Dolorosa angústia aperta a todos. Erra pelo ar, como se a alma daqueles crepes voasse pelo
ambiente, uma tristeza funda, tristeza espessa, que os sentidos sentem.
Súbito, do velho e enorme relógio de mogno, tombam pesadamente, uma por uma, doze lentas
badaladas. (36)
É a hora.
Valentim Faria de Sousa Lobato, no seu oficio de Porteiro Imperial, escancara as amplas portas
que dão para o aposento onde repousa o corpo da Imperatriz. O aposento, trescalante de
aromas, está florido como um jardim. Dentro, sobre largo estrado almofadado, recoberto por
finíssima colcha cor de pérola, jaz o cadáver embalsamado da Sra. D. Leopoldina. Loura,
plácida, vestida de grande gala, com todas as suas insígnias e fitões, muito esmaiada e muito
doce, um sorriso gelado no lábio, a Imperatriz repousa a cabeça, serenamente, sobre duas
vastas almofadas de seda verde e ouro.
Começa o beija-mão... O primeiro a atravessar aquela câmara, assim pungentemente enfeitada,
é o Príncipe Herdeiro, aquele galante e ingênuo principezinho de apenas um ano, que entra
carregado por José de Andrade Pinto, camarista de Sua Majestade: todo de negro, sem
compreender a grande desgraça, o órfão pequenino, o que vai ser, dentro em breve, o glorioso
Imperador do Brasil, beija, pela última vez, a mão da augusta Mãe. Pálida, sufocando os
gemidos, seguida pelo camarista José Alves Pereira de Ribeiro Cirne, entra a Sra. D. Maria da
Glória. E a leve, a graciosa rainhazinha de Portugal, branca e dolorosa, atira-se com desespero
sobre o cadáver de D. Leopoldina. Depois, seguida pelo Sr. Visconde da Cachoeira, a Princesa
Januária, num transe de nervos, põe-se a gritar, comovedoramente, em altos brados: "Mamãe!
Mamãe! Eu quero Mamãe! Acordem Mamãe!" E abraça a mãe com frenesi.
Diante do cadáver em grande gala, naquela câmara trágica, estranhamente decorada de verde
e ouro, começam a desfilar, hirtos e fúnebres, os altos personagens da Corte. D. José Caetano,
o Bispo-Capelão, resplendendo de sedas escarlates. A Sra. Marquesa de Aguiar, a Camareira-
Mor, com os seus gorgorões faiscantes de vidrilhos, toda debulhada em lágrimas. O velho
Mareschal, com os bigodões ornamentais, comovido como um menino. D. Francisca de Castelo
Branco, Marquesa de Itaguaí, dolorosa, os cabelos em desalinho, a abafar os soluços que lhe
borbotavam da garganta.
E o desfile continua, vagaroso, protocolar, repassado de emoção e de silêncio. E o Sr. Marquês
de Caravelas, rijo e austero, com o seu espadim de Primeiro-Ministro; é o Sr. Marquês de
Paranaguá, impecável, muito pálido, o lenço de seda negra afundado no peitilho da camisa; é o
Sr. Conde de Lages, os olhos piscos, forçando uma severidade que lhe custa; é o Sr. Visconde
de Inhambupe, sombrio e doloroso; é o arcado e encarquilhado Visconde de Cairú, com o
pescoço espremido num imenso colarinho de palmo...
No outro dia, noite já fechada, deu-se início ao enterro. Eram oito horas. Principiou o desfilar
daquela marcha fúnebre. Era um cortejo tétrico impressionante, quase bárbaro. À frente,
cavalgando cavalos árdegos, seis porteiros da Câmara carregavam insígnias e pendões. Em
seguida, uniformizados, com o barrete negro, orlado de arminho branco, vinha o sr. Corregedor
da Corte. E de lado a lado, em imensas filas, uns atrás dos outros, todos os Dignitários, todos os
Grandes do Império, todos os Cortesãos, todos os Criados da Imperial Câmara. Iam silenciosos,
fúnebres, enrolados na suas longas capas trevosas, montados em ginetes de luxo, recobertos
de mantas pretas, bordadas a ouro. Os criados de cada um, trajando libré de luxo, levando nas
telizes as armas dos amos, alumiavam com tochas aquele cortejo sombrio. Atrás do coche