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HELIO LOBO
ADVOGADO
SABRES E TOGAS :-a autonomia
judicante militar
RIO DE JANEIRO Tyr.
B
ERNARD
F
RERES
Hospício. 138
1906
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Esse conflicto, tenaz e gigantesco, entre o
direito, que é a liberdade, que é a egualda-de,
que é a fraternidade, e a lei, que, ás vezes, é
a oppressao, ás vezes o preconceito, ás vezes
o privilegio, tal é a luta que vos espera.
JOÃO MONTEIRO, Discursos, 1890-1896.
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A FERNADO LOBO
A ESTEVAM LOBO
Duas palavras
Seduz-nos, de ha muito, o Ideal para cujo triumpho pele-
jam estas linhas.
Esposamol-o brevemente, concisamente, algures. Desdobra-
mol-o, ampliamol-o, agóra,
Que se nos perdóe o enthusiasmo rude. Merece-o, e de sobra,
a grandiosidade da causa.
Juiz de Fóra, Junho de 1906.
HELIO LOBO
Do MESMO AUlCTOR :
DA UNIFICAÇÃO Do DIREITO PENAL, «Gazeta Jur/dica, S. Paulo, Março-Abril de 1905.
A CRIMINALIDADE MILITAR E A ESCOLA PENAL POSITIVA, «Revistaa Forenses,. Bello
Ho-
zonte, Abril-Maio de 1906.
CAPITULO I
Preliminares
La guerra è una dolorosa sopravvivenza: i
passuto la volte e Vamb; il presente la tollera
Vavvenire dovrà ripudiarla. Ma, inlanto, poichè le
apprensioni dl un domani cite potrebbe éster
molto vicino impongono la necessita delV esercito,
cerchiamo dl trame tutlo quel bene chè st puó.
Gll(0 KOSMINI, La funzione civile delV esercito,
Roma, 189G, pag. 64.
A segurança dos Estados e as pontas dos sabres. Demoslliencs. A guerra e
suas consequências. A intransigência de Hegel e a satyra mordaz do palriar-
clia de Feruey. fiam mu estonteante de apupos c de hosannabs. A linguagem
rubra de Ferrcro. Homero e Tnrqnalo Tasso. Uma consequência terrível ria
guerra. A judicatura militar e o luzir de cem mil bayonetas. O subrogado do
Krupp e o subrogado do Direito.
Acolhido na Hcllade por Demosthenes « a derradeira voz
da liberdade grega » o principio que repousa o Estado nas pon-
tas dos sabres « sobre as armas descança a segurança da Na-
ção » (1) rege, ainda, os povos modernos, fazendo brotar a guerra
com a precisão rigorosa d'uma lei physica.
Enchem-no, uns, de vitupérios infamantes. Cobrem-no, ou-
tros, de explosões doudas de palmas. Da intrasigencia tacanha de
Hegel deparando na guerra uma « foa moralisadora », á satyra]
mordaz de Voltaire encontrando na Táctica l'art tíégorger son\
proehain e conjugada ao platonismo elegante da ramificação
mais sympathica do socialismo de agora, a gamma de applau-
sos, de apupos, de ódios e de enthusiasmos fora infinita. Ao lado
da litteratura pacificadora, collocar-se-ia a sobriedade flexuosa de
um Anatole France. Junto da linguagem escaldante e rubra dum
Guglielmo Ferrero, a explosão subitanea de bombas a Vaillant.
Num élo indissolúvel com a clarividência superior d'um Raoul de
(l) DEMOSTUENKS, Harangues politiques, trad- Stievenart, Paris, 1861, pag.
H (Discurso sobre as reformas publicas).
-10 —
la Grasserie, a pesquiza severa de philosophos como Comte,
Liltré, Spencer. Num mesmo hosannah a feitos legendários, Ho
mero e Tasso episodiando façanhas immortaes I
Canto 1'armi pietose, e /' Capitano Gliê
7 gran sepolcro libero di Cristo...
Ao lado de Ihering, de Novicow, de Tarde...
Não deletreemos paginas de tamanha magnificência. Não
indaguemos nomes d'um vivo tão empolgante, filies, nomes e
paginas, commentain consequências da guerra, repellem ou accei-
tam a luta. Sonham, os mais abnegados e justos, com um Direito a
[ se edificar, um Direito que, hoje, assenta nos parques d'artilharia..«
Nós também, d'um remanso modesto e timido, commentamos
consequências da guerra. Uma só, egualmente terrível. Mas, não
devaneamos com um Direito platónico, com uma Lei sem sanão,
c
om uma norma desengastada de Códigos. Pelejamos pelo trium-
pho da juridicidade, dentro dos artigos de um Código. Queremos
que a lei julgadora dos quartéis seja efectivamente uma Lei...
Illacão da guerra, a judicatura militar, não a tem chorado
tantos cérebros audazes. Estando dentro do Direito porque possúe
rceres e cellulas, está fora do Direito porque tem como lemma —
o luzir de cem mil bayonetas. Commental-a-emos nós.
E é, irrecusadamente, uma sobrevivência da guerra. Vive ali-
mentada por cila. Não existe somente quando as fanfarras eston-
teadoras cobrem de sons o espaço, após a parábola das balas encher
de cadáveres o solo. Projecta-se ainda nas eras tranquillas da paz,
onde continua a erguer, em juizes, soldados, onde continua a go-
zar de favores legaes estranhos áquelles que se não alistaram nos
pelotões em marcha...
Ha Lei e ha Lei.
Essa, de que falam os scientistas do direito militar, assim
construída, tornando o fórum um irradiar rebrilhante de galões,
de Lei carrega o nome. Conduzindo-a dos campos da batalha,
o Direito abandonou-a nos muros das casernas, nas praças der-
mas dos coiraçados, nos polygonos de tiro. Deixou-a um subro-
gado do Krupp.
Urge retiral-a d'ahi. Urge edifical-a— um subrogado da
Justiça.
Como '?
Partindo-se de uma reforma basilar, essencial, indispensável:
11
a suppressão da autonomia militar repressiva, entregando-se o
soldado ao regimen pleno do direito commum.
II.— A Reforma eas casamatas espessas. kComopolii jurídica e a Federação
Universal, Sthoper.hauer e o patriotismo. A politica dos rolhamos e as confe-
rencias de Haya. Roosevelte a concórdia das nações.
A Reforma não diminuirá o atroar retumbante das casamatas,
espessas... Nas linhas do combate, o soldado. Nas ramificações
da Justiça, o legista.
Para ura futuro remoto, sob cujo pallium extraordinário fôr
uma realidade sublime aquella Cosmopolis Judica que recebeu de
João Monteiro os mais esplendidos alicerces; sob cuja advocatura
estupenda se verificar aquella Republica Universal antevista para
uma éra tão distante que o génio de Gumplovicz não hesitou em
lhe oppor a fórmula desalentadora da luta das raças, erigida em
lei perpetua da Historia: sob cujo império não mais subsistir aquella
forma do sentimento humano que Schopenhauer denominou a
mais tola das paixões (1) para esse futuro remoto, com o der-
radeiro sibilar da bala apagar-se-á o derradeiro alento do direito
militar...
Hoje, porém...
Hoje, a politica dos cothurnos e as aspirações á paz univer-
sal geram espectáculos insólitos: em meio dos votos e das con-
ferencias de Haya, em meio dos protestos d'amor e fraternidade,
atulham-se arsenaes, abarrotam-se esquadras. E, estranha, bi-
zarra, reflectindo o quadro singular, a figura de Roosevelt, ao
mesmo tempo que approxima homens separados pelo estrugir do
canhoneio, nas bandas do Oriente, confiando na concórdia das
nações — The brotlierhoid of na t tons is no cmpty phrase (2)
faz branquejar á flor d'agua, nas enseadas da grande União do
Norte, vultos imponentes de milhares de coiraçados...
Para esta feição da vida social c que se alçará aqui o Direito.
Paz, emergência da luta, luta:eis o circulo onde elle tem a
gyrar. Se as classes armadas se o dispensam nestes tristes dias
cumpre extrahir delias todo o bera possível.
E a Reforma que alvejamos resolve-se num bem incal-
culável.
(I) RIDOT, La Philosaphie de Schopenhauer, Paris, 1888, pag. 14. (3)
Jornal do Commercio de 15 de Dezembro de 1905.
12 .
Bem,— cuja trilha já tantos palmilharam... Correm-lhe ao encalço
juristas de vários matizes, profundos psychologos, artistas.
Seguir-Ihes-emos os rastros.
III.— A norma jurídica c as Artes. Wagner e Jo Maria de Here Edmond Pica rd,
romancista do Direito, e Pedro Lcssa. Rubens. Rafael. Vercstchan eo Kai-
ser. O romance, como base de estados sociaes. Garofalo c tteuouvier.
Artistas ? !... Criticas as mais despiedadas atiram-se áquelles
que collocam, ao lado da austera questão jurídica, duas harmonias
de Wagner ou quatro versos de José Maria de Heredfa.
Para taes censores, nós, escrevendo estas linhas, incorremos
em desagrado. Não importa.
Os que idealisam o Direito á guiza d'um monumento hirto,
frio, impassível, regado pelas prescripções sórnas de Cor- I rèa
Telles ou Lobão, mutilam-lhe o conceito. O Direito vive na
variedade formigante dos phenomenos sociaes, alfirmou o jurista
belga, no campo, como na cidade, no Palácio da Justiça como fora
delle, diremos mesmo, em todas as formas rutilantes da Arte no
romance, na pintura, na esculplura, na musica...
No romance, o seu representante genuíno, encarna-se em o
talento peregrino de Edmond Picard: confessou-o, um dia, entre
phrases d'oiro, Pedro Lessa, perante a Faculdade de Direito de São
Paulo (1). A pintura, a musica... Quanta conquista para a socieda-
de, quanta lição para os homens, num trecho dos Mestre» Can~
tores, num traço de pincel de Rubens, numa palheta de Rafael,
num quadro de Vinci 1 Já não quero dizer da acção das obras do
Passado, quanto ao Passado, reliro-me aos ensinamentos que ellas
legam aos vindoiros.
Sonho ou devaneio ? Mas olhae para o edicio da paz que
aprumou, o morto do Petropavlovsk : os quadros de Verestcha-
gin constituem a mais tenaz propaganda em prol da Lei, porque
são a copia fieldos horrores selvagens da guerra. Elle, soldado
artista, usara de sua arte para ensinarão mundo a verdade acerca
do soldado (2). Ninguém melhor do que elle exprimiu a crueza das
batalhas, o furor das carnificinas hediondas (3). Pois bem: este
^B 0) Dr. PEDRO I.KSSA, Discirno proferido por occasiõo da coUaçâo de yr/io,
aos bacharelandos de li'O li. Revista da Faculdade de Direito de S. Paulo, IV,
1896, pag. 32S.
(2) The American Monthly Iteoiem o[ /leviews, May, 1904, XXIX, pag. 5*5.
(3) Ver, na Itevue de Deux Mondes, 1896, Fevereiro, um estudo sobre a pio"
'ura das batalhas, de Henry Houssaye.
13
artista icomparavel, que morréo a morte tantas vezes por elle
pincelada, ao expor as suas telas, nas quaes relatava a campanha
napoleonica, ao Imperador Guilherme, ao Kaiser, ao prototy-po
preclaro da caserna, ouvio-lhe as palavras consoladoras: quadros
como estes o a melhor garantia contra a guerra Picture» like
these are our best guarantee agirut war (I).
Ao demais, no valer-se de citações retiradas á Arte, ?ob qual-
quer de suas formas, está um preceito de orientação mental,
senão uma simples norma de probidade litteraria. Nenhum mal ha
a decorrer das citações, se se adoptarem os conselhos de um cére-
bro qual odeEmilio Faguet ao apadrinhar pensamentos d'outrem :
on gagne leu trois quarta de ta vie à se dispcnser de lectures
linutiles...
Da leitura d'algumas obras boas, jurídicas e não jurídicas,
brotaram estas folhas. Quem prescindirá, em terrenos sérios de
indagações sociaes, e portanto jurídicos, do romance, da no-
vella, do conto em prosa ou verso sob a face rigorosamente scien-
tista d'agóra ? Garofalo confessa ter achado na obra de Dos-
toiewsky « a psychologia mais completa do crimins (2), e Char-
les' Renouvier, a prevalecer a lição d'um escriptor indígena (3),
affirma haver mais psychologia nos grandes romances de Tolstoi
ou do auclor do << Crime e Castigo », mais profunda psychologia
na questão Crainquebille, do que em certos tratados de psycho-
physique ou de psycho-physiologie que fai eu Coccasion de par-
courir...
IV.— o eterno tuucher« Farmée e o desalento legal. Adolpho Roussel e a inércia
acabrunhadora do Fausto. Pessimismo no terreno do Direito. Vadalà-Papale.
Não pervaguemos por esses atalhos extasiantes.
Forremo-nos aos seus encantos.
Endireitemos pela estrada real. Elles nos attrahirão a seu
tempo.
E, aproando em cheio para o nosso termo a luta contra a
justa militar, qual esta se offerece aos povos hodiernos po-
nhamos de parte desalentos e cobardias. 0 eterno toucher à l'ar-
mêe a que allude Corre não mais atemorisa como noutros tempos
(1) The American Monlhbj ftevicw o/' Iteuiems cil., pag. <>W.
(2) GABOF.VLO, La criminoloyie, Paris, 1888, pag. 74.
(3) ALONSO GUAYANAZ DA FOXSKCA, Da unidade do Espirito Humano Rio 1905
pag. 20.
14
a não ser em certos paizes nos quaes o brilho de uma dragona
supplanta as lettras de um Código...
Escriptor autorisadissimo, Adolpho Roussel (1) pronunciou
estas palavras de estertor agoniado ao se transportar da justiça
criminai ordinária á justa militar : helas! detcendons de ces hau- I
teurs pour nous occuper tf une inttruction crin.inelle exceptionelle
spécialemcnt applicable aux militaires, et règlant let formes d
poursuites à áiriger contie eux...
Não é, porem com intercadencias descoroçoadoras, com ex-
clamações afflictivas que se soerguem, refreando arbítrios, normas
jurídicas.
Tudo, menos a inércia, o mal dos males, O
que mais vexa a dignidade humana (2).
O pessimismo tem também entrada em terrenos do Direito.
Contra elle poz-se em guarda, algures, Vadalà-Papale (3). Ado-
ptemos-lhe o exemplo revigorante e Tapamos do direito militar
aquillo que elle deve ser, desde que o não podemos, ainda, elimi-
nar : levantemol-o sobre o minimum possível de sacrifícios legaes,
sobre o maximum de Justiça !
(1) ADOLPIIB KficssRi., Encyclopédie du Uroil, Bruxellas. 1871, pag 273.
(2) PAU>TO, liail. Castilho, quadro V, geena 1.*
(3) VADALÀ-PAPALE, 11 pessimismo dei secolo e la patologia soe tale, na in
vista Italiana per le Scicnze Giuridiehe, diretla da F. Schupfcr e fi. Fusinato,
XXIX, 1900, pag. 305.
CAPITULO II
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O Surto da Reforma
Date a quclla parle deWcsercilo, la qaale rel-
ia, le garansie di eui te nostre legai lo privano;
rendele, per cos) dire, civile qucslo eiereito, »on
eereaie di iiolarlo con leggi speciali n> COM |
Iribuuati eccesionali* i úuali toglicndolo dal di-
{
rilto comune, ne fauno un corpo, che liou poleie,
nè douele diilaccare dalla nasione.
Discurso de Crispí no Parlamento ilaliano.cin 1870:
ARTURO HRI CHI. I Tribunali AJtlitnrt e la Seiensa
dei Diritto Criminale, Siena, 1890, pag. 151. *
I.O Estado, apparelho militar e diplomático, O direito militar, em género. O
dirtito penal militar. Dualismo penal. digos e tribunaes da caserna, au-
nomos. A escola innovadora. A unificão c a soppressAo da judicatura guer-
reira.
Exacto, o jzo de Beaulieu acerca do Governo, e pois, do Es-
tado :—um apparelho militar e diplomático (1).
D'onde, a existência das foas armadas, permanentemente
mantidas com o duplo fim de defenderem, por um lado, as insti-
tuições, e por outro lado, a independência da pátria (2). Donde,
a origem do direito militar, definido por Orlando il sistema dei
principi che regolano 1'attioità dello stato per il raggiungimento
dei suo fine difemivo (3) e cuja sancção penal se realisa por in-
termédio da justiça criminal militar ou direito militar repressivo.
Afigura-se este, a iiluslrado jurista (4) como « o conjuncto de
disposições que indicam quaes os factos contrários ás leis penaes
militare ou, ainda, « o systema de dictados tendentes a manter ri-
gorosamente, por meio de efficaz intimidação, a subordinação, dis-
(1) I.Enov-BKAUUEu, VÊlal Moderno et sei fonetiom, Paris, 1891, pag. 99. (t)
PIETRO Vico, Diritto iíilitare. Enciclopédia di Diritto Penale italiano de
Pessina, XI, 1903-1904, pag. 3.
(3) 2. BBICITO, htituzioni di Diritto MUilare, Torino, 1904, pag. 3.
(4) JOÃO VIEIRA DE ARAÚJO, Direito Penal do Exercito e da Armada, Rio,
1898, pag. 43.
16
ciplina e obediência milhares ». E' a «lei ordinária do exercito, que
rege a todos que formam parte delle, tanto na paz como na guerra»
(1), que sujeita as classes armadas «a jurisdicçóes e a penalidades
especiaes, afim de assegurar |>or uma regulamentação estreita e
severa, a manutenção d'uma exacta disciplina » (2), que governa o
soldado in peace and in var, at hotne oná abroad (3),—a « parte
da sciencia do direito penal que estuda as violações da ordem ju-
rídica militar e as correspondentes sancções penaes » (4).
Assim considerada na unanimidade das nações modernas, a
lei militar ou a justiça militar confessa-se anómala e excepcional
em seu duplo aspecto:—quanto ao fundo e quanto i forma.
Amala quanto ao fundo, porque tem sempre exigido códigos es-
peciaes, peculiares ás classes armadas, com figuras particulares
de infracção. Excepcional quanto á forma porque faz sentir o sen
império por meio de tribunaes extraordinários, distinctos dos tri-
bunaes communs, com preceitos e formulas derogatorias do direito
ordinário. «Justiça militar quer dizer, ler um código de penas para
as infracções do dever militar ou crime militar; ler tribunaes or-
ganisados que conheção da violação tio dever, appliquem as penas e
dém a execução a sentença » (5).
D'ahi, abraçar a terminologia—justa militarnão os prin-
pios de direito substantivo, como também de direito adjectivo.
Dahi a necessidade de se examinar o militarenco yuidizio (6) em
todas as suas manifestações, alim de se avaliar o grão supremo de
desacertos que o desiigurant tanto aos olhos do Direito. A' tal ne-
cessidade, corresponde a pesquiza recente dos estudiosos da ma-
téria, ao lançarem elles suas vistas para as duas pliases de uma
questão:
d.° Juslifica-se a existência de um código especial para as
classes armadas ou deve este ser fundido num corpo com o có-
digo penal ordinário?
(1) AMÂNCIO AI COUTA, La* Garantia» Constitucionales, Iiuenos-Ayres, 1897, pag-
13*.
(2) A. WILUELJI, Commentaire des code» de Justice Maritime et Militaire, Paris, 1897,
pag. 15.
(3) Manual o/" Military Lãw, (War Ofllre), 1899, rcprinled 1903, pag. 1.
(*) 1'lBTftO Vlco, Diritta Penal» Aiilitare, cit , pag. K.
(5) THOMAZ ALVES JÚNIOR, Direito Militar, Rio, 1806. II. pag. 130.
(6) EMÍLIO BRUSA, Delia Guiltisia Penal» Ecceuonale ad oecaaione delia {presente
diltatura militare, TorillO, 1894. pag. 50.
17
2Fundamenta-se rasoavelmente a jurisdição militar especial
ou deve ella ceder o lugar á jurisdicção ordinária? (1).
Duas phases de uma só questão, effectivamenle.
A escola innovadora, a que nos filiamos, prega a Unidade no
direito penal: unidade de organismos legaes—códigos e tribunaes
indistinctos para paizanos e militares.
Mas, attingido o termo rulminante—a suppreso desse arre*
medo de Justiça dos quartéis—a unificação de leis substantivas
será uma questão de tempo.
Por isso, guindámos á face deste livro as palavras que lhe des-
cortinam o cerne:—Sabres e Togas: a Autonomia Judicante Militar.
II.— A Reforma c a pesquiza recente dos estudiosos. Misoneismo accomraodaticio e
grosseiro. A floresta legal. Ulysses e Kobinson. Legomania, Virgílio e a insânia do
fdro. Trop de lois. O império da força. A luz italiana.
Sim:—a pesquiza recente dos estudiosos.
Realmente, só nos tempos modernos o direito militar repressivo
se despio dos os sagrados que o encobriam'. nos tempos mo
dernos a judicatura da caserna encontrou extrenuos adversários,
inimigos irrecopciliaveis, possuídos de orientação segura e firme.
Acceita universal e tacitamente, não via oppugnadores: tinha, por
escudo, o valor inatacável de um dogma. Exigência justa e legi
tima, não se lhe discutia o fundamento, não se lhe pesavam os do
tes. Direito especial, cimentavam-no supremas raes de Estado e
severos motivos de ordem politica. Era quanto bastava para que nin
guém o pozesse em duvida. Transmiltida de jurista a jurista, a
justa militar não merecera, sequer, a altençãodas escolas que ex
ploram o direito criminal nem para formularem suas normas regu
ladoras nem para indagarem de sua suprema razão de ser (2). Tan
to alcançava a força da hereditariedade, o império do habito que
se revolta contra quaesquer innovações, tornando soberana a lei da
nercia cerebral e sem peias as exigências do preconceito. Miso-
ineismo accommodaticio e grosseiro, medindo o merecimento d'uma|
idéa ou d'um facto, o mais singelo, pela cauda de annos que elle
arrasta, o decantara Mephisiopheles (3) qual fraqueza rbida
no organismo animado do Direito: I
(1) AMÉRICO LECCI, La pena di morte nella legiilacione militare, Roma. 1891,
g- » „ . .
(2) BRDGHI, / Tribunali Militari, etc, Cit., pag. 3.
(3) FAUSTO, trad. Castilho, quadro V, se. III.
18
"'*' ...Herdam-se e lestam-se Leis e
direito», taes e quaes te côam De bisavôt a
avós, de pacs a filhos' O sangue eivado, a
tysica, as alporcas. Não ha mudar, não ha
progresso...
Mas, felizmente, o profundo movimento de remodelação que
sacode o planeta, fazendo-se echoar, também, até as lindes dos
phenomenos jurídicos, vale por um brado consolador contra essa
espécie de marasmo que entibia e supplantaas maiores energias. E
os ataques, os golpes, os assaltos que ha soifrido, de poucos annos
a esta parle, a judicatura militar, multiplicando-se espantosamente,
attestam, bem alto, o ardoroso enthusiasmo com que os escriptores
se lançam á luta, alinhando á luz do sol os vicios tremendos que
alberga o pretório fardado.
E não é que, pugnando contra este, contra a sua organisação
disforme e falha, se deva concluir pelo abandono do soldado entre
o ensarilhar das Mausers e o rufo das caixas de guerra, falto das
garantias que concede a balança. Fora irrisório raciocinar assim,
desde que a sociedade não medra sem a justiça, e portanto o sol-
dado não vive sem a Lei. Thelaw is everywhere (1). A legenda d'a-
quelle saxão que se arriscara era pleno oceano, livre de direitos e
de impostos, fluctuando na região onde não attingem os soberanias
territoriaes, seria impraticável se não traduzisse sonoramente o
triumpho da norma jurídica. Ulysses sonha por abandonara ilha da
deusa Calypso mais deleitosa terra que as terras de Chanaan «onde
o leite e o mal correm em ribeiras », para aportar á Ithaca saudosa,
correndo, assim, atraz de direitos e de cousas imperfeitas. Ro-
binson prefere, ás florestas gigantescas, floresta mais gigantesca i
ainda, venerável e augusta,—a floresta legal, sob cujas ramadas
magestosas o homem vive, opprimido até mesmo, ás vezes, quando a
soberania da lei se transforma em insânia da lei,—mal terrível que
solapa umas tantas republicas latinas. Quero dizer do excesso da le-
galidade, da legomania,U\o nefasta quanto a sua anlithese a ille-
1
galidade, a negão da Justiça, a postergação da regra jurídica. E
Virgílio, que Spencer imitou, sem duvida, ao trar as paginas bri-
lhantes que a cultura graciosa da França compendiou nas três pa-
lavrastrop de lois (2)—aponta o alarido afanoso e férreo do pre-
(1) LIRBEH, Manual of Politicai Ethici, Philadcpllia, 1892.1, book 11, pag. 99. (!)
Falamos de SPENCER, Essais de Politique,Iria. ISudeau, Paris, 1901.1.
19
rio, como fario tristíssimo da Cidade e de cujo decreto se en-
contra immune a tranquiilidade do Campo
JVec férrea jura
Insanumque fórum aut populi tabularia (1).
O soldado não pôde prescindir do jugo legal. Mas jugo legal
que é garantia, que é segurança, e jamais aquelle que se converte
em menoscabo, em previlegio, em oppressão. Jugo legal que é
jugo do cidadão, que não estadea frangalhos de Justiça em cunhe-
tes de cartuchame, que não celebra o império da força immode-
rada. Se a xima do Direito, no dizer do ex-calhedratico de Goet-
tiogen descança entre a espada que brilha inconsciente e a balança
que peza, allumiada, como entregar á espada a mão que sustenta
a balança? Tanto, fora rasgar a omnipotência da lei pela supre-
macia do sabre! Vede o pungente espectáculo que tão grandes
applausos ha recebido: ao centro, a Justiça vae decidir o pleito.
Nos pratos da balança, quasi julgada a causa. Mas que! ELIes
descem, obedecendo á inspiração que lhes dirige as oscillôes,
á direita. No lugar da Justiça,o sabre julgou. Creado para ampa-
ral-a quando necessário, elle substitue-lhe a tarefa grandiosa de
sentencear. Vassallo que se submette, faz-se soberano que or-
dena. Triste emergência da vida humana, esta que logra o apoio
dos próceres da liberdade I
111.A orientação da Pensula. A Allemanha. Carlylc e o luar transcendental da
lerra deSchelling e Fichte. A Itália, pátria do direito criminal. Jettalurae
Máfia. Escaramuças contra a justiça militar. Tácito e a eattrentit júri*-
diio. A direão syslemalica da campanha e a terra de Carrara.
Contra ella, pom, refulge em irradiações estupendas, a lão
que dimana da formosa terra italiana.
Porque foi da Itália quepartio o ataque ao velho preconceito,
foi da Itália que brotou a escola innovadora; alli, a judicatura mi-
litar topou, em cheio, com tremenda contradiria. Considerada como
de inelutável necessidade para a caserna, sem o que não seria
possível a arregimentação de exércitos e esquadras, a autonomia
militar repressiva se demonstrou, sob o escalpei lo bil deeximios
juristas, de absoluta incapacidade para os fins colimados. Disse-
cada cuidadosamente num trabalho penoso que a perspicácia de
(1) A. Pien.\NTONi, G/t avvocati diJIoma anlicu. 19'00.
20
Lucchini e Bruchi soube dirigir, comaram então a surgir-lhe, á
vanguarda, criticas frequentes e vivazes, sem que, no emtanto, a
pátria de Carrara perdesse a dianteira no estudo do grande thema.
E é curioso ver como essa primazia o a disputa a Alle-manha
moderna, cujas lições tão bem sabe divulgare ampliara península
italiana. A ella, á Germânia, a direcção incontestada, a supremacia
que se lhe não pode negar. « Roma da actualidade >> dissemos um
dia «é ella quem dieta todo o movimento jurídico hodierno». Não
obstante em relão á seita reformadora, tanto quanto nos é dado
stippôr, a Germânia não forma á frente das mais generosas idéas.
Porque, assim? A rasão esta em que, se a Allemanha de hoje
não mais exporta os devaneios com que se extasiava—« le$ revê-
ries philosophiqucs et sentimentales »nas quaes enlrevio o sar-
casmo de Carlyle, o clair de lime transccndantal (I), ella, ninho
inegualavel das metaplrysicas de Schelling e Fichte, o con-
segue supplantar a Itália no combate ã actividade malfazeja. Sob
os os que presenciaram as hecatombes do Vesúvio, medraram a
camorra e a máfia. Terra do mal àechio e da jeltatura, é, com égua
direito, berço e e do crime. Alli surgiram os nones irrefra-
graveis da « nova escola ». Dalli pontificou ao mundo o cathedra-tico
assombrante de Pisa. A' Itália, ninguém ousará refutar a gloria
sua:—pântano do sangue, soube ensinar o meio capaz de puri-
flcal-o e deseccal-o. No solo italiano, «a pátria do direito cri-
minal» (2).
o se cuide, no emtanto, que a justiça militar se tenha man-
tido, até a reconstrneção italiana, immune de criticas, isenta de
censuras. [Não. Tácito falara das justiças dos campos, presu-
midas falhas dintrigas, sempre simples e expeditas, sem as subti-
lezas do foro: Credunt plerique militaribui ingeniis subtilitatem
deesse, qitia castrensis jurisdictio secura et obtusior, acpluramanu
agem, calliditatem fori non exereeat (3).
O testemunho de Tácito frisa bem a natureza das duvidas ar-
guidas aos tribunaes de guerra e sua edade secular. Mas, verdadei-i
amento, os assaltos que ha supportado a lei criminal militar rece-
beram certa feição systematica e elevada sob o descortino da es-
cola italiana. Até aqui, eram golpes soltos, sem uma direcção se-
(1) TAINE, Vidêalisme anglais. Paris, 1884, pag. 8.
(2) TARDE, La Philotophie Pénale cit., pag. 44.
(3) TÁCITO, In Agrícola, IX.
2i
gura, sem um critério gico superior. Buscavam mais ferir de-
terminadas manifestações do juizado da caserna, que esse próprio
juizado,—não frequentemente attingido, em sua ossatura, pelos
v
otos da critica.
E* licito avançar, mesmo, que a applicão da lei penal do sol-
dado, fora dos seus limites, como, v. g., sua extensão ao mero
paizano, formou a porção mais explorada pelos juristas, —juristas
cuja especialidade quasi sempre ciosa das garantias individuaes |
analysavao theraa pela su i face constitucional e não pela sua feição
restrictamente penal. Quero dizer: contesta vam-se, de preferencia,
attribuições da justiça militar, á justiça militar em si.
Na Itália, ao inverso, a obra dos tratadistas é completa, in-
cidindo, de animo deliberado, sobre o ponto relativo a scicncia
criminal.
Colhamos alguns exemplos.
CAPITULO III
A Reforma e o Occidente
« II faut regarder dans le tourbillon confus de la
vie aves ce memo esprit imagina tir avec leqnel Vinci
conseillait a ses disciples cVobserver les taches de mu-
railles, le cendre dn foyer, les nuages, les ranges et
dautres objets de cette espere pour y trouver inven-
zioni mirabilissime et infinile cose.
fimRiF.LLK D'ANNIINZIO, Le Feu, trad. Hcrell
Paris, pg. 23.
I.— Guerrilhas.
Guerrilhas, em recontros fugazes, levando a confusão e o
desbarato á pseuda justiça dos acampamentos...
II.— Koma, O rum Romano eo culo XX. Esphinge. Uma lei militcr aunoma ?
Unas seitas opposlas. Perteculioprópria eperiecutio commtmis. Como se
conciliam as divergências.
Em Roma ?
Vezo banal, esse de colher no Fórum romano, in&truccões
de puro Direito endereçadas ao século XX...
Vezo avantajado. Problema eterno, conforme o querer de
Carie, é, também, Roma, o nascedoiro d'onde defluem os códi-
gos cultos, ou, segundo a locução do pranteado Contardo Fer-
rini, d'onde derivano la loro sostanza icodici moderni (1). Nas
linhas geraes dos corpos legislativos «vencem as prescripções de
Justiniano, mesmo n'aquelles que as legiões romanas não
conseguiram supplantar:ma il diritto romano governa ancora il
mondo, dilata il suo império e regge perimo quei popoli ger-manici che le
legioni romane non avevano saputo soggiare».
Mas Roma é, por muitos títulos, a Esphinge...
Não possuio, certamente, um código repressivo pertinente ás
(1) CONTARDO FERRINI, líanuale di Pandeltc, Milano, 1904. pag. 4.
28
classes armadas. Possuio, porém, uma jurisdicçfto militar autó-
noma ?
A controvérsia, neste particular, não encontrou um termo,
ainda. Engravece, de mais, a difliculdade da solução almejada,
reflexão de acatado tratadista: o problema da administração
da justiça penal romana é um dos mais obscuros (1).
Assim, de um lado, allegam uns que o direito romano, em
consequência da própria constituição « retém Urme até o extremo
o principio de concentrar nos seus magistrados todos os poderes
cuja união o interesse publico admitti(2).Uistesto pretore,
c/te pubblicava íedilto annuo come legislalore, reggeva guutizia
e comandava cl bisogno te armate (3). Em idêntico sentido, João
Vieira de Araújo, após averiguar que, em assumptos relativos á
existência ou inexistência da justiça militar romana «os susten-
tentadores de uma e outra opinião adduzem argumentos e invo-
cam leis, torcendo-lhes as palavras e alterando-lhes, ás vezes, o
sentido, em sustentação das próprias theses », escreve que, qual-
quer que fosse a legislação justineanea,« é certo que antigamente,
os militares não estavam sujeitos á jurisdicção militar senão em
tempo de guerra (4). E Wilhelm, commentando as leis francezas
de terra e mar, é de parecer que, se o povo romano podia escapar,
menos que qualquer outro, á necessidade de sujeitar o soldado a
penalidades e a jurisdiões especiaes, não ha exemplos de uma
codificação a tal respeito, ao menos até Justiniano, ficando, além
disso, abandonada á imaginão inventiva dos chefes a variedade
dos supplicios (5).
Por outro lado, não é falha de prozelytos a opinião em prol
do organismo penal militar romano, distincto do commum. Sem
falar na escala das penas próprias do campo « onde o arbitrário
era a essência da legislação militar » (6), os romanos gozaram de
lei penal autónoma, referente aos crimes e ás penas militares. Tal
o ensinamento de Viço, em sua opulenta monographia :—tanto o
crime, como a pena, como a jurudictio revestiam caracter anor-
mal. A lei justineanea fala que a persecutio è aut própria aut
(1) MAVKZ, Court de Droit Iiomain, Bruxelles, 187G, 1, pag. 59.
(2) VISMAIU, Vaveocalo dei eoldato di terra e di maré, Milano, 1877, pag. s.
(3) IBIDEM, pag. 5.
(4) Joio VIEIRA DE ARAÚJO, Direito Penal do Exercito 6 da Armada, bit», pag. 40.
(5) WILHELM, Commentaire dei Codee de Justice Maritime et Militaire, eit., pag.
IS.
(6) BVARISTO DE MORAES, Contra oe artigos de guerra! Capital Federal, 1808,
24
ommuni*, d'onde se legitima a conclusão de que—« quanto á in-
fracção militar, a pena, o processo e a jurisdicção são especiaes
(persecutio própria), em confronto com a pena, o processo e a
jurisdicção ordinária (persecutio communis)(I). Tal a lição do
nosso Paula Pessoa:—«Era excepcional lambem a jurisdicção mi-
litar entre os Romanos. As causas eiveis ou criminaes dos solda-
dos eram julgadas pelos magistri mUitutn, os comités e ot duces,
sob as ordens dos quaes se achavam os soldados. Esses oftlciaes,
tendo a classe dos spectabiles, o appello devia ser levado diante
do Imperador » (2).
Onde a verdade ? Afigura-se-nos que taes pareceres se con-
ciliariam em torno de um mesmo ponto:—só nos últimos tempos
do Império, afora a época de guerra, Roma teve uma jurisdicção
penal própria aos militares e separada do direito commum. E' o
ensino dos mais entendidos no assumpto, daquelles que estuda-
ram o problema de perto, qual Carcani (3): qualunque fosse la
legislazione sancita da Giustiniano a questo riguardo, i certo che
anticamente i militari non erano toggetti alia giurisáizione mi-
litare che in tempo di guerra.
Gonciliar-se-iam, escreveu-se. Gonciliar-se-iam se se inves-
tigasse o problema a fundo na historia social e jurídica de Roma.
Não tentamos a tarefa. Nem figura, aqui, do escorço imaginado,
uma linha sequer. Fora um exame exhaustivo, estranho aos moldes
d'este trabalho.. Primeira a se enfrentar, a organisação militar ro-
mana,—o excepcional que, conforme a phrase incisiva de Iheríng
(4) chegava a determinar as formas fundamentaes do Estado:
Roma era um acampamento permanente (5), tinha disciplina até
na maneira de pilhagem (6). Depois, a decadência do elemento
militar, subordinando-se este aos poderes civis, passando a ser
uma instituição nas mãos do Estado (7). A par d'essa evolução, a
justiça dos soldados exercida pelos reis, os tribunos, ou cônsules,
o dictador, o prefeito do pretório, etc. (8). Contornar-se-ia
(1) PIF.TRO Vico, Dirillo Penale Militare, cil., pag. 13.
(2) PAIXA PESSOA, digo do Processo Criminal, Rio, 1882, pag. 21, nota 50.
(3) CARCANI, Dei reati, delle pene e dei giudizi militari preito i Romani, no
Jornal da Commercio de 19 de Novembro de 1905.
(4) IHERÍNG . L'esp> ii du Droit Jlomain, Irad. Meulencere, Paris, 1884,1, pag. 248.
(5) IBIDEM, pag. 247.
(6) -MONTESQUIEU, GrandtuTit Decadente des Romains, Paris. 1884. pag. 1*
(7) IHERÍNG, Veiprit du Droit /tomai», cil, I, pag. 354.
(8) Dictionnaire militaire, par vn comité dei officiers de toutes lei armes.
Paris, 1898* verb. Justice Militaire.
25
o instituto do imperium, o seu enervamento pelas autoridades or-
dinárias da cidade ; veríamos o rum em frente ás legiões, a
provocatio, a obrigação dos generaes de, nos crimes em que cabia
esta, enviar o culpado a Roma para ahi responder a novo processo
(1), e toparíamos, em cheio, coma legislação justineanea ofere-
cendo margem a profundos estudos, confusa, desordenada, cui-
dando de preceitos regulamentares de -caserna de envolta com me-
didas relevantes de direito judiciário, num tumulto lamentável e
grosseiro (2).
Empreitada, essa, á cuja rea li sacão nos acovardámos. De
resto, rebuscam-se, agora, alfinetadas frechando a dualidade no
organismo penal. E mais ferina, mais agilhoante do que esta, fora
impossível atirar-se áquelles que só ideaIisam,paraos delictos dos
exércitos, ti-ibunaes luzentes d'espadas:—em phase determinada
da vida romana, em período longo e brilhante da existência do
povo guerreiro por excellencia, o soldado se subordinava aos ma-
gistrados criminaes ordinários!
111.- Legislações modernas. Typos de códigos.
Em as legislações contemporâneas ?
Em preza convinhavel, a de se irmanarem, em ries de cara-
cteres idênticos, os paizes actua es, sob o ponto de vista do direito
militar repressivo. Convinhavel e, alem disso, justilicada theorica-
meute, porque se a própria arte militar diverge de nação a nação,
não menos profundamente divergirá o sentimento jurídico con-
densado em typos definidos. Mas as guerrilhas (e o são, as (Veste
capitulo) não obedecem a planos preconcebidos, traçados em redor
d'uma mesa verde ou no silencio d'um gabinete de trabalho. Di-cta-
as, o momento. Não tem norte. Insinuam-se pelas tortuosi-dades
do terreno. Pontilham de lances inesperados, pidos e temerosos,
a campanha, sumindo-se aqui para surgirem acolá) ágeis,
irrequietas, terrives...
Apreciemos alguns moldes.
(1) BOUF.VNTE, Sloria dei Dirilto Jlomano, 1903, II i la no, pag, 111.
(2) Ver para estudos, entre outros, LADOUI.AYE, Enai tur les Lo is Criminei-les
des ttomaint. Paris, 1845; CARCANI, Dei reali, delle pene e dei giudizi mililarí. presso i
vomttni rit.
26
IV.- A 1'niio Americana. O IMIÍO aos exercito* permanentes. As franquia» indivi-
duae* e H «orles marciacs. Soldados e paianns. A justiça miliiar. ramo do
Executivo. Marshall c oi com montadores.
Formando o capitel da soberba construcção erguida pela li-
berdade contra a tyrannia, abraçam-se, num amplexo forte, a
Inglaterra e a União Americana. Nesses dous povos
occidentaes, em I cujas terras se ha erigido a mais extraordinária
das barreiras á violência,—fonte na qual vão beber ensinamentos os
sacerdotes da Justiça bem comprehendida :—a constituição
britannica,—« o melhor modelo que o mundo jamais produzio
» (I), « a melhor constituição existente» (2) e sua irmã g»
,
mea,
a obra dos pro-homens do Norte, aquella que passa por ser, na
phrase de Seaman (3) «a mais perfeita de quantas se tém redigido
para o governo das nações » aquella que permanece acima de todas
suas coirmãs escriptas.pela sua insophismada excellencia—it rank»
abore everu other written constituiion for lhe intrinsic exccllcnce of
it» scheme, it* adapta-liou to lhe circwnslanccs of lhe pcople, lhe
simplicity, brevity, and precision of itt language, it$ judiciou*
mixture of definiteness in principie with claslicily in details (4) ;
nesses dous povos, intensa ha sido a lula de restricção de poderes
á lei militar. E' sufllciente acompanhar a historia relativa aos
exércitos permanentes nesse ramo saxão para se avaliar da
prevenção com que alli se crearam os corpos arregimentados. Os
Estados Unidos herdaram da Inglaterra as desconflanças d'esta
contra tudo que era força publica e sua regulamentação como meio
plausível de oppressao para o povo e de perigo para o futuro das
instituições livres {!>). E 6 precisamente em ambos os Estados
mencionados que maior empenho ha desenvolvido a questão das
prerogativas dos tribu-naes militares em face do simples cidadão.
Na Uno Americana, a lei militar reveste a mesma
feão dos demais paizes occidentaes, restricta em sua
orbita de acção, tanto que, mesmo em tempo de guerra, ha
exemplos de sentenças civis corrigindo excessos das cortes
marciaes. Os interpretes mais au-torisados da constituição não
cessam de proclamar as franquias
(1) HAMILTON, in E. 8TEVENS,£e* tources de la Constilulion dos I?'lals-l?nis,
trad. Vossion, Paris, 1S97, pag. 46, nola.
(2)
1 lllll KM.
H
(3) JOÃO BAMUMIO, Con$lituição federal Brasileira, Conunenlarios, Itio.
1902, pag. 6.
ti) JAMES BHTCI, The American Commomoealth, Loudon, 1890, I, pag, 23. (5)
ANCIO ALCOHTA, L Garanti Conttitueionale», cil., pag. 128.
A1C
3
77
— 87
individuaes em face dos tribunaes guerreiros, accordes, todos,
em sobrepor, aos caprichos dos clarins, a soberania das cortes de
justiça ordinárias. Certo, á maneira do direito estrangeiro reco-
nhece-se a necessidade de um direito repressivo peculiar aos
quartéisithas been found alrimbte amonng ali eivilitetl nations
to separata lhe mililary and naval from lhe civil aulhoritg of the
governement (1).
No emtanto, essa separação das duas jurisdieções, a militar e
a civil, tem de respeitar as garantias consignadas no texto fun-
damental, cingindo-se ás medidas rigorosamente precisas a ma-
nutenção das forças, porquanto, è certo que, na linguagem dos
commentadores—regra geral se faz, aquella que subordina os mi-
litares, em tempo de paz, estrictamente, ao poder civil, bem como
em tempo de guerra, excepto no theatro das operações :—general
rule tlial the mililary in limes of peace musl be in stricl subor-
dinalion to the civil power and in times of war algo, except on
lhe thcalre of warlike movimenls (2). Todas as noções de liber-
dade civil e do que é mister para mantel-a, herdámos da Ingla-
terra, escreve um publicista do Norte (3); começámos nossa car-
reira de governo independente com este lemma: o poder civil
deve ser absoluto sobre o poder militar; este deve sempre ser tido
como agente d'aquelle, sujeito, em qualquer tempo, ás suas ordens
(4). E' que bem pezam na terra de Washington as exigen-I cias da
liberdade individual. Alli, se o soldado pose o seu código e os seus
tribunaes, jamais alcançará eximir-se da liscalisação das leis civis :
tornal-o responsável exclusivamente perante as cortes marciaes
equivaleria a acatar a sua completa irresponsabilidade, ensinam os
esc.riptores— render lhe soldier irresponsible, ar, what comes to
thesame thing, answerable only to the militar;/ law...
(•;.)•
Verdade seja, o paiz yankee, em se tratando do pprio campo
do direito militar—o soldado de um lado e a lei mi li lar do outro
sem cuidarmos do paizano perante esta, não offerece alguns dos
'lj JOHN IIBDHIIMIX. ConslilutionalLcgislation in the Unileã States, Isíi 1 , pig. 501.
(2) Cooi.Br, The General Principies of Constitulional Law, pag. 148,cap. VII.
(3) Veja o Informe do Dr. Jnsi: Maria Moreno perante a Corle Suprema Argentina,
apresentado em i4 de Maio de 1873 como defensor de alguns militares implicados na
revolução de Setembro de 1874; AMÂNCIO ALCORTA, Las Garantias Consti-lueionnles cit.,
Apêndice, pag. 361.
(4) IBIDKM, pag. 362.
15) IÍAIIE, American Conslilutional Lam, 1889, pag. 937.
— 28 -
mais perfeitos exemplos apontados pela doutrina. A repressão, é
certo, assenta em os mesmos fundamentos doutros paizes: no
caso Dynei v. Hoover ficou consignado que o Congresso tem o
poder de legislar sobre o processo e as penas dos crimes militares
e navaes por meio de Conselhos de Guerra, segundo a forma pra-
ticada pelat nações civilisadas (t), e nos commentadores se en-
contram sempre justificativas á autonomia militar repressiva. Em
a famosa questão ex-parte Miíligan, a que nos reportaremos mais
tarde, os juizes da suprema corte deixaram lançadas essas
razões:—the discipline neccssary to the cfficiency of the army
and navy required other and swifter modes of trial than the fur-
nished by the cotnmon law courts (2). De accôrdo com ta es pre-
scripcões, surgem desvios lamentáveis de lei, como aquelle pro«
fundamente indefensável de se vislumbrar na justiça das cortes
marciaes uma simples derivação da justiça dita administrativa,
mera funcção do executivo :—lhe power to punish military and
naval offenses is distinct from the power to define judicial powers
Cò).
A guarida que alli abriga os interesses individuaes é, porém,
superior ás próprias dictaduras. Se o código militar (ou os artigos
de guerra) merece o acolhimento do paiz, não o recebem os des-
pauterios delle, os abusos inconfessáveis a que chega em algu-
mas nações e que tão formidável dique depararam na corte supre-
ma em vários turnos. Mas isso se investigado a seu tempo. Con-
tentemos-nos, por agora, em reconhecer que, assente o principio
de que os crimes dos militares formam lei especial — cases arising
in the land and naval forces are excepted from presentment and
indictment and right of trial by Jury (4) a regularisação delles
decorre do artigo da constituão que dispõe sobre as forças (S) —.
