para biotecnologia
Quanto à biotecnologia, também é importante a seletividade
no apoio público a determinados segmentos. Propõe-se priorizar as
áreas onde o mercado tenha maior capacitação para absorver
inovações tecnológicas no curto e médio prazos e onde seja maior
o impacto sobre a competitividade, o que aponta para segmentos
relacionados às agroindústrias. Em alguns casos - como no combate
a doenças específicas (caso da laranja), ou o desenvolvimento de
novas variedades para mercados em processo de segmentação (café e
oleaginosas) - novos patamares de competitividade no complexo
agroindustrial exigem a mobilização de esforços para programas de
pesquisa e desenvolvimento agrícola com uma forte presença do
sistema nacional de pesquisa, e da atuação do Estado como
articulador e coordenador de programas para o aproveitamento do
mercado potencial existente. Em outras áreas, como carnes (suínos
livres de patógenos, transferência de embriões), o setor privado
já se mostra mais autosuficiente.
A modernização tecnológica de indústrias que já utilizam
processos biotecnológicos, embora com técnicas tradicionais, é um
passo de curto prazo que apresenta as vantagens de já contar com
mercados organizados e escala para incorporar novos métodos
produtivos e de possuir uma certa capacitação tecnológica que,
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ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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embora não esteja necessariamente referida ao novo conhecimento,
pode ser um importante ponto de apoio para uma estratégia mais
global de capacitação.
A eficácia das biotecnologias depende da criação de um
programa de longo prazo, descentralizado mas coordenado, que
redefina prioridades quanto a: conhecimento científico
(priorização de centros de excelência); identificação dos setores
com maior capacidade de absorção das biotecnologias; e um sistema
de regulação que não apresente obstáculos para o mercado mas
aproveite as vantagens comparativas do país em termos de recursos
genéticos e potencial dos mercados. As políticas para
biotecnologia no país devem buscar, em primeiro lugar, a
definição de prioridades de desenvolvimento e devem,
necessariamente, ser conduzidas de forma orgânica: financiamento,
fortalecimento de mercados, formação de recursos humanos e
participação de empresários dispostos a empreender projetos de
criação de capacitação e de formação de mercados. Os mecanismos
existentes precisam ser reforçados, coordenados e orientados para
prioridades: programas RHAE (Recursos Humanos em Áreas
Estratégicas), PADCT e linhas de financiamento da FINEP, BNDES (e
outros bancos de desenvolvimento), e pólos de tecnologia. O
fortalecimento e adequação de fontes de captação de recursos para
viabilizar o financiamento de risco é contribuição importante
para possibilitar esse avanço.
Ações Prioritárias - Configuração da Indústria
A construção da competitividade nos setores difusores de
progresso técnico requer profundas transformações nas suas
configurações industriais mas envolve ações de grande
dificuldade, para as quais os instrumentos de política
convencionais mostram-se pouco eficazes.
Complexo eletrônico
Para as indústrias do complexo eletrônico, uma estratégia
que poderia ser implementada com sucesso é a concentração de
esforços na oferta em condições competitivas de serviços de
integração de sistemas. Essa área, que apresenta elevadas
perspectivas de crescimento, requer uma intensa interação entre
produtores e usuários e, portanto, a mobilização de recursos para
investimentos. A aplicação dos incentivos da Lei 8248/91 às
empresas fornecedoras de serviços de integração de sistemas pode
acelerar essas iniciativas.
Os organismos financiadores de atividades de P&D no complexo
eletrônico devem priorizar projetos que levem ao avanço da
fronteira da ciência e da técnica nacionais, que apresentem
perspectivas de aproveitamento comercial (principalmente no
desenvolvimento de novas gerações de produtos) e que incluam a
. Estabelecer parcerias visando a racionalização das competências
e a efetiva absorção de tecnologias
315
ESTUDO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
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atuação cooperativa de empresas privadas e instituições de
pesquisa. A implementação de projetos direcionados para a
absorção, em conjunto com empresas privadas, de pacotes
tecnológicos que permitam o desenvolvimento e/ou fabricação no
país de novas gerações de produtos deve pautar a atuação do CTI,
CPqD e outros centros de excelência existentes. Essas
instituições devem ser reforçadas de modo a se habilitarem a
cumprir esse papel.
Novos investimentos estrangeiros comprometidos com a
internalização no país não só das atividades relacionadas ao
processo produtivo básico como também com a realização de
esforços de desenvolvimento tecnológico podem contribuir para
esse avanço.
