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frias sobre elas se alevantam e se arqueiam obstando a que sofram de chofre as quedas de temperatura, tendas
invisíveis e encantadoras, resguardando-as...
Assim disposta, a árvore aparelha-se para reagir contra o regime bruto.
Ajusta-se sobre os sertões o cautério das secas; esterilizam-se os ares urentes; empedra-se o chão, gretando,
recrestado; ruge o nordeste nos ermos; e, como um cilício dilacerador, a caatinga estende sobre a terra as ramagens
de espinhos... Mas, reduzidas todas as funções, a planta, estivando em vida latente, alimenta-se das reservas que
armazena nas quadras remansadas e rompe os estios, pronta a transfigurar-se entre os deslumbramentos da
primavera.
Algumas, em terrenos mais favoráveis, iludem ainda melhor as intempéries, em disposição singularíssima.
Vêem-se, numerosos, aglomerados em caapões ou salpintando, isolados, as macegas, arbúsculos de pouco mais
de um metro de alto, de largas folhas espessas e luzidas, exuberando floração ridente em meio da desolação geral.
São os cajueiros anões, os típicos anacardium humile das chapadas áridas, os cajuís dos indígenas. Estes vegetais
estranhos, quando ablaqueados em roda, mostram raízes que se entranham a surpreendente profundura. Não há
desenraizá-los. O eixo descendente aumenta-lhes maior à medida que se escava. Por fim se nota que ele vai
repartindo-se em divisões dicotômicas. Progride pela terra dentro até a um caule único e vigoroso, embaixo.
Não são raízes, são galhos. E os pequeninos arbúsculos, esparsos, ou repontando em tufos, abrangendo às vezes
largas áreas, uma árvore única e enorme, inteiramente soterrada.
Espancado pelas canículas, fustigado dos sóis, roído dos enxurros, torturado pelos ventos, o vegetal parece
derrear-se aos embates desses elementos antagônicos e abroquelar-se daquele modo, invisível, no solo sobre que
alevanta apenas os mais altos renovos da fronde majestosa.
Outros, sem esta conformação, se aparelham de outra sorte.
As águas que fogem ao volver selvagem das torrentes, ou entre as camadas inclinadas dos xistos, ficam retidas,
longo tempo, nas espatas das bromélias, aviventando-as. No pino dos verões, um pé de macambira é para o matuto
sequioso um copo d’água cristalina e pura. Os caroás verdoengos, de flores triunfais e altas; os gravatás e ananases
bravos, traçados em touceiras impenetráveis, copiam-lhe a mesma forma, adrede feita àquelas paragens estéreis. As
suas folhas ensiformes, lisas e lustrosas, como as da maioria dos vegetais sertanejos, facilitam a condensação dos
vapores escassos trazidos pelos ventos, por maneira a debelar-se o perigo máximo à vida vegetativa, resultante da
larga evaporação pelas folhas, esgotando e vencendo a absorção pelas radículas.
Sucedem-se outros, diversamente apercebidos, sob novos aprestos, mas igualmente resistentes.
As nopáleas e cactos, nativas em toda a parte, entram na categoria das fontes vegetais, de Saint-Hilaire. Tipos
clássicos da flora desértica, mais resistentes que os demais, quando decaem a seu lado, fulminadas, as árvores todas,
persistem inalteráveis ou mais vívidos talvez. Afeiçoaram-se aos regimes bárbaros; repelem os climas benignos em
que estiolam e definham. Ao passo que o ambiente em fogo dos desertos parece estimular melhor a circulação da
seiva entre os seus cladódios túmidos.
As favelas, anônimas ainda na ciência — ignoradas dos sábios, conhecidas demais pelos tabaréus — talvez um
futuro gênero cauterium das leguminosas, têm, nas folhas de células alongadas em vilosidades, notáveis aprestos de
condensação, absorção e defesa. Por um lado, a sua epiderme ao resfriar-se, à noite, muito abaixo da temperatura do
ar, provoca, a despeito da secura deste, breves precipitações de orvalho; por outro, a mão que a toca, toca uma chapa
incandescente de ardência inaturável.
Ora quando, ao revés das anteriores, as espécies não se mostram tão bem armadas para a reação vitoriosa,
observam-se dispositivos porventura mais interessantes; unem-se, intimamente abraçadas, transmudando-se em
plantas sociais. Não podendo revidar isoladas, disciplinam-se, congregam-se, arregimentam-se. São deste número
todas as cesalpinas e as catingueiras, constituindo, nos trechos em que aparecem, sessenta por cento das caatingas;
os alecrins-dos-tabuleiros, e os canudos-de-pito, heliotrópicos arbustivos de caule oco, pintalgado de branco e flores
em espigas, destinados a emprestar o nome ao mais lendário dos vilarejos...
Não estão no quadro das plantas sociais brasileiras, de Humboldt, e é possível que as primeiras vicejem, noutros
climas, isoladas. Ali se associam. E, estreitamente solidárias as suas raízes, no subsolo, em apertada trama, retêm as