The laws for disciplining must involve penaltics and every thing
necessaryfor enforcing penalties (6). E Marshall, o interprete ma-
, 11 OSVALDO MACNASCO, Códigos Militares dela llepublica Argentina, Kuc-
nos-Ayres, 1895, Informe de la Comisión, pag. 7.
(2) STORT, Commentariei on the Constilution of United States. Boslon.
1891, I.
(3) DESTV, Federal Procedure, S. Francisco, 1899, I, § S.
(4) IBIDEM.
(5) PASCAL, Constiluciõn de los Estados Unidos, trad. argentina de Quiroga,
1888, Buenos Ayres, § 381.
(0) ELLIOTS, Debates on the Federal Constilution, Philadelphia, 1901, V, pag.
465. Congress may prouide for the trial and punishmenl of military and naval
offenses by courts marital, without referente to the judicial powers of Govern-
ment: Robert Oesty, The Constilution of the United States, S. Francisco, 1887,
pag. 100.
29
ximo, o «homem que fez mais pelo direito politico da União Ame-
ricana do que osauclores da sua constituição» (i) vae a affirmar
que um Governo « que possue o largo poder militar », que « pôde
crear e manter a marinha », que « pôde fazer regulamentos para
a organisação e administração das forças de terra e mar», tem
poder para punir o delicio commettido por um marinheiro a bordo
de um vaso de guerra onde quer que esteja surto esse vaso. E
accrescenta : « é uma proposição que nunca foi nem se contes-
tada neste Tribunal » (2).
V.A Inglaterra. A historia dos corpos armados. Tentativas para creacjto ''
e
Dl
*>*
lei militar na paz. Mutiny Act. A prorogacão delle. Protestos. O soldado
fora da Cominou Law e o perigo disso decorrente. Civis. O caso de Wall.
A Inglaterra, paiz de tradições seculares onde acima da
ppria Lei es o Direito, o costume, tanto que Emilio Boutmy,
relativamente á organisação militar, ensina que texto algum a defl-
ne como prerogativa gia (3), —acceitou em seus terririos a ins-
tituição dos exércitos permanentes, cercando-a de peas e rest ricções
reguladoras da actividade perigosa d'estes, já tão brilhantemente
discutida pelos auctores inglezes.
A historia dos corpos armados lestemunha-o de sobejo (4).
Formadas as primeiras foas permanentes sob Carlos II, em 1663
(5)— a Inglaterra vio-as augmentar successivamente, encontrando,
então, como garantia da submissão ao poder civil, o Mutiny Act
que, «votando-se mutualmente obriga a reunir o Parlamento,
também annualmente, sem que gasto algum se possa fazer a não
ser votado por elle » (6). Hoje, o Mutiny Act e os artigos de guer-
ra fundiram-se no Army Act, que egualmente carece ser posto em
vigor annualmente is brought into operation annually by a sepa-
rate statute (7).
<l) RUY BARBOU, n O Direito, 58, pag. 385.
(2i MARSHALL, Decisões Constilucionaes, trad- de Américo Lobo, Rio, 1903.
pag. 88.
I
(3) iíoUTMV, E'tudes de Drail Conslitulionel, Paris, 1888, pag.27.
(4) Ler 0 cap. IX do cil. Manual of Mililary Law— hislory of lhe militury
forces of lhe crown, pag. 188.
(o) ANCIO ALCORTA, Las Garantias Constilucionales, cit.. pag. 87. H
'6) IBIDEM, pag. 88.
(7) Manual of Mililary Law, cil., pag. 1 : The Army Act hus of ilself no
forcei bui requires to be brought into opp.ra.lion annually by anollter Act of Par'
liment, liais securing lhe eoiutilutional principie of lhe control of Parliamenl
over discipline requisite for lhe governmenl of lhe army, Ib., pag, 18.
- 30
Não consignaremos as tentativas emprehendidas para creação
de uma lei militar na paz, antes da decretação do primeiro Mutiny
Act: ilkgal altempts to enforce military Ittw in time of\ pcace.
Um bosquejo rápido do que foi este, constitui *o depoimento
mais completo da diffidencia com que os homens da Inglaterra
encaram a lei militar autónoma, a demonstração mais cabal da
verdade d'aquelle preceito que enxerga, na Albiou, « o povo dos
ódios contra os exércitos permanentes O jurista argentino, auetor
de um dos mais volumosos tratados sobre o direito penal militar,
que infelizmente, não lográmos alcança r( 1), conta, com palavras
resumidas, os origens do Mutiny Act. Nâo será ainda agora que
havemos de desprezar suas lições.
Após a deslhronação de Jacques II, o exercito, que perma-
necera ao serviço do Parlamento, se sublevou, sendo Ipswich o
tneutro do motim militar. O sentimento publico exaltou-se in-
tensamente sobresallado com o levante que punha em foco os
temidos perigos que a permanência das forças militares offerecia.
«O perigo para as liberdades inglezas foi immens disse Sarmien-
to», mas a energia do Parlamento foi bastante para apartai-o ; em
uma única sessão, sob a inspiração do santo amor á liberdade o
Parlamento sanecionou a mutiny law, a lei do motim, creando os 1
conselhos de guerra, applicando, sem remissão, a pena de morte
aos militares amotinados, e dando assim origenfá jurisdião militar
na Inglaterra ». A lei do motim, fazendo considerar: que o levante
e a manutenção de um exercito permanente no Reino-Unido da Çrã-
Bretanha e Irlanda em tempo de paz, a menos que se não faça
com automação do Parlamento, são contrários á lei; que é in-
dispensável á segurança e subsistência de um corpo de exercito
que nenhum homem possa ser exposto em vida ou submettido em
tempo de paz a espécie alguma de pena imposta pela lei marcial
ou por outra qualquer maneira que não o julgamento dos seus'
eguaes e segundo as leis conhecidas e estabelecidas no Reino
que, sem embargo disso, os soldados que se amotinem, commet-
tam sedição ou desertem ou sejam culpados de crimes ou offensas
em prejuízo da boa ordem e da disciplina militares, fiquem passíveis
de um castigo mais exemplar e mais rápido do que o determinado
nas formas communs da lei; concilie por conceder ao soberano
autorização para formular artigos de guerra para governo
m AMÂNCIO ALCORT*. Cõdiíjos MilitariKCea colaboración), c vot 81-
1882.
81
do exercito, não sendo a eíles subordinados senão os militares
apontados na lei.
Votada por um anuo tan dicil era dominar las praticas
aceptadas,esta lei foi prorogada successivamente nosannos pos-
teriores, até hoje, escreve Alcorta, em que se acha reduzida a uma
formula « que el Presidente tomete ai Parlamento en su primcra
sesión, y con una volacion unanime sin debate, se passa á la or.
den dei dia » (1).
Jamais, passou, entretanto sem protestos essa lei excepcional.
Allegou-se que ella collocava o soldado fora da common law,
acostumando-o a uma obedncia passiva, perigosa aos direitos dos
demais cidadãos que ella pretendesse considerar em égua es cir-
cumstancias,—além de constituir, nas os do soberano, um poder
discricionário (2). O primeiro protesto surgioem 1717, repetindo-
se em 1721 e em 1732. Fischel avançou mesmo que não são as
cautejas do Mutiny Act, nem a vigilância dos tribunaes, que im-
pedem, a um exercito organisado fora da lei do paiz, de reagir contra
esta (3).— De resto, ouve-se que a Inglaterra não tem tido ne-
cessidade « de meios coercitivos especiaes ao exercito ».
Por isso mesmo que as supporta com penoso sacrifício, a Grã-
Brelanha busca sempre encurtar os passos ás cortes de guerra.
Paiz de lutas gigantescas, cuja historia « é rica de factos, de
revoluções politicas, religiosas, e ecomicas, de lutas tremendas
de castas e de classes » (4), poderia estar afeito aos arreganhos das
leis militares. Mas, ao em vez d'isso, mais e mais se educa no res-
peito ás liberdades asseguradas pela Common Law. O soldado
escravisa-se ao direito commum e somente se subordina ás cortes
marciaes naquillo que for de rigorosa excepção legal. Cortam-se.
lhe as azas a quaesquer desmandos—o que não significa, aliás, es-
tar a organisão penal ingleza escoimada de alguns abusos ou de-
feitos. Quem ignora, ao investigar estes assumptos, do caso famoso
do governador Wall? Wall, governador de uma ilha na costa da Afri-
ca, em 1782, mandaraoutar a um soldado chamado Armstrong, por
indivíduos negros após uma reclamão destes, apoiada por rios
camaradas. A vicliina, em consequência das 800 chibatadas que lhe
(1) AMÂNCIO ALCORTA, Las Garantias Conslilucionales, ril., pag. 109-110.
(2) lmiiKM, pag. 110.
(3) VISMAIU, /.'avvocalo dei soldato, cil-, pag. 14.
(4) ANGELO MURATORI e TONQUATO GIANNINI, LO Slalo d'Assedio ed i Tribuna li
Jlilitari, 1894, Firenze, pag. 15.
32
foram applicadas, morréo no hospital. Pois bem: vinte annos após]
esse acontecimento, em 1802, Wall, sujeito ás auctordades judi-
cantes civis foi condemnado e executado. O caso se resumia em se
saber se o delicio imputado ao soldado era estrictamente militar, e
o tribunal ordinário, negando que se lhe amoldasse esta quali-
lidade, deu a sentença, baseado em que a autoridade militar não
tinha jurisdicção alguma no caso. Isso, duas dezenas de annos de-
pois do crime (1).
Em outros paizes, as sentenças militares estão acima dos jul-
gados civis. Chega-se, até, ao extremo de proclamar que «as forças
armadas ficam fora e acima das constituiçõe. Na Inglaterra, o.
O militar, se tem uma lei sua, tem-na grilhetada ao minimo de
injuridicidade. é, esse, um grande passo para a abolição com-i
pleta do organismo penal pprio da caserna. E' lição valiosa para
muita gente que deseja sempre alargar o âmbito das attribuições
dos conselhos de guerra. A s mesmos, brazileiros, aproveita a
lição, nós que ha bem pouco tempo quizemos lançar ao jugo dos
tribunaes militares, meros paizanos, mplices de militares em
motins poticos,— nós que possuímos como código penal da ar-
mada—uma das maiores deformidades de toda a nossa vida de-1
povo livre I
Ciosa da estricta observância de suas franquias, a Grã-Breta-
nha desconhece até a lei marcial segundo o falar de um jurista,
pois que a repudiou, qual é conceituada no continente, do seu
organismo jurídico. E, nos momentos mais terríveis de convulsões
internas, jamais vilipendiou a magestade da lei civil. Os livros dos
seus historiadores dão-nos mostras disso, em numero eloquente
para se esmagarem aquellas eras nas quaes a espada poude calcar a
Justiça. «Durante a restauração, sob Carlos II», escreve o snr.
Ruy Barboza (2) «não obstante a severidade reservada para com
os adherentes da Republica, durante a reacção de Jacques II e o
estabeleciraeuto de Guilherme de Orange, não obstante as cruel-
dades provocadas pela invasão do pretendente e a revolta irlan-
desa, apenas se encontraram entre os processos políticos (siat
trials) quatro sentenças proferidas em tribunaes militares. E
numa delias, a de Wolfe Tone, comquanto a condemnação fosse á
morte, um dos altos tribunaes civis do Reino, o Court ofKing's
(l) Jnforme do Dr. José Maria Moreno, cit., pag. 362: Manual of Military Law, cit., pag.
183.
(1) ROT BARBOZA, a'O Direito, 58, pag. 426.
— 33 —
Bench concedeo ordem de luibeas-corpiut, ordenado ao shcriff
que assumisse a guarda do preso e não consentisse na execu-
ção» (1).
VI.— A Itália. Misticismo. A indignação de Lucchini. O opúsculo de Bruchi Tribu-mes
militares, de existência constitucional contestada. Justiça guerreira, legitima porque
é necessária. Projecto no Parlamento para sua exlineçito.
Na Itália, o debate que levantou a judicatura militar, repe-
tindo-se cada vez que se ventila a questão dos tribunaes de guerra,
esteve verdadeiramente emocionante logo após a execução do sol-
dado Misdea. A expressão misdeismo permaneceo, mesmo, na te-|
clinica altestando o complexo de phenomenos rbidos desenro-
lados nos dramas do quartel, como diz o professor Caetano An-
giolella (2) e tivemos occasião de escrever (3). Misdea fora
um soldado mão, epiléptico, com todos os caracteres dum caso
palhologico, e que, n'um accesso derradeiro, fuzilara vários com-
panheiros de quem se julgava inimigo, atirando e matando-os
acoutado n'uma dependência do quartel. Foi, apezar de ser um
degenerado, executado pelas armas. O sentimeuto publico abalou-
se com o caso. Surgio, então, em meio da discussão, o maior pam-
plileto, o mais vehemente protesto erguido contra os juizes mili-
tares, a descripção mais negra dos horrores legaes que esconde a
vida arregimentada. Luccbini, sobraçando a obra sua, cujo titulo,
só elle, bastava para lhe determinar os fins colimados (4), surgio
em campo, feroz de santa indignação, espelhando o sombrio da
execução, pela madrugada, pincelando ardorosamente, com
precisão inegualavel de analyse, com rigororismo de observão
inexcedivel, as chagas com que se perverte o Direito dentro das
paredes das companhias de guerra e apontando, na jurisdicção
especial do soldado, o maior, o mais odioso de todos os privilégios
cu) che di piit odioso e di pià incivite si possa dare.
Annos depois, a disputa offerecia uma feição mais syslema-
__________ i
(1) E'patente que, na Inglaterra, aule a consideração da ameaça á liberdade,
on"uscam-se*quaesquer outras razoes contrarias à permanência das classes armadas e
d'entre cujo numero se destaca a relativa á sciencia económica, explorada lucidamente,
aliás, na Itália, por Emílio Camous e material isada na formula— o exercito permanente
consome, mas nilO produz •—Veja B. Camous, VEiercito edil problema eco-nomico-
sociale in Itália, Firenze, 1892.
(2) CART.I.NO ANfiiO[.Ki.i.A, Criminalità e ptieoii nei militari, 'La Scuola Posi-\
Uva' de Enrico Ferri, 1901, vol. II, serie II; pag. 472.
(3) Veja a Revista horenec, lie Bello-Horizonte, 1906, vol. V., pag. 261.
(4) I.UIGI I.UCCIIIM, Soldati deliquenti, Guidici e Carnefiei, Bolonha, 1884.
12
tica, merecendo um exame mais completo. Sentia-se que a indi-
gnação que erguera a penna de Lucchini, flammivoma e ardente,
cedera a vez á calma da sciencia que não condemna somente, mas
que raciocina, pesa e sentencea; Bruchi escreveo sua excedente
monographia nessa occasião de calmo estudo, rica de bons en-
sinamentos, preciosa, extenuante. Elle manejou o assumpto com
toda a destreza de consumado jurista e o fez de tal arte que, ainda
hoje, o trabalho do grande escriptor é considerado como o mais
formidável combate ás exigências da lei militar repressiva (1). A
mão do mestre corre parelhas, ahi, com o brilho crystallino das
sãs idéas.
E não nos detemos em relatar as criticas menores jogadas ao
instituto da judicatura militar. Elias ecclipsam-se ante o fulgor
adamantino d'aquella dirigida por ambos os juristas. Excusa, por-
tanto, relembrar que a existência dos tribunaes militares ha sido
contestada pelos mais insuspeitos escripiores (S), mormente nos
casos de estado de assedio; que se ventilou o problema dasup-*
pressão do Tribunal Supremo de Guerra e Marinha, com o protesto
de se crear, na suprema corte ordinária, uma secção especial para
os recursos militares (3), assumpto que Viço explanou em paginas
da Rivista Penale (4); que a extensão da lei militar a pai-zanos não
é questão pacifica, desde que, mesmo em tempos anor-maes, tem
contra si a opinião de vários juristas, merecendo tenaz contradicta
por parte de Emilio Rrusa (5). Demais, o problema não paira no
terreno da doutrina, a prevalecer o ensino d'um escriptor : em 1901
a Camará dos Deputados da Itália appro-vou um voto pela abolição
dos tribunaes militares (G). Convém o olvidar, no emtanto, que,
em prol destes, assomam á liça as mais respeitareis reputações
jurídicas. Toda a legislação militar repressiva, desde os mais
remotos tempos até hoje, tem contado com a protecção de muitos,
senão da maioria de penalistas. De índole politica ella é legitima
porque é necessária. Tem-se mantido tão digna e tão elevada que,
«cousa extrai) ha, ha sido poupa-
(I) AHTURO BRUCHI, / Tribunali Mililnri e la Sciema dei Diritto Criminale.
j>icna, 1890.
(SV FEBDUMXDO PGLIA, Diritlo Oiudisiario Penale, Milano. 1SU0, pag. 31.
(3) AMÉRICO I.ECCI, ta pena di marte nella leg. militare, cit., pag. 0.
I4I p. Vico, 11 Supremo Collegio nella riformn delia legUlazione militare.
nfíivitta Penale^, XXX, fase. 56.
(5) EMÍLIO BROSA. DeliaGiuslhiaPenale Eccesiionale, cie.,' cit,
(oi ESMERALDINO BANDEIRA, no Jornal do Commercio de 19 de Novembro de 1(03.
.35
da mesmo pela calurania, e contra eira nem mesmo se ergueram os
protestos dos condemnados...» (I). O giuri ideale conserva sua
benemerência de sempre, «a mais antiga c a mais necessária
excepção da jurisdicção ordinária», conforme a phrase de Nicolini
). Aliás, o interesse com que a península examina os estudos
penaes do soldado annuncia-se o somente em a riquíssima bi-
bliograpitia que cila produz annualmente, como tamm em as
repetidas investigações respeitantes ás leis penaes militares que
o procurado rever e melhorar varias commissões,—como a com-
miso Durando em 1881, a commissão Binazzi em 1883, Mezzaca-j
po em 1889, Costa em 1893, Gloria em 1896, a proposta Ponza de
S. Martinho em 1900, etc.
VII.— A Alleiminba. Laband. A lvora secca e a espada aguçada. Mollkc e Oui-llicrme
11- Ataques ã lei da caserna. Sem juizes militares, nao lia exércitos... A liberdade
germânica nos domínios da etbira e da pliilosoiiliia c o a lictor do •Os Maias*. A
passividade para marchar.
. A Allemanha, «a mais completa organizão monarchica do
militarismo», cujo imperador, o kaiser, Guilherme II, o vacillou,
com pasmo do mundo civilizado e udio dos seus incontáveis
adeptos, — em erguer, por occasião da inaugurão do monumento
a Mollkc, em o anuo que se findou, um hosannah bellicoso «á pol-
Tora secca e á espada aguçad; cuja doutrina acerca das garantias
jndividuaes equipara o estado de sitio á dictadura militar na phra-
se de Laband (3); possúe a sua justiça militar calcada sobre os
moldes mais apertados da disciplina. No emtanto, quando foi
discutido o projecto dodigo penal militar apresentado em 1872 ao
exame de uma commissão de 21 membros do Reichstag presidida
pelo feld marechal conde de Moltke, discussões vivíssimas oceupa-
ram os juristas de então, mormente as relativas á creaçâo de
penalidades especiaes aos militares, á mitigação destas, á su-
perioridade dos militares sobre os civis e ao principio absoluto da
obediência passiva (4). Anteriormente se rebatera a queso da
autonomia militar repressiva no tocante a tentativas, emprehen-
(lj ISIDORO MEL. / ooiiicipenali militari por 1'csercilo c per Varmata tlcl reijno
d'Jíalia, Napoli, 1880, pag. 376.
(2) VISMARA, L'avvocalo dei soUlalo, cil., pag. 30.
(3) KHANZ VO.N LiszT, Direito Penal Allemuo, trad. Josò llygino, Kiu; 18119, I,
pag. 181, uola a.
ii> IIKIUHXN SKIKFKHT, na obra de I.iszt — uLr Droit Criminei Jee E'laU Européem,
trad. ltaul de la Grasscric, I8U4, Berlim, pag. 327.
— 36
didas sem hesito, de limitar as leis do soldado aos crimes mera-
mente militares relacionados com o serviço militar (1). Defezas,
as mais calorosas, apadrinharam a dualidade penal, como aquel-la
atlribuida em 1848 ao futuro imperador Guilherme I: — «de-
vemos repousar lirmes no principio de que, em (empo de paz ou
de guerra, a inteira jurisdicção penal deve pertencer aos juizes
militares, se se não quer perder um dos sólidos sustentáculos do|
exercito» (2).
O discurso de Moltke, em 7 de Junho de 1872, no Parlamento
allemão, contrario ao afrouxamento de rigor nas penas militares,
é o attestado mais completo, a prova, o índice do pensamento do-
minante no paiz. «Quando se trata de fazer uma lei para o exer-
cito», exclamava elle em assomos parodoxaes de sciencia consti-
tucional «o nos devemos collocar no ponto de vista civil, jurí-
dico ou medico, é preciso que nos colloquemos no ponto de vista
militar...» (3). E Bluntschili, o extraordinário professor de Hei-
delberg, o sacerdote máximo da pureza jurídica germânica, que
soube, de maneira tão fecunda, estudar os lineamentos da sciencia
do Estado, doutrina, amparando a lei militar, que esta pôde edeve
existir sem ameaças á unidade, á uniformidade do direito repres-
sivo, á semelhança de outras jurisdicções ordinárias (commercial,
industrial, etc.) (4).
Aliás, o espirito estreito de militarismo, reçumando a cada
passo d'entre os artigos do código militar allemão, é uma conse-
quência triste da desconfiança com que o poder militar olha para
o poder civil, alli, na terra do Direito, desconfiança que o topa
paralielo na Europa inteira. A própria França fica em plano
inferior. E foi pensando nessa fraqueza dolorosa, que certamente a
ironia funda do autor do 0% Maias arrancou da Allemanha o seu
traço inapagavel : «um povo que zela a sua liberdade nos do-
mínios da philosophia, da ethica ou da exegese e que, quando o seu
Imperador lhe ordena que marche, — eminudcce e marcha...»
(1) IBIDEM, pag. 325.
(1) IBIDKN, ptf. 326. (1)
IBIDEM, p»&. 327.
(4) BLUNTSCHILI, IS. fíroit Public General. Irail. Micdinsillcn. Paris, ISfl, um». 205-
206.
— 87
VIII.— A França. liroKlie e a rumam dos Parei. 1(29. A qoetMo da competência ilos|
conselhos de gnem e a opinião publica. Jnlos Diniz, lleiíc fínyon e Hcnri Bar-| bons.
A opinião de Anatole Fraiire. O direito do toldado deve ser o do cidadão. A
stipprcssfio dos tribunaes de guerra e • paixão pela symeiria e pela unifor-
midade.
Também na França, a lei militar ha soffrido rodes ataques. E'
sabido como a torrente de escri piores força por amparar, esta, sob a
máxima protecção, defendendo-a dos golpes dos seus adversários.
Ficou, até, acceito no mundo jurídico, qual principio sico e
Informativo do dualismo penal o celebre dito do duque de Broglie
em 1829, na Camará dos Pares «a justiça militar é legitima
porque é necessári Não ha livro de direito militar que o o
acolha, prégando-o como lemma supremo do Direito na vida do
quartel. Não ha jurista que, apadrinhando a judicatura de guerra, se
não soccorra ilelle á goisa de argumento Achllles. E foi explicando
tal asserto que Chauveau e lie asseguraram:—| somente os
tribunaes militares podem comprehender tanto os deveres da
caserna, que é preciso fazer-se respeitar, como as circunstancias da
transgreso que modificam o caracter delles (i).
Não obstante a avalanche dos cuidados e zelos com que é
cercada a lei do soldado, constestações, as mais intrasigentes, hão
sido lançadas á mesma lei. Preferindo, aos voos da doutrina e dl
theoria, o andar rasteja me da exegese, do commentario, da glosa,
nem por isso á França tem faltado a ajuda de cérebros brilhantes na
defesa do unionismo penal. A disputa acerca das attribui-çôes dos
conselhos de guerra impressionou amesmo o espirito publico (2).
E, si punge verificar que extensos trabalhos sobre a lei militar
calam absolutamente sobre a legitimidade d'esta, como se se
tratasse de um principio de veracidade indiscutível (como, de um
relance, perlustrando os livros abertos em frente, podemos verificar
na volumosa obra de Victor Nlcolas (3), no erudito volume de
Wilhelm (4), ou ainda, no recente trilado de Augier e l.e Poilteviíi
(5) —) conforta por
(1) CIIAUVF.AU et HÉLIE, Thiorie du Code Penal, Bruxelles, íwa, I, pag. 40.
(2) FtEXK GUYON, Le fonctionnemenl dei conseils de guerre en lemps de pau:,
na ttvvue Poliliijue et Parletnentaire, 1900, XXXVI, pag. 100.
(3) VICTOR NÍCOLAS, Commentaire complet du code de justice militaire pour Ice
armêa de terr» et de mer. Paris, 1898.
(4) WII.IIEI.NI, Commentaire dei codei de justice maritime et militaire, eil.
(5) AOGIKR et LE POITTRVIN, Traiu théorique et pratique de droil nènalmi-litaire,
Paris, 1905, í.vols.
— 38 —
outro lado, ver que a ídéa innovadora alcança, por si, o acolhi-
mento de um espirito superior, qual o de Anatole France. I Disse
um articulista que a theoria doutrinal, puramente jurídica e
imparcial, dos conselhos de guerra, é um capitulo de distracção
Criminal inacabado e incompleto em França (1) e um outro avançou
que a idéa da suppressão da lei especial do soldado é ••feita para
seduzir as intelligencias apaixonadas pela symetria e pela
uniformidade » (2), como se, em assumpto de tanta monia se
procurasse encontrar mero passatempo espiritual, pura gyin-
nastica fantasista: Délits et crimes de toute natuve comtnispar
í/es mililaires seronl jugés, les uns par la police correrlionnelle,
le* autres par la cour d'assises, sur la poursuite da parquet, ou,
en cas de dúlit, sur citaíion directe de la partie lésée. Ce será le
regime du droit commun, avec toutes ses consequentes. 11 est fait
pour seduire les inlcltigences éprises de symétrie et d'uniformité.
Ha, bien enlendu, les prefórences despartis politiques les plus
avances. Le perspective de voir un símple soldai traduit devant le
jurij pour avoir frappé son chef et acquitté ã la suite de qnel-que
emouvante plaidoirix, n'a rien pour les déplaire. Quant à •se
demander si une armée pourrait exister dans des conditions
pareiltes, c'est le moindre souci de ceux d'entre eux qui ne rc-
fléchissent pas... (3).
Anatole France rompeu o encanto de taes palavras. Numa
elegante brochura, que a Bibliotheca Socialista deu á luz, fez-se o
defensor do projecto de toumettrc le soldai, en temps de paix, au
droit commun (4), lír. Bergerct è o paladino inquebrantável
1
d'essa
idéa. As medidas anti-sociaes, anti-humanas, que a lei penal
militar crea e alimenta, elle as aponta, as condemna, as desterra do
domínio da Justiça. O direito do soldado deve ser o direito do
cidadão. No estudo brilhantíssimo do aureolado lillerato francês,
profundamente jurídico pois que é profundamente social, as
deformidades legaes da caserna surgem em toda a sua nudez: as
justiças soldadescas, de uma crueldade atroz, constituem uma
vergonha da sociedade para a qual o homem do futuro olhará
com pejo, mal crendo na sua veracidade :— et les hommes, x'jts se
(I) HI;NE Guvox. Lr fonclionncmeilt deu eonXeiU de guerre, ril., pau 100. (I)
JW.ES UlRX, La reforme de» contoiU A* guerre, La fíeoue de Pari», 1809, psg.
504.
(3) IlHHKII. |)J|(S. 106-107.
(t) ANATOU; PMBCK, Opwiout IOCUUI: tmrmiH elta/fuirt: Imjuiliee eí-j
rileelmililaire, na *l>iMi<>tlici|UC socialisl, l'arís, looj-iyol.
— 39 -
policent jamais, ne voudront pau croirc qui'1 fàt jadis en pteinc
pau; des conseils de guerre vcngeanl, par la mort d'un liomme,
la magesté cies caporaux el'des sergents... (I).
Mas, nem se 110,5a a unidade criminal, com a suppressão
dos tribunaes militares, para o futuro : — a commissão do projecto
sobre mod i li cações nas leis de terra e mar, em 1890, o reconhece
formalmente.— Ouçamos a um expositor : se os reformadores, na
exposição de motivos, n'obéistaient qu à la logique disenl-ils, t/s
demanderaient la SUPPIIESSION PURÉ ET SIMPLE, pour le temps de
paic, DE TÚUS LES TBIRUNACX MILITAIBES sur tous les tcrritoires
compris dans le ressort d'une cour d'appel. Mais ils craignent que,
malgré la SOBSTITUTION DE .NOTRE ABMÉE NATIO-
NALE Á I/AKMÊE DE COBPOBATION, LA NATION NE SOIT PAS ENCORE
SCFFIS.AMME.tT BOMPLE A LA COKCEPTIOff ENTIÉRE DE LA LOI MILITA IRE,
DE SES NECESSITES ET DES RIGUEUIIS QUI LLI IMPOSENT LESJ
BESOINS DE LA DISCIPLINE. En conséquence, ils ajournent teurs
esperances et se bomenl à demandei- ta supprcssian des con.iei.ls
de revision et la restriction de la compétence des tribunaux mi-\
litaires aux détits prêous et punis jar le code militaire (2).
Como se vê, 11a França o obstáculo á unjficaçíío penal repres-
siva esbarra num facto que Spencer caraclcrisára, em linguajremj
incisiva, no brocardo conhecido : todo o progresso adquirido é
um obstáculo aos progressos futuros...
Na França (3), como no mundo civilisado...
Vel-o-emos em tempo.
IX.— Outros paizes. Portugal. Turquia. America Latina. A Bélgica e o sur. 1'rins. A
Argentina e Sarmienlo. Leis militares, salvaguarda das leis civis.
L . Em todos ns demais paizes, a justiça militar ha sido recebida
como norma especifica ás classes armadas :—necessidade politica
tal a base emprestada a ella. Tem-na admittido aunoma a totali-
dade dos paizes europeos e americanos.
Em relão á Bélgica, Roussel havia sustentado a necessidade
de um direito repressivo particular próprio ás classes armadas e in-
dispenvel á conservação delias (4), pensamento a que recentemen-
(l) I111111..M. II, pag. 103.
(í) IIKXIII BAMIOUX, Projet de reforme de lajuridiction militaire, na flevue Politique
et 1'arlementaire, 1889, XXII, pag. 12.
(3) Veja, adiante, para o anno corrente, a discussão no parlamento francez, relativa á
suppressão dos conselhos de guerra (Marco ÍBOIS).
(1) ADOLPHE ItOCSSFX, lincyclopédie du Uroit, cil.. pag. 361.
— 40 —
tc parece referir-se o sni*. Prins (|uando conta (Da intenção de No-
thomb, no Parlamento, de dotar o paiz com uma legislação criminal
clara c perfeita, dominadora de toda a matéria repressiva, sem dis-
tinguir entre o código penal e as leis especiaes. Para se chegar a
essa unidade vantajosa fora mister uma revisão de todas as maté-
rias especiaes, e as camarás recuaram ante essa tarefa conside-
vel (2). Na Republica Argentina, as leis
militares são a « salva* guarda das leis civis »,
na phrase de Sarmento (3), baseiam-se numa consideração de
ordem politica, e numa razão de Estado — «a necessidade de
assegurar a missão de obediência e de sacrifícios a que estão
consagrados os exércitos e um principio de distribuição de justiça,
porque só ante os tribunues militares os delidos disciplinares
podem ter boa e recta justiça » (4) No teria posible, doutrina outro
escriptor, sin confundir nociones etencial-mente distintas, y tin
afectar profundamente la organisaciôn dei Estado, entregar á lo*
princípios y â las disposicionet de la ley común, las relaciones que
los ejercitos generan (5). La jwisdición militar es necessária, por
eso existe (G). E, em Portugal, se ouve que a legitimidade da
justiça militar é cousa que se não contesta (").
X.— Ilrazil. A Reforma e os cseriplorcs. I82.i. Tliomaz Alves Jmiior. A ambiguidade
de expressão do snr. Milton, o snr. Ilarbalho. Porque a suppressao dos Iribu-
nacs militares se alo fiz. A exposição de motivos do deputado
Kstevum Lobo e o texto constitucional vedando a Reforma.
No Brazil, a questão da unidade penal, ao que nos conste, não lia
merecido senão levíssimas referencias. A sciencia penal do soldado
cobre a justiça da caserna com o manto da necessidade politica.
em 1826, no Parlamento Nacional, ao se ventilar o pro- « jecto de
abolição dos foros especiaes e privilegiados, prevalecendo a
preliminar de que a constituição acabara de vez com os pri-
(1) ADOLPHE PBINS, Science pénale et droil politif, liruxclles, 1899, pag, 37.
(2) IBIDEM, pag. 37, nota.
(3) SARMIEXTO, De lai necetidadet humanai y de sus médios de defensa, in
ANCIO ALCORTA, Lai Garantias Conttitucionalet, cit., pag. 105.
(4) Obrai jurídicas de JOSÉ HARIA MORENO, III. pag. 319, no appendicc da
obra cit. de Amâncio Alrorla. Las Garantias Conslitucionales, pag. 304.
(5) OSVALDO MAGXASCO, Códigos Militares de la Jteblica Argentina, cit.,
pag. XXIX.
(u) IBIDEM, pag. XXV111.
(7) CORRÊA, Processo Criminal Militar, Porto, 1802, pag. VIII.
4212
10
41
vilegios pessoaes e não com os foros de causa, ouvia-se que «este
foro militar é indispensável para a conservação da a ordem e dis-
ciplina militar » (1). As commissões encarregadas da elaboração
dos códigos militares, desde 1860, navegam em idênticas aguas.
Thoraaz Alves insistia na necessidade da lei criminal do soldado
separada da ordinária: « Se a violação da lei em crime militar é
especial, se a penalidade é sui generis, como confiar o julgamento
a tribunaes que não sejam militares, isto é, organizados de modo e
com pessoal que conheça a importância do crime e saiba dar valor
á necessidade da pena ? » (2). Evaristo de Moraes expondo
ligeiramente a escola innovadora de Luccbini e Brasa (3), affir-ma
que do «crime particular resulta a lei especial e d'essa deriva a
necessidade de ser applicada por um tribunal próprio». João Vieira
de Araújo, reconhecendo que a tendência das nações hodiernas é
reconduzir as disposições dos códigos militares aos princípios da
legislação commuin » (4), é de parecer, no emtanto que « ha um
certo fundo de verdade scientiflca na excepcionalidade da lei
militar, quer sobre crimes e penas, quer sobre o processo que deve
verificar aquelles e fazer applicação d'estas » (5). E os Commen-
tarios do snr. Milton, numa indecisão ambígua de idéus, desloan-
te da lição injuridica mas franca do snr. Barbalho (6), exprimem
se assim : — «O faro militar, allegam uns, é uma excepção de
desfavor, uma restrição verdadeiramente odiosa. Certo é, no em-
tanto, que em todos os tempos os militares o defenderam, e o exi-
giram como prerogativa sua, de valor indiscutíve (7).
No emtanto, a idéa da sup pressão da lei repressiva militar,
por sua fusão no direito commum, se não teve quem a defendesse
bastante, adquiriu, ha bem pouco tempo, vigoroso acolhimento. E
a sua realização pratica não foi impetrada ao Congresso Brazi-
leiro, não por contravir princípios melhores de doutrina, mas por
ir de encontro a um texto constitucional, exclusivamente. Na ex-
posição de motivos do snr. deputado Estevam Lobo, em 12 de Se-
(1) Annaes do Parlamento Brasileiro, Cornara doe Deputados, Discurso do snr.
Vergueiro na sessão de 27 de Julho de 1820.
(2) TIIOSIAZ. ALVES JÚNIOR, Direito Militar, cil-, II, pag. 131.
(3) EVARISTO DK MORAES, Contra oe Artigos de Guerra! cil.
(4) JOÃO VIEIRA DS ARAÚJO, Direito Penal do Exercito e da Armada, cil., pag. 5.
(5) IBIDEM, pag. 42.
(6) ARISTIDES MILTON, A Constituição do Brasil, Noticia histórica, texlo e
conimentario. Rio, 1898, pãg. 446.
(7) Joio BARBAI.HO, Constituição Federal Brasileira, commenla rios, cil, pag.
343.
— 42 —
lembro de 1905, « propondo se nomeie uma commissão parlamen-
tar para elaborar os códigos penal e processual mililare, se lé que
a questão da existência dos tribunaes militares « prejudicada, em-
bora, em nossa legislação graças ao texto constitucional* que de-
clara a infracção militar como alguma coisa de particular», oferece
margem, todavia, a que se reflicta sobre o seu conteúdo. E, adiante:
« Não se alcança, de facto, com profícuo êxito, qual seja a legitima
procedência da instituição do delicio militar, incrustado, á ma-
neira de estranha anomalia, no organismo geral do direito re-
pressivo».
E, lamentada a orientação {do nosso pacto federal, em tal
assumpto,— a justiça militar autónoma recebe, em breve resumo,
formal contestação (1).
XI.— Leonardo de Vinei. 0 methodo para a dcfeza do Unionismo. Pai e guerra.
Cerremos este capitulo. I Acode-nos valida assistência.
Avançaremos em bôa compa-nliia. Das investidas levadas a cabo
contra a judicatura militar, e acima debuxadas em um rude skctch,
não renunciaremos nem mesmo ás menos brilhantes. Nisso vae um
voto de obediência aos mandamentos de Leonardo de Vinei quando
elle fazia brotar dos factos in D mos invenzioni mirabilissime e
infinita cose...
Como guiar a campanha, porém ? Como patenteara maninbez
da lei militar, qual é, á fecundação boníssima da Justa ? Como
pregoar, em uma palavra, a empreza de uma justiça civil para os
soldados ? Como pugnar, pelo unionismo penal ? I « Sem
methodo » disse o gigantesco autor da Verité «não ha trabalho
útil; é o methodo que classifica, que permitte adquirir sempre,
sem nada se perder das acquisições feitas ».
Tenhamos um. E facamol-o. o nosso methodo, da maneira
abaixo traçada.
I A critica que a theoria ha erguido contra a lei excepcional do
soldado, e cujas linhas vimos de accentuar, converge toda para
uma phase da vida social a paz. Dos mais. discretos aos mais
intransigentes, os juristas, aos (pines nos acostámos, suppõem,
nas épocas de luta ou guerra, a possibilidade da justiça militar ex-
cepcional, isto é, dotada de princípios destoantes do direito com-
(l) Exposição de motivos do deputado EsleVam Lobo, em 12 de Setembro de
1905, Imprensa Nacional, Rio, pags. 2-3.
— 43 —
muni e distribuída por conselhos de guerra. Ora, somos, neste
ponto, inflexíveis. Os reclamos da sciencia jurídica em prol da
exclusão da autonomia militar repressiva não param na paz. Vão até
á guerra, á luta. A differença es em que, sob o império d'esta, o
machinismo da justiça civil ou ordiria deve abster-se de deter-
minadas exigências de direito judiciário, tornando-se mais
rápida, direi mesmo, mais injusta. A repressão continuará, po-
\rém, a ser manejada por juizes civis. D'ahi, a illação de que
por considerações de ordem politica se podejustificar a amplia-
ção dos poderes dos magistrados, por occasião de lutas intesti-
nas ou internacionaes.
Dividida a exposição, portanto, em duas partes,I
a
, a paz--
2", a luta,—na primeira se pesquizará o problema da suppressão da
autonomia da lei criminal repressiva, sob o aspecto exclusivamen-
te judico. Analysaremos, então, o unionismo penai em relação ao
direito criminal, ao direito constitucional, e, addicionada uma par-
cula de pliilosophia. — á lei de evolução de Spencer. Applican-do-
se, forçosamente, as idéas queahi forem emittidas, aos períodos de
luta ou guerra, na parte segunda, relativa a estas, trataremos de
saber se existirão razões politicas abonadoras da judicatura
militar entregue a meros soldados.
E, conseguido tal escopo, teremos evidenciado a necessidade
legal e doutrinaria, da unificação do direito penal, pela reunião
dos dous códigos, o militar e o commum, num corpo de lei e
pela suppressão dos tribunaes militares.
Teremos combatido, pois, pelo Direito contra a Lei...
XII.Thcmis e odesquerer lamentável de Pascal.
A menos que se abrace, como emblema de Themis, fechados
os olhos á Liberdade, numa boycottage infernal á Equidade, o des-
querer lamentável de Pascal: — A Justiça ê a forra ^de acceitar;
a espada dá um verdadeira Direito...
PRIMEIRA PARTE
CAPITULO IV
A autonomia judicante militar e o direito
criminal
I.— Inlroducçao. A orientação separalisla. Em
que consiste. Factos e
argumentos
apoiando o dualismo. Américo Lerei.
A ordem de encarar o thema: §
i:
O
crime militar. § !•—A pena militar.
§
3*
— O
direito
judiciário
militar.
Em face do direito penal, substantivo e adjectivo, qual o fun-
damento emprestado á autonomia da lei judicante militar ?
A torrente de juristas dedicados ao assumpto subscreve a
lição de um monographista italiano, ao investigar, este, a
natureza da legislação militar sob o aspecto da pena
capital. A especiali-saçiio do organismo legal da caserna é
exigida, diz Amorim Lecci (1), por um complexo de
circuinstancias que se incluem nas aflirmativas seguintes:
1.° Quanto aodigo penal:
a) Existência de varias figuras jurídicas de infracções que se
não encontram senão nas classes armadas.
b) Consequentemente, necessidade de se crearem, para taés
crimes especiaes, penas egualmente especiaes.
c) Necessidade imperiosa de se fazer corresponder aos crimes
previstos e punidos no digo cotnmum mas praticados por mili-
tares, disposições que, com maior severidade, repliquem ao damno
mediato e politico que trabalha a sociedade.
Quanto ao direito judiciário:
Necessidade de armar a justiça militar de certo grão de des-
envoltura e celeridade, as quaes, sendo necessárias embora á jus-
tiça ordinária, são condições imprescindíveis á eflicacia da lei pe-
nal do soldado.
Epilogando, quer isso significar que a especialidade da lei
criminal militar assenta na especialidade do crime, na especiali •
(1) AMP.RICO LlCCIi La pena di morte nella legislazione militara, cit., pag. 4.
24
— 48 —
dade da pena, na especialidade das formas de direito judiciário.
A ossatura legal do quartel, è, pois, opposta á legal commum.
Ora, quem, como nós, nega o dualismo, tem uma vereda
aberta : provar que essa pretensa especialidade não procede e
que, muito menos, poderá reforçar a creação da judicatura militar.
E' o que faremos, obedecendo ao seguinte plano:
§ I
o
O crime militar.
§ A pena militar.
§ 3
o
O direito judiciário militar (1).
§ lo _ o CRIME MILITAR
I. Preliminares. Crime commum e crime militar. Noção. Infracção militar. Soa
conceiluaçíio pela seita actual A dclinição legal c a definição doutrinaria. Cri-
mes própria e impropriamente militares. A genuinidade dos princípios ea casta
militar.
Ao crime commum se oppõe, conforme a lição clássica, o
crime militar. Um regula-o, a lei commum; outro, a lei de exce-
pção. Para aquelle, o direito do paizano; para este, o direito do
soldado. O primeiro tem sua repressão emprehcndida pelo código
penal ordinário, é o homicídio, o ferimento, o furto. O segundo
recebe uma codificação aparte, é o homicídio praticado por sol-
to Uma observação.
Cumpre advertir que não nos deteremos com a chamada - - parte geral — do di-
reito criminal, porque, sob tal face, a tlicoria unificadora só tem que repetir lições da
escola dissolvente, quando esta entende, em sua melhor feição, que se deve «quanto
uquillo que concerne â parte geral de direi lo repressivo, fazer remiso á lei penal or-
dinária e limitar a prover unicamente as respectivas excepçõe. Sem duvida, no seio
da orientação opposta,o constitue essa afllrmío de Pietro Viço, uma questão paci-
fica. Não lhe falta, entretanto, o soccorro de grande numero de adeptos, de
cujo numero se sobresahe, em vivo destaque, «'personalidade do preclaro
coilaborador da Enciclopédia de Pessina. Crispi frizára tantbem o eixo da
pendência, sustentando que «quando se gradua a iinputabilidade, se mede a pena,
se estabelece a duração da acção penal, se prescrevem todas ãqticllas regras
necessárias á punição e á expiação do culpado, mio deve haver diferença alguma».
Se os digos militares mantém disposições relativas ã parle geral questionada,
copiam taes disposições, textualmente, dos códigos ordirios. Essa, a verdade, que,
como se , dispensa ao unionismo, qualquer esforço na sustentação de suas idéas—
caminhando o dualismo, como caminha, ao encontro das opiniões daqucllc.
Todavia, prelende-se que, no tocante ã dita parle geral, as anomalia» de direito'
penal militar fornecem um esteio forte para a seita conservadora. o ha tal. Todos
sabem a que se reduzem taes annmaliae: medidas ou regras peculiares á caserna,
que a legislão commum o suffraga. Não lhe estudaremos aqui os contornos, nem nos
intrometteremos pelas disputas dos escriptores militares a tal respeito. Somente lan-
çamos uma observão:—concedido que taes anKi/ioí assumam verdadeiramente o
caracter de militares (o que se não , porque, quanto a varias d'ellas. o próprio syste-
ma separatista prega a approximaçio on paridade, com as regras de direito com.
inum) d'ellas nao poderia cuidar o digo ordinário, o código do paizano?
23
49
dado, a deserção, o abandono de posto. O código criminal ordi-
nário dispõe sobre certas infracções peculiares a outras classes
que não a armada, como a dos funccionarios públicos, mas estas
não tém o caracter excepcional que á dos soldados assiste, sendo
juizes seus — os juizes communs.
D'essa feita considerado, o crime commum defme-se «a viola-
ção á lei commu e o crime militar, a «transgreso á lei militar».
Crimes militares, explica vou Liszt (1), são «as acções contra as
I quaes o código penal militar commina penas». Nesse sentido, e
nesse, se comprehende a definição urazileira :—«a regra geral c
que são crimes meramente militares todos os declarados nas leis
militares, e que o commettido* por cidadãoes alistados nas
fileiras do exercito» (2).
Realmente, para o juiz, o crime militar c todo aquelle que
vem capitulado no código militar. O jurista se não contenta
com-isso, porém. A se apegar á lettra do código o haveria que
arguir á noção do delicto militar :— bastaria, para alcançar esta,
folhear o texto e procurar o artigo correspondente ao facto ques-
tionado. rio de Mauro, porém, já indicara em como, no definir,
a infraão militar a violação da lei do soldado reside, theo-
ricamente um absurdo:—«Esta definão, considerada sob o ponto
de vista theorico, é absolutamente inexacta, o determinando, de
modo algum, os factores ou elementos constitutivos do crime.
Assim, conforme outros m observado, cila se reduz a um cir-
culo vicioso, não c mais do que uma petição de principio. Real-
mente, aflirmar que é crime militar qualquer violão da lei penal
militar, é o mesmo que dizer que o crime é o crime. Mas, se tanto
se pôde dizer de tal definição apreciando-a pelo lado scientifico, 6
mister, entretanto, convir que, considerando-a pelo lado pratico,
ella pôde ser justificada e como quer que seja, conhecida a dou-
trina do crime, é fácil completar a definição que o legislador
como condições que dão nascimento ao crime ou são necessárias
á sua existência» (3).
