Capítulo II
No dia seguinte àquele em que se passaram as cenas descritas no capítulo anterior, entendeu o céu
que devia regar com as suas lágrimas o solo da formosa Petrópolis.
Tito, que destinava esse dia a ver toda a cidade, foi obrigado a conservar-se em casa. Era um amigo
que não incomodava, porque quando era de mais sabia escapar-se discretamente, e quando o não era,
tornava-se o mais delicioso dos companheiros.
Tito sabia juntar muita jovialidade a muita delicadeza; sabia fazer rir sem saltar fora das
conveniências. Acrescia que, voltando de uma longa e pitoresca viagem, trazia as algibeiras da
memória (deixem passar a frase) cheias de vivas reminiscências. Tinha feito uma viagem de poeta e
não de peralvilho. Soube ver e sabia contar. Estas duas qualidades, indispensáveis ao viajante, por
desgraça são as mais raras. A maioria das pessoas que viajam nem sabem ver, nem sabem contar.
Tito tinha andado por todas as repúblicas do mar Pacífico, tinha vivido no México e em alguns
Estados americanos. Tinha depois ido à Europa no paquete da linha de Nova Iorque. Viu Londres e
Paris. Foi à Espanha, onde viveu a vida de Almaviva, dando serenatas às janelas das Rosinas de hoje.
Trouxe de lá alguns leques e mantilhas. Passou à Itália e levantou o espírito à altura das recordações
da arte clássica. Viu a sombra de Dante nas ruas de Florença; viu as almas dos doges pairando
saudosas sobre as águas viúvas do mar Adriático; a terra de Rafael, de Virgílio e Miguel Ângelo foi
para ele uma fonte viva de recordações do passado e de impressões para o futuro. Foi à Grécia, onde
soube evocar o espírito das gerações extintas que deram ao gênio da arte e da poesia um fulgor que
atravessou as sombras dos séculos.
Viajou ainda mais o nosso herói, e tudo viu com olhos de quem sabe ver e tudo contava com alma de
quem sabe contar. Azevedo e Adelaide passavam horas esquecidas.
- Do amor, dizia ele, eu só sei que é uma palavra de quatro letras, um tanto eufônica, é verdade, mas
núncia de lutas e desgraças. Os bons amores são cheios de felicidade, porque têm a virtude de não
alçarem olhos para as estrelas do céu; contentam-se com ceias à meia-noite e alguns passeios a
cavalo ou por mar.
Esta era a linguagem constante de Tito. Exprimia ela a verdade, ou era uma linguagem de
convenção? Todos acreditavam que a verdade estava na primeira hipótese, até porque essa era de
acordo com o espírito jovial e folgazão de Tito.
No primeiro dia da residência de Tito em Petrópolis, a chuva, como disse acima, impediu que os
diversos personagens desta história se encontrassem. Cada qual ficou na sua casa. Mas o dia
imediato foi mais benigno; Tito aproveitou o bom tempo para ir ver a risonha cidade da serra.
Azevedo e Adelaide quiseram acompanhá-lo; mandaram aparelhar três ginetes próprios para o
ligeiro passeio.
Na volta foram visitar Emília. Durou poucos minutos a visita. A bela viúva recebeu-os com graça e
cortesia de princesa. Era a primeira vez que Tito lá ia; e fosse por isso, ou por outra circunstância, foi
ele quem mereceu as principais atenções da dona da casa.
Diogo, que então fazia a sua centésima declaração de amor a Emília, e a quem Emília acabava de
oferecer uma chávena de chá, não viu com bons olhos a demasiada atenção que o viajante merecia da
dama dos seus pensamentos. Essa, e talvez outras circunstâncias, faziam com que o velho Adônis
assistisse à conversação com a cara fechada.
À despedida Emília ofereceu a casa a Tito, com a declaração de que teria a mesma satisfação em
recebê-lo muitas vezes. Tito aceitou cavalheiramente o oferecimento; feito o que, saíram todos.
Cinco dias depois desta visita Emília foi à casa de Adelaide. Tito não estava presente; andava a
passeio. Azevedo tinha saído para um negócio, mas voltou daí a alguns minutos. Quando, depois de
uma hora de conversa, Emília já de pé preparava-se para voltar à casa, entrou Tito.