Plácido
– Senhores, tenho de cumprir um ato de solene justiça; ouçam-me.
Afonsina
– Eu tremo!...
Plácido
– Sejam todos testemunhas do que vou dizer, e do que se vai passar. Senhores, acabo de romper o
casamento que devia celebrar-se hoje. O senhor Luciano é indigno da mão de minha filha.
Prudêncio
– Então como diabo foi isso?
Plácido
– Esse mancebo, a quem sempre servi de pai desvelado, atraiçoou-me, feriu-me com a mais perversa
calúnia. Esperando, sem dúvida, ficar de posse dos meus bens e riqueza, denunciou-me ao governo como
inimigo do Príncipe e da causa do Brasil, e pediu a minha imediata deportação.
Afonsina
– Luciano? é impossível, meu pai!...
Prudêncio
– Já não há impossíveis no mundo, minha senhora: e ia esta pombinha sem fel cair nas garras
daquele revolucionário!
Velasco
– (Á parte) – Chegamos ao fim do jogo: tenho esperanças de ganha-lo; mas confesso que estou com
receio da última cartada.
Plácido
– A perfídia do ingrato foi a tempo descoberta: espero em Deus não ser deportado; e ainda bem que
posso salvar minha filha!
Prudêncio
– Apoiado! Nada de contemplações...
Plácido
– E agora, senhores, revelarei a todos um segredo de família, que eu hoje tinha de confiar somente ao
senhor Luciano. Sabem os meus amigos que eu tive um irmão querido, meu sócio nos prazeres e nas aflições
da vida, e também meu sócio no comércio; a morte roubou-me esse irmão, cuja fortuna herdei, como seu
único parente. Pois bem, esse irmão muito amado, ferido de súbito pelo mal que o devia levar em poucos
instantes à sepultura, reconhecendo o seu estado, e vendo que se aproximava do transe derradeiro, chamou-me
para junto de seu leito e disse-me: “Plácido, sabes que tenho um filho, penhor de um amor infeliz e ilegítimo;
ignorem todos este segredo, e tu recolhe meu filho, educa-o, zela a fortuna que deixo e que deve pertencer-
lhe; e se ele se mostrar digno de nós, se for um homem honrado , entrega-lhe a sua herança.” Concluindo estas
palavras, meu irmão expirou. Senhores, o filho de meu irmão é o senhor Luciano!
Luciano
– Grande Deus!...
Afonsina
– É me primo!
Prudêncio
– Esta é de deixar um homem de boca aberta um dia inteiro!
Velasco
– (À parte) – Complica-se o enredo...e...palavra de honra, creio que isto acaba mal.
Plácido
– Senhor Luciano, creio que cumpri à risca o meu dever; zelei os seus bens,a sua fortuna, amei-o e
eduquei-o como...um filho. Hoje que sou vítima de sua ingratidão, podia guardar para mim a herança que lhe
pertence, pois que nenhum documento lha assegura, e todos ignoravam o que acabo de referir: quero, porém,
dar-lhe um último e inútil exemplo de probidade. (Dando papéis) Eis aqui as minhas contas: pode mandar
receber a sua herança; o senhor possui quinhentos mil cruzados.
Prudêncio
– Este meu cunhado é doido!
Afonsina
– Como procederá agora Luciano?...