O jurista quer o conceito da infracção, fora dos elementos
em que a circumscrevem os códigos. Sopponhamus inexistentes
B esses elementos: — qual o traço característico d aquelle ? I
Tem inicio, com tal interrogativa, a barreira onde se acaba a
(1) FIUNZ vos LISZT, Direito Penal AllemSo, cil., II, pag. 033.
(2) TIIOMAZ ALVES.JUNIOR, Direito Militar cil,, 11, pag. 134.
(8) MÁRIO DE MAURO, II códice penale militare marittimo, CaUnia, 1877-82, in
Joio Vieira de Anojo, Direito Penal do Exercito e da Armada, cil., pag. 46.
-50 -
lógica e onde começa a incolierencia. E a razão é que não ha cri-
tério justificativo d'essa apregoada feição especial das infracções
militares de modo a se amparar o dualismo penal.
Não obstante este axioma que procuraremos desenvolver, a
torrente de estudiosos enxerga, de um modo geral, no crime mi-
litar, o attentado á ordem, á organisação das forças armadas, á
segurança dos exércitos e das esquadras, numa palavra — a lesuo\
ao interesse militar. A infracção militar, considerada num sentido
lalo, fala Pietro Viço (1), bem de chamar-se uma violação de
deveres de oíficio e propriamente de officio militar, conceito
egual ao romano :proprium militare cst delictum, quod quis
utimiles admiltit (2), ou ainda mais largamente:—omne delietum
est militis, quod aliter, quam disciplina communis exigit, com-
mittitur: veluti signitise crimen, vel contumatix, vel desídia: (3).
Nicolini, também de maneira genérica, affirma ser crime militar
«aquelle que ataca a ordem e a disciplina militares» (4).
O termo interesse, indica, para a escola disgregante, a na-
tureza da infracção, porque se o interesse lesado foi o militar, o
crime será militar ; se o commum, odelicto será ordinário. Des-
dobra-se, porém, o vocábulo em duas phases : a) ou interesse mi-
litar referente á qualidade militar de pessoa ou b) interesse mi"
litar relativo ao facto.
A essência objectiva do' delicto militar, ensina Viço (5),
compõe-se de dous elementos: — qualidade militar do culpado e
qualidade militar do facto, jição que Isidoro Mel (6) reedita
com o coro de tratadistas. O primeiro, a qualidade militar do
delinquente, — é um presupposto dos deveres militares e sem elle
não se poderia conceber certo numero de infracções como a
deserção, e apreciar outras infracções como a insubordinação (7).
Não significa, tal cousa, que um estranho não possa lesar o inte-
resse militar, mas quer dizer unicamente que, faltando a qualidade
pessoal militar, não ha violação de dever militar (8). O segundo
elemento — a qualidade militar do facto — forma-se pela in-
(1) PJF.TRO Viço, Dirillo Penale Militare, ril.. pag. 140.
(2) DIG, 49, 16, De re militari, L. 2.
(3) DIG, 49,1,6 De re militari, L. 6.
(4) VISMARA, Vavvoeato dei solilalo, cil., pag. 36.
(5) PIETRO VIM, Dirillo Penale Militare, cil., pag. 149.
(4) ISIDORO MEL, / codici penali militari per 1'esercilo e per 1'armal dei
regno d'Itália, cil., pag. 16.
(7) PIETRO VIÇO, Diritta Penale Militare, cil., pag. 149.
' (8) IBIDEM,'pag.
-
150.
51
dole militar do dever violado (I). Mas, o soldado, com ser
soldado, é também cidadão, e, como tal, tem os deveres d'es-te a
respeitar, d'onde a dupla categoria de crimes militares :
crimes de indole militar e crimes de índole com muni. D'esse
modo, ha duas arestas a considerar na infracção militar :—ou
ella só pude ser praticada pelo soldado, em vista das funccões que
elle exerce,—crime propriamente militar;— 2
o
podendo ser
commettida por mero paizano, reveste a qualidade militar, por
simples accidentes,—crimes impropriamente militares. I Essa
theoria, adverte Pietro Viço, é bastante simples para carecer de
esclarecimentos. No emtanto, redobra elle, no culpado sempre está
uma individualidade onde é diflic.il distinguir a face do soldado e a
face do cidadão, onde o é fácil saber-se quando começa uma e
acaba outra. As duas caracterisações de um mesmo individuo não
comportam regras por meio de cujo auxilio se extremem os deveres
militares dos deveres não militares. E' sabido que factos de indole
commum poderão gerar uma lesão directa aos interesses da
caserna, como por exemplo, a subtracção de objectos militares
imputada a civis. Assim também, da violação de um preceito militar
advirá um prejuízo commum, ordinário,— as violências physicas
contra um superior attribuidas a uma praça de pret (2).
Tal o arrazoado da sciencia penal dominante, exposto por l
um de seus mais autorizados orgams.
Como se infere claramente, o próprio Viço não oceulta as
duvidas que assoberbam a conceituação do chamado — crime mi-
litar confessando consistir, este, na violação de deveres mili-
tares, mas confessando também que, até hoje, tarefa impossível é
a definição d'esses deveres e a sua delimitação dos deveres do
cidadão.
Se o interesse militar, tanto na pessoa do réo, como na es-
ncia do acto, veste, em militares, os crimes desenrolados na ca-
serna, qual é esse interesse ? Em que consiste ? quaes seus ele-
mentos informativos ?
São interrogações que deitam em alvoroço os arautos da dua-
lidade penal. Não os resolvem, elles, porque não o possível dar-
lhes solução, da maneira aconselhada nos livros afeitos á
autonomia repressiva dos batalhões. Resolvel-os-á a orientação
(1) IniOEM, pag. 131.
(1) Sobre a tbeoria actual do crime militar leia-se JUa:
Militar Commentado, ttio, 1903, pag. 17,
-52 —
unificadora. Porque, a contenda rcsume-se nisto:os deveres mili-
tares autorizam a especialidade de tratamento legal, hoje domi-
nante?
Aqui está o nó do problema.
Ora, examinadas as condições de desenvolvimento da vida sob
as armas, -se que os preceitos d'ella cream determinada classe de
infracções, quando infringidos. Mas essas infracções— as únicas
que chamaremos militares — não se entremostram á doutrina, sob
a feição que hoje uzualmente se vê exposta nos auctores—e muito
menos levarão á conclusão exdruxula da necessidade de juizes
Icriminaes peculiares ás corporações armadas. Se a noção do de-
licio militar surge habitualmente, a quem analysa estas matérias,
como questão insolúvel, e de tal maneira que uns a dizem— «uma
questão aberta» (1),— outros—de base vaccillante e incerta (2)
acontece isso justamente porque, se costuma afastar das
genuinidade da theoria, cahindo-se em subtilezas desnorteadoras
e condemnaveis; porque se cuida de erigir a classe armada, que é
uma aggremiação dentro do Ettado, sujeita, como quaesquer
corporões, ás prescriões d'este, em casta odiosa que, sem mais,
deve ter seu direito próprio, autónomo, embora, para a creação
d'este direito se o altenda ás exigências de utilidade real, mas
tão somente á consideração única de pessoa ou individuo. I
Acompanhemos a lógica apontada afim de evidenciarmos tal
asserto—e adoptando-lhe, por conveniência de exposição, a for-
mula bifronte. Discorramos, em distincto, acerca das duas preten-
didas ordens de crimes militares.
II.— Crimes propriamente militares. Sua noção. Códices e juristas. Os crimes propria-
mente militares e a defeza social. Exacta a expressão — puramente militar ?
O grémio de laes infracções é o código cominam.
Accordes, jarisperitos e códices assentam a noção dos chama-
dos crimes propriamente militares num traço: o damno di-
recto ao serviço, a ofensa directa á disciplina militar, como por
exemplo, nos casos de deserção, insubordinação. E' o definido de
(1) OSVALDO MAGXASCO, Códigos Militares de la Republica Argentina, cil.,
pag. XXX.
(2) EMÍLIO BnusA. DellaGíuslisia Pcnale lícceiionale, cil-, pag. 20.
53
Oscar Pio (1). Von Liszl. (2) escreve:o aquelles que podem
ser commettidos por militares. Aqui está a distincção de taes in-
fracções, das ditas impropriamente militares:— por estas de res-
ponder um simples paizano. No emtanlo, corrige-se, um tal cri-
tério diferencial 6 puramente extrínseco, tanto assim que somente
a consideração de um maior e mais directo damno aos interesses
da caserna caracterisa as infracções meramente militares.
Demos, por ora, por exacto, esse cies do delicio. Terão, taes
infracções, as mesmas condições existência es dos crimes com-
muns ?
Os crimes meramente militarei, em cuja essência se alliam os
dous requisitos da seita dualistaa qualidade militar da pessoa e a
do interesse lesado, mantém-se, juridicamente, no mesmo nivel
dos crimes peculiares ás classes sociaes e nas quaes a posição do
agente gera figuras delictuosas próprias do estado ou da profissão.
E' assim que o funccionario publico, o empregado das rendas do
Estado fica responsável por um peculato ; não o ficará quem não
guarda dinheiros públicos. Cada classe, cada profissão possúe,
nesse particular, uma formula de criminalidade. Assim, a classe
dos médicos, dos advogados, dos commerciantes, etc. Quero ouve
falar em fallencia fraudulenta attribuirá immediatamente (nos pai-
zes em que, coroo o nosso, a fallencia é peculiar aos commercian-
tes) tal crime a quem pôde ser attribuido:— ao commerciante.
Do mesmo modo, o crime puramente militar. Praticado o de-
licio de deserção, ninguém põe em duvida que a auctoria d'elle
caiba a um soldado. Quem se o acha arrolado nas malhas do ser-
viço militar não pôde insubordinar-se contra os superiores hie-
rarchicos, não pôde desertar, etc.
Conceda-se que esse principio seja rigorosamente vedico, e
que taes crimes se chamem, com toda a pureza de technica— ex-|
clusivamente militares. Perguntamos : do facto de, por elles se-
rem exclusivamente responsáveis os militares, deduz-se a necessi-
dade de um código distincto ?
Da analogia que esses crimes apresentam em confronto com
os crimes das outras classes ou profissões sociaes, infere-se, logo,
a negativa. A prevalecer a autonomia repressiva militar, fora mis.
tér que cada uma das corporações sociaes possuísse egualmente
a sua lei penal independente, que houvesse um código para func-
(1) OSCAR PIO, Elemenli de diritto penal» militare. Prato, 1884-88, apnd JO
VIEIRA DBAIUOJO, Direito Penal do Exercito e da Armada, cil., piig. 48. (t) FRANZ
VON LISZT, Direito Penal Allemtio, cil., II, pag, 633. '
-M —
cionarios, para dicos, para advogados, pharmaceulicos, com-
mercinnies, etc. Ora, as figuras dclictuosas d'estes abrigam-se na
lei penal ordinária. Porque não se dar o mesmo com as infracções
próprias do soldado ?
Ponha-se de parte a allegação de
alguns,— da unanimidade diremos,
respeitante á pena, porque o nosso ponto de vista é o crime e não a
sua consequência,—ponto a se averiguar mais tarde. E,
considerado unicamente o facto delictuoso, a estrur.tura d'elle, -
se que, quando se ventila o problema dos crime» cspeciaes do
toldado, gozando elles de elementos legaes existentes fora dos
regimentos, esses elementos o autorizam a creaçao de leis que
lhe sejam próprias.
Em sua face básica, o crime meramente militar, antes de lesar
o quartel, lesa o Estado. Porque não os incluir na lei commum ?
Os próprios dualistas confessam que, sob o prisma da defeza social,
os crimes militares occupam, ás vezes, plano superior aos crimes
communs. O militar que abandona o posto ao inimigo, diz uni d'el-
les, caasa maior prejuízo á segurança do Estado, que o assassino I
que mata para roubar. Quem negará as funestas consequências que
uma simples insubordinão traz á vidada não?A sentinella que
dorme pôde occasionar maior perigo que o assassinato do
Chefe de Estado. E tal gravidade mostram certas
infracções militares que Viço não trepida em as equiparar
aos crimes políticos.
lias não se argumenta pro ou contra a integração jurídico
penal, com o auxilio da idea de defesa social, pensamos s. Se
não ha direito de punir, existe direito de defeza, e é abroquelada
neste, que a repressão, qualquer que seja, commum ou militar, se
faz. Convém deixar assignalado, apezar d'isso, que se se quizesse
desviar a dualidade repressiva, da maior ou menor gravidade de um
acto, essa pretençâo só viria demonstrar, ainda mais, que a judica-
tura militar ha de ceder a praça á togada porquanto os juizes civis
offerecem garantias de exilo que om os offici.fes de terra e mar.
A dupla essência da infracção auetor, militar e facto, mi-
litar, — não cimenta a creação de dices e tribunaes independen-
tes. Se ha delictos rigorosamente específicos aos quartéis, como a
deserção, outros ha que, incluídos nesse numero são, ás vezes,
imputados a paizanos que por elles respondem, como a espionagem.
A denominação de exclusivamente ou puramente militares não é
perfeita, portanto, desde que ella abrange, como ta es, delictos cuja
pratica se attribue a quem não é militar. E se o próprio dever,
corollario do ettado militar, i violado por quem nada tem a ver
19
2
5740
com esse ettado militar, onde a apregoada peculiaridade da in-
fracção dos soldados, peculiaridade de tal ordem que, só attribui-
da a soldados, crêa paru os soldados uma legislação destoai)te da
legislação commum ?
Reduza mos a questão a seus verdadeiros termos; o crime me-
ramentelmilitar é uma Ogura anti-social própria á profissão das ar-
mas ? Sob o aspecto da defcza social, não. Sob o aspecto de sua
constituição orgânica, sim. Esta constituão orgânica, porém, em
virtude de sua natureza decorrente do ettado militar, é de ordem
a engendrar, para as classes fardadas, códigos criminacs autóno-
mos, juizes autónomos, juizes soldados ?
o, irretorquivelmente. Não, porque se ha crimes genuína'
mente militarei, procedentes do ettado militar, o seu grémio na-
tural é o código penal ordinário. Nem vale oppôr a tal asserção
nossa, o numero d'elles, porque então, mais solida ella se tornará.
0 numero é escasso. Rroutta «não considera crimes puramente mi-
litares senão os de deseão e insubordinação» (1). Sejamos mais
pródigos, ou melhor, mais exactos, e, de conformidade com os au-
ctores e digos, elevemos a rie a alguma cousa mais:—deserção
desobediência,abandono de posto, insubordinação, cobardia... Não
falemos em revolta, em alliciação, em espionagem,desde que, acerca
de taes factos, os próprios juristas adversários contestam a Ín-
dole genuinamente militar (2). Ora, reduzido desse modoo nu-
mero de infracções « que não tem correspondentes no código or-
dinário » não será senão diminuto (3). D'ahi ser elle relegado
para a parte da lei repressiva que trata dos crimes eipeciaet.
Aqui, porém, o ponto cardeal não depende, por assim dizer,
do numero de infracções decorrentes da profissão, do estado
militar. Depende de uma aflirmaliva mais importante e
menos arith-metica. E é esta:—a parte de lei traçada para os crimes
meramente militares é a parte do digo commum deixada ás
infraões etpe-ciaes, porque, se cslas infracções divergem, umas
das outras quanto aos seus elementos legaes e existenciaes, ellas
o regidas pelos mesmos princípios de doutrina reguladores das
infracções banaes. Os crimes militares, que o são veridicameute,
encontram seu gre-
(1) Resolução do Conselho de Estado de 12 de Janeiro de 1867. Consulta da sec-
ção de guerra e marinba, no «O Direito», 7, pag. 197.
(2) AUGUSTO SBTTI, Veserciío e la tua criminalità, Mílano. 1886, por exemplo,
diz que yli slessi ammulinamenti, le rivotte e slesse disubbidien ze írovano IH
Certo modo viscontro nei reati dei eodice commune. (pag. 157).
(3) AUGUSTO SETTI, L'eiercito e la sua criminalità, cil., pag» 157.
B9B
-56-
nio natural no código cominum, como acontece, segundo a obser-
vação feliz de Lucchini (1)— per ipreti ed ifrati, per gli impie-
gati dello Stato, per gli operai, od altri gregart et organi di
quesla o quclla funiione sociale, che importi una certa corpora-
zione o collegialità.
Dizeiulo-se vencidos nesse ponto, o descançam os pregoei-
ros da justiça militar e, então, num revide que vale por uma con-
fissão de derrota, soccorrem-se de subterfúgios: vão, a extra li
ir alimento para a seita abraçada, além da figura da infracção.
Sustentam, ou que, como Bellati (2), certas acções assumem carac-
ter gravíssimo no quartel, ao passo que, fora, seriam desprn-
vidas de consequências perigosas (como se não houvesse, na lei
ordinária, penas severas para ellas) ou que o código autonómico é
uma illação d'aquella regra que julga imprescindível, ás classes
armadas, repressão enérgica e rápida.
se affirmou, neste paragrapho que, raciocinar da maneira ex-
posta, equivale a contundir duas cousas completamente dislinctas :
o acto delicluoso, em si, e as circumstancias que o acompanham; a
infracção e a pena. Agora, cuidamos d'aquella ; o exame d'este
será emprehendido mais tarde. E, então, havemos de ver se pro-
cede a lição relativa á celeridade e á severidade dos castigos dos
soldados.
De resto, somente do facto de certas acções, inócuas fora,
surgirem dentro dos muros das fortalezas como terrivelmente fu-
nestas, se segue que ellas devem ter um digo criminal pprio
emprehendida a repressão por tribunaes próprios ? Não. Segue-
se que ta es acções exigem um tratamento legal eflicaz, uma pena-
lidade rigorosa, de accôrdo com a gravidade do damno. Ora, a
esse respeito, não conhecemos crimes de indole mais funesta á
segurança de um Estado, que os crimes políticos. E as penali-
dades delles se estabelecem nos códigos penaes communs. Do
principio que justiça um regicida com a mais terrível de todas as
penas, a pena capital, não decorre a regra de que os crimes dos
regicidas devam possuir códigos só seus.
Mas, nos enveredamos pelo terreno das penas. Deixemos
que este venha a seu tempo. E fechemos estas linhas, por ora,
pois que voltaremos adiante ás mesmas,— com a única conclusão
verdadeira nestes assumptos : — os crimes meramente militares,
(1) LlJIGI L0CCHIKI, Soldali delinquenli, etC, Cit., pag. 11.
(2) GIUSKPPE BELLATI, La revisione dei eodiei penali mililari, licrgamo, 1890, pag.
20. .
571
isto é, aquelles que decorrem da funeção militar, em escasso nu-
mero, não cimentam, de forma alguma, a independência da jus-
tiça militar,— e o seu grémio natural é o código penal ordinário.
III.— Crimes impropriamente militares, segando a orientação separatista. Crimes com-niuns
que os regimentos militarisam. Os chamados accidentas. Roubo de petas de chila e
roubo de pecas de fardamento. Absurdos a une conduz a legislarão artual. A infracção c
a ponta das Taras. Códigos militares copiando códigos ordinários. Os delidos políticos.
Sua feição ordinária. Juristas que reconhecem, uos crimes impropriamente militares,
detidos de direito coinmuin. Tentativas de reconduecao, aos códigos geraes e. juizes
ordinários, de ta es crimes. A Alle-manha. A Áustria. A França. A Bélgica. Portugal.
Ilespanha. A Inglaterra. A Itália. A União Americana. A Republica Argentina. O Brazll.
A Camará dos De» pulados em 1826. O projecto acerca do privilegio de foro. A
Constituição Fede-. ral e o furo dos militares. O vexame Usual e a provisão de 18:14. A
heteróclita doutrina dos crimes impropriamente militares. O regresso a Roma.
Que se ha de dizer, á vista do exposto, dos chamados crimeé
impropriamente militares ?
Traduzindo-lhes o conceito, João Vieira de Arjo assim se
exprime com palavras de Oscar Pio (1) : são infracções dos
deveres communs, mas assumem o caracter de crime militar por
causa das circumstancias especiaes da vida militar em que são
commellidos; assim a prevaricação, a corrupção, a falsidade, que
damniQuam a administração militar, o ferimento, a calumnia, o
furto, oestellionato, que,causando directamente um ilamno ao indi-
viduo, indirectamente comprometlem a ordem e a disciplina da so-
ciedade militar. Vou Liszt (2), mais conciso, deline-os crimes
communs que o código penal militar sujeita a penas especiaes.
lletardemo-nos por aqui. A. noção abrigada pelo eggio ju-
rista tedesco dispensar-uos-ia de quaesquer commentarios bor-
dando o .assumpto. Crime impropriamente militar é um crime
COHMUU que o código penal militar subordina a castigos especiaes.
Que mais é mister para se negar a taes infracções a natureza
militar ?
Mas a dialéctica dualista não tem a franqueza nobre do tra-
tado allemão. Desbaratada de antemão, negacea. São-lhes fre-
quentes, então, effugios prenunciadores de uma debilidade sem
par.
E, essa fraqueza, transpira-a, a disposição inteira das razões
e argumentos que agora enfrentamos. Patenteemol-a.
(1) Joio VII-IIIA DE AIMUJO, Direito Penal do Exercito e da Armada, cil., pag. 48.
(2) FRANX VOS LISZT, Direito Penal Allemão, cil., II, pag. 633.
58
Os crimes impropriamente militares são crimes
communs nl*j lltarisados por condições csper.iaes da
vida das armas, sustentam os próceres da lheoria dispersiva. A
infracção, no seu intimo, é de direito ordinário, mas faz-se de
direito especial desde que ha um interesse militar legado. Sem
duvida, acerescentam elles, essa.leo c menos intensa, cm menor
grão, do que nos casos de crimes puramente militares, mas, em
todo o caso, ella existe com bastante força para tornar em
militares, factos de índole commum. Meros accidentes, então,
concorrem para esta transmutação, e são elles, em regra, o lugar
onde foi perpetrado o crime, a pertença da cousa e semelhantes. O
caso typico está no | soldado que mata seu companheiro numa
praça de guerra. E note-se que a opinião geral assegura que a
qualidade militar de pessoa é um dos requisitos para que a
infracção seja militar.
Simples de exposição, a construcçao lheorica dualista, como
se vê. Todavia, difficilmente existirá uma outra que a encalce
tamanha a mole de desacertos nella abrigados. Sua estruetura jaz
apoiada num principio: os crimes impropriamente militares
são assim considerados pela razão de que, praticados, ha nelles
uma lesão qualquer, pxima ou remota, aos deveres, á organisação
da milícia.
Estranha maneira de se dobrar, em curvatura humilde, ante
as exigências dos regimentos... Se a natureza militar do crime
promana das chamadas circumttancia* militares, dentro de cujos
limites ellese desdobrou,— quaes são essas circumslandas, quaes
os accidentes capazes de militarisar delidos, os mais communs?
Ninguém, absolutamente ninguém, conseguio explical-os. Nin-
guém, jurista ou digo, conseguio traçar numa formula os ele-
mentos militares apregoados, pois que a tarefa é absolutamente
irrealisavel. A explicação da theoria exposta, a única, a verda-
deira, es aqui:— a phantasia do legislador ou do jurisconsulto,
desnorteada da pureza doutrinal e endereçada a um fim eterno:
satisfazer ás forças armadas como privilegio da classe. Nada
mais.
Nada mais, embora para realizar esse objectivo, o jurista
arraste, num desserviço lastimável ao Direito, para a lei militar,
factos de Índole claramente civil.
Os códigos das nações cultas estão cheios de desvios como
este. Exgottam-se, amparando-os, em subtilezas de leguleios, os
partidários do militarismo na Lei. E que resulta de toda a en-
scenação ? Algum critério superior, carreando boas lições ? Não.
D4A
59
Resulta uma cousa deveras mesquinha a afflrmão d'um empiris-
mo feroz, de vez èm vez mais rude, a conceituar o chamado crime
militar.
Porque razão, iudaga-se, um soldado que rouba peças de
chita pratica um crime commum, ao passo que commette um
crime militar se rouba peças de fardamento ? Porque razão viola
um preceito do digo da armada o soldado que mata seu camarada
ou um paizano dentro do quartel, ao passo que infringe um texto
do código ordinário se o crime se deu a dons passos do mesmo
quartel ? Tratar-se-à de um delicio militar, de um delicio fnne-
cional, no primeiro caso ? De um delicto commum, no segundo?
A taes inquirições, assaltando, inopinadas, a quem folhea as
paginas da legislação repressiva;militar, não correspondem, nunca,
plicas capazes de solver as duvidas por ella suscitadas. Nem
corresponderão jamais, porquanto, conforme o querer de Luc-
chini, não havendo um principio superior de doutrina e lógica
jurídica guiando o legislador em taes matérias, o resultado é que a
jurisdicção singular anda inteiramente ás tontas, prodii/in-do-se,
eno, um inevitável dualismo e conflicto com a jurisdião
ordinária per tulti quei delitli il maggior numero, che tono
d'índole comune (1).
E esse conflicto elevar-se-á sempre, qual tormento inrmino para
o legislador, emquanlo os crimes impropriamente militares per-
manecerem afastados da lei que cabe reprimil-os,—a lei penal or-
dinária. Augusto Selti, propondo uma série de medidas tendeu- I
tes á et cão de um perfeito código para as classes armadas ita-
lianas, não foge, dualista que é, a taes verdades. Elle prega que a
infracção militar deve ser definida como decorrente da natureza
do crime e não da simples qualidade do agente, fazendo votos
para que se acabe, de vez, com o empirismo condemnavel que per-
mitte, por exemplo, considerar crime de competência
militar o furto praticado por militar com prejuízo
militar na caserna ou onde permaneçam as foas
momentaneamente, e de competência commum aquelle outro furto
commettido em local che militare non sia (2).
Mas, reduzida ás proporções assignaladas (as quaes Setti
acompanha de vários exemplos análogos ao do furto, ferretean-
do-os sob uma critica vivíssima) a infracção militar encontraria na
1(1) l.rifii l.nxiiiNi, Soldati deliiiqucnli, cit.. pags. 112-113. (2)
AUGUSTO SEITI, UetercUo i ta sua criminalità, cit., pag. 170,
12228770
-60-
lei commura a sua lei reguladora. No emtanto, nem mesmo aos
olhos da seita dissolvente, teriam execução os votos do preclaro
escriptor. Como abrir mão da qualidade militar do réo, diz-se, se
somente ella militarisa os actos mencionados neste paragrapho ?
Se a essência de taes actos é commum, se communs são seus ele-
mentos ? Mas, então, redargue a orientação integradora, trata-se
de uma questão pessoal, de um privilegio de casta onde não tém
accesso razões superiores de, lógica judiciaria e sim exigências
personalíssimas de soldado!
Examinando-se, ainda a mais, cada figura das denominadas—
infracções impropriamente militares,— sobresahe, ínapagavel, a
erronia completa dos tratadistas ex-adverso. Então se verifica co-
mo não procede esse systema heteróclito de anormalUar crimes
d'indole commum, pela mesma causa por que não vinga, á face da
theoria pura, o propósito de se querer aferir da conceituacão legal
do furto só pela consideração de qualidade no tecido furtado:— do
dólman, procede o furto militar; do casaco, o furtocommum
Exaggero?Não:- verificação de um phenomeno banal ha ju-
risprudência dos conselhos de guerra. Comprehende-se que a es-
truetura jurídica de um acto delictuoso mude de forma ou de fei-
ção, para o elfeito da applicação da pena ou da competência, con-
forme a convergência de elementos que a façam nascer. Assim, o
estellionato, por exemplo. Até determinada quantia, elle pôde ter
uma penalidade, que será outra, maior que a primeira, no caso de
maior prejuízo d'elle derivado. Mas, aqui, a graduação do delido
corresponde á idêntica graduação da pena. A estruetura intrínseca
do crime quedou a mesma. Com a infracção militar não acontece
assim: a acção delicluosa diverge de sua egual no código
ordinário - não por exigências de penalidade, o por exigências de
competência, não poi severas e reaes necessidades de direito
repressivo, mas, unicamente, porque aquelle que a pratica tem
galões ou polainas a exigirem códigos e leis próprias, ins-criptas
de insígnias militares...
Bradem, quantos o quizeram, com o fito de obscurecer esta
verdade. Ella salta aos olhos de quem, como nós, almeja reduzir
ás suas proporções genuínas, a repressão na caserna. Argumenta,
de si para si, o juiz militar, ao carecer de um fio dirigente para
applicar a um crime o código que a imprevidência do Direito lhe
deitou as mãos : o crime de homicídio é, indubitavelmente, um
crime commum; mas, se o soldado matou, elle, que tem seu regi-
men especial de normas jurídicas, deve ter também, para o cri-
61
me de morte, sua lei especial. Fora perigoso á Independência e á
segurança das classes armadas, entregai-o a justiça civil... E,
como o magistrado ordinário protesta contra esta interferência nas
suas aliribuições, apparecem as gymnaslicas de espirito, em que
se exhibem os escripiores militares, com distincções capciosas,
com superfetações estranhas ao organismo da lógica judiciaria
Ora, e são cousas que se não maçam em repetir é o lugar que
milita risa o delido, fornecendo uma risível mens legi» ao juiz:
praticado junto ao quartel, a dous passos ou a tantos metros delle,
0 crime será commum. Praticado para dentro dos porta es das pra
ças de guerra, no lagedo que as cerca, será militar...
Ora a pertença da cousa ou sua natureza serve de cririo dif-
ferencial: o soldado que rouba uma Mauser, — 6 réo de um delido
militar. Se porém a arma é uma mesquinha pica-o, a infracção
secommum... Se a essência dum delido varia com o variar dos
sinetes nas fabricas d'armas, ou com a forma das vestiduras que um
individuo traz, porque o depende da simples curvatura de uma
1 faca ? Bruchi narra o caso estupendo : na Itália, a
especialidade
de uma infracção poderia depender da folha de uma faca :se
um marinheiro fere a outro com uma faca sem ponta, não estranha
ao armamento, será julgado perante os tribunaes militares. Se fe
re com faca de ponta sejulgado pelos tribunaes ordinários, por
que no primeiro caso, ha crime militar e, no segundo, crime com
mum... (i).
Neste diapasão afinam lodos os desprositos da lei e da ju-
risprudência criminaes militares. Fértil em exemplos corno os
debuxados acima, é, e de sobra, a leratologia legal dos paizes oc-
cidentaes. E, como que contrastando com a abundância d'elles, a
lei escripta copia, a estruclura do crime impropriamente militar,
dos códigos communs, servilmente, cegamente.
Refreando o impeto marcial dos que, á vista de qualquer ap-
parencia de farda milita ri sam, as mais banaes figuras delictuosas
de direito commum, jaz a linguagem fria dos dispositivos penaes,
qual ironia terrível, a conceituar as infracções do domínio da lei
ordinária e as infracções do dominio da lei militar, com o
auxilio das mesmas expressões grammaticaes, das mesmas
phrases, dos mesmos vocábulos, quiçá da mesma virgulão,— es-
clarecendo, dessa feita, que, afora o elemento militar de pessoa
(a phrase dos códigos militares começa em regra com a phrase—
(1) ARTURO BRUCHI, / Tribunali Mitttari, cit-, pag. 00, nota 1,
62
todo o individuo pertencente ás classes armadas...) o código mi-
litar é copia servil do código commum (1).
Prova l-o? Em cada espécie delictuosa ? Fora tarefa extenuan-
te, de exegese ã lei codificada. Sntisfaz-nos, um dos muitos cri-
mes civis <•) de soldados— o crime politico. Sobre elle preceitua
a lei do cidadão, sobre elle dispõe a lei do militar. No em tanto, se
ha crime de direito commum, é esse o crime politico, seja qual fôr
o seu anctor, — simples paizano ou praça do exercito»
Nesta ríi mi li ca cão da delinquência mais se accumulam ainda
os excessos do dualismo. Nem mesmo se fazem militares taes
crimes pelo facto de serem imputados a indivíduos das classes
armadas: o militares também quando se attribuem a
paiza-nos, como é frequente acontecer nos casos de alteração
da paz publica ou sitio.
Comprehende-se que, a mais tristes resultados do que este,
não consegue attingir a hermenêutica das bayonetas. Felizmente,
porém, para alguns juristas, bem intencionados, é franco o repu-
dio á idéa de se considerarem infracções militares as infracções de
direito commum, de fundo politico, mesmo quando praticadas por
militares.
A seita separatista não convém nisso, porém, e, num re-
pellão brutal aos dictames do Direito, soergue em delictos mili-
tares, actos cujo traço cardeal reside no ataque, na ameaça á
Constituição de um Estado, actos, por. consequência, de
formação absolutamente pertinente ao digo geral. Em nossa
vida jurídica ha, graças a Deus, tentativas para se põr um termo a
tão grande disparate. O pranteado Carlos de Carvalho, na expo-
sição de motivos dos códigos de 1890, pedia que os crimes de
caracter politico, quando commettidos por officiaes
generaes, devessem ser da alçada do Supremo Tribunal
Federal (2). E mais decisiva que essa lição, é acceita pela
exposição de motivos do deputado Estevam Lobo, que
acompanha a orientação de Ma-
(1) Perlnslre-se o nosso direito ou o direito estrangeiro e, cotejando-se ambos os
corpos legislativos, deduzir-se-á quanto é verídico nosso asserto. Entre nós, por exem-
plo, e tomando os factosao acaso, correspondem textualmente on com levissimas al-
terações, aos arts. 124. 128, 129, 266, 205, ele, do código ordinário, os arts. 101,
104,105, 148, 152 do código da armada (resistência, tirada de presos, alternados ao
pudor, lesões corpora es). Nem se diga que o código da armada seja alrazirlo. E'. Nao,
pom, neste ponto, onde elle concorda e segue os passos dos paizes enropeos e ameri-
canos.
(t) Projecto do Código de Justiça Militar, em 15 de Agosto de 1890. Expo-
sição do motivos, cit., IX.
48
0
— 03 —
gnasco e, só ella, denota, até certo ponto, a que série de erros le-
vam as exigências da escola dominante (1).
O soldado pôde praticar um crime politico. Eis ahi uma asse-
veração verídica. Mas, do facto do crime politico ser praticado por
um soldado não se deduz que o crime seja militar. Não. A infracção
sesempre uma infracção de direito commum. O aggrupamento
separatista deseja-a, porém, militar.
Atinai, os escriptores chegam-se ao bom caminho:— ou con-
fessam, como um dos mais respeitáveis, que a via preferível paca
se cortarem duvidas e vaci Ilações é a de se designar cada
infracção em particular, uma aflirmação tacita de que não ha
conceito militar para os chamados crimes impropriamente taes;
ou escrevem que estes delictos são rigorosamente communs, mas
carecedores de leis e penalidades severas e promptas, desculpa
sem justiflealivas, pois que ella envolve questões relativas á pena e
ao direito judiciário, quando, repelimos, unicamente tratamos da
natureza do crime, do acto delictuoso militar. Se crimes de Índole
ordinária carecem de castigos severos e rápidos, não deixam, por
isso, e porque praticados por militares, de ser crimes ordi-
nários.
Mas, valimento incontrastavel em prol das idéas que vimos de-
fendendo, reside nas tentativas, sem numero, que os pai/.es civi-
lisados emprehendem com o Hm de tornarem aos dominios dos
digos penaes communs, aos juizes ordinários, os chamados cri-
mes impropriamente militares. Uma rápida enquéte dil-osin- ,
gelamente. E é fácil perceber que não devemos separar, por In-
fenso á clareza de exposição, o direito substantivo do adjectivo.
Na Allemanha, conforme palavras de Seuffert (2), já se em-
pregaram esforços no sentido de se reduzir a situação especial dos
militares (tocante á organisação judiciaria, ao direito penal e ao
processo) ás infracções puramente militares, e tendo relação com
o serviço. Na Áustria, quando Bergmayer, conselheiro junto á corte
de cassação militar, recebeu, em 1837, por um rescriptq imperial,
o encargo da elaboração de um novo código militar, prescreveu-se
que a tarefa devia cingir-se quant aux crimes et délits com-
muns aux prescrir tions du code penal yénérale de 1803 si \les
circonstances particulières de 1'armée ne demandaient pas dei
Imoãifications. O projecto proposto por Bergmayer, cinco annos
(1) Exposição, cil-, pag. 8.
(2) HERHANN SKOFFERT, na obra de Uszt — « Lr Droil Criminei des E'tatt
Européent*. pag. 323.
64
d pós, em 1842, não foi, entretanto, sanecionado pelo imperador
(l).
Na França, a questão assume certa feição Interessante.
Antes de 1789, dizem Chauveau e Hélie, aos juizes ordiná-
rios cabia o conhecimento dos delictos communs praticados por
soldados, a menos que se não praticassem em campanha, bem co-
mo o conhecimento de todos os crimes e excessos commettidos
por militares, mesmo nas guarnições e pateos de serviço, contra
paizanos (2). A Assembléa Constituinte assentou, quanto a essa
matéria, que a separação das duas jurisdicções, a militar e a or-
dinária, repousava no caracter excepcional ou commum do delido
a julgar-se. Os crimet communs, mesmo praticados por militares,
eram da competência da justiça ordinária (3). O delicto militar
era, então, a violação, definida por lei, do dever militar. Toda
infracção que não atacava immediatamente esse dever era de di-
reito commum, e por outro lado, só era militar a infracção quando
commettida por pessoa pertinente ás classes
armadas (4).
A Convenção Nacional confundio estes princípios. Como a
Constituinte dispuzera a legislação somente para a paz, ella fez do
estado de guerra o estado normal, estatuindo que todos os delictos
praticados por militares, fossem communs ou especiaes, deviam ser
deferidos aos tribunaes militares. E a jurisdicção deste invadio,
d'est'arie, a jurisdicção civil*, tanto mais quanto o cúmplice
paizuno de um militar vinha a cahir sob sua alçada. (5). O
Directório não modificou este estado de cousas senão li-
geiramente, porquanto, se a lei do 22 Messidor, mino IV, restringiu
a competência excepcional somente aos indivíduos pertencentes ás
classes armadas, os delictos militares comprehendiam todos
aquelles commettidos por militares. Dessa feita, cerceou-se a
competência quanto aos indivíduos e não quanto á natureza
do facto (6). As leis posteriores acabaram de confundir esses assum-
i
(I) IIHDEM, pag. 403.
(!) CKAOYEAU et HÉLIE, Thiorie du code penal. I, pag. 41, n. 04.
(3) IBIDEM, pag. 41, n, 65.
(4) IBIDEM.
(s) IBIDEM, n. 66.
(6) IBIDEM, D. 67.
68
1
05
|ito, conforme a exposição seguinte de Pradier-Fodcrc c Paure o
lestemunha (I):
Os conselho* de guerra conhecem de todo» o* crimr r/c-
lidos mesmo n<lo militarei, com mell idos por militares ou func-
cionarios assemelhados, salvo as excepções que lei indica. Esta
disposição do art. 55 resolve unia questão que dividiu, por muito
tempo, os criminalistas. A regra que elle preceitua, com e (leito,
nem sempre prevaleceu. Em 179», em I7PI e mesmo no projecto
do código militar de 1829, a lei distinguia, para se regrara com-
petência, os crimes e os delidos contrários ao dever eommum e
praticados por militares, dos crimes e delidos contrios ao dever
C ú prollssão das armas. Os primeiros iram processados perante
os triliunaes ordinários cos outros perante os conselhos de guerra.
« Aos olhos dos legisladores de eiilão,—entra ido para a car-
rejra das armas, os militares não deixavam de ser cidadãos e de,
por isso, Bear sujeitos ás leis gentes e á justiça ordinária do pai/.,
em lodos os crimes e delidos praticados fura dos seus deveres e
de sua profissão militares.
« Mas as leis de IA de Maio de I79t; do 3 Pluviose anno li;
do 2* dia complementar, anno III; do ti Metwidor, anno IV ; do
13 Brumário, anuo V ; a Constituição do 22 Primário, anno VIII;
e 0 decreto de 21 de Pevcreiro de 1803, estabeleceram, como prin-
cipio, n competência gemi dos conselho» de guerra...» (1).
O código de 1857 acceitou estas idéas e de tal modo o fez que
Chauveau e lie perquirem M não e estranhavel que as saldas
regras do culo XVI sejam inutilmente solicitai!.is no século XIX
(3). E, da forma seguinte, os auclores da lei ds 9 de Junho de 1857
assim fundamentaram seu proceder : » As duas jurisdicçúes são
hoje egualmente destinados a garantir o respeito ás leis geraes.
« O projecto preferencia ao juiz militar, porque é o juizo
natural do exercito; porque, mesmo violando a lei
eommum, o militar ufio perde esta qualidade;
porque, sujeitar o exercito á justiça civil, quando o não exige
uma necessidade imperiosa, equivale a confundir aquillo que
deve ser rigorosamente separa-
(I) PatlMa-FoMal el AntuO. U tstu», Commintairs tur te eoáe ds juilics
wililairc, 1873, Paris, art. M.
(S) Ver, l lai respeito. Kouclier, CommtnUUr» tur U eade às juslies mitilsirs
pour Carmis ds ferre, Pari», 1838; Augier el l.e 1'uilleiin. TraiU Ihéorisus ef
pratique ds ilroil pinai miiftairt, cil., I, pef. 1 e SBKS. As excepções a que aliuile>
trecho supra tio as constantes do art. 273 dodigo mililur de terra de IM7.
(31 I".II,MVKAU et HtLie, TMorie du codv penal. ril.. I, peg. 41. S.M.
90
- 66-
do; equivale a abrir uma fonte de condidos lamentáveis, a tirar
á pena que castiga o soldado, nquillo que a torna exemplar e
prompta isto è, a rapidez» (1). H
Exposta, ainda, pelos auctores de direito penal militar, essa
doutrina levanta, no emtanto, protestos calorosos. Se, de um lado,
argumenta-se que lia um interesse superior ordenando que os
militares permaneçam subordinados, absolutamente, ás mãos de
seus chefes e que autoridade alguma, ainda que judiciaria, estra-
nha á herarchia militar, intervenha na repressão das infracções
militares (2), por outro lado, tentativas lega es, além das mencio-
nadas, e auctoridades de valor, suffragam a orientação opposta.
Assim, deixando de parte o projecto de lei de 1829, cuja
commissão propunha restituir « aos tribunaes ordinários o jul-
gamento dos delidos commetttdos por militares contra o direito
commum », é para se notar que a exposição de motivos do projecto
de 1899, pedia, d'entre o numero das reformas, «a sujeição, á
jurisdicção ordinária, em tempo de paz, dos crimes e delidos de
direito commum », com excepção d'aquelles commettidos em
execução de serviço e das vias de facto entre militares da armada
activa. O relatório não se limitava a apontar a idéa, mas analysou-
a, commentando e refutando o parecer, tran-scripto acima, da
commissão de 1857. Disse como o adegado d'es-ta não procedia,
entre outros motivos, porque :— dizer que, no sujeitar o exercito á
justiça civil es uma fonte de condidos lamentáveis, equivale a
argumentar com evidente petição de principio, porquanto a
questão está precisamente em se saber se convém separar duas
ordens de factos claramente distinctos, isto é, a violação dos
deveres impostos a todos e a violão dos deveres impostos aos
militares; equivale a inverter a ordem das cousas, porquanto, quem
o que os condidos são muito mais numerosos »'umisystema
que, para determinar a competência, não se alem «unicamente á
natureza do acto, á qualidade do auctor, mas a cir-cumstanclas
fortuitas que, ao acaso das descobertas da instrucção, arriscam
fazer passar e repassar duma jurisdicção a outra o eo-
(1) Expoté des motifi du projet de loi sur les modificationt à apporler au
fonclionnemcnt de ia justice mililaire. (liêposé te l4Aovembre I899J. Km ait-nexo ao
projecto de reforma dos rodigos de justa marítima e terrestre apresentado ;i Camará
dos Deputados em nome de Emílio Loubel, pelos ministros At Justiça e Guerra, | general
André c Munis. (Chambre dei Deputes, sepliême Uyislature, seision de\ 1901,
annBxe au peocès-verbat de la anee du'24 J/aí 1901J.
(2) WILBBI.M, Commcntire des eodes de justice maritime et militairc, cit.,
pag. 132.
&ma
nhecimento da causa?» De resto, diz o relatório, á affirmativa de
que o soldado não perde sua qualidade militar quando viola a lei
commum, antepôe-se aquella outra, mais lógica e justa, de que, ves-
tindo o uniforme, o soldado não deixa de ser um cidao e, como
tal, subordinado á lei do cidadão, á lei ordinária (1).
Referindo-se ao projecto do deputado Massé e sessenta e oito
companheiros, em 9 de Junho de 1899, Henri Barboux explica co-
mo elle tem por base a limitação da competência dos conselhos de
guerra,.pela subordinação dos crimes punidos pelo código penal or-
dirio á jurisdicção civil. Este ponto da reforma, vaticina o mono-
graphista francez, será aquelle que mais ardentes controvérsias
levantará (2).
Egualmente, o projecto Clemenceau, apresentado ao senado em
11 de de Junho de 1903, composto de 42 artigos, toma, como base,
a limitão da competência dos conselhos de guerra ao conheci-
mento dos delidos exclusivamente militares (3).
Antes d'elle, porém, o projecto já citado, apresentado em no-
me de Emílio Loubet, pelos ministros de justiça e guerra, Mouis
e general André, á Camará dos Deputados, faz sentir, em 4 de Abril
de 1901, que a medida relativa á sujeição do soldado, por crimes
civis, aos tribunaes civis, deve ser acceita no corpo da legislação.
O relatório excusa-se de repetir os argumentos da commissão de
1899 (14 de Novembro) em tal sentido, limitando-se a enunciar a
proposta nos seguintes termos :— Rattachement â la juridiclion
ordinaire, en tempsde paLv, des crimes et dèlits de droit commun,
sauf ceux commis dans 1'execulion du service et ceux relatifs aux
voies de fail, oulrages et menaces entre militaires prisents sous
les drapeaux (4).
E nem se deixam implorar, os votos da bòa doutrina, neste
particular. São de Laboulaye as seguintes sensatas pondera-i
ções : .«. . as reformas e as promessas do Acto Addicional ca—|
hiram com o Império e com elle se não ergueram.
«A primeira d'estas reformas preceituava:—« somente os delic-
tos militares são da alçada dos tribunaes militares. Todos os demais
(1) Ver, para maiores esclarecimentos, o cil.. Exposé des motifs do projecto de
1899, cil. 'lOC, pag. 152-154.
(2) IIESIH BARBOUX, Projet de reforme de la juridiclion militaire, cil.,
pag. 13.
(3) AOGIER et LE Porrrsvis, Traité tliéorique et pratique de droit penal mi-
litaire, ai., I. pag. 13.
(*) Projet de lai portant rtforme du code de justice militaire pour l'ar-mée
de terre, cil., Chambre dei Dépulét, teiêion de ISOl, annexe, pag. 116.
— 68-
áclictos, embora praticados por militares, são da competência dos
tribunaet civis». Foi Benjamin Constant quem introduzira estes
artigos no Acto Addicíonal, e por duas razões:
« A primeira — é que num povo livre, a egualdade diante a
lei é um principio absoluto. A Revolução supprimiu a jurisdicção!
previlegiada do clero e da nobreza ; porque conservar a do exer-
cito nos delictos communs ? Não é extravagante que, para' um\
soldado que assassina ou rouba a umpaizano, haja um tribunal,
diverso a"aquelle em que se julga o paizano que assassina ou
rouba a um soldado ? E' possível que um conselho de guerra seja
mais severo do que umjury, ou que o seja menos-; no primeiro
caso tem o direito de se queixar, o réo: no segundo, a victima.
