Chico Bento – E quanto à deputação geral?
Limoeiro – Foi justamente para tratar deste negócio que vim procurar o meu amigo.
Chico Bento – O major manda e não pede.
Limoeiro – É preciso que combinemos a maneira de arredar qualquer dificuldade. Além do
interesse que temos, lá diz o ditado que duas cabeças valem mais do que uma.
Chico Bento – Todis capitis, todis sentencie.
Limoeiro – Portanto, é preciso que o tenente-coronel por sua parte escreva aos seus
amigos, que eu cá pela minha tratarei de fazer o mesmo. E creia que não tenho
cochilado. Veja isto. (Mostra o jornal.)
Chico Bento – (Lendo. ) Bravo.
Limoeiro – Pois olhe, foi feito cá pelo degas e corrigido pelo Custódio, o nosso professor
público. Se aquele diabo compreendesse tudo o que lê, ninguém podia com ele.
Chico Bento – Legeris et non intelligeris est negligeris. Pois, meu major, fique sabendo,
que não me leva as lampas, porque também mandei escrever o meu artiguito, que a esta hora já
deve estar publicado na Voz da Verdade de que sou humilde assinante. Eis o rascunho.
Limoeiro – Leia lá isso, tenente-coronel.
Chico Bento – Tu Marcellus eris!
Limoeiro – Marcelo, não. É Henrique.
Chico Bento – Não, isto é cá o latinório. (Lendo.) “Já não pertence à classe dos homens
vulgares o Doutor Henrique da Costa Limoeiro! Sua família...
Limoeiro – Homem, isto está com ares de discurso de defunto.
Chico Bento – Pois olhe, foi escrito por um homem bem vivo e esperto; pelo nosso
vigário! Ouça o resto. (Lendo.) “Sua família, transbordando de alegria, por vê-lo no número dos
eleitos da província, agradece a todos aqueles que o acompanharam em tão justa quão nobre
pretensão. Fazemos votos para que tão pesado encargo lhe seja leve.” Hein? Que tal?
Limoeiro – O meu está muito melhor. Mas, deixemos o que está feito, e tratemos do que
há a fazer. O rapaz é candidato à representação nacional. Segundo o trato que fizemos, ele tem de
ser recomendado por ambos os partidos. O tenente-coronel apresenta-o pelo lado conservador...
Chico Bento – E o major recomenda-o pelo lado liberal.
Limoeiro – Justamente.
Chico Bento – Mas, pensando bem, o meu amigo não julga que isto poderá comprometer o
nosso candidato? Eu achava melhor que ele aceitasse, por ora, um partido – o que está no poder,
por exemplo, e que mais tarde, conforme o jeito que as coisas tomasse, ou ficasse naquele, ou
fosse para o outro que tivesse probabilidade de subir.
Limoeiro – Tá, tá, tá.
Chico Bento – Na sua circular ele tem que apresentar um programa. Neste programa há de
definir as suas idéias...
Limoeiro – E o que tem as idéias com o programa , e o programa com as idéias? Não
misture alhos com bugalhos, tenente-coronel, e parta deste princípio: o programa é um
amontoado de palavras mais ou menos bem combinadas, que têm sempre por fim ocultar aquilo
que se pretende fazer.
Chico Bento – Porém cada partido tem a sua bandeira...
Limoeiro – Aqui para nós, que ninguém nos ouve, tenente-coronel, qual é a bandeira do
seu?
Chico Bento – A bandeira do meu é... Quero dizer...
Limoeiro – Ora eis aí! Está o tenente-coronel com um nó na garganta . Meu amigo, eu não
conheço dois entes que mais se assemelhem que um liberal e um conservador. São
ambos filhos da mesma mãe, a senhora Dona Conveniência, que tudo governa neste mundo. O
que não pensar assim deixe a política, vá ser sapateiro.
Chico Bento – O major fala como um pregador ex-cathedra!
Limoeiro – O rapaz portanto, não se apresentando nem por uma lado, nem por outro, fica
no meio. Do meio olha para a direita e para a esquerda, sonda as conveniências, e no primeiro
partido que subir encaixa-se muito sorrateiramente, até que, ainda este, ele possa escorregar para
o outro que for ao poder.
Chico Bento – Sim, senhor.
Limoeiro – Vai ver como as coisas se arranjam. (Assobiando.) Domingos? (Entra
Domingos.) Depressa papel, pena e tinta. (Domingos sai.) Sente-se o tenente-coronel ali naquela
mesa, e vá escrevendo o que eu for lhe ditando.
Chico Bento – (Sentando-se à mesa.) Pronto. (Domingos extra e põe o papel, o tinteiro e a