De vários clubes, havia sido expulso ou se havia demitido voluntariamente, porque os
companheiros suspeitavam-no ser peitado pelos adversários, para facilitar estes fazer pontos.
Ultimamente, era agente de jogo de bicho, e sua mulher viera gozar de mais algum conforto.
Pobre Ernestina! Era tão alegre, tão tagarela, era moça, e bonitinha, na sua fisionomia miúda e
na sua tez pardo-clara, um tanto baça, é verdade, mas não a ponto de enfeá-la, quando conheceu
Ataliba; e hoje? Estava escanzelada, cheia de filhos, a trair sofrimentos de toda a espécie, sempre mal
calçada, quando, nos tempos de solteira, o seu luxo eram os sapatos! Quem te viu e quem te vê!
Zezé Mateus era um verdadeiro imbecil. Não ligava duas idéias; não guardava coisa alguma
dos acontecimentos que assistia. A sua única mania era beber e dizer-se valente. Topava todos os
ofícios; capinava, vendia peixe e verdura, com cesto à cabeça; era servente de pedreiro, apanhava e
vendia passarinhos, como criança; e tinha outras habilidades desse jaez.
Era branco, com uma fisionomia empastada, cheia de rugas precoces, sem dentes, todo ele
mole, bambo. A sua testa era deprimida, e era longo e estreito o seu crânio, do feitio daqueles a que o
povo chama "cabeça de mamão-macho".
Totalmente inofensivo, quase inválido pela sua imbecilidade nativa e pela bebida, uma família
a quem ele prestava pequenos serviços — ir às compras, ao açougue, lavar a casa — dava-lhe um
barracão na chácara, onde dormia, e comida, se estivesse presente às refeições. Encontrava-se nessa
ruína humana o melhor da turma e o único que não tinha maldade no coração. Era um ex-homem e
mais nada.
O Franco Sousa, este, era um malandro mais apurado, que, uma vez ou outra, aderia ao grupo
de Cassi. Intitulava-se advogado e vivia de embrulhar os crédulos clientes que lhe caíam nas mãos.
Todos sabiam que ele não tratava de coisa alguma, pois não podia absolutamente tratar, já por não
saber coisa alguma das tricas forenses, já por não ser, de verdade, advogado. Assim mesmo, sempre
apareciam ingênuos roceiros, simplórias viúvas, que, no pressuposto de que os seus serviços, na
justiça, sobre a demarcação de terras litigiosas ou despejos de inquilinos relapsos, fossem mais
baratos, procuravam-no. Ele recebia os adiantamentos e, em seguida, mais algum dinheiro, conforme a
ingenuidade e a falta de experiência do cliente, e não fazia nada. Entretanto, vivia muito decentemente
com a mulher, filhos e filhas. Cassi não lhe pisava em casa, e, aos poucos, foi se afastando do violeiro,
a conselho da mulher, que zelava extremamente pela reputação das filhas, que se faziam moças.
O último dos asseclas do modinheiro era um tal Arnaldo, Arnaldo tout court. Nele, talvez,
houvesse tipo mais nojento do que mesmo em Cassi. A sua profissão consistia em furtar, no trem,
chapéus-de-sol, bengalas, embrulhos dos passageiros que estivessem a dormitar ou distraídos. De
tarde, ele fazia a especialidade dos embrulhos; e, à noite, às vezes, a altas horas, postava-se na beira da
plataforma de estação pouco freqüentada e, quando o trem tornava movimento e impulso, arrebatava
rapidamente os chapéus dos passageiros, através da portinhola, principalmente se de palha e novos.
Vendia-os, no dia seguinte, como vendia os chapéusde-sol, as bengalas e o conteúdo dos embrulhos,
se fosse de coisa vendável; roupas de lã ou branca, livros, louça, talheres, etc.
Se fossem, porém, doces, frutas, queijos, biscoitos, grãos, ele levava para a casa e contava à
mulher que só arranjara dinheiro para comprar aquelas guloseimas para as crianças. Usava dos mais
imprevistos estratagemas, para não pagar a casa de sua moradia. Numa, tendo ficado a dever oito
meses, apresentando-se-lhe o cobrador com os recibos, pediu-os para examiná-los e ficou com eles,
alegando que ia consultar pessoa competente em matéria de selo, porquanto as estampilhas não lhe
pareciam legais. Nunca mais os devolveu; e, apesar de todas as ameaças, ainda ficou morando na casa
quatro meses. Os seus vizinhos contavam que ele tinha também o hábito de arrebatar as notas do
Tesouro das mãos das crianças, quando as encontrava sós também a caminho das vendas, onde iam
fazer compras para as casas paternas, levando-as à mostra, na imprevidência natural de crianças.
Inútil é repetir que Cassi não tinha nenhuma espécie de amizade por esses rapazes, não pela
baixeza de caráter e de moral deles, no que ele sobrelevava a todos; mas pela razão muito simples de
que a sua natureza moral e sentimental era sáfara e estéril. A seus pais e às suas irmãs, não o prendia
nenhuma dose de afeição, por mais pequena que fosse. Mesmo com sua mãe, que o tinha retirado
muitas vezes dos xadrezes policiais, em vésperas de seguir para a detenção, ele só tinha manifestações