Para um mesmo crime deve a justiça ser egual para todos ; só é
possível esta egualdade sendo, quer os juizes, quer as formas,
idênticos paratodos os casos.
< A segunda razão que tinha decidido a Benjamin Constant,
esno abuso, que se fizera, das jurisdicções militares, sob a Re-
volução e sob o Império. Benjamin Constant sabia, por experiên-
cia, que o perigo das justiças d'excepção não reside unicamente'
no privilegio, es egualmente na extensão que, em dadas occa-
siões, é fácil dar a taes tribunaes. Se um conselho de guerra é
competente para julgar um soldado cujo crime ou cujo delicio em
nada lesa á disciplina, porque não julgará insurrectos, conspira'
dores e, mesmo, pessoas que, por palavras e escriptos, hão incitado
á sedição ? 0 passo é resvaladio. Pouco a pouco, chega-se a julgar
militarmente, paizanos, operários, escriptores. Todas as garantias
judiciarias desapparecem ante os temores dos governos...» (1)-
Por seu turno, Chauveau e Hélie, pensam ser «necessário res-
tituir á jurisdicção ordinária todos os delictos eommettidos,mesmo
por militares, contra as leis geraes da sociedade »,—opinião abra-
çada, egualmente, em 1808, por Legraverend, sob a restrião de
sejeonsiderar delicio militar aquelle praticado entre militares, ou
lesivo á disciplina das classes armadas. E, embora alguém julgue
a questão, que nos preoceupa, de natureza duvidosa de celles
sur lesquelles il ett permis d'hésiter (2), a sua solução
verdadeira ganha sempre valiosos partidários, sendo licito affir-
(1) LABOULAYE, Le Parti Liberal, son programme et sou avmir, 1875, Paris,
cap. XVI, pags. 234 e segs.
(2) JULKS DIF.TZ, La] reforme dei conteilt de guerre, ril., pag. 511,
— 69-
mar, com um escriptor que — a extensão do poder jurisdiccional
\militar às infracções de direito commum, não se concebe mais e
não se explica de forma alguma. (1).
Na Bélgica, Dumortier, em 1836, pedia, na Cama dos Repre-
sentantes, le renvoi aux juges ordinaires de tous les crimes et
élits commis par des militaires autres que les crimes et lits ptir
\rement militares ou commis entre des militaires. Mais ampla do
que esta, era a proposta Orts, em 1853, desde que não
excluia da compencia ordinária os crimes communs
praticados entre e por militares.
Se outrora, em Portugal, os militares perdiam o privilegio de
foro em vários crimes, como resisncia, lesa magestade, contra-
bando, furtos tocantes á fazenda real, etc, o código de justiça
militar prevê os casos nos quaes os militares respondem perante o
foro ordinário (2). ConOictos incessantes amiudam-se, sempre,
eqtre o direito geral e o particular, e a ponto de se sustentar que
fora mister conceder «competência aos juizes militares para jul-
garem todos os indivíduos pertencentes ao exercito, sem distinc-
ção da natureza do delicio, nem da qualidade do o, nem do lugar
do crime» (3).
Na Hespanha, os crimes civis de militares, sujeitos ás leis
ordinárias, se contam em grande numero, expressamente de-
marcados em lei. O código de justiça militar, no seu artigo treze,
dispõe que os «militares e demais pessoas enumeradas nos arts. 5,
6 e 10, serão julgados por tribunaes ordinários» nas causas de
allenlato e desacato a autoridades não militares, falsificação de
moeda, de bilhetes de banco, de (irmãs, sellos, marcas, etc,
adultério, estupro, injuria e calumnia que não constituam delicio
militar, delictos de imprensa quando o militares, delictos com-
muns praticados durante a deserção, etc, etc (4).
E não nos demorando, por ora, com a recentíssima lei sobre a
jurisdicções militares (1906), destinada a compescer, com guante
de ferro, as agitações separatistas da Catalunha, é claro que o
código hespanhol mostrou proseguir na rota traçada por Quesada
(1) RENÉ GUYON. f.f foncíionnement des conseils de guevre cn temps depaix, icit.,
pag. 113.
(2) CORRÊA, Processo Criminal Militar, cit,, pag. 8.
(3) IBIDEM, pag. 138.
(4) JAVIER UGARTR, Manual de formulários para la prdctiea dei digo de jiuticia
militar, Madrid, 1893, pags. 17-18. JOAQUIM GRACIA v HERNASDRC, Justicia Militar,
Madrid, 1904, I, pags. 25 e segs.
7
-70 —
e resumida na conveniência de se não confundirem os crimes
commettidos por militares, como membro" da sociedade, com os
que commettem como indivíduos da rígida religião das armas (1).
Na Inglaterra, ensina Ahrens possuído do» mais puros intentos,
os crimes communs dos sojdados são julgados pelos tribunaes
ordinários. No continente, não se isso porque a jurisdicçâo mi-
litar está imbuída do espirito da media idade que organisava a\
justiça conforme o estado das pessoas e o segundo a natureza
dijferente das causas. A justiça militar deve conhecer dos cri-
mes e delictos que tenham caracter militar, como desobediência e
deserção (2).
A verdade, porém, hoje, é que as cortes marclaes inglezas
julgam também as infracções de direito commum. « Afim de .->e
dar, ás cortes marciaes, completa jurisdicçâo sobre os soldados,
ellas o autorizadas a julgar e punir os militares, por crimes
civis, particularmente por crimes que.se praticados na Inglaterra,
são puníveis pela lei da Inglaterra» (3;. Comtudo, não se submet-
tem a tal jurisdicçâo, os crimes capitulados na secção 41 do Army
Act, sob o titulo Offenses punishable by ordinary lato
treason, murder, manslaughter, treason-felony, or rape (4). São
estas as mais serias infracções the most serious offenses e,
ainda acerca das mesmas, a lei ingleza faz distincções, conforme
0 réo está em serviço activo ou conforme a situação da praça onde
se deu o facto, etc. (5).
Difficuldades surgem, também aili, quanto á matéria de com-
petência, expostas pelos auctores. No emtanto, é exactíssimo que,
na Inglaterra, sob a farda do soldado, está um cidadão a soli-
dier is nol only a solidier, but a citezen also e que « a lei in-
gleza, nesta matéria, differe da de alguns paizes estrangeiros, e
um individuo que se faz soldado não deixa de ser um cidadão. Se
elle pratica uma offensa contra a lei ordinária, elle pôde ser jul-
gado e punido como mero cidadão, e em sérias responsabilidades
incorre um oflicial que recusa entregal-o ao magistrado civil, sob
requisição» (6).
(1) JOÃO VIEIRA DE ARAÚJO, Direito Penal do Exercito e tia Armada, cit.,
pag. 65.
(2) HENM AHRENS, Court de Droit naturel, Leipzig. 1875. II, pag. 443.
(3) Manual of Military Lato, cit., pag. 107. Enciclopédia Brilannica, verb.
military lati).
(4) Army Aet, s. 41.
(5) Veja o Army Act. s. 41.
(6) ReMion of officicrs and eoldieri to civil life, no Manual of military
1 aw, cit., pag, 266.
-71 -
Aliás, está ahi.unfdos muitos signaes por que a Inglaterra vê,
coro desconfianças, a lei excepcional do soldado: naquelle paiz,
diz Tlionson (1), o Poder Judiciário fica inteiramente livre para
exercer inspecção (contvol) absoluta sobre todos os delictos
commettiilos fora do serviço militar.
Na Itália, ensina Bruchi, as mais reputadas autoridades advo-
gam a causa da exclusão, dos crimes civis dos soldados, da lei penal
militar. Melhor que quaesquer argumentos, dizem os testemunhos
invocados (2).
Assim, a prosito do código penal marítimo, em 1868, Cor-
rado orava :
«Se se quizer emendar o presente código no seu complexo,
o deixarei de observar que é na sua inteira economia que se faz
precisa uma reforma, que é absolutamente necessário emprehen-
der uma modificação radical nelle. São attribuidos á jurisdicção
excepcional dos tribunaes militares muitos crimes communs os
quaçs (3), em dados momentos, poderiam comprometter a li-
berdade e a independência, direi mesmo, da nação. Temos
no código militar e da marinha os crimes contra a propriedade, o
furto, as prevaricações, mas estes são crimes communs nada tém
a ver com a disciplina propriamente dita. Se se diz a um militar
: vós tendes traindo ao Estado, eu pergunto se este crime é um
crime militar. Digo: — não; é a nação inteira que se preoccupa cora
este facto e, no caso, é sempre o tribunal ordinário que deve
decidir. Tendes commettido uma prevaricação, tendes abusado do
dinheiro publico que vos era confiado, na qualidade vossa de oflícial
contador ? Mas, eis ahi uma questão que também deve ser con liada
aos tribunaes ordinários.
«Porque occuparos juizes militares com queses que fogem,
absolutamente, ás suas attribuições, aos seus conhecimentos, aos
seus hábitos ?»
Abundando nas mesmas considerações affirmava Còrle : «o
posso senão associar-me ao honrado Corrado quando elle se
admita de que perante os conselhos de guerra se julguem o
furto, a prevaricação, o falso, a traição, e outras cousas seme-
lhantes que não são crimes militares. A traição è um crime poli-
(1) THONSON, /'Vce Government, apud I)R. JOSÉ MARIA MORENO, Informe, cit.,
pag. 360.
(2) A. BRUCHI, / Tnbunali Alililari, Cif., cit., pags. 36-39, nota.
(3)_0s gryphot silo nossos.
tico, em que não têm que scnlencear, tribunaes militares. De-
sejaria que se estudasse, pois, um novo systema de legislação
militar».
Tamm falava Crispi, em 1870: «Egualmente, o falso, a ca-
lumnia, o abuso de confiança, o furto, a fraude, o homicídio e
todos os crimes que chamarei crimes communs, seja o imputado
soldado, seja simples cidadão, não podem ter elementos consti-
tuídos diversos d'aquelles que o código commum estabelece».
E mais tarde, em 1880, elle repetia: «O falso, o furto, a frau-
de, as infracções contra a ordem da família, as lesões, o homicídio,
ele, devem ser punidos do mesmo modo, quem quer que os com-
metta, simples cidadão ou soldado».
I Mora na, sustentando as mesmas bellas idéas, exprimia-se:
«Não comprehendo porque o ladrão militar, porque é militar, é
um ladrão differente de todos os outros ladrões da sociedade... Se é
um cidadão como todos os outros, se o ha privilégios, se todos
somos iguaes perante a lei, se o exercito, hoje, não é mais uma
casta, os militares imputados de crimes communs devem ser en-
viados á justiça ordinária, aos juizes naturaes».
Finalmente, Villa pregava: «Ha infracções que são uma offensa
ao direito commum. Então, para que uma jurisdicção excepcional ?
O furto que se pratica entre militares terá feição differente
d'aquelle que se pratica por um militar com prejzo de ura paizano
ou de um paizano com prejuízo de outro paizano ? O assassínio,
agrattazione e outros crimes, numa palavra, que sejam contempla-
dos no código penal commum, podem ser, porque commettidos
por militares com prejuízo de militares, definidos, determinados,
punidos, com critérios diversos?... Mas é possível, repito, que
ainda se fale de jurisdicção excepcional para crimes que perturbam
a ordem publica e são contemplados no código penal
ordinário? Para os crimes communs commettidos por
militares, a mais verdadeira, a mais positiva, a mais justa xima,
èaquella que os reconduz á legislação penal commum».
E, cada vez que se cuida em reformar os códigos militares,
voltam a lume estas idéas, o brilhantemente defendidas no par-
lamento italiano.
Na União Americana, diz Carlier, em se tratando de militares
em serviço, ha uma distinão a fazer-se: —ou o caso è de crime ou
delicto commetlido por soldados em pessoas ou propriedades de
civis, sendo, então, os auetores, entregues ás auetoridades civis
(excepto no caso de guerra), afim de julgal-os as cortes
7
-73 —
criminaes de direito commum, conforme a lei civil. Não ha, aqui,
infracção a lei militar e a condição do culpado não o pôde sub-
trahir á jorisdicção dos tribunaes ordirios. Ou a hypothese é de
um crime puramente militar, de um crime que viola os regula-
mentos das classes armadase, então, o réo fica subordinado ás
cortes marciaes (1).
Como é claro, d'ahi decorre a lão de que o característico
predominante na questão de competência dos tribunaes civis e mi-
litares, está no objecto da infracção. Assim querem significar as
disposições dos artigos de guerra americanos (2).
Como, pom, a determinão do delicio impropriamente mi-
litar é dependente de caracteres fortuitos, a doutrina labuta nas
mesmas dificuldades de outros- paizes. O chanceller Kent, pro-
curando saber se as cortes militares e navaes têm poderes con-
currentes, nos casos de crimes militares e navaes, aflirmou que
isso parece ter sido deixado— ot un uniettled question in the
case ofthe V. Slatet v. Mackensie (3). A a doutrina, no em tanto,
diz elle,a sounder doctrine, however, is that the act of Congress
ofApril, 23, 4800, creating a naval code of martial taw for the
trial of crimes and offenses committed in naval service, withdrew
the cognizance of crimes of civil juridiction, and placed them cx-
clusively in courts martial, acting under a distinct and peculiar
code and which Lord Mansfield termed «o sea military code, which
the uisdom ofages had formed» (4). E transcreve Kent os parece-
res de Lord Mansfield e Lord Longhborough, estabelecendo a ne-
cessidade de exclusiva jurisdicção militar no caso de crimes com-
mettidos em serviço naval—for it is in that service that comman-
ders must act «upon delicate suspicions, upon the evldence of their
own eye; that lhey must give desperate commands, that lhey must
require instantaneous obedience; and a military tribunal is capa-
ble offeeling ali these circumstances» (5).
llare, no em tanto, acostando-se ao principio britannico de
que os militares — shall be subordinate to the civil authori-ties,
and accountable for what they do in ordinary coime of justice,
even tvhen tliey are employed to disperse a mob by force of
(1)
C
AULIM
,
La Republique Américainc,
Paris, 1890, III, rap. VIU.
(2) Compiled Stalutes ofthe United States, 1901, Vol. 1, sec. 1342, Arti-cies ofwar,
59.
(3) KKNT, Commenlariet on American Lato, Boston, 1890,1, pig. 341, a.
(4)
I
BIDEM
.
'8) lBIDKM.
arnuor acling ttnder the arder» of lhe chief magistrat or a mili-
tary superior (1),—mostra-se partidário do não exclusivismo da
justiça militar, pois dar jurisdição exclusiva aos mesmos tribuna
es seria erguer os soldados acima dos juizes —and soldiers mightl be
cmploycd to overawe the judges or intimidale the people veith the
certainty of an acquitlal by court* composed of the o/Jicersl who
had ordercd or participate in the outrage (2,.
Na Republica Argentina, n legislação militar repressiva re-
pousa no critério de cansa militar, e, de accôrdo com elle, é cri-
me militar qualquer crime praticado por militar ou paízano, desde
que ataque a ordem e o interesse militares. Não se levando, pois,
pela orientação bi-partida queanalysamos, nem por isso os chama-
dos—crimes impropriamente militares
deixam de figurar no digo militar.
Figuram, em grande cópia, mormente nos tit. IV, V e VI do livro
segundo-
Mus, abrigando-os, a commiso organisadora não deixou de
sentir que «m digo Militar debe ser parco en preeeptos concer-
nientes á los delitos dei primer carácter, (isto é, delictos com-
muns que ficam sujeitos aos tribunaes militares em razão da qua-
lidade da pessoa ou do lugar do crime); cl Cõdiyo Penal ordiná-
rio los comprende en su legislación tine solo debe sitfrir limitadas
variadoras en et derecho militar, teniendo en consideración las
circunstancias espccialcs que puedan influir para aumentar 6 di-
minuir las penas (3).
Mitre, no Parlamento, se insurgira contra ajurisdicçãomi-
liiar applicada aos crimes communs e políticos (4), explanando-se,
este assumpto, por occasião do julgamento do Coronel Mariano'
Espina, aceusado do delicio de rebelliáo. Espina tomara parte nu
sublevação de torpedeiros da armada argentina, embarcando numa
d'ellas com o propósito de se incorporar á esquadra que suppunha
egualmcnte sublevada e sendo forçado a render-se ante os fogos
da mesma esquadra. A corte suprema considerou, o facto, de com-
petência dos conselhos de guerra, mas os votos'vencidos dos drs.
Benjamin Paz e Jo Maria Gutierrez nada deixaram a desejar no
sentido da bôa these. Tratava-se de um crime praticado em um
(1) IIAHE, American Constitucional Lme, cit-, pag.929.
(2) IBIDKJI, pag. 933.
(3) OSVALDO MAGNASCO, Códigos Militarei de la fíepuhlica Argentina, ril.,
Informe de la comisión, pag. .14.
(4) MITRK, Discurso pronunciado na Camará doe Senadores, 1869, apud
AMÂNCIO AUORTA, Las Garantias Constitucionales, cit., apêndice, pag. 339.
06267224
-75-
navio de guerra ; no cmlanlo, os votos vencidos, com vigor des-
uzado de argumentação, contestaram a indole militar da infracção,
reconhecendo, nesta, feão politica ou commum, de competência
federal (1).
E entre nós ?
Sufraga a heteroclilica doutrina, a lei escripta. demos pro-
vas d'isso. Votos valiosos, porém, propendem para a
corrente res-trictiva. E, estudando o instituto
do direito penal militar, entre s,
ichegar-sc-á á conclusão de que, neste
particular, a orientação jurídica brazileira anda apartada do
dispositivo claro da lei.
Queremos dizer,—o texto constitucional, falando em delidos
militarei (an. 77) deve ser interpretado de accórdo com o art. 0,
lettra 6, do código penal commum, que exclue do seu império
«os crimes purament militarei, como taes declarados nas leis
respectivas». E assim, não terão foro especial, nem serão aco-
lhidos emdigo aparte, os chamados «crimes impropriomente
militares». E' essa uma inferência do espirito da lei, cuja veraci-
dade se patentea com poucas palavras.
.Historicamente, sabè-sê que, desde 1820, a questão tirou re-
solvida em prol da escola unificadora. Na sessão-jle :tl de Julho
de 1826, na Gamara dos Deputados, Jo Clemente Pereira, a pro-
pósito do projecto de lei abolindo o privilegio de foro pessoal,sus-
tentava que, para os elfeitos da compencia militar, eram crimes
meramente militares somente «aquellcs que os militares cominei -
tem por falta de. cumprimento das obrigações a que estão ligados
relativamente ao serviço e ã disciplina militar». «Toda e qualquer
outra transgressão da lei» acerescentava mais adiante, «que os im-
itares possam commelter, pertence á natureza dm crimes ciuis e
não de, por nenhum principio, ter alistada na classe do» crime*
meramente militares, sem manifesta infracção do art. 119 S 7<V
da Constituão, que admitte que flquem pertencendo a juizes
particulares aquelias causas que, por sua natureza, não podem
ser processadas no foro commum ;'e ninguém dirá que o serviço
militar exige que os crimes ciuis dos militares sejam julgados no
foro militar e muito menos se poderá mostrar que taes crimes re-
vestem a natureza de militares».
Essa regra, advertia o orador, só admitte excepção no único
(1) AMÂNCIO ALCORTA. Las Garantias Conslitucionnles, cit., apêndice, puc-j 370 e
segs. 1'altos de la Suprima Corte de Juslicia Nacional, » série, IOIQQ IV, W%- 377,
16531871
11217830
- w-
caso de tropa em campanha «por pedir o bem do serviço que todos
e quaesquer crimes dos militares sejam immediatamente julgados
â frente do exercito». Tratando-se de paizanos, Clemente Pereira
admiiiia fossem sujeitos á jurisdicção militar nos crimes de
traição, sedição ou tumulto, praticados no meio do exercito em
campanha, a bordo de algum navio armado em guerra, ou praça
sitiada.
Nos mesmos lermos restrictivos da lei militar falaram outros
deputados. Cunha Mattos destoou do concerto de então, mas,
assim mesmo, queria a jurisdicção militar applicada aos crimes
civis, praticados por soldados, somente. O soldado, argumentava,
deve ser castigado militarmente se está de serviço militar, embora
pratique um crime civil, como um roubo. «A mais pequena rixa,
uma pancada qualquer, outra questão insignificante, será levada á
presença dos magistrados civis, e aquelle soldado que poderia ser
castigado com 3 ou 4 guardas ou sentinellas dobradas, com uma
fachina, ou outro castigo disciplinar e de mera correcção, irá jazer
num calabouço, sem servir, e vencendo soldo e descançado, em-
quanto o ministro manda formar um auto, notificar testemunhas,
proceder ás inquirições e aos mais termos da chicana, até dar a
sentença que, talvez, seja a de se r em liberdade aquelle mesmo
que se conservou ocioso na prisão; quando, a ser punido pela
auetoridade militar, podia servir de exemplo, no caso de soffrer
castigo, e também podia estar ajudando no serviço dos camarada.
Em opposição a taes conceitos falaram alguns membros do
Parlamento. Vergueiro, entre outros:—a Constituição « re-
servou o foro das causas puramente militares; logo, estas e não
outras podem sahir do foro ordinário Como é que podemos con-
templar os crimes commettidos em taes e taes lugares como de-
lidos militares, se elles são civis e, como taes, reconhecidos e
declarados pela Constituição debaixo da regra geral porella esta-
belecida ?»
Lino Coutinho, a seu turno, argumentava: a emenda Cunha
Mattos é contraria á Constituição. Acceital-a, seria reviver o foro
de pessoa. «Os militares, senhores, serão julgados militarmente
por conselho de guerra, quando commetterem crimes relativos aos
seu oficio de soldado, porque, então, dar-se-á o foro de causa; mo*
quando perpetrarem delidos de outra natureza serão processados
pelos tribunaes ordinários; porquanto de outra maneira haveria
o foro de pessoa, pela simples circumslancia de haverem jurado
bandeira e sentado praça».
« O roubo de uma caixa militar» continuava o orador « é o
mesmo que o roubo de um erário, de uma casa particular, etc, e|
as consequências que d'ahi se podem seguir devem aggravar o de-
licio, mas nunca mudar a sua natureza».
Souza França, Baptista Pereira, concordaram com essas afir-
mações, conforme attestam os Annacs.
A linguagem dos legisladores de então exprimia bem o pen-
samento que os assoberbava:—confiar, á lei judicante militar, uni-
camente os ditos crimes puramente militares. A idéa de juntar a
estes, entregando a conselhos de guerra, os delictos civis de sol-
dados, em serviço (nole-se—em serviço) não foi acceita petos ora-
dores que saliiram a campo, embora a defendesse Cunha Mattos (1).
Assim, o Rrazil de 1826 dava lições de pureza constitucional ao
Brazil de 1906. Porque, bafejada por auras tão sadias, a lei militar
Uesvirluou-se, o se conteve dentro do quadrado em que a lança-
ram os defensores da Constituão; rompeo as muralhas que se lhe
oppunhame veio a abranger, afinal, quaesquer infracções praticadas
por soldados, das mais particulares ás mais communs,—as lesões,
o homicidio, os attentados ao pudor, o furto de objectos pertinentes
ou não á milícia, os ferimentos em civis... O artigo da Constituição
Imperial que prohibia privilégios de foro incrustou-se na- Consti-
tuição da Republica. Esta, exceptuou do foro commum, as causas
de natureza especial. Mas, os defensores do lei commum, em 1826,
o mais existiam para contrapor, ás gicas dos interesses pes-1
soaes, a lógica da carta constitucional. E os códigos
militares foram avassalando aos seus textos as infracções de
direito commum, dando á expressão de art. 77 —delidos
militares—a mais larga, a mais absurda, a mais perniciosa
amplitude. Prolatores da idéa res-trictiva ficaram, é certo, na
brecha, pugnando pelas franquias do cidadão soldado. Mas, contra
o enunciado do seus tbeoremas, op-puzeram sempre, os prozelytos
do soldado, as arestas frias da hermenêutica marcial.
D'esie estado de cousas surgio o conflicto, a antithese, entre
os digos e as cortes militares, que sempre buscaram arrogar-se
a jurisdicção exclusiva sobre os regimentos, e a lei, os tribunaes
civis, que sempre procuraram encurtar o arbitrio d'essa jurisdicção
fardada. Não raro, venceram os bons preceitos. Para ajuizar-se do
embate, não é necessário devassar bibliothecas, varejar archivos,
(l i Ver os Annacs «'O Parlamento tíraziíeiro. Camará dos Deputados, sessão
de a Ide Julho de 1820.
20
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perlustracas collectanens mal organisadas,-repositório dos arestos)
de nossos tríbunaes. Basta manejar as paginas, compulsáveis a
qualquer momento, das revistas jurídicas brazileiras, da mais ve-
neranda d'ellas—d'0 Direito. Ler-se-á, então, o accumulo de in-
terpretações de que se ha lançado mão com o fito de se arrastar
para a lei punitiva militar as infracções as mais pronunciadamente
communs.
Compraz, todavia, em meio de tanto vexame legal, uma con-
sideração:—juristas não se deixam embair pelos rodeios da seita
dualista—mesmo aquelles que acceitam os dogmas fundamenta es
d'esta. Ruy Barboza e Thomaz Alves, por exemplo, restringem a
competência dos tribunacs militares aos crimes meramente taes.
Soccorrem-se da famosíssima provisão de 20 de Outubro de 1834,
cujos termos podem levar, a nosso ver, á maior extensão que»se
queira dar aos crimes militares. Não importa esse desvio de ar- J
gumentação desde que ambos os escriptores tiveram em mira res-
tringir a jurisdicção militar.
H «Mas, convertido em especial o foro até então privilegiado dos
militares, não se alteraram as regras de competência senão quanto
ao quadro dos crimes que pertencem á jurisdicção militar, isto é,
os crimes puramente militares nos termos ao art. 308 do cod. cri-
minal de 183.) e da provisão de 20 de Outubro de 1834» (1).
«Fora d'estes casos, isto é, sendo o crime civil ou commum,
o militar é julgado por tribunal commu (2).
Muito mais preciso e peremprio, o ensino de Barbalho: «E,
assim, o foro especial é uma condição de bóa administração de
justiça.
«Mas esse foro, reflicta-se, o é propriamente para os crimes
dos militares, sim para os crimes militares; porque no militar Da
também o homem, o cidadão e os factos delictuosos praticadas nesta
qualidade cabem sob a alçada da jurisdicção commum a todos os
membros da communhão civil; o foro especial é para o crime
que elle praticar como soldado, uti mites, na phrase do juriscon-
sulto romano.
(1) Ror BARDOZA, a'0 Direito, 6Í, pag. 403.
Falamos em desvio de argumentação por uni motivo :—jure condito, i jurisdic-i cao
militar reduz-se aos crime,* meramente militares, como diz o mr. Kuy. Mas cssfis
rrimes nao serão os laudos na provisão de to de Outubro, pois foi sempre com o auxilio
(Testa, que se abriram as portas á entrada, no pretório militar, de Iodas as infracções de
direito commum
(t) TIIOJIM ALVES JÚNIOR, Direito Militar,cil., II, pag. 135.
— 79-
«Affrontaria o principio da egunldade o arredar-se da justiça
ordinária o processo e julgamento de crimes communs, para uma
jurisdicção especial e de'excepção» (1).
A lição de João Vieira de Arjo, em commenlo ao art. 77 da
Constituição Federal:
«O direito brazileiro consagra o principio de só sujeitar á lei
e á jurisdicção especial, o crime puramente militar, isto é, o que
o militar commetie como tal» (2).
E, segundo se deprebende da exposição de um lente
cathe-dratico de uma das nossas Faculdades de Direito, é mister
acabar, de vez, com «a heteróclita categoria dos chamados crimes
impropriamente militares» (3).
Se pairam duvidas acerca da, existência da autonomia penal
militar em Roma, parece que ellas se não justificam quando se es-
tuda a questão dos chamados—crimes civis dos soldados. Neste
particular, a intransigência dos juristas vae a ponto de confirmar
que taes crimes eram sujeitos aos magistrados ordinários. O pró-
prio Viço dá-lhes, no direito romano, penas communs.
Parece, portanto, que as nações modernas, na sua escala
evolutiva, envidando energias no sentido de reconduzirem os crimes
impropriamente militares aos códigos c aos tribunaes ordinários,
tornam ao ponto de partida, ao direito romano. Por tal motivo um
escriptor deixou aflirmado que ellas, emquanto o o fizerem, tem
assignalado « um verdadeiro regresso, em relação ás leis justi-
neaneas».
Interessa-nos, aqui, a confirmação d'este passo para o unio-
nismo, examinado, ligeiramente, em rios paizes:não ha crimes
impropriamente militares; os que carregam este nomeo delidos
de direito commum, que devem ser sujeitos á apreciação dos -
digos e magistrados ordinários.
IV.— O verdadeiro conceito do crime militar. A funío das armas. As accessoes.
infortúnio legal. Contravenções de serviço- fiuritnmia jurídica. Os idola feri'.
A' vista do exposto, haverá a entidade crime militar ? Existia
infracção peculiar ás classes armadas ? Ha. Existe. Para
conceitual-a, porém, é necessário abrir mão de todos
(t) Joio liARBAl.nu, Constituição federal Brasileira, cil., pag. 343.
(2) Joio VIEIRA DE ARAÚJO, Direito Penal do Exercito e da Armada, cil.,
[aga. W c 61.
(3) ESMERALDINO BANDEIRA, no Jornal do Commercio de 19 de Novembro de 1903.
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os absurdos que acobertou a escola dualista; é necessário deixar
de ver, no soldado,—o privilegio — para ver—o funccionario,
exclusivamente. B' necessário que se retorne ao conceito primitivo
do crime militar, d'onde proveio, por ampliações successivas
e injustificadas, a noção boje mantida pela orientação
dominante.
Assim, para ser olhado em sua exacta estructura, é indis-
pensável ligar o crime militará funcção das armas e fazel-o de-
correr directamente d'abi como crime funccional, como crime de
estado militar, desacompanhado dos caracteres extrínsecos que
se lhe querem emprestar. O soldado é, sob tal aspecto, como mili-
tar, um funccionario. Tem suas exigências peculiares, de officio,
suas obrigações, seus deveres. Como funccionario éque elle pratica
crimes militares. A sua personalidade civil, visto não dizer
respeito á funcção das armas, é que commelte crimes
communs.
Dirme-íio que tal é a velha formula consistente em se enxer-
gar, no militar, para os e (feitos da repressão penal, o cidadão ao
lado do soldado.
E' sem duvida. E' a velha formula da doutrina dualista, mas
sem os seus absurdos, as suas ampliações desordenadas,—velha
formula em sua feição primitiva, única e verdadeira, que não au-
toriza o desprestigio da lei civil, que mais e mais a engrandece,
que conhece como militares aquelles factos que, genuinamente,
assim se podem denominar. Oulr'ora, na sua primeira phase, cila
foi verdadeira. E è ahi que a iremos desenterrar para a codorar-
mos pm posição egual ás das demais classes, como a classe dos
empregados do Estado.
H Como soldado, exclusivamente,uli miles o militar com-
meltia crime militar quando o facto que lhe era imputado, decor-
ria da funcção militar e não podia existir tem cila : quando de-
sertava, quando desobedecia, quando era cobarde. Os actos que
elle exercitava, se o defluissem da funcção das arma», não eram
militares, eram civis, embora praticados cm serviço, em quartéis,
no desempenho da funcção, em lumma. Pouco a pouco, porém, o
cririo de o/ficio militar que, elle, dava origem ao delicio
militar, se foi tornando elástico, perdendo o rigor
primitivo e cedendo á pressão das armas. Aquelle que, desertor,
matava alguém, era réo, não já de um crime civil e d'outro
mililar, mas réo de dous crimes militares. Aquelle que feria ao seu
superior, desobe-becendo-lhe és ordens, commetlia igualmente
crime militar. E assim por diante.
A lheoría foi sofrendo verdadeiras acepssões, na* quaes nfio
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49
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mais precisava que o acto fosse conseqncia da funcção. Bastava
que elle tivesse qualquer ligação, por mais ténue que fosse, com o
desempenho (Testa: a qualidade de pessoa militar, o lugar do crime,
a pertença da cousa furtada, erigiram-se em motivos sólidos para
que se militarisassem delictos de índole commum. A'technica de
funcção militar substituio-se outra, mais accommodaticia ás ne-
cessidades crescentes da autonomia da caserna. O termo interesse
militar desempenhou tal papel, com galhardia. Esse interesse mili.
tar creava, então, infracções de índole militar não mais como pre-
zas ao oflicio rigido do soldado, mais como attenlados que, por mais
longe que fossem, pudessem alterar o funccionamento das classes
guerreiras—ou o não alterassem, mesmo. De accôrdo, afinou a
phrase uti miles. Foi convocada a interpretar as mais desmarca-
das pretenes dos criminalistas de direito militar. Vestiram-na a
seu bel prazer. Explicaram-na a seu modo, ampliando-a, ella que
se fazia valer como rigorosamente restrictiva. Surgiram as infrac-
ções de direito commum, com o rotulo de militares. Surgiram os
crimes cujo arcabouço militar era tão pouco defensável que os
seus adeptos não conseguiram fugir ao extremo de os denominar—
infracções impropriamente militares, infracções civis de soldados.
A historia das nões mostra o que succedeu. A nossa argu-
mentação, neste paragrapho,jáo provou fartamente. Não mais pre-
cisava que fosse militar o damno consequente á infracção, bas-
tava que o objecto sobre que recahia o crime—uma carabina—fosse
militar. Não precisava que militares fossem o auctor e o damno
causado; bastava que o lugar de perpetração do acto máo fosse
militar. A' theoria caberia cbamar-sedou acccses. Ha, ioda vi
a
nella, uma peculiaridade o terreno da accessão (no caso, o
ciiterio de f micção mihtar) desappareceu soba massa colossal do
terreno accrescido (na hypothese, o critério do interesse militar).
E eis a que ponto chegou o direito militar nos paizes con-
temporâneos : havendo um crime a se reprimir, fora ou dentro
da caserna, elle será militar se possível fôr acobertal-o so b
quaesquer disfarces de interesse militar.
Pouco procede o facto d'esse interesse cingir-se á forma de
uma carabina ou manifestasse nos galões de um kepi furtado
Ha, abi, o interesse militar prejudicado, e o querer dos ar raiaes
de guerra não supporta que sobre elle desça a grandiosidade da
lei civil 1
Onde era um tracto mínimo de terra, formou-se uma extensão
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de milhas. Deu-se, acaso, tal phenomeno com as outras classes
sociaes ?
m Absolutamente. O funccionario publico conservou, quando'
delinquente, as mesmas altitudes dos primeiros tempos. O padre,
perdeu a sua lei autónoma. Aquelle que, para se negar a culpa de
um peculato, produzia um falso testemunho, poderia praticar um
delicto especial de funccionario no segundo caso, e no pri-meiro
caso, um delicio commura. Somente a posição privilegiada do
militar desviaria esta doutrina do seu rumo, creando-u a seu modo,
subvertendo-a, amoldando-a ao seu desejo.
Existe, pois, a entidade infracção militar. E' aquella ligada,
directa e indissoluvelmente, á funeção rígida da» arma», que se
o deduz da qualidade militar do culpado, nem do» acculent que
cercam o acto delictuoto. Quem a pratica é, em verdade, aquelle
que habita a caserna, é o soldado. Vae enorme diferença em se
aflirmar isto e dizer-se que a qualidade militar do crime deriva da
qualidade militar da pessoa, pois que o certo é que cila promana
exclusivamente (note-se: exclusivamente) da qualidade militar da
funeção. Não existindo esta, embora exista aquella a fmicção
militar — o crime não será militar. I Tome-se a deserção, a
insubordinação, a desobediência, a própria espionagem. o
crimes militares, que têm tal caracter, po/ causa da funeção e o
por causa da pessoa do iro. Tome-se, agora, o furto de peças de
fardamento:—jamais seum crime militar porque não deOue do
offleio, do itatut militar. E' umaccl-dente occorrido á sombra do
quartel.
I Não chamarei aos crimes militares, em sua pureza, quaes os
comprehendemos, meramente tatt. Não os ha d'outra espécie.
São crime» militares somente. o os únicos que merecem lai
denominação, infracções que a funão especial das armas pode
gerar, sem accidentes grotescos, sem circunstancias vãs de lu- I
gar, de pessoa, de objecto.
H Em conclusão: nos pretensos crimes Imprópria mente mili-
tares nada ha que lhes dè tal denominação. Existe o caracter ver-
dadeiramente militar somente em alguns dos chamados puramente
ídc*,—únicos a que assiste feição intrínseca militar, devido a se
constituírem como subrogados da funeção das armas.
Para estes o lugar indicado, repetimos, é u parte do código
penal ordinário respeitante as «infracções particulares». Os de-
mais, reduzem-se a infracções de direito commum.
E, impondo-se inilludivelmente esia conclusão, cumpre-nos
advertir que ficam fora do nosso campo de analyse as figuras
cuja repressão cabe á policia interna de cada sodalicio. As falta»
disciplinares, as contravenções de serviço militar são matéria de
policia interna e o de direito repressivo. o nos referimos ás
contravenções constantes do direito penal geral, ou commum, e|
quaes, diga-se de passagem, códigos e juristas entregam aos
juizes ordinários. Falamos das contravenções de ordem militar,
da castigatio domestica para cuja realização imem-se os re-j
gnlamentos disciplinares, lidos como de indispensável subsidio
para o bom andamento dos negócios militares. Cada corporação
possúe o seu regimento interno, e a classe militar não pôde dis-
pensar o seu estatuto interno.
Desde que, porém, o legista se afasta da esphera de policia
intima dos batalhões e attinge a matéria da verdadeira repressão,
a lei militar excepcional faz-se exdruxula, absurda,' .con-
demnavel, com suas prerogativas e anormalidades (1).
Construída a lei penal sob as bases a ss igualadas por agora
quanto ao crime, cohibir-se-iam as controvérsias em que se per-
dem os juristas em relão á natureza militar d'este. Não haveria o
falado labyrinlho indecifrável onde erram os
escriplores dualistas em busca do fio salvador,
terminando, de vez, a veracidaded'a-quellas palavras de um d'elles
ao affirmar não existir paiz algum em que se não topem porfiadas
lulas entre a lei geral e a particular da milícia. Mais do que isso
:—não se chegaria ao extremo de ver, na infracção militar, algo de
anormal e de se allirmar que só se conhecerá d'essa anormalidade
pelo critério de competência... lés deliu mil Unires... sont, en
finitive, et comine on le verra
pilis loill, TOUS 1.ES DÉL1TS DO.NT Í.A COJÍNA1SSAKCE ET LE JUGEMENT SONT
ATTMBOÉS A TJX TBIBUNAUX M1UTA1BES. . .
Itanidos, devem ser os IDOLA FOBI a que alludia Bacon. O
Direito tem suas exigências de simplicidade, de pureza, nas linhas
geraes de sua construcção. Exacta, nelle, aquella eurithmia da
arte grega.
Deformal-o, afeial-o, bipartil-o, quando nada ha que apoie
esse desmembramento, não se deve permittir.
E o dualismo penal substantivo é uma tacha, uma macula no
monumento do Direito,
Apagueraol-a com o systema unitário. _|
(I)?J.UCC)IINI, Soldali delinqutnti, el&i çil.. pag. 170,
12227218
84
§ 2
o
A PENA MILITAR 1.— A pena
militar. A disciplina c o terror legal. Disposição do thema.
Attingimos, no momento, o ponto central, o eixo da lógica
marcial. Averiguado que o crime militar, em sua natureza
verdadeira, não consegue suster a autonomia do direito
militar repressivo, os partidários desta soecorrem-se do subsidio a
se examinar no paragrapho actual, isto é, sustentam que se faz
indispensável um juiz independente guerreiro, capaz deapplicar
penas rígidas e severas aos deliquentes soldados,—mais severas e
mais rígidas do que as preceituadas no corpo da legislação
ordinária. Tão grande o pezo d'esse argumento, tamanha
consideração elle provoca, tão poderoso é o seu prestigio ao? olhos
cx-adverso, que se define o o direito penal militar como uma
«disciplina excepcional, ou uma lei particular, applicada com rigor
especial á actividade anormal do soldado» (1).
Máximo accdrdo, o dos livros de doutrina. Ainda o nsul- *
mos obra alguma, filiada á orientação enfermiça de hoje, onde se não
erija, em cânon irrefutável, aquelle que deriva da severidade da
pena, a dualidade repressiva. Conforme o racionio uzado, os
exércitos, as esquadras, repousam na disciplina e esta só se consegue
com o emprego de castigos impiedosos, ríspidos, para escarmento :
cite la disciplina supponga, anzi esiga, un ambiente enérgico e talora
violento di rapporli individuali, non siamo alien dal conceder lo
(2).
E Itoussel assegurara que le relâcJiement ãu lien militaire,
1'abus des armes conficcs aux soldais dans un but bien determine,
la rébellion, la désertion, doivent faire Cobjet de disposilions
spêciales (3).
No sentido exposto, a que o próprio Mutiny Act procurara ser-
vir, ao estabelecer que os culpados de crimes contra a boa ordem
e a disciplina militares fossem submettidos a um castigo mais
exemplar e mais rápido que o determinado na lei ordinária, nessa
direcção e o pensar da torrente de tratadistas:—o soldado exige
disciplina, e disciplina, só a engendra uma pena severa, em lei
(1) Joio VIEIRA DE ARAÚJO, Direito Penal do Exercito e da Armada, cil., pag.
44.
(!) GIUSEPPE BELLATI, La revisione dei codici penalimililari, cit., pag. 17. (3)
ADOLPHE ROUSSEL, Encyclopédie du Droit, cit., pag 301,
10
851
severa e autónoma. A sociedade, edictando ambas, lei severa e lei
autónoma, próprias á caserna, obedece, pois, ás medidas de pre
caução aconselhadas para seu resguardo.
Supe, tal arrazoado, portanto, e hieluctavelmente :
I
o
que, ã pena dos digos militares, fica reconhecida a mais
ampla efficacia intimidadora;
2
o
—que, nessa efficacia, e como conseqncia, no terror que
ella implanta no quartel, desça noa a disciplina ;
3
o
que somente digos e juizes aunomos conseguirão sa-
tisfazer aos reclamos desse terror legal.
Haverá procedência nesta tríplice affirmativa ? Cremos que
o. E' sufficiente enuncial-a para se concluir pelas hypolheses
adversas, isto é,
1*—que a pena militar não tem a efficacia apregoada :
2
o
—que não é licito dizer que a disciplina descança sobre
ella; e que
3
o
—não se fundamenta, por esse lado, a judicatura militar
autónoma, mesmo porque também ha, nas leis ordinárias, pena*
uwra».
Demonslremol-o.
II.— A efllraria intimidadora il.i pena. n reaiiisilori" da nora estola. André Cor-H
nèlis. Supplicios que amedrontam. A* deserções em massa e ns ar lixos dn
Código.
Não somos nós que havemos de relembrar, aqui, o debate ma-
gestoso em que se exhaurio, em vãos esforços, a escola clássica
de direito criminal, e relativo aos méritos e deméritos das penas
como meio de se intimidar e corrigir o delinquente. O debate foi
deveras grandioso, para que possamos medir, nelle, forças. E o
que o padece duvida, hoje, é que a respeito d'elle, o trabalho
de Ferri foi completo.
Os castigos legaes, tidos sempre como os melhores remédios
contra os crimes, deixaram a importância que se lhes tinha assi-
gnalado, fleando, a virtude intimidadora d'elles, reduzida a uma
classe restricta de criminosos. A qualidade regeneradora, esta nem
seria licito defender.
O requisitório tremendo dos celebrados juristas é a ultima
palavra no assumpto e, por demais conhecido, não vamos repetil-o
aqui. Não data de hontem, vem de annos já. Mas, cada dia que se
passa, maior numero de provas elle colhe, mais extensa cauda de
prozelytos elle arrasta. Porque? Porque é de profunda veracidade
— 86 —
aquillo que ha pouco se dissera:—« um dos mais absurdos e dos
mais constantes preconceitos do animal humano é o de crer na!
'efficacia dos castigos, que, na maioria das vezes, de nada servem
pois que a sociedade subsiste e prospera depois que elles são
diminuídos e supprimidos » (1).
Quem desconhece a obra-prima de Bourget, essa And Cor-\
nrlis, em que vive e resplandece a sentimentalidade superior do
incomparável psychologo ? André Cornélit exprime o trabalho im-
menso, a anciã horrorosa, o estertorar trágico do filho que busca
ler, no olhar do marido de sua mãe, nos traços de seu padrasto, a
prova derradeira de ser este o assassino de seu pae. E tem-na, a
grande prova final. Mas, antes que a alcançasse, quanta lição
profunda para os homens naquellas paginas d'um tétrico tão liu-
mano. Entre todas, porém, uma, deveriam ouvir os adeptos da
seita de Beccaria, aquelles que se fazem paladinos da pena-escola,
da pena-phantasma, da pena que intimida e cura.
Ouçamol-a.
... « O temor ao cadafalso?... Ninguém mataria, então. Os
dissolutos, de resto, quer se detenham no vicio, quer dçsçam até o
crime, não m a visão do futuro. A sensação presente é, para
elles, demasiado forte. Sua imagem extingue todas as outras ima- |
gens, absorve todas as forças vivas do temperamento e da alma...
»(2).
Para os criminosos, como para os simples libertinos, apaga-se»
essa sensação do futuro. « O cadafalso está longe e a porta do
lupanar está na esquina da rua... » Forças estranhas arrastam ao
crime, ao sangue, ao roubo. Procurar-se corrigil-a, a victima
d'esse impulso' involuntário, intimidai-a, com os « fantasmas
trágicos dos tribunaes, da prisão e da guilhotina»? Mas, se um
detento serve para escarmento aos soldados, tal facto con-slilue
um ponto diminuto na escala do crime, é uma excepção. A regra é
que a pena não intimida. Não intimida, porque admittir o contrario
fora derruir o edicio todo da Sociologia Criminal. Seria negar a
sciencia, recusar crença á lei da causalidade. Seria admittir que, em
meio da precisão universal dos phenomenos physicos, chimicos,
biológicos, etc,em meio do preceito absoluta que dispõe todas as
cousas suecedendo numa relação fixa, immufavel, de causa para
effeilo, um phenomeno se erguesse, inteiramente
(1). ANATOLE FRANCE, Opiniont tocialei, cil., II, pag. 178.
li) PAI». BOORGET, André Cornélia, 3fodern-/iibliothèque, Paris, pag. 101.
livre, absolutamente arbitrário, a vontade humana. Seria acceitar
o livre arbítrio.
Hoje, ninguém medianamente versado nessas matérias per-
mute vacillações. Assiste, a Korkounov (1), inteira razão: sus-
tentar que nossa vontade é livre, absolutamente livre, está em ião
formal desaccôrdo com os factos, os mais communs, que uma tal
affirmativa não encontra, hoje, defensor sério.
No emtanlo, ha um ramo do Direito, que legisla sobre a vida,
que encarcera, que fuzila, que mata, no qual os princípios con-
demnados o supportain contestações. Mais ainda:—ha um ramo
do Direito que inscreve no seu rtico, qual legenda
dantesco, as palavras insólitas: « aqui, o soldado
assassina, mata, rouba, porque o quer; e, para que seus camaradas
o façam o mesmo, a pena é inexorável, 6 atroz».
