espreitar para a casa do vizinho, e, então, percebera distintamente que um homem violentava uma rapariga; e que
depois cessaram as vozes e só se ouviram suspiros e soluços abafados”.
O taverneiro depunha que: “naquela mesma noite, estando casualmente de passeio em Santa Teresa,
ouvira, ao passar pela casa onde então residia João Coqueiro com a família, uma altercação de duas vozes, na qual
se destacava uma de mulher que chorava, implorando piedade e suplicando, por amor de Deus, que a não
desonrassem” .
E tudo isso estava perfeitamente de acordo com que já havia declarado o Coqueiro. Dissera este que:
“nessa mesma noite se recolhera às três horas da madrugada, pois estivera até então em Botafogo, na companhia
de seu colega Firmino de Azevedo, e que, ao entrar em casa, ouvira leves gemidos no quarto da irmã e, chamando
por esta da varanda e perguntando-lhe o que tinha, ela respondera que - não era nada, apenas havia acordado às
voltas com um pesadelo; mas que ele, Coqueiro, apesar dessa explicação, ficou muito sobressaltado e ainda mais,
quando, depois de acordar a esposa, que dormia profundamente, e perguntar-lhe se houvera em casa alguma
novidade durante a sua ausência, lhe ouvira dizer que - até às nove horas da noite podia afiançar que nada
acontecera, mas que, daí em diante, não sabia, visto que, sentindo-se àquela hora muito incomodada, se havia
recolhido ao quarto com seu filho
César e, como usava água de flor de laranja para os padecimentos nervosos, supunha ter essa noite
medido mal a dose e tomado demais o remédio, em virtude do estranho e profundo sono que se apoderou dela até
o momento em que o marido a chamara. - Por conseguinte, das nove horas da noite às três da madrugada, Amâncio
e Amélia haviam ficado em plena liberdade”.
E mais: “que , no dia seguinte àquela noite fatal, Amélia não quis sair do quarto e que ele, indo ter com a
irmã e perguntando-lhe se sofria de alguma coisa e se precisava de médico, notou-lhe certa perturbação, certo
constrangimento e um grande embaraço na resposta negativa que deu; e que ela, todas as vezes que era
interrogada, fugia com o rosto para o lado contrário e abaixava os olhos, como tolhida de vergonha; e que,
examinando-a melhor, lhe descobrira sinais roxos nos lábios, nas faces, e pequenas escoriações no pescoço, nas
mãos e nos braços; e que , então fulminado por uma suspeita terrível, exigiu energicamente a revelação de tudo
que ase passara na véspera durante a sua ausência, e que ela, empalidecendo, abrira a chorar e, só depois de muito
resistir, confessou que fora violentada por Amâncio , mas que este prometera, sob palavra de honra, em breve
reparar com o casamento a falta cometida”.
Mme. Brizard confirmou o que disse o marido a seu respeito.
Amâncio, porém, logo que foi novamente interrogado, negou: 1.º - Que conhecesse as duas testemunhas
deponentes contra ele;2.º - Que em tempo algum houvesse sucedido o que elas afirmavam; 3.º - Que tivesse
empregado violência contra Amélia; 4.º - _Que fizesse promessa de casamento a quem quer que fosse e debaixo de
quaisquer condições. E confirmou: 1.º_Que em a noite, não de 16, mas de 2
o
de julho daquele ano, estabelecera
relações carnais com a queixosa; 2.º - Que nessa noite, permanecendo de pé o conchavo de uma entrevista
combinada entre eles, Amélia, logo que a casa se achou de todo recolhida, apresentara-se-lhe no quarto e aí ficara
até às cinco horas da manhã, sem mostrar durante esse tempo o menor indício de contrariedade, e parecendo, aliás,
muito satisfeita e feliz com o que se dera, como se alcançara a realização do seu melhor desejo; 3.º- Que de tudo
isso nada absolutamente terias sucedido, se Amélia não o perseguisse com os seus repetidos protestos amorosos,
com as suas provocações de todo o instante, chegando um dia a surpreendê-lo à banca do trabalho com uma
aluvião de beijos! Que não teria sucedido, se todos os de casa, todos!- o irmão, a cunhada, ela, o César, os
fâmulos, não concorressem direta ou indiretamente para aquilo, armando situações, preparando conjunturas
arriscadas para ambos, explanando ocasiões escorregadias, nas quais fora inevitável uma queda!
E Amâncio acrescentou, arrebatado pela correnteza de suas palavras:
- Nada disso teria acontecido, senhor Juiz, se me não desafiassem, se me não sobressaltassem os instintos,
atirando-a a todo momento contra mim; se nos não empurrassem um para o outro, com insistência, com
tenacidade, deixando-nos a sós horas e horas consecutivas, fazendo-a enfermeira ao lado de minha cama;
pespegando-a todos os dias, todas as noites, diante de meus olhos, ao alcance de minhas mãos, - enfeitada,
perfumada, preparada, como uma armadilha, com uma tentação viva e constante!
O delegado observou discretamente que Amâncio se excedia nas suas declarações; mas o auditório, na
maior parte formado de estudantes, protestava, atraído por aquela setentrional verbosidade que enchia toda a sala.
Rebentavam já daqui e dali, algumas exclamações de aplauso. E a voz do nortista, irônica e crespa no seu
sotaque provinciano, ainda se fez ouvir por alguns instantes, em meio do quente rumor que se alevantava.
- Ah! Por Deus! Por Deus, que bem longe estava ele de imaginar um fim tão dramático àquela comédia!
Bem longe estava de imaginar que, depois de o escodearem por tantas maneiras; já o fazendo chefe de uma família
que não era a sua; já lhe exigindo a compra de uma casa, exigindo vestidos, jóias, carros, dinheiro para despesas