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Por maior cuidado na condução das boiadas, transviavam-se algumas reses, outras
por fracas ficavam incapazes de continuar a marcha. Contando com isso, alguns moradores
se estabeleceram nos caminhos e por pouco preço compravam este gado depreciado que
mais tarde cediam em boas condições. Além disso, faziam uma pequena lavoura, cujas
sobras vendiam aos transeuntes; alguns, graças aos conhecimentos locais, melhoraram e
encurtaram as estradas; fizeram açudes, plantaram canas, proporcionaram ao sertanejo uma
de suas alegrias, a rapadura. No rio S. Francisco, desde a barra do Salitre até São Romão,
descobriram-se jazidas de sal na detenção de três graus geográficos, que preparado com
algum trabalho provou excelente. Graças a estas circunstâncias, formou-se no trajeto do
gado uma população relativamente densa, tão densa como só houve igual depois de
descobertas as minas, nas cercanias do Rio.
Perdeu assim os terrores a viagem do sertão, e cerca de 1690 havia antes motivos a
aconselhá-la. Um contemporâneo muito bem informado fala no preço altíssimo dos gêneros
estrangeiros, na depreciação dos frutos da terra, na menor feracidade do solo em
conseqüência do cansaço, nas limitações impostas à cultura do tabaco, “gênero fabricado
por pretos, por brancos, por forros, por cativos, por ricos, por pobres, de que todos em sua
qualidade se alimentavam e vestiam”, nos excessos do contrato do sal, na prepotência da
magistratura, na dificuldade de cobrar dívidas, no desenvolvimento anormal da mão-morta.
“Das fazendas, terras, lavouras e propriedades possuídas das religiões nem Sua Majestade
tem tributos, nem subsídios, nem ainda dízimos, nem as misericórdias, nem os hospitais,
nem as sés, matrizes e mais igrejas, nem as confrarias e irmandades, nem as pobres órfãs e
viúvas têm esmola alguma; só são úteis às religiões que as possuem e não a outra pessoa
alguma... Anualmente vão indo às religiões muitas propriedades, terras e fazendas, ou por
compra, ou por deixa, ou por herança, ou por demanda de pretensões de sessenta, setenta,
oitenta, noventa e cem anos, as quais em poder dos vassalos seculares eram sujeitas a
dízimos, tributos e mais pensões e incorporadas em religiões logo ficam isentas, e o pior é
que aquele tanto ou quanto que pagavam de fintas, tributos subsídios e outros impostos,
tornam a cair sobre os miseráveis seculares”.
Desvanecidos os terrores da viagem ao sertão, alguns homens mais resolutos
levaram família para as fazendas, temporária ou definitivamente e as condições de vida
melhoraram; casas sólidas, espaçosas, de alpendre hospitaleiro, currais de mourões por
cima dos quais se podia passear, bolandeiras para o preparo da farinha, teares modestos
para o fabrico de redes ou pano grosseiro, açudes, engenhocas para preparar a rapadura,
capelas e até capelães, cavalos de estimação, negros africanos, não como fator econômico,
mas como elemento de magnificência e fausto, apresentaram-se gradualmente como sinais
de abastança.
Se a Bahia ocupava os sertões de dentro, escoavam-se para Pernambuco os sertões
de fora, começando de Borborema e alcançando o Ceará, onde confluíam a corrente baiana
e pernambucana. A estrada que partia da ribeira do Acaracu atravessava a do Jaguaribe,
procurava o alto Piranhas e por Pombal, Patos, Campina Grande, bifurcava-se para o
Paraíba e Capibaribe, avantajava-se a todas nesta região. Também no alto Piranhas
confluiram o movimento baiano e o movimento pernambucano, como já fica indicado.
Sobre a extensão de terras ocupada pelo gado vacum oferece-nos dados positivos o
maravilhoso Antonil-Andreoni: “Estende-se o sertão da Bahia até a barra do rio de S.
Francisco, oitenta léguas por costa; e indo para o rio acima até a barra que chamam de
Água-Grande, fica distante a Bahia da dita barra cento e quinze léguas; de Santunse cento e
trinta léguas; de Rodelas, por dentro, oitenta léguas; das Jacobinas, noventa, e do Tucano
cinqüenta... Os currais da parte da Bahia estão postos na borda do rio de São Francisco, na