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XIV
O DIABO
Tinham metido tantas caraminholas na cabeça da pobre Luizinha, que a coitada, quando, às dez horas,
apagava a luz, metida na cama, vendo-se no escuro, tinha tanto medo, que começava a bater os dentes... Pobre
Luizinha! que medo, que medo ela tinha do diabo!
Um dia, não pôde mais! E, no confessionário, ajoelhada diante de padre João, abriu-lhe a alma, e contou-lhe
os seus sustos, e disse-lhe o medo que tinha de ver uma bela noite o diabo em pessoa entrar no seu quarto, para a
atormentar...
Padre João, acariciando o belo queixo escanhoado, refletiu um momento. Depois, olhando,
com piedade a pobre pequena ajoelhada, disse gravemente:
— Minha filha! basta ver que está assim preocupada com essa idéia, para reconhecer que realmente o Diabo
anda a perseguí-la... Para o tinhoso amaldiçoado assim é que começa...
— Ai, senhor padre! que há-de ser de mim?! tenho a certeza de que, se ele me aparecesse,
eu nem forças teria para gritar...
— Bem. filha, bem... Vejamos! costuma deixar a porta do quarto aberta?
— Deus me livre, santo padre!
— Pois, tem feito mal, filha, tem feito mal... Para que serve fechar a porta se o Amaldiçoado é capaz de entrar
pela fechadura? Ouça o meu conselho... Precisamos saber se é realmente Ele que quer atormentá-la... Esta noite,
deite-se, e reze, deixe a porta aberta... Tenha coragem ... Às vezes, é o Anjo da Guarda que inventa essas coisas, para
experimentar a fé das pessoas. Deixe a porta aberta esta noite. E, amanhã, venha dizer-me o que se tiver passado...
— Ai! senhor padre! eu terei coragem?...
— É preciso que a tenha... é preciso que a tenha... vá... e, sobretudo, não diga nada a ninguém... não diga nada
a ninguém...
E, deitando a benção à rapariga, mandou-a embora. E ficou sozinho, sozinho, e acariciando
o belo queixo escanhoado...
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E, no dia seguinte, logo de manhã cedo, já estava o padre João no confessionário, quando viu chegar a bela
Luizinha. Vinha pálida e confusa, atrapalhada e medrosa. E, muito trêmula, gaguejando, começou a contar o que se
passara....
— Ah! meu padre! apaguei a vela, cobri-me toda muito bem coberta, e fiquei com um medo... com um
medo... De repente, senti que alguém entrava no quarto... Meu Deus! não sei como não morri... Quem quer que fosse,
veio andando devagarinho, devagarinho, devagarinho, e parou perto das cama... não sei... perdi os sentidos... e...
— Vamos, filha, vamos...
— ... depois quando acordei... não sei, senhor padre, não sei... era uma cousa...
— Vamos, filha... era o Diabo?
— Ai, senhor padre... pelo calor , parecia mesmo que eram as chamas do inferno... mas...
— Mas o que, filha? vamos!...
— Ai, senhor padre... mas era tão bom que até parecia mesmo a graça divina...
XV
OS ANJOS
No atelier do pintor Álvaro, a palestra vai animada. Lá está o poeta Carlos, muito
aprumado, muito elegante, encostado a um buffet renaissance, sacudindo o pé em que a polaina
branca irradia, mordendo o seu magnífico Henry Clay de três mil réis. Mais adiante, o escultor
Júlio, amorosamente inclinado para a viscondessinha de Mirantes e namoradamente mirando o