se o espaço à fraude, era o mesmo que suprimi-la. Aconteceu, porém, que na eleição
seguinte, um candidato deixou de ser inscrito na competente bola, não se sabe se por
descuido ou intenção do oficial público. Este declarou que não se lembrava de ter visto o
ilustre candidato, mas acrescentou nobremente que não era impossível que ele lhe tivesse
dado o nome; neste caso não houve exclusão, mas distração. A assembléia, diante de um
fenômeno psicológico inelutável, como é a distração, não pôde castigar o oficial; mas,
considerando que a estreiteza do saco podia dar lugar a exclusões odiosas, revogou a lei
anterior e restaurou as três polegadas.
Nesse ínterim, senhores, faleceu o primeiro magistrado, e três cidadãos apresentaram-se
candidatos ao posto, mas só dois importantes, Hazeroth e Magog, os próprios chefes do
partido retilíneo e do partido curvilíneo. Devo explicar-vos estas denominações. Como eles
são principalmente geômetras, é a geometria que os divide em política. Uns entendem que a
aranha deve fazer as teias com fios retos, é o partido retilíneo; - outros pensam, ao
contrário, que as teias devem ser trabalhadas com fios curvos, - é o partido curvilíneo. Há
ainda um terceiro partido, misto e central, com este postulado: - as teias devem ser urdidas
de fios retos e fios curvos; é o partido reto-curvilíneo; e finalmente, uma quarta divisão
política, o partido anti-reto-curvilíneo, que fez tábua rasa de todos os princípios litigantes, e
propõe o uso de umas teias urdidas de ar, obra transparente e leve, em que não há linhas de
espécie alguma. Como a geometria apenas poderia dividi-los, sem chegar a apaixoná-los,
adotaram uma simbólica. Para uns, a linha reta exprime os bons sentimentos, a justiça, a
probidade, a inteireza, a constância, etc., ao passo que os sentimentos ruins ou inferiores,
como a bajulação, a fraude, a deslealdade, a perfídia, são perfeitamente curvos. Os
adversários respondem que não, que a linha curva é a da virtude e do saber, porque é a
expressão da modéstia e da humildade; ao contrário, a ignorância, a presunção, a toleima, a
parlapatice, são retas, duramente retas. O terceiro partido, menos anguloso, menos
exclusivista, desbastou a exageração de uns e outros, combinou os contrastes, e proclamou
a simultaneidade das linhas como a exata cópia do mundo físico e moral. O quarto limita-se
a negar tudo.
Nem Hazeroth nem Magog foram eleitos. As suas bolas saíram do saco, é verdade, mas
foram inutilizadas, a do primeiro por faltar a primeira letra do nome, a do segundo por lhe
faltar a última. O nome restante e triunfante era o de um argentário ambicioso, político
obscuro, que subiu logo à poltrona ducal, com espanto geral da república. Mas os vencidos
não se contentaram de dormir sobre os louros do vencedor; requereram uma devassa. A
devassa mostrou que o oficial das inscrições intencionalmente viciara a ortografia de seus
nomes. O oficial confessou o defeito e a intenção; mas explicou-os dizendo que se tratava
de uma simples elipse; delito, se o era, puramente literário. Não sendo possível perseguir
ninguém por defeitos de ortografia ou figuras de retórica, pareceu acertado rever a lei.
Nesse mesmo dia ficou decretado que o saco seria feito de um tecido de malhas, através das
quais as bolas pudessem ser lidas pelo público, e, ipso facto, pelos mesmos candidatos, que
assim teriam tempo de corrigir as inscrições.
Infelizmente, senhores, o comentário da lei é a eterna malícia. A mesma porta aberta à
lealdade serviu à astúcia de um certo Nabiga, que se conchavou com o oficial das
extrações, para haver um lugar na assembléia. A vaga era uma, os candidatos três; o oficial
extraiu as bolas com os olhos no cúmplice, que só deixou de abanar negativamente a
cabeça, quando a bola pegada foi a sua. Não era preciso mais para condenar a idéia das
malhas. A assembléia, com exemplar paciência, restaurou o tecido espesso do regime
anterior; mas, para evitar outras elipses, decretou a validação das bolas cuja inscrição