No caso dos computadores de médio e grande porte, por
exemplo, a fabricação local destes produtos dificilmente poderá
ser realizada por empresas nacionais que não disponham de
parceiros estrangeiros detentores das tecnologias respectivas, a
menos de certos nichos como "servidores" dedicados, supermicros
multiprocessados com sistemas "abertos", etc. É importante
estimular empresas líderes internacionais, muitas das quais já se
fazem presentes no país, mesmo não dispondo, no momento atual, de
uma base industrial ativa e atualizada tecnologicamente, a
realizar investimentos industriais ou em P&D, preferencialmente
em parceria com empresas nacionais, com vistas a abastecer o
mercado latino-americano e especialmente o do Mercosul.
Bens de capital eletromecânicos
Para os setores produtores de máquinas e equipamentos do
complexo metal-mecânico, dois modelos de reestruturação setorial
podem ser perseguidos, conforme a situação existente.
Para os segmentos em que há empresas nacionais com tradição
no mercado mas que enfrentam dificuldades para atualizar a linha
de produtos, o modelo mais promissor é a constituição de joint-
ventures entre empresas estrangeiras ainda não sediadas no Brasil
e empresas nacionais de médio porte. O conhecimento do mercado
detido pelas empresas nacionais constitui um patrimônio a ser
utilizado em negociações deste tipo. Para que isto se concretize
é necessário, fundamentalmente, que as empresas nacionais tomem a
iniciativa de buscar identificar possíveis parceiros. Ao governo
cabe apoiar essas iniciativas empresariais concedendo, por
exemplo, financiamentos para a constituição de uma nova empresa.
O segundo modelo é a fusão ou incorporação de empresas já
presentes nos setores de máquinas e equipamentos, explorando
linhas de produtos complementares, mas com faixa de atuação
restritas aos mesmos segmentos de mercado. Viabilizar o
envolvimento de empresas de capital estrangeiro nesse processo é
difícil porque implica decisões estratégicas das respectivas
matrizes. Já para empresas nacionais, o governo poderia estimular
as fusões através de financiamentos, cuidando para que, no caso
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de empresas endividadas, o passivo existente não contamine a
captação de novos recursos para a sua adequação produtiva. Também
a centralização do capital de empresas nacionais, em sua maioria
de pequeno ou médio porte e de estrutura familiar, não é tarefa
fácil. O sentimento de propriedade e a história de controles
muito rígidos exercidos pelos proprietários dessas empresas são
fatores que inibem iniciativas deste tipo. Portanto, além de
financiamento, o governo deve atuar no sentido de facilitar as
negociações entre as empresas, demonstrando as vantagens das
fusões e incorporações nesta indústria. O que parece ser
inevitável é a reestruturação do setor de bens de capital, seja
realizada pelo mercado - neste caso, de profundidade
imprevisível, podendo até conduzir a uma desindustrialização - ou
então negociada a partir da vontade política das empresas e do
governo.
A reestruturação setorial do segmento de máquinas e
equipamentos somente será bem sucedida se promover a redução do
grau de diversificação e verticalização atual. A reestruturação
patrimonial, de per se, contribui para que se alcance maior
especialização produtiva, mas é essencial que as decisões quanto
a novos investimentos se concentrem em um número limitado de
produtos, tal como vem ocorrendo em várias empresas estrangeiras
e algumas nacionais. Este processo deve ser estimulado e, se
possível, adotado pelo governo como critério para a concessão de
financiamentos e incentivos.
Promover a desverticalização exige medidas adicionais, uma
vez que supõe a existência de redes eficientes de fornecedores,
com capacitação técnica, econômica e gerencial. A política de
desenvolvimento competitivo pode contribuir através da
implementação de programas específicos de capacitação. Algumas
empresas menores, ainda fabricantes de máquinas e equipamentos,
podem vir a se constituir em fornecedores de componentes com
capacitação adequada, abandonando a fabricação de máquinas
acabadas.
Para a capacitação de fornecedores é necessária a
modernização de equipamentos, que pode ser apoiada com
financiamento concedido pela FINAME em condições especiais.
Programas de gestão empresarial devem ser vistos como forma de
difusão das novas técnicas organizacionais, o que também pode ser
realizado com o apoio de empresas de consultoria, mobilizadas
pelos órgãos de classe empresariais. As empresas produtoras de
máquinas e equipamentos, que intencionam se desverticalizar,
podem prestar assessoria a novos fornecedores, no sentido de
treinar as empresas a produzir com qualidade e com baixos custos.
A relação entre produtor e usuário de máquinas e
equipamentos também precisa ser estreitada para que a indústria
consiga produzir dentro das especificações necessárias para seus
clientes. No caso do setor de bens de capital sob encomenda, na
medida em que o governo é o seu grande demandante, esta relação é
mais fácil de ser desenvolvida. No outro extremo está a indústria
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de máquinas e implementos agrícolas, que tem a sua demanda muito
atomizada, envolvendo um grande número de produtores rurais.