Os militares, adverte Nicolini, devem estar nas Oleiras e obe-
decer:— ijuesla è la mitura de *uoi doveri, quetta é la nua gloria]
1(2). Ai delles:—o terror do código tem sobre .suas cabeças a pu-
nição terrível. A pompa extraordinária com que se acompanham as
condemnaçóes militares, o espectáculo tristíssimo da degradão,
os fuzilamentos que se querem á frente da armada inteira, não
visam outro escopo senão mostrar, ao militar, o futuro que o espera
se elle toma como caminho o proceder do condemnado. A praça, o
ofllcial, que testemunham a hora derradeira do infeliz, criam certo
parallelismo entre o destino do réo e sua própria vida psychica,
fugindo, então, á pratica da aão, ao assalto do acto perverso.
Esta situação, imaginada pelos adeptos da autonomia judi-
cante militar é outra, porém. O soldado, mais ainda que qualquer
paizano, é, muitas vezes, levado á pratica do crime sem que o
castigo, o mais tremendo, o possa demover disso.
Pois, se os actos denominados volunrios são destitui-
dos de autonomia (3), como se pretende que o soldado deixa de
se tornar um criminoso só porque assim o quer?
Ahi está a pena de morte. Só se admitirá como meio elimina-
\ tivo, numa organisação judiciaria perfeita. Nulla, a sua elficacia
(1) KUIIKOUNOY, Court de théorie generala du dvoit, trad. TchcrnolT, Paris,
1903, pag. 338.
Ver o excellenie opúsculo do Dr. Pedro Lesta, acerca do «determinismo psyrhico c
a imputabilidadc c responsabilidade criminaes». S. Paulo, 1103.
(2) Apnd Vis JURA, Vaevoealo dei soldalo, cit-, pag. 331.
(3) LQRRNZO BORRI. Noíloni EHenicnlari di Medicina íegale, Milaoo, 1000, pag.
40.
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intimidadora, e ainda mais nulla, ainda, no soldado, isto é, no indi-
viduo cuja profissão está, a cada momento, familiarisada com a
idéa da morte. Basta dizer que o Um das classes
armadas é matar, para que isso se perceba, ú
desprezo pela vida, pelos sofrimentos' physicos, é, no soldado, de
exacta observação (1). Tome-se a deserção, nos tempos da luta.
Realiza-se em massa,ás vezes. Impede, por acaso, que ella se dê,
aquelle dispositivo que te/n a sancção nos canos de dez
espingardas prestes ao fuzilamento? Não. O soldado sabe que, se
foge das fileiras, será justiçado pelas armas; no emtanlo foge,
deserta. Onde a efflcacia do castigo legal ?
Aquillo que se aqui, quanto á pena capital, vê-se quanto a
todas as penalidades. E' uma verdade velha sobre a qual o pro-
fundo Montesquieu sentencra, elle que o poderia, sem offensa,
ser taxado de visionário ou immoderado: «Não é preciso conduzir
os homens por vias extremas» (2). E porque? Porque, procurando
augmentar a severidade da pena, o legista diminue-a :—os crimes
crescem em numero. «Em nossos dias» diz o egrégio publicista «a
deserção era frequente; estabeleceu-se a pena de morte contra os
desertores e a deserção nãodiminuio. A razão é bem natural : um
soldado, habituado diariamente a expor a vida, despreza ou gaba-
se de desprezar o perigo» (3).
Os pretendidos autocratas da lei não ignoram essas cousas
rudimentaes que, dia a dia, se lhes lançam em rosto.,'Mas, acima
de taes prinpios, está um outro, a cujo império não podem fugir:
—as exigências da farda. Em que péze á pureza jurídica, faz-se
mister descobrir no soldado certa conformação criminosa que o
cidadão não offerece, faz-se mister encontrar no cárcere, no casti-
go, na pena, o remédio salvador, a tberiaga contra as peçonhas da
disciplina guerreira.
Lançam-se, assim, ás gemonias, princípios cardeaes de sci-
encia jurídica. O ideal da repressão militar, para certos espíritos,
existe ao lado da punição do soldado em frente ao exercito in-
teiro, como fazia Roma nos campos onde havia legiões. Escar-
mento atroz, que salva os pelotões das masmorras ! Trata-se de
um irresponsável, de ura cretino, de um louco ?
Pouco importa :—a pena intimida, amedronta, e a disciplina
requer victimas immoladas a um principio, embora morto. Surgi,
(1) JIAMON, Peyehologie du Militaire Profemionnel, til., pag. 63.
(2) MoNTcsQoiEii, De 1'eiprit de* lote, rap. XII, pag. 82.
(3) IBIDEM, pag. 81.
58
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sempre, apoiando-o, a voz d'um Procurador da tyrannia
codiíicada í «no quartel ou na praça d'armas, a insânia
cura-se com pólvora e chumbo». Confcssou-o, pronunciou lai
phrasc, um legista italiano, ao correr d'um julgamento marcial.
Porque não assim, se a pena severa, o castigo atroz são a columna
dos regimentos ? Se o lemma da caserna resumc-se na
brutalidade da formula prussiana, filha de Frederico II: «fazer
temer a varinha do caporal mais que a bala do inimigo?»
Mas o soldado é um cidadão. Ha de reger-se pelos mesmos
princípios penaes d'este. A pena amedrontra-o, nas mesmas con-
dições em que amedronta a este, isto é, em casos muitos cspe-
Iciacs. Na praça que assassina e no cidadão que mala, o ha que
separar preceitos de criminologia. I.ucchini, o adversário impe-
nitente da escola positiva, não vacilla em sustentar i analogia entre
paizanos e militares, sob a feição da causalidade no crime :—io
perno c/te, soldato o borghese, Cuomo sia sempre impastalo ad un
modo, e cite ro 1'effetto di un errore repressivo sia Idêntico cosi
per l'uno come per Catiro (1).
Tal lambem a idéa d'um escriptor, cgualmenle insuspeito
porque reconhece á lei militar a organisão peculiar que s lhe
negamos. Arico Lecci bate-se pela exclusão da pena de morte,
dos códigos militares italianos. Considera indiscutível a regra
que dispõe, na legislação militar, penas mais severas que na legis-
lação ordinária. Acceitar, porém, a pena capital, diz Lecci,
naquelle ramo de direito e rejeitar neste, equivale a distinguir
entre vida e vida, quando a lei de conservação não pôde acolher
tal distineção (2).
Pretender duas interpretações nestas matérias não 6 possível.
A pena, quer de morte, quer de prisão, quer severa, quer branda,
em sua génese, é a mesma para paizanos e soldados.
Um individuo não vae soffrer psycliicamente a foa de um
castigo legal, de maneira diversa do paizano, somente porque
vestio a farda.
A sciencia criminal pezi a responsabilidade de um e de outro
com os mesmos dados. Para um, como para outro, os castigos
corporaes, os espantalhos dos conselhos de guerras não offerecem
eflicacia intimidadora.
E, pois, não vence a dialéctica dualista.
(1) I.occuuu, SoUali delinquenti, cie pag. 9.
(2) AVRRICO I.RCr.i, Capenadimorle nellaleijiilazionemUitare&H.MX. 10-11.
0839
90
III.— Supplicios terríveis- .\elles descansa a disciplina ? Provas negativas. Amoral H
dos regimentos. Calão c a ordem militar. Mordaça e oppressâo. Superiores e in-
feriores. Bagcliot c o « silencio cm sele línguas •. Grilhões e srlirapnells.
Demos que vença.
Digamos que na pena reside o melhor remédio contra o crime:
—promplo, enérgico, célere, regenerando o delinquente e intimi-
dando aquelles indivíduos inclinados á infracção da lei. Nella
repousará a disciplina ?
Não, Quer se allenda aos votos mais extremados da penalo-
gia militar, com o se dizer que a disciplina depende da ferocidade
das sancções legaes, estando na ordem directa d'esta; quer se ade-
gue que esta ferocidade deve ser attenuada e pezada pelos códices
criminaes,—não é de boa lógica collocar a ordem existente dentro
dos quartéis, como funcção de supplicios ou dispositivos
jurídicos. No primeiro caso, é commum ouvir-se que não ha pe-
lotões sem chibatas e que o modo de castigo deve licar abandonado,
na maioria das vezes, á tyrannia dos chefes, como attestam o tor-
mento horroroso de William Terry, que, só elle, apavora os menos
midos, ou as ordenanças do general San Martin estatuindo no seu
artigo primeiro:Todo el que blasfcmase dei santo nombre de Dios ó
de su adorablc madre, ò insultasse la Retigión, por primera vez
sufrirà cuatro horas de mordaza alado á un paio en público, por
el término de ocho dias, y por segunda vez, será atravesada su
lengua con hierro ardente y arrojado dei cuerpo. No segundo
caso, diz-se que a pena não deve ser feroz e arbitraria, mas bem
comprehendida e pezada : nunca, no entretanto, idêntica á dos
códigos communs.—«Creio que um abrandamento excessivo da
severidade das penas» exclamava Moltke «não pude, senão, au-
gmentar o numero de casos onde será preciso empregal-as... Só a a
disciplina faz dos exércitos o que elles devem ser, e um exercito
sem disciplina c uma instituição sempre dispendiosa, insufficiente
na guerra e perigosa na paz... Não são as punições, somente, que
fazem a disciplina, toda a educação do individuo concorre para
cila. No emtanto, não podemos dispensar as penalidades...» (1). H
Concordemos com qualquer dos caminhos da doutrina indicados.
Que provarão ? Feroz ou moderada a pena, d'ella deriva,
exclusivamente, a disciplina ?
Ninguém o dirá, tanto os próprios dualistas andam apartados
50
(I) HEMIANX SEUFFERT, na ril. obra de I.IMT, í.e droit criminei ile* riais
europfent, pag. 327.
-toda verdadeira trilha. Confusos,
chegam, mesmo, a pedir a íip-proximação da lei do soldado á lei
do paizano : «Incontes-tavrlmrnle, i essa a tendência do
espirito moderno: reduzir o arbítrio e a bruteza na legislação
militar, approximando- a da civil, tanto quanto possível» (I).
A disciplina o se estabelece, mais energia ou mais frouxa,
somente porque o código da armada pune o homicídio com tim
anuo ou dous
t
a mais ou a menos, que o código ordinário.
Não somos nós que lhe negaremos valor. E' indispensável
absolutamente ás forças armadas. Na anarchia, disse Lamartiue,
ha, ainda, uma nação; sem a disciplina o ha exercito (2). O
maior perigo para uma sociedade é a existência da
força armada sem cohesão disciplinar : c a anarchia
militar da Roma dos príncipes syriacos (3). Atilado e perspicaz,
bem andou Catão, que, «julgava ser mais útil em sua velhice
escrevendo sobre disciplina militar, do que havia sido em sua
mocidade pelas victorias que alcançara contra os inimigos da
pátria» (4).
D'essa crença á conclusão dê que a disciplina se impõe com
o terror, com as penas severas, medea uma distancia enorme. O
verdugo, as medidas extremas, o produzem óptimos exércitos
nem esquadras óptimas. A melhor escola de disciplina reside no
patriotismo bem comprehendido. Falhando este, a organisação da
milicia se torna em problema insovel : nem o substitue a paga
dos mercenários. « Não me faleis nem de dez mil, nem de vinte
mil estrangeiros, nem d'esies grandes exércitos que vivem no
papel. Çuero guerreiros dedicados á Pátria », orava Demosthenes
na primeira Philippica (5). Só se augmentam os suppllcios quando
os costumes falham (6). Dae a um exercito que vive sob o jugo da
oppressão, penas brandas e elle as repellirá. Num povo altamente
educado forçae por guiar o exercito com o verdugo e não tereis
senão resultados negativos. A mordaça só serve ás tyran-nias. Ce
n'esl point dans la rigueur qiti reside la verlu sulutaire de la
discipline militaire; un regime dcspo'ique peut, sous ce rapporl,
la surpasser de beaucoup ; mais ce dernier enerve et dàmoralise
le peuple plutút qu'il ne le fortifie (7).
íl) EVARISTO I>K MORAKS, Contra OS Artii/os ile Guerra.' ril., pui;. -.".
(2) GIUSF.PPE BKLLATI, La reoisione dei eodici pcnnti utilitari, dl., pag, 5.
(3) AKTHUK JACRGI-AT, Organização naval. Rio, 18UG. p&g. 35.
(4) InniKM.
(5) DEMOSTIIKXKS, JJarangues politiquei, cit., pag. 11.
(n) MONTKSQUIKC, De 1'eaprit tlcs lois, ril., pag. 70.
(7) IiiEitiNG, LEtprit rfu Proit flomuin, e\\., l.llag. 283. § 20,
14126880
— 02-
Essas |i;ilavras do ex-c«lhedralieo de GoPttingen exprimem u
evidencia de um Iheorcmn. Para um povo, para um corpo de
guerreiros, os costumes, a moralidade, a religião do dever, tudo
vale. Se desapparecem, que futuro espera a nação '.' Que seja con-
duzida á ordem pelo caminho da lyranuia, do desmando oppressivo?
Não chegará senão á desordem ! « A ordem », diz o sr. Ituy Dar-|
boza, «está no equilíbrio da vida exterior com a vida intima de uma
sociedade, na correspondência natural entre as superlicies appa-
rentes da vida humana e as suas profundezas, em cujo seio se ge-
ram as correntes, as vagas e as tempestades ; não reside nas ex-
posições e nos triumphos das forças, no saci iiicio da honestidade e
do direito, na expansão dos melhoramentos maleriaes, no scin-
tillar do sol na ponta das bayonelas vigilantes nas portas dos quar-
téis, no desfilar dos regimentos ao som das fanfarras e tambores
pelas ruas da cidade, no calar civil de um povo longamente re-
signado aos hábitos de obedecer. No que ella consiste politica-
mente é na expontânea conformidade entre os instrumentos legaes
de uma nação e os elementos vivos de seu organismo.
« D'essa conformidade nasce a confiança, dessa confiança a
paz, d'essa paz a estabilidade.
« A insurreição rebenta, a cada passo, debaixo dos pés dos
soldados do Tzar, emquanto que a um gesto inerme de um «po-
liceman» inglez, obedece, como a um aceno magico, no oceano ru-
moroso de Londres, a população mais livre e mais feliz da terra
» (1).
E essa paz, essa confiança, acaso brotam quando se educa a
soldadesca com a mordaça, os ferros, os supplicios hediondos ?
Não. Existirá quando á lesão do sentimento jurídico corresponder
a verdadeira saneção que lhe cabe, sem ignominia ou vergonha.
Porque no soldado está, até certo ponto, o fácies moral da nação
: Le soldai apporlera dans la carrière militaire la force ou la
faiblesse de» mceurs nationales ; il y fera voir Cimage fidèle de
la nation. Si elle cst ignorante et faible, il se laissera entrainer au
désordre par ses chefs, à son insu ou malgré lui. Si elle esi éclai-
vèe et énergique, il les retiendra lui méine dans íordre (2).
Então o processo aconselhado :— dado um caso pathologico,
o remédio, diz um jurista, não consiste em reagir com effeilos im-
mediatos e apparentes, roas em captar e neutralisar as causas me-
ti) Discurso no Senado Federal, em 5 de Agoslo de 1903.
(2) TocauEViUB, De la Dimocratie en Amérique, Paris, 1888, III, pag. 4til
— Vi —
diatas, remotas, postas em foco mediante um acurado e paciente
diagnostico. E solapando, a indiscplina, as liteiras, que podem os
castigos tremendos? E* mister, não lançar mãodelles, mas buscar
suas causas, os agentes d'essa dispersão perniciosa de costumes,
pezal-os, estudal-os demoradamente, adaptando o remédio ao mal,
estabelecendo uma prophylaxia efiicaz contra a propagação d'elle.
Eis o processo mais difcil e laborioso, único compatível com a
sciencia penal de boje, que no relaxamento da disciplina
uma como que funeção do meio e mesmo do individuo, e nunca de
peita; que procura, conforme pontilica um douto, superpor a be-
nevolência á dureza, creando superiores beis, humanos, Ínte-
gros, que saibam inspirar conliança e estima, com o exemplo do
caracter, da moralidade, da abnegação e que uzem a
maior par-cimonia nos freios repressivos.
E* a via mais difficil e, por isso, não a querem os dualistas. E
nesse proceder d'elles Vae a apatbia criminosa que tranca o cri*
minoso no cárcere, antes de o estudar e investigar. Tão commo-
do é atiribuir a manutenção da disciplina ás grades da cellula, ati-
rando delinquentes á sombra d'estas... O código penal, os conse-
lhos de guerra... Eis ahi onde se localisam as fontes da ordem e
da segurança dos quartéis !
A tarefa do moderno legisla, do juiz d'agóra, não de ser
connivente com taes absurdos, com ta es erros. Se a disciplina é
um phenomeno complexo, cumpre-lhes rebuscar medidas garan-
tidoras d'ella, fora das masmorras. Urge alicerçar as bases d'uma
propedêutica penal militar, de uma nova therapeutica, de uma pro-
phylaxia dentro das casernas.
. Bagehot escreveu que o militar verdadeiro, o militar de hoje,
não é mais aquelle ser romanesco, cheio de vagas esperanças,
animado de fanatismo, de chimeras taes que o amor do seu sobe-
rano e de sua dama ; é um homem tranquillo, grave, mergulhado
no estudo das cartas, exacto em seu pagamentos, oceupado em
pormenores vulgares, cuidando, sobretudo, como fazia o duque de
Wellington, das bolas de seus inferiores, desprezando todo bri-
lho e toda eloquência, e sabendo talvez, como o conde de Moltke,
« guardar silencio em sete línguas » (1).
Tem raes Bagehot ? Não o queremos saber. Analyse, quem
o almejar, essa feição da milícia. Para s, ella, a aprecião fina-
(1) W, BAGEHOT, La ConUilxUion Anglaiae, Intl. Gaulliiac, Paris, 1809, 331-
352.
43
94
mente humorista do auclor britannico, diz simplesmente que se
não pôde isolar o soldado num mando psychico aparte. Como,
pois. fazel-o, entrar violentamente, pela ordem a dentro, á forca de
cutiladas, á força de arestos que valem por coronhadas? « A disci-
plina, hoje, está mal interpretada... Muitos sustentam que, parai
ma Mel-a, o superior o deve dar, nunca razão ao inferior, bem que
esta a tenha. E esta máxima fallaz produz consequências tristís-
simas:-- torna impotente e frouxa a disciplina. Hoje, o exercito ê\
mantido com o terror... e geram-se, d'ahi, a indisciplina e o de-
licio... »(l).
I Disciplinar, a palavra ensina, <'• educar. E. para educar, tem-se
necessidade de mais racionalidade, de menos irrisão. De mais
racionalidade, porque a disciplina é um phenomeno complexo que
se não resolve entre dous artigos do código penal; não se guia
pelo formalismo, pelos regulamentos-molochs. De menos irrisão,
porque conforme De Brock (2) scopo delia disciplina non \ è
punire. ma eseguire la legr/e. 11 punire non é che un mezzo, come
può esserlo nnche il premio.
Ea lei, a verdadeira lei, não autoriza, jamais, a lyrannia. O
rigor hospedado na lei militar nunca engendrou a ordem; «está em I
desaccôrd, allega alguém (3) «com as idéas e as exigências do
nosso tempo; bastará substituir este instrumento odioso». Nos
povos democráticos, sustenta Tocqueville (4) «a disciplina militar
não deve tenta cabalar o surto livre das almas; ella não pôde aspirar
senão em as dirigir; a obediência por ella creada é menos exacta
porém mais impetuosa e mais intelligente». Nos grandes povos da
antiguidade isso se verificou. Plutarcho o prova, e os soldados
conduzem-se mais por palavras e exemplos que por castigos (ií).
Riem-se, os amigos da espada judicante, quando ouvem
lições como estas. Riem-se, muito de alto, quando s, os civis,
queremos dar-lhes ensinamentos. Mas trahe-lhes a fraqueza, o tes-
temunho d'eIIes próprios. Se a disciplina constróe do soldado um
homunculo «feito um feixe de ossos amarrados por um feixe de
músculos, energias inconscientes sobre alavancas rígidas, sem
nervos, sem temperamento, agindo como um aumato pela vibra-
(1) Apud SBTTI, fScsercito e /i sua criminaiità, Clt-, pag- H3. (í)
IDLUKM, pug. 97.
(3) RiíNK GuroN, Le fohctionnemoit des conscils de guerre en lemps de paixA cit., |ing.
11*.
(i) TocOURVii.tR, l)v UL <lrnii>ci'atir cu AHUVÍV/KC, cil,, III. png. 471, (S)
IBIPRM, pp|(. +72,
OS
ção dos clarins» conforme o dizer ardente de um ex-soldado (i>,|
se (' licito acreditar nessa conformação da praça de guerra, o
vigorosamente esboçada, nem de leve sepermillido subordinar,
por sua vez, a disciplina, aos arreganhos dos conselhos de guerra.
E trahe-lhes a fraqueza, aos dualistas, pois que, da grey nume-
rosa a que se filiam os prozelytos da autonomia penal dos regimen-
tos, muitos repellein o principio consistente em derivar a ordem
dos textos da lei. Nem mesmo a querem, escriplores, com o bater
de pranchadas ou o assoviar das verdascas! Selli está nesse nume-
ro. é uma conquista em nosso favor,—nós que estamos a ouvir
para sempre a ladainha monstruosa :— na ferocidade do castigo,
a- firmeza dos batalhões,—nós que sabemos existir limites no
modo de punição e de vingança, pelo menos aquelles debuxados
pela consciência altruísta que nobilita o mundo, e que, no
cmlanto, o aço ponteagudo pretende desterrar. Ett enim ulr
incendiei punicn-di mocltm, conceitou Cícero (2).
Chaquea-se. Escarnecesse. Magnaud, o bom juiz, dictando
arestos militares? Mais tremenda oITensa pode ser irrogatla aos
tribuuaes de guerra'.'! Interpretada, a lei, pelos votos do coração
? Interpretada, assim, ella que deve ser inflexível, que não sente,
que não vê, que têm os olhos vendados pela treva ? !
Ergueo-se um protesto contra aquelles que acceiiam esta
feição monstruosa da Justiça. Serena, a Justiça pertence ao mundo
e com os olhos no mundo deve sentencear. Magnaud devendoii-
Ihe as vistas. a tyranuia conseguirá obscurecei-as. Magnaud
resume o Direito que vive e palpita, e sente, e vibra ao lado do
texto frio do código.
Tem. e muitos exaggeros, a formula de Magnaud. O arcabouço
é, porém, megalilhico. Possúe a rijeza «lo granito. Está superior as
próprias tempestades. E que la jiulicv nana la Bonli forfait à sa
mission (3). Quer sob a feição traçada por Spenccr e acolhida por
Carie, quer soba orientação de MUI, a Justiça syuthelisou sempre o
caminho paru mais benevoncia, para menos violência. Novicow
debuxou-a como a «suppreso sempre de mais em mais completa,
da coacção» (4) e nesse principio vae toda a idéa do progresso
social antevista por alguns philosophos que augura m a
(I) EIT.LT ora nt GiMii, Oê SerlSee (Campanha deCtnudosi, Rio, 1003, pag.
203.
(t) CICPKO, De ofíiciis, I, XI.
(SI liiuiONii PICARD, Le droilpur, Uraxellas, Piris, IMO, pag. 2.1U.
(4) No VIGO w, Va/lrunehissemenl de la femme, 1903, Paris, pag. 211.
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96
era da transposição das normas jurídicas em simples deveres
mo-raes.
Não sonhemos, porém. Consignemos, aqui, a realidade. E esla
c que, nos dias de agora, a judicatura de Magnaud, fanatisa os
homens da Lei, com a tenacidade, a exaltação dum gesto messiâ-
nico. Trancam-lhe, porém, a entrada, os arestos dos tribunaes de
guerra. Porque? Porque, nestes, um principio errado, manco, also,
canalisa a ordem da polé. emparelha o alvo da schrapnell com o
arrastar metallico dos grilhões.
Mas, assim como a bala falha o rumo, resvalando por elle, a
algema não impede que os regimentos se esboroem, comidos pe-
los desatinos da indisciplina.
Nos campos da Mandchuria, a nobreza nipponica vence e
comprime num quadrado de ignominia, a rudeza feroz do slavo...
IV. Mais uma concessão. A ordem dos cothurnos dimanada selvatiqueza da lei. O
artrio do juiz e o freio do digo. digos ordirios dispondo sobre crimes
grassimos á segurança das classes armadas. As vibrões dos clarins c
o regimen domcsliro jmiloaos parques de arlilhcria.
Mais uma concessão.
A ordem, em meio dos colhurnos, dimana da selvatiqueza
da lei.
Supponhemol-o.
Qual a lição que decorred'essa hypothese ? A de uma auto.
nomia penal relativa ao militar ? A de uma sanão explicita á ju-
dicatura dasdragonas ?
Não. Vem, a ponto, o reparo d'um jurista :—o argumeuto es-
pecioso que consiste em proclamar a necessidade de uma justiça
severa para os soldados é estranho, em absoluto, ao caso em ques-
o (1). Não pode cimentar aquella autonomia porque,—pena seve-
ra, também a tem o código penal commum.
Cruel, atroz, como o almejam alguns, o castigo edictado pelo
texto legal não autoriza a creação de tribunaes militares desuni-
dos das cortes civis. Para aulorizal-o seria mister que a lei do pai-
zano o não conseguisse guardar em seu organismo. E o que se
nota é que egualmente ríspida ha sido, em tempos quaesquer, a
norma garanti tlora da segurança social. Nos corpos da legislação
criminai ordinária ha também dispositivos de rigor.
(l) Animo rsnuciu, / Tritunali Militari, olc, ril., loc.
40
43
97
Sem duvida, pareceria admissível que se falasse em artigos de
\guerra (cuja linguagem deixasse a perder de vista os mais tremen-
dos supplicios) se, nos códices da armada, a pena fosse arbitraria,
arbitraria a sua applicacão; se não fosse jugulada, encadeada ás
regras de processualistica, de organisação jurídica. Noutros tem-
pos, é excusado relembrar quanto a observ&o tocante á arbi-
trariedade de castigos se mostrava exacta, quer se se tomasse em
consideração o direito do paizano, quer do militar. Então, se a lei
se resumia em o arbítrio do imperante, chefe, com mandante, cie,
aquelle que sentenceava num processo militar ou civil poderia
gradual-a a seu modo e prazer.
Mas, hoje ? Poena iion irrogatur nisi qua lege. A repressão
acha-se delimitada ao máximo e nimo facultados pela lei co-
dificada. O juiz interpreta o texto, applica o código militar ao
caso concreto, prescruta qual a natureza, a sancção que cabe a
este. O arbítrio d'elle Uca restrictò pelo próprio freio que maneja.
Medir, pezar, alterar o castigo para além ou para aqm do que jaz
preceituado nos artigos da norma substantiva, é tarefa do legisla-
dor. Se o magistrado quer apoderar-se delia, a incidência da pena
é nulla. Elle possue a liberdade de se locomover dentro do
quadrado traçado á sua actividade.
Quer isso exprimir que os corpos legislativos criminaes pro-
vém ás hypotheses de aggravamento ou minoração do castigo a
se applicar ao delinquente. Como, portanto, sustentar-se que a lei
militar severa pede digos e tribunaes especiaes, se esta
severidade independe de juizes, e autes é, como na
legislação ordiria, gri-Ihetada a regras lixas e inalteráveis ? Se a
lei do cidadão gradua, também ella, o crime, conforme os
accidentes em que brotou a infracção ?
Ha, a se addicionar, a considerão de que certos digos or-
dirios dispõem sobre crimes que se dizem militares, isto é, sobre
crimes gravíssimos á segurança dos quartéis, praticados, embora
por civis. São por exemplo, a espionagem, a revelação de segre-
dos, o incitamento á deserção. D'entre os digos ordinários que
dispõem acerca d'elles, estão, para falarmos de poucos, o nosso,
o allemão, o italiano. Aqui, nestes casos, a lei civil reprime, mes-
mo em occases anormaes, atlentados grassimos á ordem do Es-
tado, â manutenção das classes armadas. E, no emtanto, a re-
pressão se determina nas leis ordinárias, executa-se por meio de
tribunaes communs.
Se se trata de ura crime de espionagem, sendo elle praticado
9
- 98 —
por um soldado, haverá necessidade de uma pena mais rigorosa do
que se o commeitesse um mero paizano *? Concordemos que sim.
Porque, então, essa pena severa, a applicaçâo d'eila, se não enqua-
dram no regimen de direito commum ?! I Demais, empregasse,
alguém, esforços mínimos no cotejo dos dous direitos, o geral e o
particular, e veria depressa que a severidade se despe da
importância com que a incessam os legu-l leios do foro militar. A
divergência é, ás vezes, bem diminuta para que sobre cila se insista.
E assim acontecendo, parece obvio que, da intensidade da repressão
penal no quartel, não se deduz a existência de juizes militares
independentes.
Objeria-se:— pouco importa ao soldado que o acto com que
infringe,a ordem venha capitulado num código ã parle. Pouco se
lhe isso, mas não é indifferente saber que, juiz por juiz, o
militar é mais ríspido e mais enérgico que o togado. Isto é,—im -
porta-lhe saber que os tribunaes militares não vacillam, sequer, em
condemnar com a ajuda de provas nullas, ou quasi nullas, quando
as cortes civis absolveriam.
Ura, esmais umaconjunctura tristíssima a que se deixa
arrastar o czarismo fardado. Diz-se:—lei é lei", e nenhum juiz de
alteral-a. No quartel, porém, a lei vale, não pelo que ella precei-
tua, mas pela interpretação que d'ella fazem as conveniências
guerreiras. Em outros termos : comparece a julgamento um soldado
aceusado de assassinato. Ila falia de provas ? A justiça civil
absolvel-o-ia. Não o absolve, jamais, a justiça militar. Na duvida,
conderanae ! Na duvida, trancae á liberdade o réo. Na duvida, abri
as grades da cellula ao pretenso criminoso soldado. A lei militar
es satisfeita quando a espada vingadora, embora cega, reassegura
a ordem, euthronisa a disciplina ameaçada pelo acto incriminado.
A preoceupação cifra-se em desenterrar aggravantes onde ha ai'
teiuiantes, em concluir pela punição quando tudo leva á absolvi-
ção, em arrastar a judicatura pela vereda perigosa : sempre
pela disciplina, embora com detrimento da inuocencia do réo.
Será, sequer, altendivel lição tão monstruosa ? o pergun-
tamos se ella procede, indagamos se merece menção de quem es-
cava o veio do Direito. Inexacta, porque, muitas ve:;es, a benigni-
dade nos quartéis toma o lugar á sede de açoitar, ella é despre-
zível, é hedionda. Vollemos-lhe as costas.
o- Encaremol-a. Entestemol-a.
Louvável ? Verdadeira ?
Mas uma vez concordemos.
I -99-
Acceitemos todos os dispauterm* da Wi
m,
'!
Ur
_
. M-US descaminhos, lodos seus absurdc m, todas as
vantagens imagináveis :—viveiro lecaa*» wge a ordem
nas batalhas.
Que resultará B i^^-x, » fifra*
Resultará a conclusão de que, não ae, eeafeaea
dsriplinares comos crimes propriamente '.'-aae I rã que vê
a severidade da pena com tm--- •*» as Se a severidade c
indispens ível a nunateaçie* **•*• «m lodos os
regimens militares do mtind •. ena "'
T
' "
ntot dÍKi, Tf» intenmt, iwcjavatf. txm ^B^^*»
«speito á ordem jamais se impo* com os arttg " •' ftar, do
modo por que dizem os djalwus: «B»V*
V
*• *"P*
3orameille, com as medidas p<r*lhadi« petea »
o. E, phenomeno curioso:—disrute-ae a '-v " ' *
pênsil militar autónoma e os sequazes d"efla *é a éV íi m>m eaes a
necessidade de regimentos internos, de pncrãlM é'- >«ar«
issim, o relario do proje-to Pellnux-C -• par > '*•*
racionado, synthelisa o |te:isamenlo >l - »•• - ai»u «arían aa
sida militar, ha deveres especiaes, ;n.-ipui* ala» f*. «jac es*-ieai
saucção severa e juizes severos e que se u • • eaceairjei •eio em
que vive o paizano.
Quaes, porém, esses deveres, quaes esses actos baste' «es para se
fundamentar a pr íseripçae. daa**na, 4a i|iilrata ? Serio actos
edeveres rejml*mtrntn4o* mm entimm erèmimmm niãtarcs T SA
actos e dev »res cujo conhicim-nlo cafta ao* juizes fardados,
aos conselhos te guerra T
Náo: são, pura e simplesmente-, actos e defere* estraebos,
<m absoluto, 30 organismo penal, substantivo e aijeclitm. .'
-
''' '
mente dito, da caserna. D'elles conhecem os regalaaarnaes ia*>r.
Telles conhecem oscomraandaates, os superiores, as eonwlbo»
disciplina, reprimindo, castigando.
Pormenores mínimos, dentro dos muros dos quartéis, a Jus-
tiça verdadeira não os enxerga. Ctaimam-se:—a hora da» reriataa,
a farda aceiada, o não falar alto, as cortezias entre superiora! . a
aae se ausentar sem licença, a espada luzidia, o ergeer-ee ás
horas precisas, o obedecerás vibrações do clarim,—em «arama,
iodas essas pequenas acções que se desenrolam na vida dome ' '
de qualquer sodalicio, e com maioria de ratão, no *odalM*.w mi-
litar.
Necessários, para taes emergências, os diapositivos de «•*«
100
tutot domestico», é, em face (Telles, que se interpretam as expres-
sões dos dualistas quando falam da profissão gida das armas.
E\ em face"d'elles, que se esclarecem os dizeres de um escriptor ao
affirmar que é mister punir, com a pena ultima, o mísero soldado
que, com altivez, reclama de seu chefe, contra a qualidade do
alimento que lhe é subministrado. Hoje, a chibata estará regula ri-
sada na lei substantiva ? Não. E se a querem os adeptos da dua-
lidade, não a querem ler/alisada, porque o Direito não permittiria
que o fosse,—querem-na entregue ao arbítrio dos commandantes
de companhias.
Não defendemos o terror reinante junto aos parques de arti-
lharia. Suppozemol-o existente por amor de discussão. Suppuze-
mol-o, em contrario dum especialista da matéria (1)—bastante
afastado da voz da humanidade. E, assim mesmo, pregando o re-
gimen do supplicio, o regimen d uma inquisição de espadas, não
se ampara a judicatura da caserna'qual ella, hoje, é.
Em resumo :—assegurar que as esquadras e os exércitos se não
podem conservar sem códigos e juizes feitos a seu modo, é confundir,
lamentosamenle, preceitos de ordem interna, disciplinar, coro
disposições de puro direito substantivo ou adjectivo. Para aquelles—
um regimen domestico independente. Para estas—o di- * reilo
commura.
H E assim, de concessão em concessão, oppuzemos, á orientação
retrograda da lei militar, as suas próprias armas.
V.Farandula de argumentos. Ofllriaes c soldados que einpaslclatii joniacs. 1 iular
a lei não é faltar á disciplina.
Farandula de argumentos, tocante á pena.
Consignemol-a, somente. Conlra ella não lia necessidade de
•opposição séria.
Em desespero de derrota, escreve-se que a lei militar possúe
penas que o tfim abrigo no código commum (a degradação, v.
g.),como se, neste, não se preceituassem penalidades peculiares a
determinadas classes (a suspensão ou perda de emprego, quanto
ao funcrionario publico). Affirma-se que a creação dos castigos
militares independentes não obedece senão aos «interesses verda-
deiros e sérios da defeza e potencia nacionae,—como se, d'esses
interesses, descurasse a lei do paizano. Ajunla-se que o direito
(1) OOIIIIÊA, Processo Criminal Militar, l., pag. Ki.l
101
coromum não prescinde do principio moral ao indagar da razão
da pena, ao passo que o direito especifico do soldado se além ao
principio politico, como base da ordem das Aleiras,—como se a
pena, qualquer que seja, o se ajustasse ao critério da defeza
\social. Conclue-se que a utilidade dos códigos aparte, regendo
os batalhões, se não discute,—como se nfio vencesse a regra de
que « ha motivos de utilidade para todos os arbítrios, para todas
as injustiças».
Abandonemos esses subterfúgios á sua própria fragilidade.
Preferível fora que, de vez, enveredasse, a lógica misoneista,
pelo caminho que lhe apraz; que confessasse, nuamente, sem dis-
farces, não querer fazer Direito, e sim procurar satisfazer aos
reclamos desordenados dos sabres. Melhor fora confessar, como
o inimigo dos francezes, no parlamento aliemão, por oucasião de
se elaborar o código penal militar: « quando se trata de fazer
uma lei para o exercita, não nos devemos collocar, exclusivamente,
no ponto de vista civil, jurídico, ou medico, c necessário collo-
carmo-nos no ponto de vista militar...»(1).
Um jornal madrileno, El Resumen, havia publicado um artigo
de critica sobre o exercito. Um grupo de ofliciaes e inferiores in-
vade a sala de redacção e commetle toda sorte de tropelias. No
do dia immediato, um outro periódico, El Globo, narra, brevemente,
este facto sob a epigraphe— to» valientes. A' tarde, trezentos
ofBciaes, acompanhados de soldados de varias armas, assaltam
o ediHcio do jornal procedendo ao empastelamento d'este, e
fazendo, o mesmo, logo após, com o primeiro diárioEl Resumen.
Interpellado o governo, no Senado, o General Bemudez Reina de-
fendeu os militares e afflrmou que—molar a lei não é faltar á
disciplina... (2).
com ura travão destes se opporão óbices ás victorias da
seita integradora...
§ —O DIREITO JUDICIÁRIO MILITAR
I.Os tribunaes mililures- A ntcetiidadt que os cria. Somente os conselhos de guerra
distribuem justiça prouipli, célere, entrai. Disposição do lliema.
Mais uma vez a necessidade ampara a organisação autónoma
da judicatura militar: — só os tribunaes militares estão nas con-
(1) IIK I IM AN N SEIIPFKIIT, na obra de l.is/,1 « Lr. Uroil Criminei tks li'lai»
Europêens», pag. 327,
(I) IIAMON, Psycholoijie tlu Mililairc Profenionnel, dl., pag. XXXVI.
102
(lições de distribuir castigos convenientes, rápidos é céleres ao
delinquente. I
H Mais afervorada insistência, n de agora. Póde-se conceder que
no crime do soldado, como na pena que se lhe destina, o ha
elementos abonadores de uma justiça militar, diversa organica-
mente, da justiça ordinária. Jamais se negará, noemtanto, que o
verdadeiro juiz do soldado deva ser o soldado:—convivendo com
estes, somente elle conhece» meio onde se desenrolou o crime,
somente elle está apto a graduar a justiça conforme as exigências
d'esse meio, fazendo-a recahir, rápida, inopinada, terrível, sobre a
cabeça do réo. Com que gráo de inexperiência, com que grão de
morosidade, procuraria o magistrado civil reprimira infracção?
Assim, doutrina-se :
« Para os crimes previstos pela lei militar, uma jurisdicção
especial deve existir, não como privilegio dos indivíduos que o
praticam, mas attenta a natureza d'esses crimes, e a
necessidade, a bem da disciplina, de uma represo prompta
e firme, com formulas sumularias » (1).
Ensina-se: «... la lenlczza delle forme ordinarie non è com-
patibile cot reprimimento dei reati militari. Qucsli, adunque,
dcvono esser guidicati da giurisdizioni militari e con forme piii
rapide » (2).
Fala-se, a respeito de deveres militares: «... il faut quunc
justice ferme et promfte frappe ceux qui lei tncconnais-sent » (3).
I Conclúe-se: « A prompta e' im medi ta repressão do crime é
condição muito importante para a penalidade e seu elTeito real; e
ainda mais tratando-se do exercito, e lambem é certo que esse
desideratum não pôde ser alcançado senão por tnbunaes espe-
ciaes, tribunaes militares » (4).
Egualmente: « Esta jurisdición excepcional se funda, pues,
en un alta consideración politica, en una razon de Estado, la
necessidad de asegurar la misión de obediência y de sacrifícios ã
que eslan consagrados los ejércitos, y en un principio de d»»- j
tribuciòn de la juslicia, por que solo ante los tribnnales mili-
| 11 Jn\o HiKB.4l.HO. Constituir ifi federal Ilraziieira, r\\.. pajj. 343.
(2) Aptlil A uru no IJRUCIII, / Tribunali Militari, cil., pag. loii.
(3) CIIAIIVEAU et HíxiB, Thêorie du codepinai, cil., I, pag. 40.
(i) THOMAZ ALVES JÚNIOR, Direito Militar, cil., II, pam. 131-132.
1
103
\tare» los delito» disciplinarios pueden obtentr buena y recta
Ijusticia » (I).
D'ess'arte, boa e recta justiça, a dispensamos conselhos de
guerra. e ruim, distribuem-na, as cortes civis. Eis as conclu-
sões da seita que combatemos. Reconhece ella que a celeridade
no julgamento, a enlearia, a simplicidade no organismo judiciário,
são a Uri bu tos da lei criminal militar, e attributos desconhecidos á
lei do paizauo.
Como ? Permittida, a enunciação de tamanha inverdade ?
Aquella finalidade louvada no regimen legal do quartel se nfio
no regimen -legal do fórum ?
-se. E seria falta grave, para sempre fechada á salvação,
occullar o que resalta aos olhos. Qualquer que se apresente o
ramo da justa, civil, commercial ou criminal, elle tem de se es-
forçar por alcançar aquellas qualidades emprestados falsamente
aos tribunaes de guerra. O Processo é a Dynamica do Direito, ou
conforme prefere dizer João Monteiro, a Palhologia Jurídica (2),
e, como tal, elle busca defender a sociedade e o individuo do modo
mais simples, prompto e e/ficaz. Não ha que distinguir, sob este as-
pecto, se a relação jurídica c de direito militar ou de direito com-
mum. Princípios fundamentaes de direito judiciário contam-
se:— a promptidão, a simplicidade, a garantia. (3) «
E' preciso que o processo penal» repara alguém «seja não só
célere c simples, como conducente a resultado seguro, isto e, ã
condemnação do réo e á salvação do innoceut (4). Simplicidade,
continuidade, celeridade, aftlrma outro jurisperito, —taes os
cânones informativos do magistério penal (5).
Proseguir, carreando citações ? As condições assecuratorias
de um organismo jurídico perfeito irmanam, num abraço, as
construcções de direito singular, militar, e
de direito commum, geral. A simplicidade
sempre crescente do formalismo jurídico constitui* uma das leis
de evolução do phenomeno do Direito, comprovada pelos estudos
de varias aucloridades. Já Theophilo Braga enunciara, de resto, o
pensamento de Hoefer, segundo o qual« o espirito humano está,
de certo modo, condemnado a pas-
to Jnsi; MAMA MORF.NO, Obníê jurídicas, III. pag. 310, in AMÂNCIO ALCORTA *
l.n* GttViuiliits Conttitucionale*, ril.
f
apêndice, ptg. 395.
(t) Jillo MONTKIIIO, Precttto Civil t Commercial, S. Paulo. 1903, I, pag. 47 (3)
IIÍIIOM, ptg. OS.
(») FKRIHSANDO PUGUA. Dirillo Qiudisiario Peniile, «dl., pag. IS. (8) I.irici
I.UCCIIINI, Elemenli <H PivceUuru Penale, liarbera, Firenze, I899 pag- 10-
10
3
70
104
sar pelo que é complicado e falso, antes de aitingir o que é sim-
ples e verdadeiro» (i). Essa tendência para a simplicidade, no
Direito como em toda a parte, vae recebendo gradativamente rea-
lização pratica. Por ora, no entretanto, a feição do direito militar,
como do ordinário, è fundamentalmente esta: profundamente
imperfeita, complicada, e falha.
Os incensadores da judicatura aquartelada não parecem a I-
mittir tal cousa. O juiz do soldado ha de ser o soldado pois que
o mechanismo judiciário perfilhado por suas lições, distribue justiça
com rapidez, com perfeição, com efiicacia. Que nos resta diante tão
estranha asserção ? Descer ao exame do pretório militar, desvendar
as pretendidas vantagens desse pretório em face do pretório civil,
dissecar, anatomisar, prescrutar, minuciosamente, detidamente,
quanto vale a lei da caserna como machina judiciaria. I
Metteremos hombros a tamanha tarefa ?
Esforçar-nos-emos nesse sentido e tanto quanto o permitli-
rem os limites deste livro.
II.— A justiça militar célere c rápida, llisen e Lei Becennnls. A imperfeição da lei e o Cid de
Comcille. A falada celeridade b uma fantasia.
Vale, a lei militar, aquillo que realmente ella mostra, despida
das roupagens apregoadas. Em sua nudez, offerece os vícios de
qualquer outro ramo da justiça, talvez mais terríveis, ainda.
«...Eis ahi... as prescripçôes, a lei... Creio, ás vezes, quasi,
que todas as desventuras que nos assaltam delias decorrem...» (2)
Este desalento, também o germina a lei penal do soldado.
Tomemos, para começo, a primeira das virtudes d'ella, a ce-
leridade,
Propalam-na como uma das razões fortes— a primeira tal-
vez do divorcio jurídico criminal. Se, no organismo judiciário
es o meio mais adequado ao Estado para a consecução da tarefa
precípua deste a tutella do Direito, conforme a expressão do
exímio Miceli (3),—os jurisconsultos militares constem esse or-
(1) TllF.OPtULO BRAGA, Manual da historia da litleralura poríuyueza. Porto, 11875,
cap. 1*. Consullem-se; MARTINS JUNIOII, Historia do Direito Nacional, Recife 1895,
ltilroducção; Historia Geral do Direito, rap. 1*. Cogliolo, Philosophia do' Direito Privado,
trad. Espinola, Bailia, 1898, § 7*.
(2) IBSEN, Lei Revenants, acto t*.
(1) MICELI, Dirillo Costituzionale Generale, Milano, 1898, § 13.
-106 —
ganismo applicando-o ás classes armadas como mera funcção da
rapidez na incidência da pena.
No emtanto (e deixamos de lado a allegação de que a celeri
dade é cosa se altra mai desiderabile, ed essa é necessária per tut-
ti quanti i giudizi, e non per i militari soltanto) somente inda
gamos :—observa-se na machina jurídica do quartel a
pretendida celeridade, a pretendida
rapidez de formas e formulas repressi
vas ? Ou procede, para ella tamm, a apostrophe de Coi neille, no
Cid? 9
CUIJIÈNE
Toffenserais le roi, qui m'a promis justice.
DON SAKCHE
Vous savez qu'elle marche avec tant de langueur Que
bien souvent le crime èchappe à ta longueur ; Son
cours lent et douteux fait trop perdre de larmcs.
Julgamos que sim. Procede. E tanto procede quanto é sa-
bido que o confessam a opinião de autoridades insuspeitas e a ob-
servação quotidiana dos factos. Convém, porém, salientar desde já
que, por ora, estamos estudando a judicatura militar nas épocas
da paz, o nos occupando com a justa volante dos acampamen-
tos e cuja sanão mais enérgica reside no fuzilamento em pós o
crime.
