BRITO — Não compro mais coisa alguma, minha senhora. A senhora pensa
porventura que eu aceitei esta prebenda para ainda em cima arruinar-me?
FILOMENA — Quando se está em certa posição, não se deve fazer figura ridícula.
BEATRIZ — Noblesse oblige, papai.
FILOMENA — Não sei o que quer dizer ser ministro e andar de bonde como os
outros, ter uma casa modestamente mobiliada, como os outros, não receber, não dar bailes,
não dar jantares, como os outros, vestir-se como os outros.
BEATRIZ — É verdade. C’est ridicule.
BRITO — Mas, minhas filhas, não há ninguém por aí que não saiba que tenho
poucos recursos, que vivo apenas dos meus ordenados. A vida de um homem de Estado é
devassada e esmerilhada por todos, desde os mais ínfimos até os mais elevados
representantes da escala social. O que dirão se me virem amanhã ostentando um luxo
incompatível com os meus haveres?
FILOMENA — Se a gente for dar satisfações a tudo o que dizem...
BRITO — E olha que aqui não se cochila para dizer que um ministro é ladrão. O
que mais querem vocês de mim? Já obrigaram-me a alugar esta casa em Botafogo...
FILOMENA — Devíamos ficar morando em Catumbi?
BRITO — E o que tem Catumbi?
BEATRIZ — Ora papai.
BRITO — Sim, o que tem?
BEATRIZ — Não é um bairro como il faut.
BRITO — Obrigaram-me a assinar o Teatro Lírico e... camarote.
FILOMENA — Está visto. Havia de ser interessante ver a família do presidente do
Conselho sentada nas cadeiras.
BEATRIZ — Como qualquer sinhá Ritinha da Prainha ou da Gamboa... Dieu m’en
garde! Eu preferiria lá não ir.
BRITO — Obrigaram-me mais a ter criados estrangeiros de casaca e gravata
branca, quando eu podia perfeitamente arranjar a festa com o Paulo, o Zebedeu e a Maria
Angélica.
BEATRIZ — Pois não, são frescos, sobretudo o Zebedeu. No outro dia, à mesa de
jantar, mamãe disse-lhe: — Vá buscar lá dentro uma garrafa de vinho do Porto, mas tome
cuidado, não a sacuda. Quando chegou com a garrafa, mamãe perguntou-lhe: — Sacudiu?
— Não senhora, diz ele, mas vou sacudir agora. E começa, zás, zás, zás. (Faz menção de
quem sacode.) Quelle imbecile. Aquilo é que os alemães chamam — in Schafskopf!
BRITO— Até a minha roupa vocês querem reformar.
FILOMENA — Com franqueza, Felício, a tua sobrecasaca já estava muito sebosa!
BEATRIZ — Papai quer fazer a mesma figura que faz o ministro do Império?
BRITO — É um homem muito inteligente. Tem um grande tino administrativo.
BEATRIZ — Tem, sim, senhor; mas era melhor que ele tivesse um paletó
na razão
direta da inteligência. E depois, como come, Santo Deus! Segura na faca assim, olhe,
(Mostra.) e mete-a na boca até o cabo, toda atulhada de comida. Choking.
BRITO — Em compensação o ministro de Estrangeiros...
BEATRIZ — É o melhorzinho deles. Mas não sabe línguas.
BRITO — Estás enganada, fala muito bem francês.
BEATRIZ — Muito bem, muito bem, lá para que digamos não senhor. Diz monsiù,
negligè, bordó, e outras que tais.