Neste caso, as cooperativas agrícolas têm condições de exercer um
papel extremamente importante, constituindo-se em elos entre o
produtor rural e a indústria produtora de máquinas e implementos
agrícolas. As cooperativas podem contribuir na especificação
técnica dos equipamentos, permitindo a geração de produtos mais
adequados às condições sociais do produtor e às condições
edafoclimáticas da produção agrícola. Podem ainda sinalizar o
volume de demanda existente e até vir a se constituir em
prestadoras de serviços de assistência técnica aos produtores
rurais, principalmente para os implementos de tração mecânica,
através de acordos de cooperação com a indústria produtora de
máquinas e implementos agrícolas. Esta proposição deve ser
estudada para se verificar as suas reais possibilidades.
Como princípio geral, a cooperação entre empresas para o
desenvolvimento de produtos poderia ser estimulada através da
concessão de financiamento em condições favoráveis e incentivos
fiscais especiais para projetos conjuntos de desenvolvimento,
sempre priorizando linhas selecionadas de produtos.
Principalmente nas tecnologias básicas das áreas de novos
materiais, ótica e microeletrônica, são fundamentais parcerias,
dado o volume de recursos e capacitações requeridos. Considerando
o desmonte recente de várias equipes de P&D das empresas, aumenta
a relevância da pesquisa cooperativa entre empresas e
universidades e/ou centros de pesquisa.
Química fina
Na química fina é ainda mais crucial uma política industrial
ativa para seu desenvolvimento. Considerando que não existem
vantagens competitivas nítidas para a indústria química fina
brasileira, o papel reestruturante do Estado deverá perseguir
quatro objetivos complementares: a capacitação produtiva em
produtos genéricos e patenteados sob licença; a integração de
grupos químicos nacionais já atuantes na química básica com a
química fina - especialmente no setor de defensivos no qual as
barreiras a entrada são menores; a verticalização dos grupos
químicos multinacionais instalados no país; a capacitação em P&D
para a desenvolvimento de produtos em "nichos" de mercado.
Para alcançar esses objetivos, a primeira ação é a
sinalização clara, para todos os atores envolvidos no setor, de
que a química fina é uma prioridade da política industrial. A
retomada de iniciativas semelhantes ao projeto CEME-CODETEC, após
a correção dos problemas verificados no passado, constitui um
poderoso instrumento para estimular a produção de genéricos por
produtores nacionais. A construção de capacitação para produzir
em química fina não pode prescindir de uma forte política voltada
para a pesquisa e formação de recursos humanos. A articulação
entre institutos de pesquisa e universidades com as empresas é um
fator crítico para o desenvolvimento desse setor.
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A renovação da pauta de defensivos agrícolas produzidos no
país deve priorizar os defensivos com patentes prestes a expirar
e que se mostrem adequados à agricultura brasileira, uma das mais
diversificadas do mundo. O sucesso dessa renovação depende,
centralmente, do aprimoramento das técnicas agrícolas de controle
integrado e da intensificação da interação entre indústria e
agricultura. É, portanto, fundamental que a política agrícola
esteja atenta a esse fato. Também o estímulo a fusões ou
associações entre empresas nacionais com linhas de produtos
complementares, embora difíceis dada a natureza da propriedade do
capital no setor, seriam benéficas para acelerar a substituição
de produtos.
Biotecnologia
Para a biotecnologia é necessário estabelecer pontes entre
empresas e instituições de P&D, dado que o pequeno tamanho e/ou a
falta de rotina de pesquisa de várias empresas dificilmente
permitiria a realização de pesquisa in house como estratégia
predominante. Por outro lado, merece ser destacada a necessidade
de realizar acordos e joint-ventures que permitam a efetiva
transferência das novas tecnologias.
Ações Prioritárias - Concorrência
. Equilibrar produção interna e importações de modo a maximizar a
difusão de progresso técnico
Para os setores difusores de progresso técnico propõe-se
fomento à demanda e apoio ao ajuste competitivo de modo a obter-
se excelência internacional em linhas selecionadas de produtos. A
ênfase em índices de nacionalização por produto e a busca de
auto-suficiência indiscriminada perseguidos nas políticas
anteriores devem ser substituídos pela busca de eficiência e
produtividade para competir interna e externamente em preço e
qualidade nos produtos priorizados.
É necessário compatibilizar o processo de liberalização da
economia com a preservação da experiência acumulada nos vários
setores difusores de progresso técnico nas linhas de produtos com
maior potencial de difusão de competitividade no conjunto da
indústria brasileira e onde a proximidade produtor-usuário
proporcione maiores vantagens competitivas a ambos.
Para os produtos eleitos como prioritários é necessário um
nível de proteção tarifária compatível com a evolução das
empresas produtoras desses bens. Para aqueles produtos onde não
exista demanda potencial significativa ou capacitação interna na
produção, o mercado deve ser atendido com importações, e os
procedimentos para a internalização simplificados e agilizados,
bem como mantidas alíquotas nulas do imposto de importação.