Isto posto, se cuidamos da rapidez da machina judiciaria mi-
litar na paz, é permittido dizer sem temor de erro, que o famoso
fare prestoè uma fantasia. Comprovam-no, os testemunhos de
juristas sympathicoá ao dualismo, como alguns d'aquelles que Ar-
turo Bruchi enumera e que transplantamos para aqui (1).
Assim, a confissão de Minervini: Avrei molto dubbio che si
ottenesse mercê tale provvedimento quella celerità che in simile
giudizi é desiderato, ESSENDO LA PROCEDURA MILITARE ORDINÁRIA
MINUZIOSA, LDN6A, DISPENDIOSÍSSIMA.
O reparo de Corrado : ... d tempo dei cárcere preventivo é
molto lungo e i processi militari sono LUNGUISSIJII.
A opinião de Argentino : I giudizi dei tribunali militari non
danno per risultato che LUNGAGGINI, ESITAZIONE ED IMPIJNI.
(1) AMURO BRDCHI, / Tribunali Militari vil., pag. 124 c segs.
14624604
106
H E do próprio Buccellatí, ao confessar que continuamente "&e
lamenta a demora nos processos e os imputados esperam nos cár-
ceres, durante mezes, o julgamento.
E, então, se aquelles que baseiam a separação da judicatura
militar da ordinária, na rapidez dos seus julgamentos, proclamam;
a ausência d'essa rapidez, certificando a morosidade repressiva da
caserna, a que fica reduzida a solidez inquebrantável da autono-
mia criminal ? Cônsultem-se os escriptores mais vehemenles no
louvar a falada rapidez:—é ella o attributo inseparável dos arestos
militares, escrevem. No emtanto, linhas adiante d'aquellas onde
lavraram esta sentença, envidam esforços para se reerguer a justiça
guerreira da morosidade com que se mexe, propondo, cada qual
dos citados escriptores, o seu expediente, aconselhando medidas
tendentes a desobstruir o caminho aos conselhos de guerra,
desentorpecendo-os do marasmo em que vivem, sem que, no entre-
tanto, essa justiça deixe de ser vacillante, frouxa, tardia. Nesse;
numero, d'entre centenas, conta-se Giuseppe Bellati, cujos deli-
neamentos de reforma na legislação militar italiana, pedem uma |
procedura breve e tpedita, pela razão de que una repressione is-
tantanea può riuscire vantaggiosissima alia disciplina, il ritardo
apportarle invece grave nocumenlo (1).
E nem se fazem noutro sentido as revisões dos códigos mi-
litares dos paizes civilisados. Domina-as, sempre de preferencia a
quaesquer outras considerações, aquella da rapidez nas varias
phases do processo. A commissão revisora argentina de 1894
frisou bera este ponto, ao procurar introduzir, no corpo da legisla-
rão, o ideal de todo a administraciòn de Justicia, pêro muy prin-
cipalmente de la militar, isto é, la suma rapidez de los judicies
(2).
E não é só. Não se supplica a celeridade de julgamentos.
Pedem-seas formulas processuaes do direito penal commum. Quem
pede ? Um espirito partidário da escola disgregante, um escriptor
italiano mencionado a traz, Augusto Setti, quando enumera a
rie de reformas de que julga carecer a lei do soldado; adotlare le
forme proccssuali slabilile dal CÓDICE DI PROCEDUB ,V COM UNE per la
celerità di certi giudizii, ricordando la massima dei iliraglia.
(1) CIUSEIMM! BRLLATI. La reoieione dei codici penali mililari, cit., pag. 27.
(2) OSVALDO MAGNASCO, Códigos Militarei de la Jlepública Argentina, dl.
Informe de la eomuión, pag. 12.
-107-
c/ie la giuslizia sociale (e a maggior ragione la militnre) quando
\tardi scocca, è infcernida e nei lievi rcati forte anche dannosa (1).
Afeito ao dualismo, e requerendo, para a legislão militar,
preceitos de direito commum, Augusto Setti sabe que a imperfei-
ção d'aquella não de enfrentrar contestações, por mais leves que
sejam, porquanto e'la offerece, como uma de suas causas precí-
puas, a—lunghesta delia mililare procedura in quanto altera i con-
torni dei fatti, mula le condizioni delfambiente in cui ci svolsero,
rende incomplete te testimonianse, matura i giudizii, adito
alie misli/icazioni, rende talvolta meno senlita la necessita delia
pena (2).
Ouçamol-o, data vénia, mais uma vez :—La disciplina invoca
sempre semplicità, razionalità, rapidità di forme, ma noi abbia-
mo ancora mal rególato il congegno deWarresto preventivo, e la
simplicidi un primo giudizio affidato ad una commissione d'in-
chiesta; abbiamo sempre imperfetta, lenta, inceppata, 1'azione
deWufíicialc istruttore, lunghi termini, inutili molte formaliiii,
\dispendiose le istruttorie (3).
H Eis ahi. A própria escola conservadora se encarrega de des-
mentir aquillo que estabelece. Mas dizem-me que eu falo da Itália,
da Argentina, retirando da lição d'esses paizes conclues gene-
ralizadas e erróneas.
muita cegueira esconderá a inépcia de tal objecção. Se
necessário compulsar os livros que estudam o assumpto para se
alcançar a conclusão de que, tanto na Europa como na America, a
justa militar é falha, morosa, vacillante? Não. Ella não poderia
deixar de o ser dadas as condições actuaes de todo organismo ju-
diciário, commum ou especial, privado como é, de meios capazes
de conduzir o magistrado ao julgamento final da causa, rápida e
efficazmenle..
Administrar justiça nãoé tarefa que se bitole por considera-
racòes de horas ou minutos. Certamente, se ouvio que «se se
quer brevidade não ha tribunal que mais brevemente decida do
que um conselho de guerra». Mas essa pretensão, além de negada
(1) SF.TTI, Vcscrcilo elaiua criminalilà, cil.. pag. 1G9-
(2) IBIDEM, pags. 110-111.
(3) IBIDEM, pag. 111.— Bm nosso direito, a exposição de motivos rit., do deputado
Estevam Lobo frisa a marcha rápida do processo penal commum em cotejo com a marcha
vagarosa do militar, referimlo-sc ã infinita série de delongai, de intermináveis e obsoletas
formalidades, ao morosíssimo systema de formação da culpa e assegurando que no juiao
militar é tudo quanto ha de mais complicado, de de morado, de anachronico.
108
diariamente por todos aquelles que acompanham os mais insigni-
ficantes processos ante as cortes militares, é ingénua e desarrazoa-
da. Reassegura m-na alguns, com exemplos da culta Inglaterra
onde, por occasião do naufrágio do poderoso vaso VictorUi, a
causa se resolveu, desde a instailação do tribunal em Malta até a
sentença final, em poucos dias. Ninguém attende a que as condi-
ções em que se deu o facto facilitaram, de muito com certeza, o
andamento do processo e que, conduzidos por tal arguição, os
dualistas seriam impedidos para o extremo para elles temeroso :
nas causas críminaes de direito commum, se algumas se prolon-
gam indefinidamente, outras ha que deixam a perder de vista, em
matéria de rapidez, as causas críminaes militares.
A questão toda reside nas circumstancias que rodearam a in-
fracção. Num caso de flagrante delicio, em crime de homicídio,
perpretado era plena rua, aos olhos de varias pessoas, a justiça,
seja commum ouespecial, pôde caminhar depressa porque a aucto-
ria do acto não deixa duvidas. Mas supponha-se que o theatro do
delicto é um recanto ^abandonado, passando-se a luta sem a
presença de outras pessoas mais que a victima e o seu inimigo.
Terá, a judicatura militar , em virtude de sua feição especial, a
faculdade de apanhar o réo mais depressa que a justiça ordinária
? Não. As circumstancias do crime, se palpáveis ou obscuras, as
dificuldades na colheita das provas, a organisação do tribunal
julgador, as disputas acerca da culpabilidade do pretenso indiciado
e da criminalidade do acto, as formalidades dos debates, resumem
bem o quadro dos obstáculos a transpor, obstáculos que se não
resolvem cora meras arguições fantasistas. E, por isso, repetimos
que não se pôde reduzil-os a ura denominador commum de horas
ou dias. Será licito aquilatar do valor de uma sentença pelo
numero de minutos que gastou em se elaborar ? Claramente, a
resposta de ser negativa, pois que, quando os tribunaes mili-
tares, ou conimuns, são convocados ao julgamento de um crime,
não se deixam levar por presuppostos de tempo, marcados a
chronometro, .mas vém um caso gravíssimo que diz respeito á
vida do cidadão. Voltaire descobrio numa questão judiciaria um
facto mais importante que cent mille billevesées mathematiquet et
\cent mille ditcours pour tes prix des academies. Os thuriferarios da
farda judicante são mais práticos :—enxergam uma questão de
segundos.
Commodo e simples procedimento.
Ejmbarga-lhe, porém, o passo, a sciencia criminal verdadeira.
109 —
£n fait de Jtutice, \i NE S'AGIT PAS TANT DE PAIRE TITE QUE DE PAIRE
JBIEN ; 0N D01T SE DÉPIEIt D'UNE JUSTICE PE.IALft QUI METTBAIT SOI*
HONNEun DAKS SA BAPiDiTÉ, et 1'oti pcut dcmandcr a ceux qui veu-
lenl celte Justice expéditive, s'ils aimcnt mieux étre fusillês en six
semaines qu' acquitlês en Irois is (1). Não se diz qje um accordam
seja respeitável por ter descido em duas horas, sobre a rabeca do réo. A
questão da rapidez, nos julgamentos, depende de outra questão :— se
essa rapidez está accorde com os princípios cardeaes de organisação
judiciaria. Um pena, em diminuto apso de tempo, recahe sobre o réo;
restará indagar se ella feriu um innocenle, se o fez legalmente. Assim,
por exemplo, desrespeitada em plena rua, por um inferior, uma patente
do exercito mata o aggressor immediatamenie. Mais célere, mais
rápido, mais inopinado não será o castigo, nem o pôde ser. Ficaria a se
averiguar se este castigo é legal, se ao official é permíttido lançar mão
d'elle. Perante as regras elementares de moral e de direito social não
cabia, ao o Rendido, proceder como procedeo.
A' sciencia será permíttido construir e fazer justiça, se a
amoldar aos cânones primaciaes de o th i ca jurídica. Não com o au-
xilio do arbítrio, da violência, mas com tacto, moderação, discer-
nimento. Vem de molde, aqui, a observação dum adepto á dualidade
:—se o processo militar é mais célere, os erros se verilicam mais
facilmente nelle, do que no processo ordinário em que se toma mais a
peito a probidade em sentencear. Fora do direito, a reacção individual
immediata ao crime será um attentado ao próprio direito, salvo as
excepções prcmarcodas em lei. D'ahi a consideração de que o Direito
indica as formas de repressão, e que, portanto, num regimen jurídico
exacto, a celeridade, a rapidez no julgar, tornam-se escravas da lei,
crealurat d'estas. E eis-nos em face d'uma conclusão insophismavel:—
se os conselhos de guerra podem ser melhorados com reformas
opporlunas, porque razão essas reformas se não podem realizar quando
o juiz do soldado é um magistrado ordinário ?
E qual o alvo d°essa melhoria? o será, com certeza, a porta
aberta para os desatinos lega es, a encampação «de decisões ou sen-
tenças a tropel ladas > que tanto irritaram a um nosso jurista (2).
(I) HENIU BARBOUX, Projet de reforme de la juridiction milUaire, cil.l
Ipag. i8- • .«•i
(í) Projecto do Código do Processo Militar, volo em separado do DR-> MAGAMIXES
CASTRO, pag. 71.
- 110 —
Será a reforma da lei, dentro da lei. Ora, não nos demorando no
exame dos tribuiiaes de guerra e de sua composição (1), basta,
para supprir esta falta, uma ponderação elementar :—elles se or-
ganisam e funccionam conforme as prescripções jurídicas ou le-
gaes promulgadas, para elles, pelo poder competente. E condu-
zidas as cousas a tal ponto, uma de duas bypofieses :—a ) ou a
celeridade se alcaará dentro dos limites da rectidão jurídica,
existentes em os mais rudimentares organismos legaes, sem o/Tensa
á sociedade de um lado, nem menospreço ás garantias individua
es de outro, e, então, ella não pôde divergir conforme te
destina ao\ êimples paizano ou ao toldado, ficando idêntica para
ambot .ou— b) a mesma celeridade se conseguicom prejuízo da
segunda das partes interessadassociedade, de um lado e indiciado,
de outro sempre que estejam, as prerogativas d'este, em conflicto
com os interesses militares, — e neste caso tem direito de se
queixar, o réo:— na duvida, por carência de provas ou por qualquer
outra difflcul-dade processual, condemnou-o—a disciplina.
Não carecemos accrescentar que a ultima hypotbese o tem
acolhimento numa organisação modelo de justiça. Além de desne-
cessária tua realisação, porque a disciplina existe sem ella, a idéa
é monstruosa. Não se discute. E' um braço do czarismo dentro
dos limites do Direito :—só este braço se mostra capaz de, para
patrocinar uma falsa justiça volante nas casernas, acolber o de-
propósito de um de seus adeptos :—« na sociedade civil a justiça
pôde, sem molestos estorvos, retardar seus arestos...» (2).
Felizmente, para realçar o alcance disforme de uma sentença
Ião maligna, está a palavra dum egrégio publicista, quando dis-
corre acerca da abreviação do processo nos tribunaes militares:—
se as formas o inúteis, todos os tribunaes devem banil-as; se são
necessárias, todos devem respeitai-as; e certamente mais a aceusa-
ção é grave, menos o exame é supérfluo (3).
(1) Escriplores, a este respeito, limitam soas ponderações a dons factos que dei-
xam a marcha da judicatura militar mais tardia que a commum: o menor numero de
tribunaes guerreiros, que civis, de modo que, dado um crime é mister formar um con-
selho de guerra em logarondenormalmente ha amjuis togado, ou sento, enviar o o
para o tribunal militar mais próximo. Por outro lado, as deslocões dos ditos conselhos
de guerra, do centro dos trabalhos, para ouvirem testemunhas em locaes distantes.
(2) CORRÊA, Elementos de Processo Criminal Militar, eit., pag. VIU.
(3) BENJAMIN COSSTAST, Court de Politique Conetitutionnelle, Paris, 187!, I,
pag. 3*5,
1
— 111
III.—
Technicismo
do juiz militar. Technicismo jurídico. ErrodeconBir a justiçai| quem
maneja a espada. Os conhecimentos jurídicos do quartel sao
nullos.
Capacidade
para julgar. Paizanos que escrevem sobre arte militar.
Jomini.
A politica e as
operações campaea.
Transige a theoria dominante.
Pensa que se a rapidez das formulas do processo depende da
lei e não do arbítrio do juiz militar, a jurisdicção do quartel se
poderia exercer por meio dos magistrados ordinários. .
Impede tal cousa, no emtanto—diz— um segundo motivo
sério e perante cuja affirmão o unionismo não topa defensores :—
somente o juiz militar está apto a decidir as causas militares por-
que somente elle conhece os meandros da vida da caserna, o meio
em que se desenvolve o crime, os segredos do métier das armas,
elementos esses absolutamente inaccessiveis a um juiz estranho,
deshabituado ás particularidades do regimento.
Numa palavra, a jurisdicção peculiar ás classes armadas ba-
sea-se no technicismo dos membros julgadores. Soldado julga sol-
dado. I giudizi militari sono dei militari i giurati naturali, i soli
che possano con vera compelenza e cognizione di causa pro-
nunciare mi fatti adebbitati agli stesse (1).
Procede o arrazoado'.' Procede o principio de que — pôde
conhecer da insubordinação, da deserção, aquelle que vive de per-
meio com ellas'? Ou estaria nisso mais um engano ?
Está. E engano grosseiro. Porque, o problema reduz-se ao se-
guinte :— tratando-se de reprimir crimes praticados por indiví-
duos de uma classe, essa repressão deverá ser confiada aos mem-
bros d'essa classe erigidos em juizes ou a magistrados verda-
deiros ?
Uma prejudicial de valor inatacável deita, de antemão, por ter-
ra qualquer tentativa ue êxito por parte da primeira hypothcse. E'
ella a seguinte :— não havendo, na classe militar, senão uma rie
restrictii de crimes propiiaraente de officio militar e a pena da ca-
serna sendo, em sua effiuacia, inteiramente idêntica á do tri-
bunal do jury, á chamada exigência do technicismo militar a nada
Oca reduzida. E isso, a contrario senso da argumentação de um
de nossos dualistas : « Se a violação da lei em crime militar é
especial, a penalidade é sui-generis, como confiar o julga-
mento a tribunaes que não sejam militares, istoé, organisados de
modo e com pessoal que conheça a importância do crime e saiba
(1) G
IIISKPI
'15
B
KLLATI
,
La reuisione
dei codici
penali militari,'e\l.,
pif.
SI,
112
dar valor á necessidade da pena ?»(1). Erradas as premissas, er-
rada a consequência.
Deixando de parte, porém, esta prejudicial, mais se fortalece
a convicção a favor da segunda alternativa, das duas mencio-
nadas.
Certamente, para o militar não ha tribunaes em toda a terra
mais competentes, de mais solido preparo, que os conselhos de
guerra. Mas, em tal matéria, o militar não pôde emittir opinião
desde que ella é de alçada do Direito, exclusivamente. O officio do
juiz criminal, assegura Bruchi, (2) é quiçá o mais grave e o mais
difflcil de todos os humanos misteres. Requer grande capacidade,
grande preparo. Nas discussões que faz surgir, as difficuldades
amontoam-se, as duvidas entrechocam-se, as interpretações abun-
dam. Problemas relevantíssimos de ordem jurídica emergem a
cada passo entre a accusação e a defeza, desafiando o mais vasto
cabedal de matérias de Direito- Quem se acha irmanado a estas, es
em condições de as enfrentar, porque tem o convívio da Lei, be-
bendo, d'esta, o sopro vital, pezando-a, sentindo-lhe o arfar. Não
assim quem da Lei está apartado por uma carga de bayonetas.
E qual o aspecto que se nos offerece a judicatura militar ? O
mais triste, o mais deplorável. Seria truanesco, se não fora dolo-
roso. Quem mais facilmente se apresenta em condições de calcar
a Lei, isto é, o subrogado da pólvora, o escravo do canhão, o sol-
dado é o encarregado de applicar essa mesma Lei. Com a mão
que cingiu os copos da espada, lavra a sentença mandando, para o
resto da vida, ao cárcere, um criminoso cujo crime desconhece,
cuja responsabilidade não sabe medir. Dir-se-ia que, para decidir
do futuro dum homem fora mais necessário arrolar-se na escala dos
regimentos, que se matricular nas Faculdades Jurídicas
O século tolera ultrages como este. As cantinas presumem co-
nhecer a Força do Direito, ellas que só tem o Direito da Força.
Fazem-se em tribunaes judicuntes. Abrem e fecham enxovias. Con-
stróem um pretório. E descem, delle, arestos arrogantes como pu-
nhados de sabres. s, os homens da Justiça, que moirejamos
sempreácata do pensar contido na Lei, quantas vezes delles an-
damos distanciados, por lhe não atinarmos com o sentido obscuro!
Elles, os homens da Força, sabem ao contrario, dos mais intrin-
cados problemas de repressão,— questões prejudiciaes, perempto-
(1) THOMAZ ALVIS JUNIOII. Direito Militar cit., II, pag. 131.
(2) ARTURO BRUCHI, J Tribunali-MHitarí, ele, cit., pag. 93.
- 113 —
rias, questões de nullidades, todas, emflm, que o julgamento d'um
caso crime faz nascer... E ai 1 de quem quer negar-lhes taes me-
recimentos. Será um inimigo das armas, um sans-patríe.
Oh I mas quanto os que contestam ás guaritas as funcções
repressivas I Quantos, como Mancini e Crispi, depõem contra o
preparo, as garantias dos juizes militares 1 No parlamento italiano
reboou, um dia, a voz de Miceli. Tamanho o acerto de suas pala-
vras que fora erro olvidal-as. Io rispetto la divisa dei militare,
ma non fo torto ad un probo e valoroso soldato, se sostengo che
egli NON PUÒ GIUDICARE DE HATRME ASTRUSE B Dl SUPREMA DIVFICOL-TÂ
ANCBE AI riU SPERIMEXTAT1 LKGISTI. IL MILITARE, ABITUATO COL-LA
SPADA AL VIANCO A. ST AII SEMPRE IN ME/./.0 Al CANNONI, Al CAVALLI li Al
MULI, COME CONOSCERÁ CO.N SICOREZZA PER SE E DELLA SOCIETÁ DEL
MANDATO, DELLA COMPL1CITÁ DELLA C.ONNIVENZA, COSE CUE SOLO LA
SCIENZA PUÒ E SA DEFINIR!! ?
Fugir de tão grande verdade, como ? Miceli confessa assim
aqui lio que tantos outros tem proclamado, aquillo que Lucchin'
exprimiu com palavras barbaras : —juizes que «na balança da jus-
tiça deitam a espada e o mosquete, em vez da razão e do direito».
Falar assim, fazer-se echo de afflrmações tão claras e exactas, con-
cordar com milhares de depoimentos, assegurar que nos juizes
fardados está gente che di tuttaltro sono conoscitori che di
leggi e delia penale ragionc (1), não é faltar ao patriotismo, é
collaborar na obra ingente do Direito. E' circumscrever a acção
das forças armadas aos seus verdadeiros termos. A funcção do
soldado é a guerra, o combate, a luta. Dentro d'essa esphera de
acção, elle está em campo próprio. Afastando-se d'ahi para se er-
guer em juiz, em. interprete da lei, deve ser repellido, porque nem
offensa ha quando d'elles, militares, se escreve, que «ignoram as
leis e o modo de bem senli!-as ».
Bem é certo que os batalhões fazem valer argumentos abona-
dores de sua cultura jurídica. São os estudos nas escolas militares,
olíerecidos como certidão d'essa cultura. Incrivel que se lance
o de tal artificio poisque, conforme já presentio alguém, ou a) o
ofttcial de fazer parte dum conselho julgador somente depois
de attingido certo posto na hlerarehia militar, e, então, os estudos
legaes d'elle (içaram sepultados nos bancos académicos; ou b) taes
estudos são elementares e não educam juridicamente a quem quer
(1) Vejam-sc, nesse sentido, as paginas conclusivas de Aimino Itnvciu, / 7ViAn-nali
Mililari, ele., cil., naes. 94 a 97.
-114 -
que seja. E' o que se com efféilo. Ha, nas escolas militares, era
geral, um curso de direito, elemeiítarissimo e fragmentário, raixto
de direito penal, constitucional, administrativo, que fornece ao
soldado uma noção rudimentar, fugidia, do organismo vivo do Di-
reito. Basta percorrer, rapidamente, alguns dos programma de taes
cursos para se avaliar quanto são defeituosos e lacónicos. De res-
to, essa imperfeição e esse laconismo justificam-se pelo facto de
dictar, sua razão de ser, a consideração de tempo nas escolas onde
se professam: o ensino, em regra, constitue uma cadeira a se lec-
cionar no decorrer d'um anuo lectivo.
Por isso mesmo, e a simples leitura do moderno livro do snr.
Espirito Santo o diz,— ninguém se poderá attribuir preparo
jurídico com tal curso. Muito menos habilitações para condemnar
ou absolver. Pouco imporia que ensinem o Direito todas as me-
lhores escolas militares do mundo, como quer um professor. O
ensino não deixa de ser elementar, imperfeito. Pouco altera o sa-
ber que ensinam
alguns princípios de
direito criminal, administrativo, direito publico e economia politica,
a escola de Sainl-Cyr, a escola de artilharia e engenharia de
Fontainebleau, a de cavallaria de Saumur; que o
collegio naval de Greenwich mantenha a cadeira de
direito internacional e marítimo e processo militar; que na escola
naval de Kiel se ouçam lições sobre o direito administra-tivo
militar, o direito internacional, as leis de guerra e o direito
marítimo; que cuidem do exame do Direito tamm as escolas mi-
litares da Áustria, da Dinamarca, da Hol landa, da Rússia, de Por-
tugal, a academia militar de West-Point, a naval de Annapolis (1)
Egualmented'elle cuidam as escolas polytechnicas, a de Pontes
e Caadas «onde são proficientemente ensinadas matérias cujo
conjuncto quasi preenche o quadro do direito publico», as escolas
agcolas de Grignon e Montpellier, o instituto agronómico de Paris,
a escola superior de Minas, até a superior de telegraphia e a flo-
restal de Nancy (2). E ninguém se lembrou de fazer juizes
aquelles que, engenheiros, agrónomos, etc, privaram, num mo-
mento, com algumas ramificações elementares do Direito.
O aprendizado, nas condições mencionadas, habitua os milita-
res, os engenheiros, a não ficarem estranhos á forma de governo
que os rege, a conhecerem o quadro dos poderes públicos, a darem
(1) Veja, a tal respeito, TARQUIXÍO DE SOUZA, O Ensino do Direito na Escol* Naval,
Rio, 1893, pags. 33 e seg.
(2) IBIDEM.
29
7
C1D
7713
115
uma definição de lei.a saberem qual o digo penal vigente. Techni-
ca jurídica, competência em doutrina .espirito acostumado a applica-
ção acertada do texto, o soldado jamais adquire. Nós, que investi-
gamos os problemas jurídicos durante o espaço de cinco annos,
nas Academias de Direito; que com elles convivemos, devassando-
Ihe os refolhos, só depois de um noviciado mais ou menos longo
conseguimos autorização,alcançamos capacidade para julgar. Para
accusar não se exige, também, em alguns organismos processuaes,
pouco tempo. Eis a presumpção de que não satisfaz o estudo das
academias e que é necessária certa pratica e experiência no foro.
Os militares, não: —após um curso rápido e grosseiro de glosa
summarissima, em assumptos legaes, ficam aptos a tomar^conheci-
mento das mais árduas pendências acerca da repressão. E, isso,
annos depois de terem recebido, nas escolas militares, leves lições
de legislação. Sabindodas salas de estudo, o militar destina se ás
Oleiras, sem nunca mais cuidar de investigar, alargar, ou, ao me-
nos, conservar a parcella de conhecimentos jurídicos que recebeo.
Decorrido mezes, annos, vem um dia em que é chamado a conhe-
cer de um crime de morte imputado a uma praça de pret. Nada
impedirá que eile atire, à enxovia, tal praça, por 30
annos: é juiz, com autorização da lei, pela lei
creado!
Córdova, conforme lição insophismada dum monographista,
alumiou que a idéa de civilisaçâo é muito civil para poder ser mi-
litar. Nós diremos que a 'Jdéa do Direito é demasiado jurídica
para poder ser guerreira. A differença que vae do preparo mi-
litar ao preparo legal é immensa, para que existam ambos numa
só pessoa (1). Nos jurisconsultos guerreiros da Roma «que
cultivaram o direito e commandaram exércitos, merecendo alguns
até aã honras supremas do triumpho» (2), ha que separar, a espa-
da, da balança :— uma de ha pairar acima da outra. Confiar a tarefa
dos tribunaes á espada seria o mesmo que entregar o êxito duma
batalha à balança. Um capitão não conhece direito do mesmo
modo porque um legista ignora a arte militar, fortificação, estra-
gia ou balística. Paizanos escreveram sobre cousas militares, <
;
certo. O Sr. Ruy Barboza, que tal confessa, escreveu também. Mas
não se segue d'ahi que predomine o parecer de Lecomle, biogra-
pho de Jomini «a* narrativas e discussões d'esse auctor mostram
(1)
A
RTURO
B
RDCHI
,
/
Tribunali Militan,
ele., cil-, pag. 87.
(2)
T
ARQOIMIO DE
S
OUZA
,
O Ensino do Direito na Escola Naval,
cil., pag. 38.
08621421
U6
como um advogado pôde chegar a entender melhor de estratégia e
grande táctica do que muitos generae(1).
de, em verdade. Pôde, do mesmo modo por que a um mare-
chal é mais fácil discernir um texto do código que a um bacharel.
Mas, o principio não se transforma com isso: nos domínios da
lei, o legista, nos domínios da arte militar, o militar.
Tratando-se de repressão penal a farda deve ceder á toga, da
mesma maneira pela qual, nas operações campaes, a iniciativa do
chefe de Estado «deve ceder ao homem de guerra» (2).
IV.— TeclinirisiiH) militar. Os juizes particulares. Benlliaui. Magistratura de mé-
dicos, de engenheiros, de conimcrciantcs. O caso azaine. A lei militar inlil-
Iraudo-sc dó elemento civil. Provas disso.
Se, portanto, ha erro, consiste elle em se retirar o réo soldado
dos seus juizes naturaes, os civis.
Diz-se porém, em contrario a isto, que o elemento technico
da judicatura militar não se comprehende na consideração do sol-
dado ignorar Direito, mas está no facto do soldado saber arte
militar. Um caso que envolve a segurança do paiz, um crime im-
putado a um marechal que se rende covardemente ao inimigo, não
de ser condado ao magistrado ordinário—deshabituado por com-
pleto, ás manobras do campo, ignorante dos segredos marciaes.
Vae, na objecção, toda a questão dos chamados juizes parti-
culares, para cuja solução já se degladiaram as mais extremas
opiniões. O próprio Bentham, que repellira taes juízos, abrio exce-
pção, no erotanto, para a classe militar. Porque razão cahio nesse
desvio doloroso, não sabemos.
Não sabemos, porque essa exceão não encontra justifica-
tivas. A prevalecer, seria mister a retaliação da judicatura, seria
mister que esta se subordinasse em tantas espécies novas quan-
tas fossem as sciencias que podem fornecer luz ao julgamento
dos casos judiciários. Seria mister um magistério penal, um ma-
gistério financista, uma magistratura para advogados, outra para
médicos, pharmaceuticos, frades, ele. Desappareceria, d'esta feita,
a incoherencia da autonomia criminal militar, mas seriam sacri-
ficados todos os cânones informativos do Direito, porque a ques-
tão, posta em taes termos, não se reduziria a uma simples questão
(1) ROY BARBOZA, Carla» da Inglaterra, VII.
(!) A phrnse entre aspas pertence a um interessante estado inserto na Jlivisla
Militare Italiana, 16 Maggio 1905, (Influenza delia politica sulla operationi mi-
litari, por ANGELO liosi).
117
de ordem pratica, como preceitua Lucchini (1), mas a um atten-tado
inqualificável, a um abuso sem nome : « a administração da justiça penal
ÉUMA FUNCÇAO JURÍDICA E DEVE SER CONFIADA EXCLUSIVAMENTE AO
MAGISTRADO, O QUAL TBM O DEVER DE SE SERVIR DO SUBSIDIO DO
HOMEM DE SCIENCIA PARA RESOLVER AS 9IFFICEIS QUESTÕES QUE SE
APRESENTAM NO THEMA DA 1MPUTABIL1DADE» (2).
A phrase lapidar de Puglia toca o cerne da questão. E' irrefutável,
é irrespondivel. Enorme, o damno que adviria da adopção dos juizes
technicos,—mais ainda que o imaginado,porque, em taes JUÍZOS, O
escopo principal éa applicação do Direito e não é licito sustentar que
em assumptos de applicação do Direito, cuide o juiz de tudo, menos de
conhecer o Direito. Em todos os tempos e épocas, se, no correr dos
processos crimes, surgem pendências puramente technicas e
scientificas, essas pendências são resolvidas pela pratica pericial, pelo
depoimento de testemunhas, pelo desenrolar dos debates. O homem de
sciencia é ouvido acerca do ponto de sciencia questionado; não poderá
ser ouvido, muit» menos como juiz, acerca do ponto de Direito
discutido. Cm medico responde por homicídio consequente a um
trabalho de parto mal dirigido. O lado medico do caso será resolvido
por médicos, num laudo que investigue a pretendida impericia, se essa
imperícia existio e em que condições. A parle jurídica caberá inteira ao
magistrado, que, desgraçadamente, para certos paizescomo o nosso, se
substitue por um conselho, o corpo de jurados,—um dos maiores
fracassos dentro do organismo jurídico de um povo.
A direcção technicadimana de technicos, assim; a jurídica provêm
de legistas. E' o que se dá, de resto, nas demais classes sociaes. Ao
engenheiro que é aceusado de imperícia na construo -ção d'um
viadueto não se cuida de entregar um corpo de engenheiros p-ara o
julgarem criminalmente. Porque se ha de proceder de modo opposto
quando o réo é um militai-, ou um engenheiro militar ? Porque as
infracções da caserna têm feição própria ?
Mas ja averiguamos que não têm senão até certo modo e que,
naquellas infracções que possuem feição peculiar ás classes armadas,
essa feição peculiar é, antes de tudo, jurídica, è questão de alçada do
código e não de alçada da arte militar. Comprehende-se
(1) LUCCHINI, Elemenli diprocedura pcnale, cil., n. 187, (1) FF.RIIISANDO
PDGLIA, Dtrillo Giudixiario Penale, cil., pag. 12. '...per acere otítmi giudici
penale è necessário ehe questi abbiano una solida e vasta* cultura, e
spccialmenle conoscense di antropologia a di sociologia crimitiale*.] Ib. pag.
41,
118
a lei estatúe que um soldado que mata a um seu camarada com-
melte um crime. A orientação actual que ha nisso um crime mi-
litar. De como não ha, escrevemos. Admitíamos, porém, a a Afir-
mativa : o crime é militar. Qual o juiz togado incapaz de conhecer
do facto ? Se ha technicismo nelle, esse technicismo é militar ou
jurídico?
Tomemos um caso mais rio. Tomemos um exemplo que se
adapte rigorosamenthypothese formulada pelo dualismo. O caso
Dreyfus ? Não, porquanto elle é recente ainda para que se tenha
esquecido do quanto valeu nelle a judicatura fardada. Falaremos
de outro caso que teve por theatro o mesmo paizde intransigência
militarista, falaremos do caso Bazaine. Como o processo de Ren-
nes,elle provocou a attenção da Europa inteira,deixando suspensa
até hoje, nas paginas da Historia, a mais terrível das interroga-
tivas.
No caso Bazaine imputava-se a uma alta patente militar, o
mais tremendo lábio, o maior crime que se possa attribuir a um
soldado: Bazaine foi accusado de ter entregue aos prussianos a
praça de Hetz, sacrificando, assim, cento e cincoenta mil homens,
mil seiscentas e sessenta e cinco boccas de fogo, vinte e dois mi-
lhões novecentos e oitenta e quatro mil oitocentos e cincoenta e
nove cartuchos, e quatrocentos e dezenove mil e duzentos e oi-
tenta e cinco kilos de pólvora. Condemnado por ter capitulado ao
inimigo (em 28 de Outubro de 1870) e por ter entregue a praça sem
exgotlar todos os meios de defeza de que dispunha, e sem fazer
tudo que lhe prescrevia o «dever e a honra militares», Bazaine
respondera a conselho de guerra, pois, porque «pactuara com o
inimigo».
Maior e mais grave accusacão não é licito lançar a um marechal.
O prejuízo para a França foi deplorável—tão deplorável que se
enxerga num próximo choque franco-prussiano o desejo de recobro
da fortaleza perdida. Não se consegue, portanto, presuppôr maior
crime do que este, se crime houve por parte de Bazaine. Quem o
julgou foi um conselho de 10 generaes sob a presidência do duque
d'Aumâle. No emtanto, qual o crime que levou Bazaine ao palácio
Trianon, no parque de Versalhes ? Algum facto inacces- » sivel ao
preparo de juizes togados ? Não:—um crime de -configuração
juridicamente simples, um crime previsto nosarts. 209 e 210 do
digo militar francez. Lavrou a sentea um corpo de generaes: pena
de morte com degradação commutada pelo Presidente da Republica
em detenção por vinte anqos com dispensa de degradação.
119
I Agora:— um Chefe de Estado linha conhecimentos de sobra
para corrigir a sabedoria militar, e não os podia possuir
um tribunal] ordinário... Ajunte-sea esta incoherencia,
uma outra de ordem capital:—os subsídios da accusação onde
tiraram sua existência ? Das insígnias das fardas componentes do
tribunal ? Não. Promanaram dos depoiment do» companheiro» de
Bazaine, do tcstemu-mnnho de teus camarada» d'arma»! Se
esclarecimentos houve para a accusação, nasceram d'ahi. Eis a que
se reduz a arte militar como inspiradora dos arestos marciaes:a
uma dependência da pratica pericial, a uma dependência das
informes de testemunhas arroladas. Porque não se confiou a tarefa
a um juiz togado ? Melhor que os generaes-juizes, elle estaria em
condições de separar, de confrontar esses depoimentos,
desprevenido de ódios, de malquerenças, estranho ás misérias do
quartel. I E, pbenomeno curioso, a própria caserna incumbe-se
de provar a ausência de competência judica nos seus conselhos
judica-tivos, chamando para os orientar um graduado em direito.
Queremos falar dos auditore» de guerra (ou marinlia) que, sõ nas
faltas, impedimentos ou accumulo de servo por parte do
funccionario effectivo, deixam de ser homens da lei, ou, conforme
prefere dizer o projecto de 1890— magistrados judiciaes. Ora o
auditor, «o homem lido na lei» é quem, perante o plenário « o
auto de informação do crim por elle feito, é quem conhece o
Direito no conselho ; quem peza os elementos de convicção, quem
os mostra ao tribunal, exe o facto criminoso em todas as suas
circumstancias, de maneira que o merecimento da causa depende
de um magistrado ordinário. Eis a que chegamos : um paizano é
quem orienta o tribunal militar; cinco ou dez não poderão orientar,
ou não poderão subslituir-se aos galões!
Não lemos o intuito de emprehender meticulosamente o exa-
me do dualismo por este aspecto. Basta-nos a regra de que a
composição dos conselhos militares se vae, aos poucos, tornando
civil. Eis um facto de observão incontestada. «Em quasi todos os
pjiv.es, quer se cuide do advogado Oscal ou do instructor italiano,
do auditor austríaco, do juiz de instrucção ou do procurador militar
russo, por toda a parte exigem-se longos estudos de direito, com-
provados por um diploma difflcil de ser alcançado, idênticos ou
comparáveis áquelles por que passa um juiz de direito commum»
(1). Deixemos o direito francez onde o projecto Massé de 1899
(1) JULES DiRii IA, reforme de* contrito de gvmm, cil., pag. 521,
2
120
pede que o rapporteur (correspondente ao juiz de instrucção) e o
commissario (correspondente ao ministério publico) junto aos
tribunaes militares sejam licenciados em direito (1); ponhamos de
parte o direito allemão, não nos demoremos com o instituto de de-
feza perante os conselhos de guerra (que pôde ser feita por um
paizano (2) ao passo que outr'ora, devido á intransigência guerreira,
se fazia por intermédio de militares). Detenhamo-nos ante uma
lição geral, exacta, e esta é que, nos tribunaes do quartel a
exposição do facto criminoso, no plenário, é feita por homens de
direito, a defeza, a accusação se realisam por meio de legistas.
Está aqui ou não o desmentido que a caserna oppõe ás suas pró-
prias affirmações ? Altas patentes reunem-se para julgarem um
caso crime e o o sua aptidão technica é tamanha que não dispensa a
orientação do magistrado civil!
A lei militar inflltra-se, cada vez mais do elemento civil. Aquillo
que a dialéctica dualista repelle, comprova-se pela lógica dos factos: a
expulsão, cada vez a maior, dos alamares para tora do rum.
Desconfiada dos julgamentos marciaes e num trabalho lento, re-
morado, imperceptível quasi, a lei coramum, a lei do paiz, os
vae arredando dos seus domínios, substituindo-os pelas
sentenças dos magistrados (3). Perlustrando a historia dos
tribunaes milita- j res, encontrará o analysta de taes matérias, as
provas mais abundantes dessa luta surda, velada, na qual fogem
sempre em derrota asattribuiçôes da justiça militar ante a invasão
da única e verdadeira lei judicante, a lei commum. Mas rememorar os
pontos em que se tem dado esse facto, relembrar, aqui, as posições
d o n d e se tem expulso, os flancos em que se tem batido o inimigo,
equivaleria a escrevera historia dos tribunaes militares. Sob todos
os aspectos possíveis se verifica essa campanha entre o elemento
civil e o militar, nos conselhos de guerra, com ganho de causa
para o primeiro. Ainda no decurso do anuo passado se pedia, em
nosso parlamento, que a formação da culpi nos processos militares
se fizesse por juiz singular togado (4).
(1) HKXRi BARBODX, Projet de Reforme de la Juridietion Afilitaire, cit-,
pag. o.
(S) A Hespanlia, por exemplo, mamem restricçoes quanto á defeza emprcuen-
iliila por eivh ante os conselhos de guerra. Veja CABRERUO, El defensor ante loi
tribunales de guerra y marina, Madrid, 1905, pag. 10 e segs.
(3) Aquillo que caracterisa os tribunaes militares suissus, é o requisito da cul-
tura jurídica, por parte do Presidente (Gran GiudiceJ e do aceusador* BERTOXI, íe
Istituzioni Svizzere, Roma, 1903,1, pag. 395.
(4) Exposição de Motivos do deputado ESTEVA* LOBO, cit., pag. 12.
98
121
Por outro lado, se ha questão debatida em direito militar é
essa a que se relaciona com o connexidade e a cumplicidade nas
infracções. Pois bem : a melhor feição de doutrina propende para
a theoria de que, em taes casos, o juiz competente é o juiz com-
mum* Não analysemos as legislações nesse particular.
Perguntemos:—nessa opção pelo juiz ordinário vae somente
uma questão de conveniência processualistica, uma questão de
unidade de julgamento ?
NãOv Para s que discorremos acerca do technicismo dos
conselhos militares, esahi uma consideração de valor Inestimá-
vel. E' a seguinte : legislações e juristas que estatuem que c|
capaz de conhecer de crimes desenrolados sob as armas, a pessoa
do militar, porque essa pessoa possúe noções lechnicas precisas
para tanto, abrem mão d'esse technicismo quando a infracção se
commelte ligada por connexão a um crime commum ou quando tem
seu auctor, por cúmplices, indivíduos o militares. Noutros
termos:— a escola separatista reconhece que o juiz togado pôde
e deve processar e julgar réos militares por crimes militares.
Taes incoherenclas não as defende a dualidade. Não poderia
fazel-o- Quantas do mesmo jaez ella offerece?
V.— A parcialidade nas sentenças militares. A obediência hierarebíca manietando
a Justa. O meio, o fimhienle dos regimentos. Shakespeare. Tribunaes de 1*.
instancia. Os systemas de escolha de juizes. Tentativas fracassadas. A justa
administrativa e os conselhos de guerra. O liaíetu-corput a militares.
Respiguemos mais um pouco.
E' necessário advertir que não é somente um problema de
competência em Direito que es em jogo. Entra também em equa-
ção a maneira altamente inconveniente por que se distribúe justiça
no quartel.
Justamente pelo motivo de ser, o juiz do soldado, um soldado,
justamente pelo motivo de estar, elle, familiarisado com o ambiente
militar é que, pensamos, poder menos livremente processar e julgar,
tão certo parece que o individuo, em tal ambiente, recebe-lhe as
impreses, partilhando-lhe as amisades, as desaffeições, os ódios
e as intrigas.
A pendência.respeitante á parcialidade e ã imparcialidade dos
accordamsdos tribunaes militares ha sido largamente discutida.
Sem a revivermos, o deixamos, no emtanto, de aflirmar que a
isenção d'animo necesria a todo magistrado se torna mais pro-
blemática, mais duvidosa quando o conselho judicativo se compõe
122
de indivíduos pertencentes á mesma classe d'aquelle réo que se
processa. Varias aucloridades eminentes asseguram que, com es-
pecialidade, o pretório militar padece desse mal. Uma dVllas es-
creveo que o «os juizes militares silo juiz e parte ao mesmo
tempo» emquanto que outra sustentou que os «membros dos con-
selhos de guerra nem sempre sabem esquecer a obediência hierar-
ehica a que o obrigados» (1). Ini terceiro jurisperilo repara que
os mesmos membros «offerecem a menor garantia possível de
independência e de imparcialidade» (2), emquanto que, de outro
lado. se diz que de ijrand voix lêlivent pour proclamer que lepli
de tobiittance, si profond quil >oit, fface ou senil du tribunal
(3).
Qualquer que seja a intensidade da correnteza para um e
outro lado, parece liquido que n problema não se resolve senão
cm contrario ás prerogativas militares. Realmente seria mister
ignorar o que vale a existência intima das classes armadas para
que se consentissem, aqui, indecisões. Seria necessário ignorar o
peso das ambições, das inimizades, das dedicações, das intrigas
iteradas ;i sombra das companhias de guerra. De resto, o espi-
rito de classe tolhe o pronunciamento imparcial e ponderado. E'
um pheuomeno, esse, commum a qualquer sodalicio, militar ou
o, commercial, universirio, ele. i)'elle cuidaram diversos enten-
didos, demonstrando alguns, como Meyer, (tendiam, Zannrdelli,
que, com relação, por exemplo, ao juiz commerciante, este
considera as sentenças unilateralmente, preoceupado com os
interesses do commercio (4). E com igualdade de motivos, senão
maioria, e licito applicar tal principio ao juiz militar, porque este
se deixa dominar por outros ascendentes que não os da cstricta
equidade, companheiro como é, d'aquclles homens de cuja sorte
vae decidir, convivendo com elles na mesma ordem disciplinar,
respirando as mesmas idéas e bitos da vida arregimentada. «Não
é digna de approvação, uma justa' para aquelles que compõem o
exercito, representada e administrada por officiaes superiores,
membros do mesmo exercito» (5).
E que não é digna, dil-o a experiência de annos, altesta a
(1) ARTORO BRUCUI, / Tvibunali Mililari, i'il., pag. Si.
(t) LDCCUI.NI, Soldati delinquenti, ele, cil., pag. 115.
(3) HB.NIII BARBOUX Projet de reforme de la juridiction militaire, cil., pag. 11.
(4) Vcja-sc ARTURO BRDCHI, / Tribunali Mililari, ele., cil., pag. 84.
(5) LUCCHIXI, Soldati delinquenti, ele, cil., pag. 108.
123
historia do todos os paizes. Ora as absolvições são escandalosas,
ora as condemnações eivadas de uma ferocidade estúpida, injustas.
A esse respeito, Mamou é concludente. E porque ? Porque o sol-
dado não se pôde despir das paixões, das intrigas, das prevenções
que fervilham em seu redor quando elle tem a julgar um seu ca-
marada, amigo ou desaffecto Não se pôde despir, porque o so-
dalicio militar mais aggrava ainda o mal, de modo que nos mem-
bros dos conselhos de guerra jamais se encontrará aquelle perso-
nagem de Shakespeare, de que fala o Sr. Ruy Barboza, «capaz de
reconhecer ao próprio demónio o seu direito».
Injuria, isso? Seria, acaso, lançar convicios á farda quando
se lhe nega a desprevenção no julgar ?
Cremos que não. E se é certo que alguns juizes togados não
possam alcançar essa meta de probidade jurídica, de honestidade
legal, apontada pelo inolvidável tgico britannico, parece inques-
tionável que o movei que dirige a penna ao traçar a sentença mili-
tar, aparta-se, em muito maior desvio, da rectidão no julgamento,
do que o movei que leva o magistrado a proferir uma decisão.
não insistimos quanto aos pendores do coração, sejam ou o
elles afCecvos. Insistimos num ponto derradeiro :—se plãusivel
a imparcialidade no sentencear quando ha hierarchia, subordina-
ção, obediência mechanica ?
