aconselho excepcionalmente o bilhar é porque as estatísticas mais escrupulosas mostram
que três quartas partes dos habituados do taco partilham as opiniões do mesmo taco. O
passeio nas ruas, mormente nas de recreio e parada, é utilíssimo, com a condição de não
andares desacompanhado, porque a solidão é oficina de idéias, e o espírito deixado a si
mesmo, embora no meio da multidão, pode adquirir uma tal ou qual atividade.
— Mas se eu não tiver à mão um amigo apto e disposto a ir comigo?
— Não faz mal; tens o valente recurso de mesclar-te aos pasmatórios, em que toda a
poeira da solidão se dissipa. As livrarias, ou por causa da atmosfera do lugar, ou por
qualquer outra, razão que me escapa, não são propícias ao nosso fim; e, não obstante, há
grande conveniência em entrar por elas, de quando em quando, não digo às ocultas, mas às
escâncaras. Podes resolver a dificuldade de um modo simples: vai ali falar do boato do dia,
da anedota da semana, de um contrabando, de uma calúnia, de um cometa, de qualquer
coisa, quando não prefiras interrogar diretamente os leitores habituais das belas crônicas de
Mazade; 75 por cento desses estimáveis cavalheiros repetir-te-ão as mesmas opiniões, e
uma tal monotonia é grandemente saudável. Com este regime, durante oito, dez, dezoito
meses — suponhamos dois anos, — reduzes o intelecto, por mais pródigo que seja, à
sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio comum. Não trato do vocabulário, porque ele está
subentendido no uso das idéias; há de ser naturalmente simples, tíbio, apoucado, sem notas
vermelhas, sem cores de clarim...
— Isto é o diabo! Não poder adornar o estilo, de quando em quando...
— Podes; podes empregar umas quantas figuras expressivas, a hidra de Lerna, por
exemplo, a cabeça de Medusa, o tonel das Danaides, as asas de Ícaro, e outras, que
românticos, clássicos e realistas empregam sem desar, quando precisam delas. Sentenças
latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso
trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento.
Caveant consules é um excelente fecho de artigo político; o mesmo direi do Si vis pacem
para bellum. Alguns costumam renovar o sabor de uma citação intercalando-a numa frase
nova, original e bela, mas não te aconselho esse artifício: seria desnaturar-lhe as graças
vetustas. Melhor do que tudo isso, porém, que afinal não passa de mero adorno, são as
frases feitas, as locuções convencionais, as fórmulas consagradas pelos anos, incrustadas na
memória individual e pública. Essas fórmulas têm a vantagem de não obrigar os outros a
um esforço inútil. Não as relaciono agora, mas fá-lo-ei por escrito. De resto, o mesmo
ofício te irá ensinando os elementos dessa arte difícil de pensar o pensado. Quanto à
utilidade de um tal sistema, basta figurar uma hipótese. Faz-se uma lei, executa-se, não
produz efeito, subsiste o mal. Eis aí uma questão que pode aguçar as curiosidades vadias,
dar ensejo a um inquérito pedantesco, a uma coleta fastidiosa de documentos e
observações, análise das causas prováveis, causas certas, causas possíveis, um estudo
infinito das aptidões do sujeito reformado, da natureza do mal, da manipulação do remédio,
das circunstâncias da aplicação; matéria, enfim, para todo um andaime de palavras,
conceitos, e desvarios. Tu poupas aos teus semelhantes todo esse imenso aranzel, tu dizes
simplesmente: Antes das leis, reformemos os costumes! — E esta frase sintética,
transparente, límpida, tirada ao pecúlio comum, resolve mais depressa o problema, entra
pelos espíritos como um jorro súbito de sol.