Quanto ao Mercosul, é urgente o estabelecimento de
mecanismos compensatórios frente às excessivas variações cambiais
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entre os países da região. A estrutura da tarifa externa comum
deve resguardar produtos priorizados na política industrial
nacional. O certificado de origem deve ser rígido para evitar
triangulação entre países. Para produtos do complexo eletrônico,
deve-se adotar o processo produtivo básico definido internamente
como referência para concessão de certificado de origem de forma
permanente no âmbito do Mercosul e criar mecanismos de
acompanhamento do cumprimento das condições.
Práticas desleais de comércio devem ser evitadas, através do
desenvolvimento de mecanismos de salvaguardas comerciais e do
aparelhamento das instituições responsáveis.
Complexo eletrônico
A definição do Processo Produtivo Básico (PPB) já impõe um
ponto de corte nas cadeias produtivas do complexo eletrônico.
Essa definição adotou, como ponto de referência, a montagem de
placas de circuito impresso. Como decorrência, o acesso aos
componentes que não venham a ser feitos no país deverá ser feito
via sourcing mundial. A área de componentes, de forma geral,
deixa de ser considerada como prioritária do ponto de vista da
produção local.
Algumas atividades em microeletrônica poderiam ser mantidas,
já que essa é uma das tecnologias básicas a todos os setores do
complexo eletrônico. Nesse sentido, deve ser tratada como
prioritária a área de projeto de circuitos integrados dedicados
(ASICS) e apoiadas atividades de microeletrônica de uma forma
geral em universidades e centros de pesquisa, visando a
preservação e incremento da experiência acumulada, bem como
investimentos já realizados, particularmente no CTI.
No que diz respeito à Zona Franca de Manaus, propõe-se
concentrar o apoio à produção de televisores coloridos, inclusive
com forte apoio para exportação. Para o restante dos produtos do
complexo eletrônico não deve haver diferença de incentivos em
relação ao resto do país.
Bens de capital eletromecânicos
Em relação aos insumos de bens de capital, deve ser apoiada
a formação de associações de empresas de setores mais
pulverizados para a importação de partes, peças e componentes
para a sua produção. Apesar dos esforços recentes de normalização
da indústria brasileira de bens de capital, é necessário
intensificar esta linha de atuação e ampliar a capacitação dos
centros de tecnologia na certificação e testes de equipamentos.
Além de estabelecer patamares de qualidade para os bens de
capital, a atividade de normalização favoreceria o processo de
desverticalização das empresas.
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Fármacos
Na área de fármacos, o apoio à produção de fármacos
genéricos por parte de empresas químicas nacionais e o estímulo à
verticalização das multinacionais que atuam no país apenas nos
estágios finais dependem, em primeiro lugar, de regras estáveis
que tornem atrativa a produção interna frente à importação e da
sinalização por parte do Governo de que o desenvolvimento da
química fina no país representa uma prioridade na política
industrial. É preciso reconhecer a necessidade de alguma
proteção, não apenas por ser este um setor não consolidado, mas
também para fazer frente a práticas concorrenciais predatórias,
freqüentemente observadas no cenário internacional. Além da
gradação tarifária, deve-se manter um certo nível de barreira
alfandegária (entre 20 a 40%) para fármacos produzidos no Brasil.
. Definir escopo da atuação do capital estrangeiro e do Estado
Por fim, dois temas que têm se mostrado polêmicos merecem
registro: a regulação do capital estrangeiro e a definição do
escopo da atuação do Estado na prestação de serviços de infra-
estrutura.
Quanto à regulação do capital estrangeiro, há indícios
seguros de que mais importante do que a natureza da regra é a
existência de regras estáveis que permitam a tomada de decisões
em horizontes longos de tempo. Há importantes espaços para a
realização de parcerias entre o capital nacional e internacional
e é urgente que as regras que regerão essas parcerias sejam
definitivamente estabelecidas, criando um ambiente atrativo para
os investimentos estrangeiros e propiciando a efetiva
transferência de tecnologia e agregação local de valor.
A privatização dos serviços públicos pode vir a afetar os
setores difusores de progresso técnico, especialmente os de
equipamentos para telecomunicações e para energia elétrica
(dentre outros bens de capital sob encomenda). Independemente da
operação pública ou privada dos serviços, é indispensável:
compatibilidade dos equipamentos de modo a assegurar integração
nacional dos sistemas; capacitação técnica pública de
especificação e homologação dos produtos visando segurança e
qualidade dos equipamentos e serviços; e critérios de remuneração
da prestação dos serviços ajustados para possibilitar a
realização dos investimentos necessários sem prejudicar a
competitividade sistêmica.