Pela negativa estão os próprios conselhos militares, está a
grave pendência acerca da composição d'elles. Nesse particular as
controvérsias"pullulam, as tentativas repelem-se, sem que se con-
siga dar, aos mesmos, prestigio e independência. Todos tenta-
mens fracassaram até hoje. E continuará o esforço no sentido de
dotar, a lei judicante do quartel, de mais lirmeza no reprimir, de
menos sujeição aos grilhões da superioridade hierarchia. Mas
em vão.
Se não vejamos :
Em regra apresentam-se, os tribunaes militares, batidos pelos
próprios dualistas. Lemos algures, a tal respeito : « Classilicam-
se, era regra geral, d'esta forma : u a) commissões de inquérito; «
6) tribunaes territoriaes;
<< c) tribunaes militares junto ás tropas concentradas ; I
« d) Supremo Tribunal Militar.
« Outras classificações se conhecera. Sendo, pom, esta a mais
geralmente adoptada, é a que servirá de base ás reflees que va-
mos adduzir.
125
desabonadoras de um julgamento são. Ao lado da sentença, es-
tariam os interesses de classe. De resto, rios escriptores não|
enxergam o caso sob este prisma, sem que no emtanto, sejam
para se olvidar suas ponderações. O marechal Harmont oppoz a tal
doutrina a formula conhecida:— «Uma magistratura militar, dis-|
tincta do exercito propriamente dito, desfiguraria aos olbos da
tropa o caracter dos generaes, essencialmente homens de combate
c que devem por sua presença despertar idéas de gloria e recom-
pensa, e não pensamentos de crimes e de castigos» (1). E' uma
critica toda unilateral essa, na qual o marechal francez confessa
sem cuidar do alcance de sua confissão, que de homens de com-
bate, de soldados, se não podem fazer bons julgadores. Registre-
se o testemunho do douto dualista, para bem da verdade.
Repellida a idéa proposta porPaulo rat, venceo, nos digos
modernos, aquella theoria que biparte os conselhos julgadores
militares em tribunaes sedentários, e tribunaes eventuaes, a que
alguns ajuntam os tribunaes mixtos, isto é, sedentários por limi-
tado prazo de tempo. A acceitacão de cada uma d'estas espécies
varia nos paizes de agora, mas com isso nada lemos a ver, desde que,
quer predomine o systema inglez, no qual cada membro de uma
regimental court, de uma court of district ou de uma general
court, serve por ura prazo determinado, quer o portuguez, quer
vença o systema hespanhol, o italiano, a nossa tarefa cinge-se em
averiguar o modo de composição do tribunal, seja este perma-
nente ou ad koc.
Uma das condições de êxito para um bom organismo judiciá-
rio—é regra vulgar—reside no modo de nomeação ou escolha dos
juizes (2). Pois bem : o tocamos ao de leve, nesta questão im-
portantíssima, senão para salientarmos que a justiça militar offere-
ce, sob tal ponto, aspecto deplovel. Qualquer que seja a compo.
são ou formão dos conselhos de guerra, a justiça militar se
sempre uma dependência do governo, um ramo do executivo.
Eventual ou permanente, como se compõe o tribunal ? Ne-
nhuma das idéas propostas, nenhum dos systemas existentes põe
a salvo, a judicatura fardada, da sombra que sobre ella projecta
a superioridade hierarchica, a auctoridade executiva.
(1) I
BIDEM
,
pag.
113.
(1) Juizes revogáveis ã vontade, ou
annuaes,
nao podem ser assaz independentes
para que
iTelles
se possa esperar a rigorosa
execução
das leis nacionaes : tal o ensino
do
federalista,
na trad, brasileira de
1890,
III, pag. 183,
I 126
O syslema tia nomeação por antiguidade? O da escolha de
juizes mais velhos na carreira por meio de escalas previamente
organisadas ? E o que parece contar maior numero de adherentes.
Mas não satisfaz. Tem um enorme defeito aos olhos do dualista :
—não olha o merecimento do escolhido, de modo que, militares
sem curso nem preparo, se fazem juizes. Sem indagarmos, porém,
se o curso ou os estudos habilitam os militares como
julgadores (facto que Já contestámos/, façamc-nos écho dos
próprios escri piores ex-adceno quando demonstram que o critério
da antiguidade burla, por completo, a intenção da lei. Se a
antiguidade i o critério que dieta a organisaçáo do conselho
julgador, este liça como uma crealura do executivo. Deixemos
falar a uma autoridade no assumpto»... c poieliè Cnnzianità di
lulti gli ufflciali è conos-cita e graduata, t evidente che 1/ ministro
delta guerra, nello seegtiere t distribuire i regimenti Ira le varie
divisioni militari Isa i/iâ anlicipalamente, colla tabeliã delta
anzianitá solto gli occhi, di t/uali indieidui taranno composli i
retpeltivi tribunal! Quinai la composizionc dei Iribunnli militari è
nelfarbitrio dei ministro delia guerra, e CHI SCB0i.lt: IS OG.M CASO
I CILDIC* Kl 1
SOI.DATI t IL GOVUII.NO, t. II. POTRRE ESP.CUTIV0.
Entre s, Magalhães Castro insurgira-se contra a nomeação
por escala porque ella « não inhibe que o general possa saltar por
ella dando outro destino ao cilicia! que não desejar que taça parle
do conselho ».
O systema de indicação por sorteio ? B* O preferível, a Nega-
se, porque subtrahe, com facilidade, o juiz, da dependeefa do
executivo. Sem duvida, parece, dos males, o menor. No emtanto,
|H>rqulre-se com ratio :—se elle desliga o conselho de guerra, da
administração publica (facto que não é absolutamente verídico)
desliga-o da influencia dos superiores hlerarchieos ? O sorteio in-
sulam, o juiz, da acção do meio, dos pedidos dos camaradas, das
ilesa (feições do quartel, do temor em desagradar ao superior, do
desejo em satisfa.er a esse mesmo superior .'
Ninguém o dirá. Embora o pregão se ouça a cada pasto,
incensando-O, o sorteio nada adianta como garantia abonadora
da imparcialidade e independência da judicatura militar.
Escusa insistir. O mal é Insanável porque r instituição
inteira, é dos homens que a criam. E' insanável eroqnanto o sol-
dado julgar o soldado, eroquanto o galão conde rnnar ou absolver o
gaiáo. E" insanável eroquanto não quízerem roniprebender que o
unt.u, o verdadeiro juiz é o magistrado togado, deva sei-o, quer
1
127
' tenha esse magistrado de processar a um paizano, quer a um sol-
dado. Dispensável, portanto, aOgura-se esgaravator interpreta-
ções, escavar systemas : —ou a nomeação do juiz militar obedece
ao nulo da auctoridade executiva militar, parte no caso, ou a sen-
tença trará no seu bojo as prevenções que a dictaram.
Sjerà isso- Justiça ? Não. ' Com que tilo erguer um requisitório
formidável contra os tribunais militares permanentes, como fez a?
commissão revisora argentina ; com que filo renegar os conselhos
eventuaes, como procedeu uma auctoridade nossa, especialista da
maria, se o remédio está na abolição da autonomia judieantc da
caserna, se esta autonomia, qual existe, o foge áquelles vicios
tremendo de improbidade jurídica, contra cujo império ella própria
envida, em vão, esforços desesperados ?
Preferível fora trilhar na vereda aberta pela União Ameri-
cana :—nefasta, mas franca. A doutrina militarista prega alli sem
rebuço o que significa e o que vale a judicatura da caserna, sem
phrases, sem imagens, sem rodeios :—é uma projeão da admi-
nistração publica. Nada mais, nada menos. As cortes marciaes se
não incluem no Poder Judiciário :—The judicialpower ofthe V.
Statet deflned in lhe second section of the third article of lhe fe-
deral conslvulion does not include Ihis mililary jurisdiction, al-
Ihough federal courts may examine its exercise by the milita ry
courts and relieve e. g. by writ of habeas corpus or prohibition
against unauthorised acts done by lhem wilhout jurisdiction
under color of its authority (1).
Mais terminante, o ensino de Black (â) :—But these courts
are not a part of the federal judicial system. The power to esta-
blish them is not dered from, nor is connected wilh the third ar-
liclè of the constitution, defining the judicial jower of the V.
States; the power» are intirely independent—« Not belonging to
the judicial brandi of the government, it foliou;s that courts mar-
tial lUUSt PERTA1N TO TUE EXECUTIVli JJEPABTMENT; AND THEY ARE IN
FACT SIMPLY INSTUUHENTAL1TIES OF TUE EXECUTIVE POWER, PBO-
VIDED BY COXGIIESS FOB THE PBES1DENT AS COMMANUEB IN CHIEP, TO
Aio uni IN properly commanding the army and navy and enfor-
ting discipline therein, and utilised under his orders or those of
his authorised military representative ».
(1) ROSSKI.L CURTIS, Important Federal Slalutes Annoled, Chicago, 1807,| pag.
127.
(2) BLACK Handbook of American Conslitulional Lav>, 1897, pag. 137,
1-28
E por isso mesmo, por serem uma dependência do executivo,
os poderes das cartes militares são limitados—THE AUTBOBITY OP
THESE COUBTS is STRICTLY LIMITED (i), parecendo vencer na terra
americana, um dos maiores attentados a liberdade humana, que em
vários turnos se m commettido em nosso Direito—a negação de
liabeas-corpus quando a prisão é militar ou ordenada por autoridade
militar. Eis aqui uma aberração inqualificável que arma o juiz far-
dado do mais amplo arbítrio', pondo-o a salvo de qualquer flscali-
sação.
Não desviemos do nosso rumo.
Justa que não é Justiça—porque jaz grilhetada ao nuto de
autoridades executivas, de galões,—não ha princípios que a pos-
sam amparar 1
VI Surrcmo Tribunal Militar. OrgSo innlil. Seus defeitos. Tendências para sua abolição.
Dous Tribunaes Supremos na Republica. Medida excedente que se salvou. A revisão
e o Supremo Tribunal Federal. O direito estrangeiro.
D'essa falha orgânica, cujos eifeitos perniciosos não carece-
mos salientar, salvam-se os tribunaes de segunda instancia, os
chamados tribunaes superiores de marinha e guerra. Salvam-se, é
bem de ver, até cerio ponto, dada sua organisação permanente,
constituída por membros geralmente vitalícios.
Mas também não ha instituição mais inútil do que esta. E"
uma superfetação injustificável no corpo do Direito. Assim se
julga na seita separatista.
A prova d'esse asserto, temol-a nas próprias expressões da
dualidade. Colloquemo-nos na posição d'esta, a beneflejo de argu-
mentação, e supponhemos necessária a conservação dos conselhos
de guerra :—e a creação dum Tribunal Militar Supremo não en-
contra defeza; mesmo que se mantenham os tribunaes territo-
riaes, elle deve ser abolido, escreve Arluro Bruchi (2).
Considere-se unicamente a composição de taes entidades.
Fale-se para o direito estrangeiro :— o Supremo Conselho Militar
é ura corpo destinado á revisão das sentenças proferidas na pri-
meira instancia. Quer dizer:—é um tribunal perante cujo saber
não mais se cuida de julgar factos e questões de caracter technico
militar (sic); trata-se, em face d'elle, de ver se foram ou não vio-
(1) IBIOF.M, pag. 126.
(2) AKTUIIO BRUCHI / Tribunal! Mililari, cil., pag. 140.
~- 129 -
ladas as leis penaes e as formalidades do processo durante o jul-
gamento (1).
ura, em tal conjunctura, se o Supremo Collegio, na phrase de
Magnasco non juzga pues sino dei derecho, não precisamos affir-
mar que o soldado nada pôde adiantar, como membro d'elle, para
o pronunciamento verdadeiro da causa. E a prova d'isso está no
facto de ser o relator, ahi, sempre um juiz tonado, um sacerdote do
Direito. Se, perante o Tribunal Supremo Militar sobem as appella-
ções, se se debatem exclusivamente questões jurídicas, para que mi-
litares reunidos a civis num hybridisrao condemnavel de justiça ?
Porque taes appeilações não seguem seu curso natural, o Supremo
Tribunal ordinário, a Cassação ?
Porque é necessário dar aos soldados um juizado seu, até
mesmo nos simples recursos de julgamentos, embora esse juizado
tenha formação commúm, embora tenha feição ordinária, só possuin-
do de verdadeiramente militara presença de umas tantas fardas onde
deveriam estar paizanos (2). De resto, a caserna se contenta com
isso, desde que ella gose do favor de possuir um Tribunal Su-
premo cujo caracter militar resida na peculiaridade de se dar, para
juizes, alguns galões, embora a solução jurídica das questões nelle
discutidas seja esclarecida e fornecida por magistrados ordinários.
Em face do Conselho Supremo os autos trazem o rotulo de pro-
cessos militares? Esses autos provocam questões jurídicas ?
Mas é necessário dar uma satisfação aos quartéis, c necessário
enfiar pelo sulco aberto pelos paizes occidentaes, criando um Col-
legio Superior Militar, de accôrdo com as palavras de um juiz
francez:—« Existem uzos seculares de alta cortezia e deferência
entre o Exercito e a Magistratura » (3); embora, às vezes, essa
cortezia tenha por fecho a formula conhecida no pretório guerreiro
storcere la legge è opeia sacrosanta... D'ahi o hybridi*mo d'esse
corpo judicanle, civil em sua estructura orgânica, mas civil e mi-
litar em sua composição externa.
E, em nosso direito, a prova provada do valor inútil do Su-
premo Tribunal Militar es na Constituição Federal, de cujo tex-
(l) limiFM. pau- 14-1.
(!) CRISM dizia em relação ao direito italiano: • A chè dunque, su/nori. ijueslo
[tribunale spccinh', quando la magf/iorama dei membri dei medesimo è di mauis-
\trali delVordine civile\ e quando la masshna parte dei/li elemcnli, cite lo eompo-
Mono, appartenqono alia borghesia, e dove dei tnililare non c' è che una inino-
ran-a, la quale non può vineere in alcuna questione? «
(31 llAMON, Pêychotogie du Mililaire Proftionnel, cit., pag. 118.
130
to se deprehende que o supremo interprete, o mais alto tribunal do
paiz revê os processos militares. Onde, pois, a necessidade d
'aquelle, se suas sentenças são revistas e corrigidas por juizes
communs, por um sodalicio onde não tem entrada o elemento mi-
litar ? Bem sabemos que contra o texto imperativo do nosso códi-
go fundamental se ergue a intransigência avassaladora dos dua-
listas ferrenhos, bradando que o Tribunal Supremo Militar deve
pairar acima do interprete máximo da Constituição. Chega-se a
lamentar que, devido á pressa com que foram encerrados os tra-
balhos da Constituinte Brazileira, se olvidasse oppôr barreiras ao
texto vencedor:—explica-se que a revisão dos processos militares,
proposta para ser confiada ao Supremo Tribunal Militar fora dei-
xada entregue ao Supremo Tribunal Federal por esquecimento ou
má interpretação de uma emenda que não figurou na votação.
Abandonamos a explanação d'esse incidente ao snr. Barbalho que
o elucida com o seu brilhantismo costumeiro. O que nos interessa
é que, se descuido houve, venceu, com elle, o bom principio. A
idéa defendida no seio da Constituinte, de collocar dous tribunaes
supremos na Republica nascente, — um, civil, ao lado de outro,
militar— fora irrisória. Irrisória— porque seria o mais terrível es-
cara eo atirado a uma federação como a nossa. O snr. Barbalho la-
menta que fosse a mesma idéa repellida. «E.muito bem cabida
ficava no Supremo Tribunal Militar » diz elle (1), «a competência
para fazer a revisão das condemnações militares. A razão está na
própria índole e natureza peculiar da justiça militar. Os motivos
que fundamentam a existência separada e especial dessa justiça
impõem que a ella não se furte decisão alguma sobre assumpto
que constitue matéria de sua jurisdicção própria. Se os milita: res
devem ter seu foro especial, como conceber a existência de
autoridade estranha e superior a esse foro, com poderes de anni-
quilar as decisões nelle proferidas ? E' uma contradicção, é um
mal para a boa administração da justiça e para a disciplina militar.
Não se explica, .além disso, tomo um supremo tribunal seja
dependente de outro tribunal, ou que na mesma jurisdicção haja
dous supremos.
«E esta incongruência, este absurdo, esta grande inconveniên-
cia para o serviço publico, não teria escapado, á ultima hora, á
attenção do Congresso, si o trabalho da redacção final da Consti-
tuição não tivesse corrido, como correu e se vê dos An na es, tão .
de afogadilho e atabalhoadamente.»
(!) Joio BARBALHO, Constituição Federal Brasileira, til., pag. 3BS.
131
Felizmente, diremos nós, não venceram as idéas de que se
faz tão caloroso paladino o egrégio constitucionalista :— a lei civil
pairou sobranceira á lei militar. O serviço publico não se alte-| rou ;
o pretendido absurdo, a incongruência o lamentada, serviram
para mostrar que os exércitos se não fazem menos fortes, os soldados
mtnos bravos, unicamente porque, julgando a actividade criminosa
d'elles, está a magestade da lei civil. Não consta que, desde a
consagração do texto discutido aos dias que correm, se tenha o
exercito brazileiro dissolvido em meio da licença e da in-*
disciplina. A censurado snr. Barbalho é tanto mais para se lamentar
quanto se sabe que as bases do regimen federativo, qual é o nosso,
não se coadunariam, em absoluto, com a medida aventada.
Embora sob a formula de revisão, as sentenças das cortes mi-
litares são corrigidas, o fiscalisadas juridicamente pela mais alta
corporação judiciaria do pais, pelo magistrado ordinário. Porque,
pois, não se fazer a unificação quando ella, virtualmente es feita ?
Se o juiz togado corrigio e corrige o julgamento de um crime
que a lei e a doutrina aHirmavam poder seremprehendidn por um
juiz soldado, onde a necessidade scientilica da lei militar judicante,
onde a pretendida especialidade do crime, onde a pretendida
especialidade do facto, inaccessivel a um individuo, a um legista
o arrolado nos peloes? Dilflcilmenle se depara maior
destroço de uma theoria do que este que presenceamos.
Das farpas do dilemma em que ocoliocou um jurista o pro-
blema se resolve pela segunda solução. O Supremo Conselho Mi-
litar de forma alguma poderia erguer-se autónomo, porque, en-
tão, desmentiríamos todo o systema constitucional que nos rege.
Não careço exeavar autoridades na jurisprudência do Norte com
o fim de demonstrar esta verdade verdadeira o Supremo Tribu-
nal Federal é e ha de sero arbitro supremo do paiz, além de cujas
decisões não ha remédio possível.
Segue-se que o Collegio Supremo Militar é forçosamente «um
mero órgão residual, despojado de sua precípua faculdad. Não
ha como fugir d'ahi. E, phenomeno interessante, emquanto uma al-
ta patente militar, se convence de que (1) a interferência do Supre-
mo Tribunal Federal, mais aperfeiçoa e completa as funões do
Tribunal Militar,uma como que maneira de confessar a inutili-
dade ou melhor a inhabilidade deste para julgar,emquanto isto
se observa, accumulam-se as tentativas de suppressão do orga-
nismo condemnado.
(1) VICESTE DO BSPIRITO SANTO, Compendio de Direito Militar, Rio, pag. 273.
Assim, na França, o projecto Massé (1899) continha a seguinte
lição que parece de alto valor, em sua exposição de motivos (li);
«... nons vous proposons de supprvmer en lemps de paix les
conseils de rcvision et d'ouvrir à tous les militaires, comme aux
autves citoyens, le recours en cassation dont une a ff a ire recente a
démontré Vutilité. Le recoun en rcvision n'est d'ailleurs qu'un
équivalent du recours en cassation, puisque les deux tri-bunaux
ne connaissent que de la forme et jamais du fond.
uMais 1'équivalence n'est qu' apparente et nous croyons inulile
d'insista- sur l'enorme superiorUé de la garantie offerle à l'in-\
têressê par la haute compêtence théorique et pratique de la Cour
de Cassation sur un tribunal chargé de corriger les erreurs de droit
et qui ne renferme pas unseul professionnel du droit.»
A idéa provocou viva opposição, propondo Chanson a crea-
ção de um tribunal mixto, composto de seis conselheiros da Corte
de Cassação e cinco officiaes superiores. Quer-se saber de uma das
razões offerecidas contra o projecto Massé ? Pasmem os amantes da
teratologia jurídica :— se em tempo de guerra os militares não
podem recorrer á Cassação, é de bom aviso habitual-os durante a
paz a tal renuncia... A esta formula de educação legal ajuntaram-se
outras que Barboux menciona. Prima entre ellas, como é fácil
suppor, o principio da disciplina que não subsiste, conforme a
formula uzual, sob o magistério penal ordinário : Enfin on fait
donner la reserve; cette reforme détruirait, dit-on, Vautonomie
de la jurídiction militaires Cela n'est qu'un mot et le mot ne
signifie rien,
...Toutefois, si sensibles que nous soyons à toutes ces raisons,
nous ne pouvons nous empêcher de craindre, en les accueillant,
d'affaiblir la discipline et oVêbranler 1'obéissance du soldat; et
nous aimerions cent fois mieux trouver dans Varmée elle-méme
les éléments d'une bonne juridiction supérieure, afin d'éoiter un
contact perpetuei qui peut quelquefois dégènerer en conflict (2).
(1) HKMII BAIIBOUX, J'rojel de réformede tajuridielion mililaire, rit., pag.7.
IA camará dos deputados franceza acaba de votar, por 30S voto* contra 257, juntamente
•'oiii a lei de finaas, o projecto seguinte apresentado pela commissao lo orçamento :
tont deferes á la Cour de Cassation lespourvois en rcvision formes en lemps
At paix eontre les déeisions des conseils de guerre et dei tribunaux murilimes».
(Sessão de ti de Março de tooo).
(t) IBIDEM, pags. 18-19. o velho SILVA FERRÃO (Theoria do Direito Penal,
1856,1, pag. 81), expondo, em nota, o direito francez, dizia que se um Supremo
Tribunal de Justiça tem por Am principal uniformar a pratica na inlelligcncia da l.ci
e. na verdade uma anomalia que existo junto de um Supremo outro Supremo ».
133
As polemicas de que foi campo a Ilia, desnudando por inteiro!
a instituição do Tribunal Supremo de Guerra e Marinha repel-
lera qualquer duvida que se levante, ainda, a tal respeito. Pielro
Viço, conforme já attestámos, procurou opr-se, nas paginas da
Rivista Pene, aos triumphos dos innovadores, mas o conse-1
guio abalar o alicerce d'estes. E, no Parlamento, o debate foi im-
portantíssimo. Corresponde a outra Cassação, affirmava Pisanelli,
discutindo o mérito do Conselho Supremo. Sinèo respondeu a Pisa-
nelli com expreses felizes e Hancini declarou então :um tri-
bunal composto como o nosso Tribunal Supremo de Guerra ú uma
instituição absolutamente inconcilvel com os princípios consti-
tucionaes. Propostas se fizeram com o intuito de o abolirem, de-
vendo ficar as attribuòes d'este mesmo Tribunal Supremo confia-
das à Cassação. Tal a proposta de Crispi, Rattazzi, Curti e outros
em 1870.
Crispi expõe seu projecto por duas vezes (1865—1870) em
termos de profunda sabedoria:— U supremo tribunale di guerra è
una vera super fetazione... St oppose cheesso sia necessário per la
vapidi dei giudizi, e che non puossi, in maria di disciplina,
sentenzinre scnzail concorso degliuomini dispada. Signori, io non
lio mai saputo persuadermi che in questioni di giurisprudenza vi
debba essere l'elemento mUilare. FINCHR MI PARLATEDI CASERNE, DI
CAMPI 1)1 BATTAGGLIA, DI CAMPI D'1STBUZI0NE, SIAHO D^CCORDO : 1L MI-
LITAM! È BUON PADRONE; HA QUANDO SI TRATTA Dl HETTEB MANO AI
CÓDICE, LASCIATENE LA CUBA A CHI NE HA PATTO SPECIALE SUO STUblO.
Em 1870 Crispi insistia sobre idêntico tentamen. As paginas
do grande advogado da Unificação (1) mostram o que foi essa
peça do inolvidável homem de Estado. Para cila
remettemos os curiosos d'estes assumptos. E não nos
esquamos de que Mel propuzera pela terceira vez, na Camará
dos Deputados, a abolição do Tribunal Supremo de Guerra e
Marinha (2).
E, pois, corpos inúteis, que futuro esperam elles da vida ju-
rídica '? São fadados á desapparição.
E o Supremo Tribunal Militar é uma inutilidade para cuja
conservação não ha justificativa possível.
VI. Renan e a vingança dos conservadores vencidos. H
I « N'étet-vow pas frappé de voir que ces tribunaux militaires,
superbes, au milieu des louanges et des applaudutements, s'affai~
-.1! Veja-se ARTURO BRUCUI, 1 Tribunali Militari, eit., pag. 140 c scgs. (2)
IBIDEM, pag. 151, nola.
32
tent sous lei poids des crreurt et dei fautes dont on leur faisait
dei vertu* ? »
Não ha que tergiversar ante a apostrophe do egrégio es-
críptor francez.
Onde a rapidez, a celeridade dos tribunaes de guerra'! Onde
o tcchnicismo militar indispensável aos mesmos? Onde a impar-
cialidade, a independência, a probidade no julgar ?
A orientação dualista não consegue mais oppôr a conceitos e
a factos — factos e conceitos.
Cala-se.
Renan, no Marco Aurélio, dissera que a abstenção foi sem-
pre a vingança dos conservadores vencidoj^H
CAPITULO V
A autonomia judioante militar e o direito
constitucional
Li.— A srícnna roíislilunonal. Privilegio odioso. A considerão de pei»i)a e t ro.
siderado de causa. A jurisilicção ecclosiaslica.
O aactor de um dos mais recentes e mais completos trabalhos
relativos áchamada «sciencia do exercit (1), analysando as atti-
nencias d'esta com as sciencias jurídicas e sociaes, escreve que o
Estado fornece os meios de existência ás classes armadas, porque
é da regra jurídica que essas classes tiram a vida :—« a organi-
zação do exercito depende da lei».
Por esse motivo, por causa mesmo de ser a farda uma insti-
tuição nas mãos do Estado, uma dependência deste, governada e
dirigida por ellc, é que, em seu aspecto repressivo, o direito militar
jamais alcançará ser recebido como entidade autónoma, diversa da
lei ordinária, pela verdadeira orientação que preside á evolução do
direito constitucional. Perante esta fenecem todos os prinpios
abonadores da dualidade:a lei penal militar, com llgu-ras
de infraão próprias, com jurisdicção anormal, torna-se
em odioso privilegio, profundamente lesivo ao principio da
egualdade entre cidadãos. A egualdade Dão tolera benefícios nem
franquias de uns, com prejuízo e detrimento de outros. No emtanto,
a lei judicante do quartel vae além de postergar esse preceito,
porque não se erige em prerogativa injustificada de uma classe—
os militaresretirando-os de seus juizes naturaes, como também
extravasa do leito que a organisação de hoje lhe aponta, procurando
sempre alargar seus poderes, incidindo sobre meros paizanos.
Gomo prerogativa de uma classe ou casta—e abandonamos
1
para mais tarde um estudo jure condito relativo á extensão da
jurisdicção guerreira—ha encontrado sérias contradirias. A longa
(I) BRICITO, Itlituzioni di Dirilto Militai e, ril., ptg. 10.
7
- 136 —
comitiva de partidários do regimen dominante cerra argumentos
sobre argumentos em torno do caso. Mas a mutilação que afeia o
edifício se não occulta aos olhos do espectador e, pelo contrario,
cada vez apparece em mais vivo destaque.
Em coro, proclama-se que a lei militar
independente jamais reveste a feição de privilegio de clame. Não é
uma prerogativa de uma casta, mas uma lei especial relativa á
natureza especial dos factos criminosos da corporação
m//t7ar,dictada exclusivamente para a satisfação de uma necessidade
social—a existência dos exércitos (1). El Ia o significa um
privilegio, aflirma Buccellati (2) mas simplesmente uma de feia
preventiva a favor da sociedade. La giuris-dizione núlitare è perc
una eccezione di necessária severità, non di favore. Non p dunque
invocarsi come un PRIVILEGIO PERSO-NALE, Jiè come un DIRITTO oduna
PREROGATIVA IH CORPO O IJI CETO: cila riguarda puramente LA
NATURA dei fatio criminoso com-messo dal mitilarc, non può
cstendersi a forza d'interpretazione ai di degli slrclli termini
delia lege ; può communicarsi che a coloro i quali sono
soltoposli ai doveri delia miliiia (3). Na direcção d'este asserto 6 a
aflirmação de lodos os separatistas, inclusive a das jurisprudências
pátria e estrangeira.
Razoáveis, os informes ?
Parece-nos que não. E, com elTeito, quando se diz que uma
lei se constitúe em privilegio condemnavel ?
Justamente quando se applicam, para idênticas relações jurí-
dicas, regras diferentes ; quando, para certa classe de factos, se
estabelecem regras profundamente destoantes do direito commum,
o existindo fundamento gico e jurídico que ampare essa diver-
sidade de tratamento legal. Quando a situações eguaes, conce.
dem-se medidas deseguaes por ciruamstancia? pcssoaes e nunca
reaes. Quando á consideração do interesse jurídico se subslitue a
formula do interesse individual ou do interesse de casta ou classe.
Ora, tal o que se observa na autonomia judicante militar :—
uma corporação tem um complexo de normas legaes inteiramente
anómalas, separadas da vida jurídica commum. Preside a essa di-
vergência qualquer outro phenomeno que o o inspirado pela po-
sição pessoal dos soldados, pela altitude privilegiada que estes
querem manter e guardar para sempre?
II) Em lai sen lido, JOÃO VIEIRA DE ARAÚJO, Direito Penal do Exercito e da Armada,
cit., pag. 41 e a torrente de Iratadislos.
(2) VISMARA, L'avvocato dei soldato, cit.. pag. 32. (:i)
IBIDEM, pag. 30.
4
137
Não. As bases sobre que deve descançar a judicatura militar
o accedent a tão estranha pergunta. Elias são de ordem Jurldico-
penal, absolutamente eguaes ás que dominam a justa ordinária.
Realmente, uma de duas se ha de dar:—a lei da caserna só se
pode erigir em entidade especial, ou por virtude de considerações
pessoaet dos que ella governa, ou por virtude da natureta privi-
legiada, especial, dos factos, dos deveres, das necessidades a que
vêm dar protecção.
Provando-se a primeira hypothese, a lei será um privilegio de
classe. Somente vencendo a segunda, ella se dispirá d'essa forma
odiosa. Mas, o ha lógica capaz de sustentar a procedência d'esia
segunda parle do dilemma. A primeira é que salta aos olhos.
Não carecemos proval-o. Porque, como
vimos , se as classes armadas têm deveres,
exigências e necessidades que lhe dizem respeito, esses deveres,
essas exigências e necessidades, 106 o ponto de vista penal o
merecem nem exigem um tratamento jurídico independente
daquelle dos paizanos. Isto ('•, a essência ju-rico-criminal dentro
dos rumos do quartel é a que deparamos fora:—crime, pena,
julgamento, tudo assenta nos mesmos postulados de direito penal
geral. As infracções militares têm seu grémio no código ordinário.
Por outro lado, se existem, aos olhos dualistas, na autonomia
judicante militar, regras de celeridade na repressão, de efflcacia, de
promptidão, estas regras ajustam-se perfeitamente aos cânones
informativos de qualquer organização judiciada, por mais civil
que seja.
Não estejamos a repizar conceitos. Releia-se a exposão que
escrevemos atraz, quanto ao crime da caserna e depois será licito
discorrer acerca d'estes assumpto. E a inferência que se ha de im-
por é, nem mais nem menos, esta:—falhando, como passaporte á
autonomia repressiva militar, a natureza especifica de causa militar,
de delicio militar, essa autonomia não pôde deixar de ser senão
umprivilegio fundado em considerações únicas de pessoa.
Eis a verdade. Demonstra-a a escala evolutiva da própria
instituão que combatemos. Como outras castas, a classe militar
constituip um direito seu quando os meios de vida social o fa-
cultaram. Mas, não acompanhou estas outras classes quando,
vio que cilas se despiram de suas leis de favor, quando cilas se
submetteram ao regimen pleno do direito commum: conservou até
hoje, e odiosamente, sua legislação especifica. Qual a razão d'esse
phenomeno, senão aquella que nos diz que no militar se encarna
1
138
a força, que só devido a essa força elle tem mantido uma lei penal
autónoma ?
Haja vista ãquellas corporações ou classes que existiram ou-|
tr'ora com regulamentos jurídicos independentes, com privilégios
legaes e que, no entretanto, não possuem, para conservar esse
privilegio e o defender, a magestade de fardas rebrilhantes. Haja
vista, não falamos da nobreza, haja vista á classe sacerdotal.
Nella está o símile perfeito com a classe militar, sob o nosso as-
pecto. Possuio franquias, privilégios, isenções, tribunaes seus.
Com o correr dos tempos toda essa anormalidade jurídica se foi
desapparecendo, absorvida pelo direito commum. Aos tribunaes
ecclesiasticos substituiram-se os tribunaes ordinários. As causas
ecclesiasticas não offereceram mais aquella natureza que se lhes
diziam próprias, abonadoras de uma jurisdicção independente. E a
grita que provocara, com especialidade em nosso direito, essa re-
ducção do chamado regimen da Igreja aos preceitos do direito
geral, não foi pequena : idêntica parece á que provoca, boje, a
suppressão do juizado militar.
Em nosso Parlamento, por exemplo, ouviram-se certas con-
fissões que, mutatis mutandis, condizem rigorosamente com as
allegações dualistas. A utilidade publica, argumentava-se, «exi-
ge que se conserve este foro e que os ecclesiasticos não compa-
reçam perante juizes temporaes».
Quando se accusa de privilegiada a autonomia criminal do
exercito, a defeza também encontra como alicerce a utilidade
e a segurança publica... Felizmente, contra esse estribilho, ha a
oppôr-se a phrase ouvida egualmente no Parlamento : «Os eccle-
siastico (e, pois, os militares) «antes de ser ecclesiasticos foram
primeiramente cidadãos. A lei social manda que todos os cidadãos
sejam julgados por juizes de facto e de direito, que todos cida-
dãos o iguaes na presença da lei, e que todas as leis sejam iguaes
para todos».
Mas não carecemos fazer o cotejo entre as duas ordens de
corporações sociaes, nem insistir sobre o facto de que a intangibi-
lidade do dogma e a pureza da crença não solTreram alteração
com a subordinação dos sacerdotes ao direito do cidadão. E' sufli-
cienle olharmos para a própria classe militar. Que se observa ahi '.'
Observa-se que a jurisdicção privativa d'ella se acha em franca
decomposição, condem nada irremissivelmente ao desappareci-
mento, porquanto ninguém ignora que dia a dia mau» se cer-
ceam suas attribuições, mais se reduzem suas funcções. Soberana
139
outr'ora, ella tomava conhecimento de todas causas militares,
quer fossem causas eiveis, quer criminaes. Pouco e pouco se foi
restringindo essa actividade ao campo do crime, com protestos
vivos em prol da defesa social (sic). No próprio campo do crime,
a obra de restricção não parra : — procura-se cercear diariamente
o alcance da lei do soldado. Phenomeno de observação geral,
esse, a que ninguém, de boa fé, pôde contravir.
I-
H
II.— A tradição
histórica.
A sabedoria dos
Velho»
e
*
Lógica de llaiii. A
egnaIdade
O
seu
paradoxo. O Jory. I.aslairiu
e
a poma
rryslallina
do
ronslilurioiíalisino.
Na linguagem de nossos oppositores vela-se, porém, um pre-
tendido sustentáculo constitucional apoiando a jurisdicção priva-
tiva militar; — o cunho histórico, o testemunho dos a unos.
Homenagem a tradição histórica, fala-se,
contra ella chocam-se as conquistas frívolas de
constitucionalistas. Ainda mutalis mulandis eis o que se applica
ao caso: «ora, sendo esse privilegio estabelecido e
sanecionado pela longa duração de 15 séculos, como pretende a
Assembléa Legislativa do Brazil destruir obra tão antiga?» (1).
Foi o cririo da antiguidade, do conservantismo que pugnou
para a irrealisação dounionismo no direito privado. E' elle que se
pretendeoppór aos reclamos do unionismo no direito penal. Mas
debalde. A verdade dos factos scientificos não saneciona um pre
ceito absurdo somente porque elle tem, por si, a venerável con
sagração de bom numero de annos. Desapparecerá tal preceito,
se elle' não corresponder ás necessidades da vida real. O culto do
Passado, bem comprehendido, deve manter-se. Mal comprehen-
dido, deve repellir-se. Ora, desde que as condições de vida
actual entram em conflicto com aquellas que se Andaram, desde
que as necessidades do presente vencera nesse conflicto, não ha
que duvidar. De bom conselho é, de resto, applicar sempre ás
instituões o conceito de Bain sobre os homens:— comme l'dge
donne de 1'experience et que 1'experience enseigne, souvent, la sa-
I gesse, il y a un préjugé générale que naus porte á considérer les
anciens comine plus sages que nous. A cela Bacon répond avec
vaison: «c'estnous qui sommes les vieux». Nous héritons de la
(1) Discurso na
Camará
dos Deputados, na sessão de 27 de Julho de 1826, em
contrario ao projecto de abolição de foros especiaes em cujo numero se inuliúo o foro
ecclcsiaslico.
Í
12671285
sagesse desvieux et nous pouvom y joindre de novclles expéA
rienccs (1).
Não exclusivamente pelo critério da ancianidade—que, a pro-
var alguma coisa, provaria que esse privilegio dos tríbunaes milita-
res devia ter cessado— como pela consideração de razão
gica, estamos em frente a uma medida de favor em beneficio do
soldado e com detrimento da egualdade entre cidadãos*
De sobra sabemos que a egualdade consiste em tratar dese-
gualmente a seus deseguaes. Ella encontra exemplo vivo nas pró
prias classes armadas. O próprio exercito é o melhor modelo de um
corpo organizado em que a egualdade e a jerarchia se conciliam :
«a egualdade porque o ultimo dos soldados pôde .attingir o
posto mais elevado, a jerarchia, porque o commandante pertence
ao numero dos mais dignos» (â). Por isso mesmo essa egualdade
não permitte, sob o aspecto penal, que se dôm aos soldados
juizes seus, códigos seus. Ella indica que o magistrado deve ser
um, para paizanos ou soldados, porque pretender o contrario
equivale a incorrer no mesmo vicio de uma instituição civil hoje em
completa decomposição. Referimo-nos ao Jury destinado, como
se sabe, aos factos politico»: — presumia-se a principio, que
o cidadão mais que ninguém estaria nas condições de julgar as
necessidades politicas da massa popular, de pezar o valor dessas
necessidades, de conhecer das infracções que altentassem contri
ellas. Sabe-se como a boa regra se quebrou e como a instituição
se subverteu, arrastada por falsas idéas de egualdade politica e
social, — ampliado o julgamento pelos jurados aos crimes de
direito commum, porque se pregava que um egual devia ser
julgado por seu egual. H
Em direito militar repete-se o mesmo phenomeno : o juiz do
soldado é o soldado, porque somente um galão de absolver ou
condemnar outro galão. E' a egualdade mais anti-egualitaria essa
que, dentro em breve, criará tribunaes militares fieis ao critério
inspirado nos fios douro ou nos bordados que ornam os puuhos
de orna patente militar: praças de pret julgando criminalmente
praças de pret, sargentos julgando sargentos, tenentes, capitães,
marechais, julgando, respectivamente, aquelles que têm o mesmo
grão na hierarchia disciplinar—num
crescendo pavoroso de attentados á
Lei, de menoscabo ao Direito!
(1) B.vix, Zogique, trad. Compayié, Paris, 1881,1, pag. 403.
(t) PAUL LAFKITTE, Paradora da egualdade, trad. Rocha, Rio. 1890, pt(. 160.
11627232
141
Essa illusão de uniformidade, porém, essa formula de Justi-
ça que muda de feição romo mudar de graduação militar, não pô-
de durar muito.
Laslarria, o extraordinário publicista chileno, sustentando as
vantagens da abolição dos exércitos permanentes e de todos
privilégios «que tornam os militares e os outros funccionarios -
blicos como mandarins irresponsáveis que concorrem para man-
ter a servidão social » ajunta na parte derradeira de sua obra:
« No regimen da egualdade de todos os direitos, e no syste-
tna representativo baseado na divisão dos poderes do Estado, não
é lógica jurisdicção alguma que envolva privilegio ou exceptue
do direito commum a quem quer que seja como fUnecionario ou
como membro de uma classe ou hierarchia social. Todos os func-
cionarios, qualquer que seja a sua classe, tanto nos pleitos que se
originem de suas funeções, como nos delidos por que sejam res-
ponsáveis, devem ser julgados pelos tribunaes ordinários.
« Póde-se, para assegurara rectidão do julgamento, submet-
tel-os a um tribunal superior, se a sua categoria é o elevada
que lhes influencia perigosa em outros tribunaes ; e de-se
também attribuir ás camarás a faculdade de declarar se certos
funccionarios devem ser processados em determinados casos, para
impedir que um d'Estado ou um membro do Supremo Tribunal se-
jam victimas dos abusos do ódio ou das especulações partidárias,
mas em todo caso o julgamento não deve pertencer seo ao poder
judiciário, único que tem competência universal quando se trata
de administrar justiça » (d).
Mais crystalHna não será a lição da pureza constitucional. A
matéria de distribuir justiça é uma única, compete somente ao po-
der judiciarie. Que dirá a isto o representante da judicatura mili-
tar, o representante de uma judicatura que se arrasta grilhetadaao
nulo da administração publica? Não pretendemos, falando assim,
considerar a queda da sociedade militar. dissemos, no começo
d'este livro, que o nosso ponto de vista é a situão actual do mun-
do. E em face desta situação somente incumbe-nos verificar a
reducção sempre crescente das prerogativas e privilégios milita-
res, em cujo numero está o privilegio de codificações e juizes au-
tónomos.
Augusto Comte assignala que Machiavel, no século X\I, já
(1) LASTARRIA, Lições de Politica, Positiva, irail. Lúcio de Mendonça. Ri 11893,
pag. 392.
142
frisara a condição precária e dependente dos generaes modernos,
de mais em mais reduzidos á condição de meros agentes da auto-
ridade ciril (1). A observação de Machiavel, que exprimia a situação
normal de todos os paizes europeos, sem exceão dos mais pode-
rosos (2) c a consagração d'aquella máxima salutar que mostra a
sujeição gradual, cada vez mais accentuada, da espada á Lei, do
soldado ao poder civil. A tarefa de cerceamento progride sempre
para só deixar abandonado aos militares aqiiillo que lhes incumbe—
a arte da guerra—e alcançará, afinal, a snppressão da maior das
perogativas dos regimentos— a autonomia judicante militar.
A Justiça é uma só, repetimos, e dividil-a, retirando-a do
poder judiciário verdadeiro, seria deformal-a. Conclua, por nós,
uma das mais extraordinárias cerebrações da Franca contemporâ-
nea :—«Sendo o exercito uma administração como a agricultura, as
linanças ou a instrucção publica, não se concebe que possa existir
uma justiça militar quando não existe nem justiça agrícola, nem
justiça flnanceira, nem justiça universitária.
Toda justiça particular está em opposição com
os princípios do direito moderno...»
III.— Duas palavras acerca do direito cunsliluiilo. O uauaiio em face do direito militar.
Allentado innomiiiavel. Conselhos de guerra julgando civis. O caso da Catalunha e a
liberdade coberta de crepes.
Agora, a autonomia militar judicante em face do direito cons-
titucional codiflcado.
Queremos dizer:— mesmo independente, mesmo considerada
lidima ante a sciencia do Estado, a repressão da caserna attenta
contra as regras mais comesinhas d'esta.
Reforcemos tal aftinnativa e mostremos o caso qual elle é,
com abstracção de theorias unificadoras e o examinando jure
condito. E teremos, assim, posto em foco mais uma arbitrariedade
da judicatura dos sabres.
Queremos tratar da extensão da lei militar fora dos limites que
a cultura de hoje lhe determina, queremos tratar da applicação
delia a meros paizanos. Lei de excepção, essa lei, dizem seus
adeptos, comprehende aquellas pessoas pertencentes ás classes
armadas.
E não é isso que se observa nos códigos e na jurisprudência
actuaes.
(1) AUGUSTO COMTE, Coura de Phiiosophic Positioe, Paris, 1841, V, pag. SOO.
(2) IBIDEM, pag. 501.
08182217
143
Grande numero de paizes viola, com o apoio de auctoridades
valiosas, esse preceito do próprio dualismo. Commum éatirarem-
ise paizanos ao rigor dos conselhos de guerra. E se a lei militar,
regulando a actividadelcriminosa de simples soldados, constitue,
de si mesma, uma violação inescusável á liberdade de um povo,
que se ha de dizer d'essa lei quando cila quer subordinar e subor-
dina, de facto, ás suas ordens, indivíduos que nada tém a ver com
as fileiras, individuos que deveriam ficar a coberto de quaesquer
violências ? E, note-se, não nos referimos aqui ás épocas temerosas
da luta, sob cujo império passa como máxima corrente a erecção
de tribunaes guerreiros com poderes dictatoriaes para justiçarem
cidadãos inermes. Referimo-nos ás eras normaes de uma
sociedade, e ainda assim, mui restrictamente pois que não se
demora, agora, em commentar a ampliação da lei militar a paizanos
mplices de réos militares, mas somente a ampliação dessa lei
a paizanos por crimes singulares (1).
Assim, embora a ppria cautela legislativa, embora a orien-
tação dualista como que desconfiada de si mesma— faça inscrever
no rtico do pretório militar a adverncia de que a judicatura da
caserna não caminha além dos soldados, o que parece exacto é que
linhas abaixo d'aquellas onde se deixou firmado este aviso« os
tribunaes militares são exclusivamente militares e m jurisdião
exclusivamente sobre os militares » surge a cauda do monstro,
a disposição vexaria. Não desceremos á demonstração do pheno-
meno, digo por código, paiz por paiz. Até a Inglaterra pune avi-
ltam por crimes capitulados no Army Act, e dizendo assim, jul-
gamos que não precisamos accrescentar nem mais uma linha para
que se ajuíze da fraqueza jurídica que vae por estes assumptos.
Diremos- de um caso unicamente, d'aquelle que se observa ao se
escreverem estas linhas — o caso da Catalunha (2).
O caso das jurisdicções na Catalunha e ao vivo as preten-
sões que as classes armadas porfiam por ver realizadas, sempre
(1) Abxlraliinms da cxicnsfto da jurisdicçJo militar sobre os chamados atieme-
lhulo.1 (médicos militares, olliriaes reformados, enfermos recolhidos a liospilucs militares,
cie).
(2) Bem 6 de ver que os limites de um trabalho como o nosso não comportam o
exame meticuloso da questão importantíssima da sujeição de paizanos a tribunaes mili-
tares, em face da legislação hodierna e nos tempos de paz. Talvez pesquizemos o assiiinp-o
mais tarde, em paginas d'slguma revista jurídica. Porque, que cite exige longa exposição
nao lia duvida : mesmo no nosso direito, com abstracção do direito alienígena, a tarefa nao
será pequena, se se tiver em conta a nao fraca jurisprudência em tal sentido. Nem cila se
resolve com a simples Ironscripçlo de um voto, embora esse voto tenha a assignatura de um
José Uygino.
