trabalho, depois de ter gasto o seu tempo e os seus haveres em
loucuras e desvarios. Era um filho da riqueza, que, tendo es-
banjado a sua fortuna, comprava, com sacrifício do seu bem-
-estar, o direito de poder realizar uma promessa sagrada.
Se era avareza, pois, era a avareza sublime da honra e da
probidade; era a abnegação nobre do presente para remir a
culpa do passado. Haverá moralista, ainda o mais severo, que
condene semelhante avareza? Haverá homem de coração, que
não admire essa punição imposta pela consciência ao corpo
rebelde e aos instintos materiais que arrastam ao vício?
Terminadas as suas notas, esse homem, que acabava de
guardar uma soma avultada, que naquele mesmo dia tinha ga-
nho 6:000$000 líquidos, abriu uma gaveta, tirou quatro moe-
das de cobre, meteu-as no bolso do colete e dispôs-se a sair.
Aquelas quatro moedas de cobre eram um segredo da ex-
piação corajosa, da miséria voluntária a que se condenara um
moço que sentia a sede do gozo e tinha ao alcance da mão com
que satisfazer por um mês, talvez por um ano, todos os capri-
chos de sua imaginação.
Aquelas quatro moedas de cobre eram o preço do seu jan-
tar; eram a taxa fixa e invariável da sua segunda refeição
diária; eram a esmola que a sua razão atirava ao corpo para
satisfação da necessidade indeclinável da alimentação.
Os ricos e mesmo os abastados vão admirar-se, por certo,
de que um homem pudesse jantar no Rio de Janeiro, naquele
tempo, com 160r., ainda quando esse homem fosse um escra-
vo ou um mendigo. Mas eles ignoram talvez, como a senhora,
minha prima, a existência dessas tascas negras que se encon-
tram em algumas ruas da cidade, e principalmente nos bairros
da Prainha e Misericórdia.
Nojenta caricatura dos hotéis e das antigas estalagens,
essas locandas descobriram o meio de preparar e vender comi-
da pelo preço ínfimo que pode pagar a classe baixa.
Quando Carlos chegou ao Rio de Janeiro, uma das coisas
de que primeiro tratou de informar-se, foi do modo de sub-
sistir o mais barato possível. Perguntou ao preto de ganho
que conduzira os seus trastes, quanto pagava para jantar. O
preto dispendia 80r. O moço decidiu que não excederia do
dobro. Era o mais que lhe permitia a diferença do homem
livre ao escravo.
Talvez ache a coragem desse moço inverossímil, minha
prima. É possível. Compreende-se e admira-se o valor do
soldado; mas esse heroísmo inglório, esse martírio obscuro,
parece exceder as forças do homem.
Mas eu não escrevo um romance, conto-lhe uma história.
A verdade dispensa a verossimilhança.
Acompanhemos Carlos, que desce a escada íngreme do