Lembrava-me os combates navais das forças espanholas e portuguesas contra os
holandeses, especialmente o de 12 de setembro de 1631 em que Pater, depois de sete horas
de peleja, batido por Oquendo, abandonado da tripulação em sua nau presa das chamas,
preferiu à salvação, que tinha por desonra, uma morte gloriosa, e, envolvendo-se na bandeira
nacional, sepultou-se no oceano, único túmulo digno de um almirante batavo.
O istmo, os Fortes do Mar e de São Jorge, o antigo Colégio dos Jesuítas e o Convento de
São Francisco, recordavam a resistência heróica dos poucos que não abandonaram o seu
general na defesa da colônia, mas que afinal foram obrigados a ceder ao número.
Os edifícios em ruína ainda tinham gravados nos seus muros os vestígios do incêndio que em
1631 os holandeses lançaram à cidade, quando reconheceram a impossibilidade de
conservá-la e a necessidade de concentrar-se no povoado do Recife. Além, a várzea que se
estendia pela margem direita do Beberibe, semeada de quintas e de jardins, apresentava
ainda o sítio desse Arraial do Bom Jesus, centro da resistência heróica, com que durante o
espaço de cinco anos os pernambucanos fizeram esquecer por feitos e ações gloriosas,
dignas da idade homérica, um momento de fraqueza e temor na rendição da colônia.
Enfim, aquela solidão e silêncio testemunhavam a decadência de Olinda, que a fundação da
cidade Maurícia, mais do que o incêndio, apressara, sobretudo depois que a guerra civil dos
Mascates roubou-lhe, para dar à sua rival, a primazia como capital de Pernambuco.
E quando todas essas recordações tinham voado e revoado por meu espírito, interrogava os
muros do convento e os cômoros de pedras; como para arrancar-lhes o segredo de algum
fato interessante de que se perdera a tradição, ou a palavra de algum drama desconhecido,
que o coração naturalmente representara a par com acontecimentos políticos.
A guerra, o incêndio, a luta das raças, as revoluções, não passaram por ai sem o cortejo
infalível das paixões humanas. Os feitos de armas, as ações de heroísmo, o morticínio, o
crime e a virtude em suas enérgicas manifestações, deviam prender-se necessariamente por
um fio misterioso a alguma história de amor, ou a algum episódio de vingança.
Era justamente essa crônica do coração, esquecida pelos analistas do tempo, que eu pedia
àquelas rumas.
Quantas vezes não sondei esses destroços de alvenaria, essas paredes fluas, procurando,
nem sei o que, uma memória, um nome, uma inscrição, uma frase que me revelasse algum
mistério, que me dissesse o epílogo de alguma lenda que a imaginação completaria!
Mas o velho convento ficava mudo e impassível: os muros, levados pela chuva e pelo vento,
estavam descarnados; as pedras já não conservavam os vestígios da mão do homem; e a
eloqüência do silêncio, que plainava sobre o templo, dizia apenas a ruína.