Quanto mais elas forem complexas, segredantes, tanto mais a análise se manifestará mais arguta, mais
penetrante, de um modo experimental, nu, amplo; e as mulheres, afinal, ficarão diante do artista, como
documentos palpitantes de uma dada natureza, provas flagrantes de paixões veementes, de desejos, de vontades,
de uma infinidade de atributos e qualidades radicalizadas na alma feminina e que o pensamento do artista
investiga, conhece, põe para fora, à toda a luz, como se expusesse, na presença do mundo, explicando a função
de cada um, os milhares de glóbulos de sangue que circulam no organismo humano.
A dor de tudo isso, porém, a pungitiva dor de tudo, é que o artista não pode, assim como todos,
espontaneamente amar.
Ele ama um golpe de luz, um olhar, a fascinação de uns cabelos quentes, a polpa virgem de uns seios, a
graça idealizante e alada de um sorriso, o talho vermelho de uns talhos frescos, o tom das elegâncias fidalgas
dessas Flores escarlates das Babéis de ouro, que passam na corrente das civilizações e na febre, no delírio dos
luxos fortes.
Vendo para dentro de si, como para o fundo de um mar prodigioso, ele domina com o olhar perscrutante,
inquieto, que apanha de pronto as situações, a maravilhosa ductilidade das mulheres, vendo também perfeita e
singularmente o que se dá dentro delas, as suas inquietudes, as suas paciências, os seus receios, os seus caprichos
inesperados, as suas volubilidades doentes e curiosas, as suas resoluções bruscas, os seus ímpetos de leoa, os
seus enternecimentos ingênuos e monocórdios, os seus momentos horríveis de crises hiper-histéricas, sem causa
determinada, sem assinalamentos de origem, mas assoberbantes, convulsos e que de repente cessam como
vieram, para tornarem ainda, mais desabridos e persistentes.
As mulheres, para o artista, para e estesia exigente, requintada, são apenas um elemento de sugestão
estética amoldável às necessidades artísticas do sugestionado. Elas falam, abrem-se mesmo ao amor em rosas
fecundas de sinceridade, dizem os ardores apaixonados, as recônditas sensações, a vida íntima dos eu afeto; mas
o artista as ouvirá, como artista que é, a frio, simulando interesse, formando já, mentalmente, com as palavras
delas, com essa confissão franca, pura e sentida, embora, verdadeiras páginas de emoção e estilo.
E, no entanto, ele as quererá amar muito, eternamente e sem reservas, abrir-lhes os braços ao amor, com
todas as forças másculas, vigorosas e livres de homem, com a firmeza mais casta dos carinhos e das ternuras,
estremecendo-as, idolatrando-as.
Mas, um ligeiro contato apenas, um leve roçar de lábios, um abraço desfalecido, murcho, algumas frases
balbuciadas materialmente, ao acaso – e aí estará de novo o mentalizado, o espiritual, descendo a investigações,
medindo cada gesto e cada olhar, inquieto, aflito com a expressão de um toque de luz numa trança de cabelos,
que ele quer levar para a sua Obra ou preocupado com o fino Sèvres que fulgurou uma noite em certo boudoir,
faiscando centelhas d’astro.
Contudo, quando esse luminoso torturado as vê descendo ou subindo os átrios claros de palácios festivos,
altas Walquírias de neve nas pompas orgulhosas das sedas que roçagam, como que fica preso, magnetizado por
aqueles aromas fluidos, vivendo na auréola majestosa do clarão que elas de si desprendem; e então, como na
cauda constelada e rojante, os fulgores sedosos levam aspirações, sonhos que ficam errantes e que quereriam
talvez subir ou descer, opulentamente, como as deusas resplandecentes, os mesmos festivos palácio de átrios
claros.
Entretanto, não é aí o amor, o sentimento que se manifesta ainda na alma artística; não é uma expansão
afetiva – mas uma verdadeira expressão d’arte, um desejo de posse, que logo invade as naturezas dominadoras,
altivas, onde as idéias predominam, atuando, fatais e intensas, nos fenômenos da Vida, os mais elementares
ainda.
O que excita o artista, seja nos átrios claros de palácios ou em toda a parte, é simplesmente a Forma, é toda
essa roupagem deslumbrante que faz as mulheres parecerem auroras boreais; o que lhe incita a pensar nelas, a
desejá-las, é a plástica olímpica, o onipresente esplendor das curvas cinzeladas, os mármores coríntios, o
alabastro dos corpos flóreos. . O que o surpreende, deixa atraído e fascinado é o ar gelado da carne alva das
loiras, que deliciam, o ardente sol tropical da carne tentadora das morenas, que cheiram a sândalo e matas.
Amar as mulheres, profundamente, com simplicidade, com singeleza, sem cuidados latentes de observá-las
a toda hora, com os mínimos detalhes, linha por linha, traço por traço, sem essa preocupação doente que as
exigências provocam, não é para a concentração, para a contenção nervosa dos falangiários da Arte, que, de
todas as coisas, querem arrancar o germe de que necessitam, o pólen que lhes é mister para a fecundação de sua
Obra.
A linguagem feminina, algumas fiorituras das frases passageiras constituem, de certo modo, um tecido
primoroso, os fios delicadíssimos com que a Arte contextura, urde a tecelagem da Forma.
Mas o desolado psicologista do Pensamento não as pode amar com intensidade e desprendimento
espirituais, sem as querer observar sempre, desataviá-las das plumagens garridas e ver-lhes, à luz , o que elas
sentem e pensam de nebuloso…
Por isso é que muito naturalmente, por intuição própria, elas percebem que não poderão jamais amar os
artistas, tendo até para eles uma repulsão como que instintiva e sendo mesmo indiferentes às suas solicitações
mais veementes e calorosas.