3
— i-M —
que se trata da lei militar judicante, isto é, testemunham bem alto
que o exercito e a marinha não se querem circumscrever á missão
de guerra que lhes é traçada,—e sim almejam a supremacia na di-
receita dos negócios públicos, a preponderância entre os poderes
do Estado. Para obrigar aquella parte do território hespanhol a
desistir de seus planos separatistas, propoz-se, no Parlamento,
uma lei entregando aos juizes militares o julgamentos de todos os
crimes de lesa tria, de insultos, menosprezos ás bandeiras, as
manifestações contra os hymnos, etc, commeltidos por paizanos.
Como se , a omnipotência da classe armada não conseguiria
melhor satisfação. Pelos menores actos, cidadãos seriam entregues á
justiça das bayonetas. Mas a opposição foi tremenda antes e
depois da approvaçào do projecto. Os deputados hespanbóes, repu.
biicanos e catalães, resolveram pedir ao commereio da Catalunha
para fechar suas porias por três dias em signal de protesto. Os
estudantes da Universidade de Barcelona, onde a indignação contra
o projecto fora profunda, declaram-se em greve, penetram no edi-
fício expulsando seus camaradas que não adheriam ao movimento,
fechando-se a Universidade. A discussão nas Câmaras "foi vi vis- I
sima, o debate caloroso. Da agitação tremenda deram completa
noticia os jornaes nossos, signilicaudo elles, perfeitamente, o poder
absoluto com que foram investidos os conselhos de guerra.
Assim:
« Na segunda-feira passada foi lido no senado o voto particular
da commissão encarregada de dar parecer sobre o projecto das
jurisdicções.
«Segundo esse documento, pede-se que todas as injurias, in-
sultos ou menosprezos ás bandeiras, bem como a outros symbolos
da pátria, e as manifestações contra os hymnos nacionaes, sejam
entregues e julgados pelos tribunaes militares. H « .. .Como se
vê, entramos no período mais agudo para as decantadas
pretensões do exercito.
« O projecto a que acima alludimos entrou na quarta-feira em
discussão no Senado.
« O general Linares combateu o parecer da commissão, ade-
gando que o exercito não pretende supremacias, apenas quer rcin-
vindicações e direitos.
« Com grande calor reclamou que sejam submettidos ao foro
militar os delidos contra a bandeira ou qualquer outro symbolo
da pátria, bem assim as manifestações con'ra os hymnos nacio-
naes, e todo aquelle que der morras á Hespanha.
145
« Terminou o seu discurso por dizer que o exercito acatará as
resoluções do parlamento.
« O Sr. Pulido defende o parecer, e reclamou, a seu turno, que
os delicio» contra a tria t o exercito devem ser julgad pela
juritdicção civil, dizendo que o exercito deve ser neutral e estar
sempre afíastado das lulas politicas.
«Defende ainda estas doutrinas Calveton,censurando com as-
pereza o parecer que modifica por completo o projecto apresen-
tado pelo governo, considerando-o anti-liberal e anti-constitucio-
nal » (1). I E mais:
«No principio da semana continuou o projecto das jurisdiões
em foco.
«Horet pronunciou um eloquente discurso justificando a apre-
sentação do projecto na insufficiencia da lei ordinária, terminando
reconhecendo a necessidade da approvação do alludido projecto.
« Sabem a nossa opinião a este respeito, para que seja neces-
rio dlzer-lhes a indignação dos espíritos liberaes perante me-
didas tendentes a absorver os poderes constituídos do pai?, e
atirar a preponderância governativa para a classe militar.
« ... A liberdade começou a ser coberta de crepes... »
No mesmo sentido :
« Diz um telegramma que é grande a actividade politica na j
previsão do próximo período eleitoral.
« A vefdade c que a situação politica da Hespanba c deplo-
rável.
d.. .Gomo se sabe, a questão capital , agora, c dos militares.
Depois de certos factos da Catalunha, os militares ahi aggrediram
os jornaes. Não contentes, exigiram que os delictos contra o exer-
cito fossem julgados por tribunaes militares !
« Ao passo que a tendência geral em todos os paizes civili-
sados i para restringir a acção dos tribunaes militares, mesmo
para os crimes chamados militares, entendendo-se que a justiça
deve seguir os mesmos processos para todas as classes sociaes, a
Hespanha retrograda. O projecto votado pela Senado sujeita quem
fizer um artigo contra o exercito d juritdicção militaria (2)
(1) Correio
da Manha,
caria do 9 ilc
Fevereiro
de 1900. • Pela Hespanha », Os
itryplios sao nossos.
(1) 0<ut<a
i/e Ao/íc/aj, de II de Março
de 1906,
« 34horas — Exterior >.
-Í46-
Alinal:
« Felizmente que a lei das jurisdicções não passou sem pro-
testo :—os republicanos hespanhóes e deputados da Catalunlia
abandonaram o parlamento para não omitirem alli aos fimeraes
da liberdade nacional.
«Posto á votação no Congresso o projecto a que nos referimos,
foi approvado na segunda-feira passada, e no Senado mereceu
egual approvação por 182 votos contra 11.
« E' evidente que, embora o governo presidido por Morei ar-
rancasse ao parlamento esta votação, sentiu um mal estar, próprio
de quem acaba de praticar uma feia acção e sente a consciência a
condem na l-o; por isso, os seus amigos não encobriram o seu pro-
fundo desgosto perante a marcha dos acontecimentos políticos »
(1).
IV.-- Continuação. As opiniões de Conluzzi e Majora na. A moderação de Adolphe
('.liauveait e Faustin Hélie. A interpretação resinei ivn.
Não ha vocabulário que exprima a odiosidade de taes medi-
das legislativas. Um povo que assenta a ordem na Justiça dos
obuzes é um povo morto. Ou está para isso.
Mas, para honra da liberdade, o próprio dualismo, em sua
feição mais pura, arranca ou tenta arrancar sempre o paizano aos
conselhos de guerra. E combatendo aquella regra legislativa que
entrega o cidadão á repressão do quartel, caminha para o alcance
de conquistas muito mais liberaes do que as abrigadas nos códi-
gos de agora.
Se juristas corroboram as medidas de ignominia que enodoam
o torrão hespanhol, esses são prozelytos da tyrannia
disfarçada na lei. Contra elles ergue-se a muralha
unionista, que dizemos nós? contra elle se levanta a muralha do
próprio systema dispersivo.
A lei da terra, a lei do paiz, é a lei commum, a lei do cida-
dão. Não a pôde calcar a lei de excepção, a lei do soldado.
Reassegura-o com exemplos brilhantissimos a lição de Mes-
tres, a lição de vários paizes. A Grã-Bretanha tem, a esse res-
peito, mantido uma luta terrível entre as attribuições das autori-
dades civis e a das cortes marciaes. E' bem conhecido o trecho ce-
lebre de Blackstone na qual citando, o grande escriptor, a opinião
(I) Do
Correio da Manhã
de 17 de Abril de 1906, «Pela Hespanlia ».
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— 147 —
de antigo historiador, affirma que a execução de um homem em
virtude das leis militares, em tempo de paz, é um assassinato,—
confissão que fez egualmente o convenção de Maryland em 1878:—
sendo contrario à Magna Carta castigar um homem livre com a
lei marcial, é um assassinato executul-o (l). Que série intérmina
de exemplos se poderia desliar ágóra, mostrando o protesto vivo
contra a ampliação da justiça militar a meros paizanos e a neces-
sidade de se tornar effectiva aquella lei do 22 Messidor, anno IV
(10 de Julho de 1796): «um individuo não militar jamais pôde
ser levado perante os tribunaes militares»?
Angelo Majorana sustenta ser inconstitucional a sujeição de
cidadãos ao foro militar, embora essa inconstitucionalidade seja
necessária em estado de guerra e occasiões que se lhe equipa-
rem (2). Abstraiamos da segunda parte da proposão e conve-
nhamos na procedência insophismavel da primeira, perante o
direito constituído. E' que, de acrdo com outro monographista
do assedio, Francisco Contuzzi, «o principio segundo o qual
ningm deve ser distraindo de seus juizes naturaes, deve ser
mantido intacto a lodo custo» (3).
E Contuzzi, no emtanto, fala para o sitio, apoiando-se nas
Constituões de rios paizes. Mas é necessário que se o cite
somente o preceito frio das Constituições. E' preciso galvanisal-o
e não permitlir que a lei do soldado o desrespeite, o desampare,
lorcendo-oa seu modo. E' necessário que, quando a carta ensine
que o juiz do cidadão é aquelle determinado por ella, é o magistra-
do ordinário, lei alguma consiga burlal-a, sobrepondo ao cidadão
o juiz militar. Para que proclamar, como a nossa Constituição de
%'t de Fevereiro, que o foro militar se destina aos militares (art.
77) que não ha privilégios, se uma classe conserva esses
privilégios e dispõe sobre a vida dos cidadãos, mantendo para
ella regras de quartel como acontece com o nosso código da
armada ?
«Fora dos peloes do exercito, ningm deve flear sujeito á
jurisdicção d'elle. O cidadão pertence A justiça civil :—sua imina-
nidade é tão grande que, em caso de cumplicidade, arrasta o mili-
litar que cooperou em seu delido para a justiça ordinária. O legis-
lador não deve entregar aos tribunaes de excepção senão os indi-
(I) AmNClO ALCOKI \. Las Garantia! Çoiutilueionalei, til., pag. 131). i!l
ANGELO M\ JO I I \N \. IA> Sinto ili Assedio, Calunia. ISCi, paií- IIV (Ji
KHANCKSCO COXTUZZI, Delia Stato d'Assedio, Turim, 1891, pag. .18.
1
148
viduos que, por posição, por escolha, por necessidade, têm nesses
tribunaes os seus juizes naturaes : elle deve collocar entre a so-
ciedade civil e a família militar uma barreira que não pôde ser
transposta» (1).
Tal o modo de ver de dous juristas moderados, quaes Faus-1
tin Hélie e Adolpho Chauveau, dous adeptos do dualismo penal:
— a sujeição do cidadão aos conselhos de guerra é um facto tão
nefasto, um tamanho infortúnio, que elles querem erigir uma bar-
reira intransponível entre a sociedade e o soldado.
Altenta contra a nossa lei fundamental, altenta contra as re-
gras mais rudimentares de organizão judiciaria. Les juridictions
mililaires, étenduet par dela leurs borne», sont datis tout état de
cause un systême illcgal et déplorable (2).
A lei militar, jure condito, é uma lei de excepção; jure con-
dendo ha de ser a lei do paizano. Mas, para se alcançar este de-
sideratum, se, á reforma immediata na instituição, fica preferida a
reforma gradual operada pelos ânuos, é mister sempre e sempre
restringir o império absorvente do juiz do quartel. Exceptio est
slrklissime interpretationit As regras de interpretação, tratando-
se de leis excepcionaes, o serão senão restrictivas (3). E' pre-
ciso, para se cortarem ás azas ao despotismo legal que medra junto
ás granadas, não acolher a norma consistente em se sobrepor, ao
poder civil, o poder militar, em confiar simples cidadãos ao julga-
mento dos tribunaes de guerra.
A Unificação ha de vir um dia mas tanto mais tardaa se
realizar, quanto mais se alongar o raio aos textos militares.
V.— Winlci' Da vis e a insolência dos tribunaes militares.
A não ser assim, e ouvir-se-á a litania da historia a
chorar a morte da Liberdade. A' formula czarita, actual, do
regimen militar hespanhol suecederá, e para a paz, outra mais
negra ainda, aquella que Winter Davis descrevera como éra de
excepcional gravidade na União Americana: os costumes nacionaes
vergando «sob a insolência e a irresponsabilidade dos tribunaes
militares, desconhecidos á lei, constituídos fora da lei,
independentes de toda a lei, a não ser a vontade das fardas
reunidas para disporem do direitos dos cidadãos americanos
conforme a lei absoluta da espada» (4).
(1) CIIAUVF.AU et HÉLIE, Tliéorie du code penal, cil., I, pag. 47, n. 01.
(2) BENJAMIN CONSTAST, Couri de Politique Constitutionnelle, cil., I, pag. 345.
(3) ANGELO MAJOKANA, Lo Stalo di Anedio, cil-, pag. 84.
(4) DAVID DODLEV FIELD. Speeches, argumente andmieçellaneoug paners, apnd
Ri» líAiinnzA, n'ÕDireito, 88, pag.,403.
39
CAPITULO VI
A autonomia judicante militar e duas
observações sobre Spencer
1.— A lei de Spencer e o Unionismo. Duas faces (Telia. A génese da instituição re-
pressiva militar. O industrialismo e o militarismo. Vaticinio. Plctnora de arma-
mentos.
Duas palavras sobre Spencer.
o lhe vimos discutir nem sequer expor a iheoi-ia. Vimos
aparar um golpe :— a orientação evolucionista do mundo, criada
pela obra genial do grande philosopho britannico, favorece, por
qualquer modo, ao chamado dualismo penal ?
Não parece descabida a interrogação. Se ninguém, ao que nos
conste, ousou levantal-a aqui, não se para estranhar que ella ap-
para num momento qualquer, pnvalidamente ao que se observou
com relação ao direito privado. Sabe-se que a pendência doutri
nal ligada ao Código Privado Social ha convocado a philosophia de
Spencer para alumiar ou negar a torrente unificadora. E, pheno-
meno interessante, essa mesma philosophia ha sido reclamada para
apoiar.a gregos e iroyanos: tanto a escola dispersiva, dualista, co
mo a unionista, convergente, servem -se pro domo sua do mesmo
preceito regulador. Nem é permittido falar, como causa provável
de um tal pheuomeuo, nas injunecões nebulosas da pura mela-
physica, e ás quaes se ajusta rigorosamente, segundo a phrase de
um escriptor (l) a aposlrophe de Helvelius á Escholastica da
dia edade : «um diluvio de palavras laadas sobre um de
serto de idéas». Trata-se, pelo contrario, da philosophia solida de
um Spencer, da obra severa de quem nos deo verdades estupen
das acerca do progresso ede sua lei. H
Para se partira doutrina spencerista em duas lógicas que se
amoldem ao sabor de quem quer que seja, parece, no emtanlo, que
fora mister olvidar uma das bases essencíaes da mencionada dou-
I; AM>BI'. I'OKV, PoêitfaitMê, Pari", IS7*. pai;. 77,
150
trina, o mundo caminha sempre para uma integração mais com-
pleta e mais perfeita. Eis, em foco, o eixo da questão, mormente
para s que pregamos a integração no campo do Direito. Aqui
eso pieot de todo o systema, olvidado nos assumptos de direito
privado (1). Por elle, e de accôrdo com elle, uma das regras do-
minantes na evolução é o unionismoem todos seus aspectos, e
portanto diremos, no seu aspecto jurídico.
Effecliraniente, se a evolução universal oferece duas faces,
uma de integração de matéria acompanhada de dispersão de mo-
vimento, em que as partes componentes se vão completando, e
outra de transição do homogéneo para o heterogéneo com diferen-
ciação de massa (2), não é licito dizer que ella se oppõe á tendên-
cia unionista por nós estudada. Antes, é permiitido crer que a fa-
voreça. Assim, no primeiro estado, a evolução se pela reunião
de unidades que se assemelham, pela justaposição de elementos
sujeitos ã acção da mesma força ou de forças semelhantes. Ma se-
gunda phase, a evolução se traduz pela passagem do homogéneo
para o heterogéneo, do simples para o complexo, num trabalho
continuo de diferenciação, de divisão de massa, por isso que uni-
dades diferentes expostas ã acção de forças diferentes tendem a
se desintegrar a se diferenciar.
Ora, se ha dous momentos distinclos mas convergentes e com-
pletando-se, na theoria evolucionista do mundo, parece que a so-
lução da nossa these está em se saber se as forças sociaes que se-
pararam o direito militar penal do direito commum,
distinctas e autónomas no momento da disjuneção.
permanecem, ainda, diversas d aquellas que dominam o direito
criminal ordinário. Se eguaes, é fatal a integração. Se diferentes
é forçosa a separação.
Cremos não se facultar duvida alguma acerca d'esta segunda
alternativa. Procede irrecusavelmente a primeira.
A génese da instituição militar e de sua lei repressiva atles-
la bem claramente que as necessidades que criaram ambas de
um modo tão independente não mais subsistem nos dia» d'agóra.
O direito penal militar nasceo, como o direito mercantil, por força
de circumstancias fortuitas: coexistindo ao lado do poder social
era mais forte do que elle, dado o caracter da casta que regulava.
(D hn »<.ara rullun iili»«w. eMwtlCM-tc: Cumt toviucai*. 1'rejttto dm
tmAèm eUU tntrifeW, úkterraffes ymMdtraetattattt, !.— Uau* M At-| HM.
Dimito MmU, M HeiWi di fwntéUt M Dirou do liio *• J»wi'».|
iT.n,. 111. »«,!. III.|M> 13.
ni HMIIM, l" frtmétrt fnmtptê, iti4. CMTUM. Htk, !««*, II« • ••*.
74
99
- tòl -
Dependendo da espada, exclusivamente, o poder civil não podia
oppor-se ãs prerogativas com que o soldado se rodeava diariamente.
D'ahi, como consequência disso, constituírem, os exércitos, aos
poucos, um direito seu, uma lei penal sua—consectario lógico da
autonomia da classe guerreira como casta favorecida. Em breve,
porém, cessou a razão de ser d'este estado de cousas: de Estado -
pois que o resumia— a classe militar passou a ser uma instituição
nas mãos do Estado. Foi regulada, foi sujeita aos freios do governo
civil. Este não mais com tanta frequência se servia d"ella. Os
períodos de paz foram mais longos. A casta das armas foi
soffrendo cortes em suas prerogativas. Hoje mantém ainda varias
d'estas e a maior, póde-se dizer, esna autonomia judicante.
Não ha assim uma divergência de forças para que se levante,
ao lado do direito penal de todo cidadão, o direito penal do soldado.
Em vez da especialisação é a integração que domina o nosso cam-
po de analyse.
O próprio Spencer tem paginas bellas e boas a proval-o.
Perlustrando os sólidos volumes dos «Prinpios de Sociologia» ler-
sea exhaustiva demonstração das duas faces da lei de evolução a
pplicadas ao campo social, especialmente á Politica (1). Como
exemplos de integrações notáveis destaca-se a reuno de famílias
em tribus, de províncias em reinos, de reinos em impérios cada
vez mais vastos. Por outro lado sobresahem, como typos • de
differenciação politica, a separação entre governantes e governados,
a distincção de classes, a discriminação de funcções, de misteres.
Isso que se observa aqui ve-se em toda a parte, no governo, no
commercio, na legislação e especialmente nas sociedades militares
.sobre as quaes tem Spencer capítulos especiaes (2).
E que mostram estes capítulos especiaes ? Que a especialisa-
ção predomina hoje, que predomina a differenciação ? Não. Justa-
mente o inverso. Patentea,'o grande philosopho, como a classe mili-
tar, indistincta a principio da massa dos cidadãos, se vae separando
aos poucos d'ella, até se constituir em grupo inteiramente aparte,
aunoma, independente. A confusão, em começo, era o completa
que a organização politica surgia idêntica á organização militar
:A' mesure que la societê te combine et te recombine, on observe
clans le detail aussi bien que dans la gènéralitê la cohiciden-
(1) SPENCEÍI, Príncipes de Sociologie, Irad. Cazclles, Po ris, 1883, III, caps. 3 C
4 (5.
1
parte) — intégralion politique e iti//érenliation politique*
(2) InniKM, capítulos XJI e XVII.
«-1S2
re de Vautorilc militaire avec 1'autoritè politique, tfett-â-dtri^
dam lei partiei autsi bien que datu le tout (1). E a acção militar
assemelha-se, em muito, á acção judiciaria (2). Que se segue a
este phenomeno, no emtanto ? O trabalho da integração, da cohe-
são após a determinação, de modo que a sociedade armada se vae
incorporando á nação, de novo com ella se vae confundindo, até
allingir completamente a formula primitiva, mais aperfeiçoada, mais
cohesa, maia una, acolhida nas nações modernas principio da
organização coacta em que o exercito é a nação mobilizada e a na-
ção o exercito em ropouso (3).
Ainda agora é perfeito o símile da classe ecclesiastica com
a guerreira : teve aquella a mesma étape que esta, estando apenas
com o cyclo de evolução percorrido ao passo que na casta militar
este cyclo está por se percorrer em parte. Confusão, diferencia-
ção e ulterior integração na massa social. O sacerdote, como vi-
mos, teve um direito seu, autónomo, do qual se encontra, hoje,
despojado. Eis o que acontecerá forçosamente com a família
militar.
Porquanto, e vae agora a segunda observação sobre Spen-
cer, relacionada com o nosso ponto de vista,—a theoria ingleza va-
ticina o lim do estado de guerra, o que quer dizer, o termo dos
batalhões e das frotas apparelhadas para a luta. O industrialismo,
preceitua a hypothese spencerista,—vencerá, atinai, na luta empe-
nhada, enfraquecendo o rigor das regras ceremoniaes, destruindo
as divisões de classes geradas paio militarismo, creando outras
classes indispensáveis ás funcções de uma sociedade industrial
(4).
Bem sabemos que ha muito que contrapor á theoria de Spen-
cer relativa aos «typos sociaes». Philosophos ou a tem repellido
por completo ou a tem taxado de, em demasia, unilateral. Mas
recordamos que não discutimos o valor da these de Spencer, im-
portando-nos unicamente ventilar o unionismo penal em face
d'ella.
Certamente, dir-nos-ão que perdemos tempo em discutir
uma these em face d'um principio que nem de longe se acha pro-
vado, d'um principio que, por dilatado favor, se poderia concei-
to IBIDEM, pag. 636.
(2) IBIDEM, pag. 683.
(3) EMII.IO MORSELLI, Manual de Sociologia Geral, liad. Vasconccllos, Lisboa, 1903,
pag. 98.
(4) SPENCER, Príncipe» de Sociologir, til., Ill, pag. 419.
153
luar conforme o pensar de Coglioio :—alei de evolução de Spen-
cer é uma lrypolhesc verosimel mas não provada.
Embora. Peranle essa lei não topa accesso o, dualismo no di-
reito criminal. Eis o que nos interessa. «A. possibilidade de um
estado social superior depende, em politica como em geral, de
um facto fundamental,—a cessação da guerra» (1).
Succedaneo da plethora de armamentos em terra e mar, é»
para a escola spenceriana, a decadência do militarismo, é a ple-
thora dos instrumentos de industria.
E portanto integração ou extincção das castas militares...
Que protecção pretende encontrar a autonomia judicante militar na
theoria de Herbert Spencer ?
(1) InioF.M,
pig.
878.
Uma provada
integração
dentro da própria
classe mililar
Cata
aqui: entre dualistas
vence hoje a idem de sedar ao exercito e á marinha unisó código
mililar. contrariamente ao
que
se
dizia, li,
no emtanto, era costume
ouvir-sc,
e ainda
hoje se IA nalguns livros de direito militar, que a differenciaçao
se impõe
no
caso pois
que
as relações jurídicas no mar divergem das
mesmas relações
em terra.
CAPITULO VII
A autonomia judicante militar e as conclusões da
Reforma — na paz
1.— Conclusão.
Resumamos.
Cerremos a primeira parte d*esta obra.
A criminalidade que medra junto aos quartéis é considerável-
Impotente, inefflcaz, para reprimil-a, a justiça do soldado. Sob a
forma que existe nos paizes modernos, a organização d'essa jus-
tiça, autónoma, administrada pela farda, é uma irrisão: condem-na-
a, a sciencia criminal quer sob a forma substantiva, quando ensina
a ausência de uma razãogica no s>stema binário de códigos
repressivos, quer sob a feição adjectiva, quando demonstra a
absurda creação da jurisdicção militar desobediente ao direito
commum, quando prega a nefasta idéa de se confiar a tarefa de-
licada de distribuir Justiça aos servos dos obuzes, aos tribunaes
militares. Condem na-a, o direito constitucional como attentatoria
do principio de egualdade entre cidadãos. Condemna-a, a direcção
integradora do evolucionismo de Spencer.
Ha, no direito repressivo em género, aquillo observado no
direito privado : «o espirito é um só, os corpos continuam a ser
dous» (1). Se, no emtanto, foram abolidos os juizes commercian-
les, os juizes da caserna ainda são prolissionaes militares Eis aqui
um caso palpável de aberração jurídica, de perversão no Direito,
de que, genericamente aliás, mas de maneira tão scintillante,
cuida Edmond Pica rd.
Urge reparal-o. E o remédio está em se entregar o Direito a
quem é sacerdote do Direito-, está em entregar a repressão mi-
litar ao magistrado. O problema jurídico assim se resolve. Pôde
ser que não fique satisfeita, com tal solução, a independência
(t) Palavras de CARLOS DE CARVALHO a respeito da fusão do direito civil c do di-
reilo coiniiieriiul num si> corpo de lei. Nova Consolidação, 1899, Introducrfio, I.X11.
155
desmarcada do quartel. Ficará, porém, a seita jurídica em
sua exacta conformão. E' quanto basta : em se tratando de
matéria jurídica, somente o Direito deve enfrental-a, deve resolvel-a.
Mais, equivaleria a cahir-se nos deploráveis excessos
da escola separatista e cujos exemplos deixámos
assignalados.
A verdade irrefragavel desafia contestações:—a lei repressiva
militar criou-se para as occases anormaes,extendendo-se, por uma
prorogaçáo abusiva e dolorosa, ás épocas de tranquilla convivência
social, de modo que se chegou a este termo monstruoso:—para a
paz, correspondem normas de guerra. o somos s que o tes-
tificamos:—a observação desce de Mestres.
As garantias do soldado, de um lado, e as garantias do paiz,
de outro, serão bem resguardadas sob a égide de uma common
law. Criminoso, a lei que o regerá, ao soldado, se o código penal
commum, do mesmo modo que o magistrado que o julgará será o
magistrado ordinário. Em uma palavra :—banidos os dices mili-
tares, banidos os tribunaes militares. Em uma palavra:—a unifi-
cação do direito penal.
Nesta reside a maior garantia de quantas se possa cercar a
pessoa do soldado, vis-vis da defeza social. A lei ordinária é in-
comparavelmente mais tutellar que a dos batalhões. O mesmo se
diz dos conselhos de guerra em face das cortes civis. E applicar
ambos os direitos—o substantivo commum e o adjectivo commum
à represo do quartel formará a preoccupaçio primeira de todo
aquelle que quizer levar a sério a posição do réo militar, a posi-
ção da classe a que elle pertença, a posição da sociedade. Ante
esta garantia primacial todas as demais descem de plano, obscu-
recem-se. Todos os que amam a liberdade individual e, com ella, a
social terão de collocar acima de tudo esta conquista:—submetter
as classes guerreiras ao regimen pleno ao direito commum.
Esle escopo não pôde atemorisar a ninguém. Viitualmente
elle já está realizado :— uma idéa que enfrenta como obsculo
único á sua concretisação o anteparo conservador d'um texto con-
stitucional, ou, conforme vimos para a França, o sentimento miso-
neista da massa do paiz, é uma idéa vencedora (1).
(1) O procedimento altamente cowlemnavel dos conselhos de guerra, na Franga,
poroícastóo dos inventários das igrejas deu lugar a caloroso discussão na Câmara dos
Deputados, durante a sessão do mez de Marco do corrente anuo, declarando Sarrien,
presidente do conselho de ministros, QUE o GOVERNO ESTARIA PROMPTO ,\ DISCUTIR, APÓS A
I.KI DE MEIOS, A SOPPRESSAO dOS CONSELHOS DE GUERRA, NA PAZ, PROPOSTA PELO DEPU-
TADO PAOL CONSTANS. Excusa insistir sobre o valor d'esta declaração do chefe do gabi-
uete franrez. De reato, essa promessa está seurto realizada: ao entrar esle livro para o prelo
o Gabinete discute a reforma da justiça militar.
5
07824821
156
E' necessário retirar-lhe da vanguarda taes
obstáculos. A segurança do paiz, a independência do Estado
não soffrerão com a reforma;—só terão que haurir lucros
proveitosos e abundantes*
Terminemos, de vez, com esse arremedo de Justiça que se
tempera com o ensarilhar d'armas.
Façamos em summa :
A fuo dos dig penaes, o militar e o ordinário, num
corpo de lei, creando-se, neste, um titulo destinado aos crimes
verdadeiramente militares. As infracções chamadas—impropria-
mente militares—reduzem-se a infracções de direito commum.
A abolição dos tribunaes militares e sua substituição por
juizes togados federaes (1).
(1) Nos dons pontos acima está o caminho apontado pela doutrina. Cabe ã pratica
dar-llies execução. De resto, cumpre advertir que em nosso direito, a jurisdicçáomili-
tar só poderá vir ter ás ios de juizes federaes e que, quando dizemos juizes civis,
lalamos do juiz profissional, do magistrado e nunca do jurado,
36
CAPITULO VIII
A repressão militar nas occasiões anormaes
1.— A luta. Meios de a enfrentar.
Estamos, agora, no período da luta.
Perquire-se:—haverá raes politicas que justifiquem a auto-
nomia judicante militar e (o que é mais grave) que autorizem a
ereão de conselhos de guerra com poderes discricionários ?
O tliema apresenta-se de capital relevância. Contende com o
chamado « direito penal da guerra ». Contende com as denomina-
das « circumstancias extraordirias ». Diz respeito ás formas de
repressão num territorito abalado pelo tumultuar da luta.
Temos por vencido que, em occasiões taes, se as medidas de
direito commum não bastam para abafar a agitação ou derrubar o
inimigo, es«as medidas se devem substituir por outras mais effi-
cazes, mas nunca será permittido confiar a repressão a juizes far-
dados, quer os rcos sejam militares, quer simples paizanos.
Para o explicar, porém, carecemos de demonstrar um ponto
essencial ao desenvolvimento da these. E este ponto é :—como se
opera a repressão militar, vingando a luta *? Quaes as oppugnações
que essa repressão ha encontrado ?
Claro esque, respondendo a tal pergunta, o indagaremos
quando e como as medidas extraordirias podem e devem ser
empregadas. Seria, este, um estudo de direito constitucional. Fala-
remos somente do emprego de taes medidas para sustentação de
nossa these que é a abolão da autonomia judicante militar nas I
occasiões anormaes ou, ainda, a, repressão extraordinária comba-
tida em sua forma militar.
II.— A nomenclatura das medidas excepcionaes de repressão. Confusão entre estas. A
lei militar. Altincncias coma lei marcial. A lei do sitio. Duas espécies. Falta de
uma disposição precisa A sujeição das aucloridades civis ás auetoridades militares.
Reduzida a taes termos nossa investigão, é excusado pro-
clamar que não conhecemos, ainda, matéria da exposição mais
árdua do que esta.
[BUM
160
A difficuldade é enorme, accrescida com a significão variada
dos vocábulos com os quaes se tem a lidar, com a maior ou menor
amplitude que cada um d'elles offerece, com o maior ou menor
numero de effeitos que cada nação reconhece ás medidas de re-
pressão anormaes.
Proval-o? E' sufficiente, apenas, atlender para a nomencla-
tura d'essas medidas. Quem conseguio arrancar delias uma defi-
nição invariável para um dado numero de paizes ?
Tratando-se da luta, interna ou externa, vêm logo ao espirito
os expedientes extremos taxados na lei militar, na lei marcial, no
estado de sitio. Erro seria confundil-os. Mas erro maior seria su-
bordinar cada uma das espécies a uma definição invariável.
Du vida -se ?
Temos testemunhos vários em nosso abono.
Ahi está a lei militar. Confunde-se commumente com a lei
mircial, embora esteja separada fundamentalmente d'ella pdr meio
de caracteres bem nítidos. Na União Americana essa separação
constituo, mesmo, objecto de largos commentarios por parte dos
auctores. E, no em tanto, c phenomeno de observação diária ou-vir-
se, até no nosso direito, a equiparação entre as duas ordens de
expedientes repressivos.
Pomeroy, mais que qualquer outro, preoccupou-se com o
caso : Military law is the code of rules for government of lhe
army and navy ; it is a departament of lhe municipal law appli-
cable to sinall portion of people engaged in a special service ; it
is enacted, by Congress and execute d by the President; cioitians
are, by the very termes of the Constilution exempted from its
operation. Military government is the authority by which a com-
mander governs a conquered dislrict, when the local institutions
have been overthrown, and the local rulers displaced and before
Congress has had an opportunity to act under his power, to
dispose of captures, orto governs territories. Martial law is some-
thing very different. It acts, if at ali, wilhin the limits of the
country, against civilians who have not openly enrolled
themselses as belligerant among the forces of an invading or a
rebellious enemy; if set in motion at ali, it must be as a
concomitant on war, it is thus described by late wri-ter:
martial law is in short, the suspension of ali law but the will of
the military commanders, entrusted with its execulion, to be
exercised according to the judgement, the exigences of the momcnt
and the usages of the service with no fixed or settled
161
tules, no ãefinitive pratice, and not bound even by the rulers of
military taw (1).
I Nos mesmos termos a lição de Hare (2), de Cooley, da cor-
rente de tratadistas. Cooley é de pensar que « a lei militar é
aquella parte da lei interna prescripta pelo governo como regra de
conducta para os cidadãos em seu caracter de soldados. E' admi-
nistrada por tribunaes militares e está egualmente em vigor tanto
em tempo de paz, como em tempo de guerra; a lei marcial é
definida como a regra e auctoridade militar existentes em tempo
de guerra e que se conferem pelas leis de guerra com relação ás
pessoas e ás cousas no thealro das operações activas executadas
na guerra, e que extinguem e suspendem os direitos civis e as ac-
ções que nelles se fundam, pelo teinpo considerado necessário
para a plena satisfação dos Uns da guerra » (3).
Uma, escreve um jurisperito, converte a terra em acampa-
mento e a lei do acampamento é a lei da terra; a outra, é a lei or-
dinária que rege em todos os momentos e em todas as circums-
tanciãs a força publica.
A Inglaterra procura egualmente separar as duas entidades,
fazendo Gockburn sentir que Eduardo Coke e Blackstone, referem-
se sempre á lei marcial quando querem reportar-se á lei militar
(4), e Halleck sustenta que, tanto as leis inglezas como seus com-
mentadores, contundem a lei marcial com a lei militar, lançando
pouca luz sobre aquella (5).
Ora, se em questão tão simples qual a da conceituão da lei!
militar ha tamanhas confusões, quando é sabido que essa lei nada
mais exprime do que o complexo de preceitos penaes necessários
ás classes armadas, que se ha de escrever quando o objecto de
estudo reside na lei do sitio e na própria lei marcial ?
Nenhuma instituão tem mais multiforme noção, maior mi-
mem de interpretações do que a lei do sitio. Varia de paiz a pai/..
Varia em sua ppria conformação, dentro de um mesmo teri itorio.
Começasse, ao estudal-a, com a feição bifronte que oSerece.
Ou o sitio é effectivo, militar, guerreiro « se um Estado se en-
'II POMROY, An fiilrotluction of the Constituttanal l.aw, Boston, 1888, §710. (I)
HARE, Constitutional Law, cit., pig. 929.
(1) Ao/a» a Itlackstone, I, pag. 413, nota 7, apod AMÂNCIO ALCORTA. Lai Ga-
ronliM Conititueionale», vil., pags. 134-135.
(4) AMÂNCIO ALCORTA. Lai Garantia* Cowstitucionaliis, cit.. pag. 137, nota.
(5) UAI.UCK, International Law, I, pag, 499. ín AMÂNCIO ALCORTA , Lai Ga]
rantiai Constitucionales, cit., pag. 135,
_ 182 —
contra perante ou iro em hostilidade declarada >, ou é ficcio, de-
clarado ou politico, quando um Estado combate contra inimigos
que procuram prorocar-lhe a dissolução ou somente compromet-te-
lhe a conservação. « Lo stato di assedio può derivnre da due fatti
difformi e punto analoghi: la invasione di nemici, la intur-
rezione; che per la loro difformità producono un diverso stato di
cote, militare e politico, il qual deve per necessita averc etplica-
zionc diversa » (1).
Procuram os andores distinguir as duas hypotheses, atendo-
se ora á consideração da luta, se interna ou externa, conforme in-
dicam as noções acima ; ora ao critério de ser, o sitio civil, decla-
rado por via competente, ao passo que o sitio guerreiro pôde ser
proclamado pelo comina ndan te de uma praça Investida; ora á
aflirmação de que no sitio civil ha meras agitações internas, em-
quanto que no sitio militar ha verdadeiro estado de guerra, etc.
Essa noção nada articula, aliás, quanto ás medidas excepcio-
nais de repressão. Apenas, perante ella, alguns tratadistas advo-
gam uma distinão nos domínios das ditas medidas, não justifi-
cando o emprego de meios violentos quando o caso é de sitio civil.
Eis a primeira divergência que a lei do sitio levanta. Dir-nos-
ão que, não se reportando ella clara e directamente aos eflei-los do
sitio em seu aspecto penal, , do phenomeno, a verdadeira
caracterisaçao. Ora, sabe-se que não é assim. Em primeiro lugar,
repetimos, é de accordo com tal distincção que certos juristas
querem separar, para os e(Feitos da lei penal, a insurreição do
estado de guerra. Em segundo lugar, e tendo em vista unicamente
os effeitos da suspensão de garantias constitucionaes, esta
suspensão não autoriza o definir o titio de modo a que a de-
finirão acolhida num paiz se possa applicar aos demais paizes
civilizados. Majoranadefineo-o, por exemplo, «a condição ex-
cepcional em que se acha um- paiz regido por ura governo con-
stitucional, que, em todo ou em parte, é subtrahido ao império da
lei comumni e posto tob a directa dependência da auctoridade
militar». Se Majorana falasse para Itália, poder-se-ia ter por
exacta a sua noção, desde que ali a consequência immediata do
sitio é a subordinação dos poderes civis e militares ás auctoridades
militares. Talvez nem mesmo seria certa a lão porquanto essa
subordinação é arguida de anti-constitucional. Demos de barato
(t) AIUNGIO Ruiz, Anedio Politico, na Enciclop. Giurid. de Vallardi. I,
parle IV. apud BRUSA, Delia Oiustiiia Penale Eccezionale, cit., pag. H.
163
esse ponto, e indaguemos: será, a definição italiana, a de outros
paizes ? Não.
Não é a nossa, a ingleza, a americana. Será a franceza, pois
que na França a lei prescreve a sujeição immediata, embora o
obrigaria, das autoridades civis ás militares. Mas naquelles ou-
tros paizes não é assim. A União Americana o amplia a juris-
dicção fardada, no caso de suspensão de habeat-corpus, salvo
quando as cortes civis se encontram fechadas. O nosso direito
repellea orientação franceza, restringindo as medidas de repressão
no sitio á deteão em lugar não destinado aos réos de crimes
communs e ao desterro para outros sitios do território nacional.
esse facto leva á conclusão de que ha paizes onde se não eri-
gem tribunaes militares em occasiões de sitio com alçada sobre
militares e não militares.
Como acceitar, pois, a definão de Majorana ?
111.Continuação. A lei marcial- Como seu definido varia. Lieher, Kield. Tilíany,
Slephen, Filanson, ele.
A malleabilidade dos vobulos com que se joga nestas ma-
rias é espantosa. Tomemos, agora, a lei marcial. Haverá instituto
de mais árdua precisão ? Nada mais pejado de duvidas que o seu
conceito «desde sunombre mismo hasta la exltntiôn de loa facul"
tades que encierra para los poderes que la aplican, y los efeclos
que produec en el mecanismo de las relaciones politicas y civiles
de todos los que habitan el terririo dei Estado ».
Confunde-se, como vimos, com a lei militar, com o sitio
civil, com o sitio guerreiro, com a suspensão do habeas-corpus.
Na Inglaterra dão-lhe, alguns, feição civil ao passo que noutros
paizes é a auetorídade exclusiva do chefe militar, do commandante
das tropas. Entre nós, por exemplo, o Sr. Lafayette -lhe os ef-
feitos que na França produz o sitio« a substituição de tribunaes
e leis civis por tribunaes e leis militares » (1).
Na Republica Argentina, o snr. Alcorta distingue-a do sitio e
da lei militar, ao passo que outros escriptores vêm na lei marcial
a lei regulada pelo direito internacional,—não lei, mas facto em
cuja vincia toda vida jurídica da localidade a ella sujeita, desap-
parece, emquanto que o estado de sitio é uma medida adoptada na
lei civil, de applicação rígida e cujas attribuições são confiadas
(I) l.iFAíBrrK, 1'rineipiot ile direito internacional. Rio, J0O3, II, pa«. 110 nota.
164
aos poderes públicos, em geral o executivo e o legislativo. Uma >!
recurso fora da lei, ontro dentro da lei. I
Perlustre-se a série de definições que cada escriptor offérece
sobre a lei marcial. Tome-se a collecção apresentada por uni
delles. Segundo Lieber a lei marcial é—o exercício da auctoridade
militar conforme as leis e os uzos da guerra; para Field — é o
exercício da vontade do commandante dentro dos limites das leis
emq janto se acham em conflicto com ella; para Tiffany—é o po-
der de exigência conferido ao commandante, suspendendo as fun-
cções civis do governo por determinado tempo e em certo lugar,
sempre que a segurança do Exercito e do Estado exijam que as
operações do primeiro não sejam interrompidas pelas travas do do
processo civil; segundo Whitting— o código de regras e princípios
que regulam os direitos, capacidade e deveres, as relações so-ciaes,
municipaes ou internacionaes, de todas as pessoas, neutras ou
belligerantes, em tempo de guerra ; segundo Dosson, Campbell e
Wolff— a cessação, em caso de necessidade, de toda lei municipal, e
cuja justificação está na própria necessidade; segundo Filanson— a
suspensão de todo direito que não seja a vontade dos chefes mili-
tares, ou a lei que deve exercer-se segundo o juízo d'elles, as exi-
gências do momento e os uzos do serviço, sem regras ou leis fixas
determinadas, sem uma pratica definida e sem estar limitada nem
mesmo pelas regras da lei militar; para Stephen,— a lei im- I
posta pelo poder militar e que, se existe na Inglaterra, é conside-
rada como artigo de guerra ; para Morin — a lei que dá ao com-
mandante dos exércitos e aos delegados d'estes, poderes conforme
ás leis de guerra relativos aos próprios habitantes se isso fôr ne-
cessário, recommendando-se-lhes o exercício d'ella com justiça,
honra e humanidade conforme exige a guerra civilisada; segundo
Mitre •— o código militar ou a competência dos tribunaes milita-
res applicados aos delidos communs com exclusão das leis e jui-
zes ordinários ou naturaes; emfim, segundo Moreno — o conjun-
cto de regras que regulam a conducta e determinam as faculdades
de um belligerante em um território inimigo, conforme os
princípios direito internacional (1).
Como se vê, de taes definições será permittido tirar quaes-
quer oonclusões. Desde a noção mais absoluta, a de Field, por
exemplo, até a mais liberal, a de Mitre, a conceituão da lei mar-
cial apresenta o maior elasterio possível.
(1) Veja-se AMÂNCIO ALCORTA, La» Garantia» Conttitucionate», cit., pags. 117-118.
43
165
IV.— Qual a terminologia adoptada. A t.ei ou Direito (norma concreta) opposla ao Facto
(ausência actual de Obra jurídica).
Temos que não se confundem os expedientes repressivos ta-
xados na lei militar, no sitio e na lei marcial. Em nosso direito,
emquanto numa está a lei penal das foas armadas como classe,
noutro está um remédio de direito constitucional ao passo que na
terceira se encontra a ausência de lei.
No emtanto, não temos por campo de observação somente
nosso direito. E vimos que o direito estrangeiro vacilla, de muito,
na caracterisação de cada uma das medidas mencionadas.
Ora, se procurámos aqui, revolvendo ao de leve taes assump-
tos, um technica rigorosa, a conseguimos encontrar, extremando
aquillo que constitue verdadeiramente Direito d'aquillo que o
recebeo o baptismo d'este, permanecendo ainda sob uma massa
informe e não modelada. Isto é, analysaremos primeiramente o
Direito, escrínio ou não, para depois passarmos, então, ao estudo
do Facto. O Direito resume-se nas formas repressivas existentes
nas occasiões de luta, —como o sitio, civil ou guerreiro, a lei ou
código militar e a lei marcial quando esta foi effectivamente lei,
quando sua applicação fôr determinada por disposições le-gaes.
O Facto será essa mesma lei marcial quando independer ab-
solutamente de relações jurídicas, quando se não ajustar ao texto
imperativo de uma prescripçào legal, quando fôr o arbítrio, a au-
ncia da fibra jurídica, ou summa. Obedecendo a este plano ha-
vemos de averiguar que elle assenta na antithese do conhecido
provérbio inter arma silent leges,—correspondente áquelle ou-
tro à la guerre comme à la guerre. Vários auctores demons-
traram como taes brocardos são em parte falsos, principalmente
no tocante ao direito repressivo da guerra. Porquanto, é sabido
que a matéria de repressão penal em occasiões de luta é regulada
pelos poderes de Estado,— em regra o poder legislativo,— com
princípios concretos, reaes, de applicação restricta. Ao passo que é
fraca, ou pelo menos em menor escala, a parte d'essa repressão
abandonada pela lei ao arbítrio, ao chãos, á vida fora do Direito e
consubstanciada na vontade suprema do commandante em chefe das
forças em operações.
A guerra, em sua face aqui estudada, a face da represo penal,
é, antes de tudo jurídica. A face que apresenta de injuridicidade
ha de desapparecer, um dia. Não acontece assim, boje. Para o
futuro, acontecerá. Emquanto, porém, o alcançamos esse tempo,
mostremos que a represo legal, a preceituada no Direito—e a ar-
bitraria, — o Facto,— não podem ser confiadas a juizes fardados.
CAPITULO IX
A autonomia judicante militar na
luta e o direito
1.— DistribaiçSo do assumpto.
Como o Direito dispõe a repressão penal na luta ? A respos-
ta não é senão a seguinte:— por meio de leis de guerra applicadas
por tribunaes militares. Ha excepções que só no
correr da exposição apparecerão. A regra,
porém, éa traçada.
Opera-se, a repressão, em taes condições por força de dous
meios, um fornecido pelo direito militar, outro pelo direito consti-
tucional . Ou lança-se mão da lei militar, isto é, do código penal
militar na parte que diz respeito á luta ou soccorre-se do estado de
sitio.
Analysemos, jure condito, e de maneira geral, cada uma das
medidas de excepção apontadas, conforme a legislação de alguns
paizes. Essa analyse valerá por uma argumentação cerrada contra
a justiça dos quartéis, poisque mostra a repulsa que esta justiça
ha encontrado.
Feito isto, fecharemos o capitulo com a Reforma propria-
mente dita:
§ 1°.— A lei militar.
§ 2*.— A lei do sitio.
§ 3°.— A Reforma.
1.— Lei militar. Paz e guerra. .
§ 1.» — A LEI MILITAR
Comecemos pela lei militar.
o falamos d'ella na paz. Referimo-nos ás disposições que
mantém para o período de guerra.
Os auetores e os códigos esforçam-se sempre para conservar,
na lei mililar, essas duas secções distinctas. Assim, Giuseppe Bel-
2
167
lati assegura que il bisogno d'una gturisdizione piu particola-
reggiata ed esteta in tempo di guerra si rende evidente per la
necessita di colpirr tutte le infrazioni alia disciplina e di adottare
per regola assoluta il proporzionare il castigo alie conseguenze
che dalle colpe derivano, ottenendo prontezza ed esemplarità
nclla repressionc (1). Augusto Setti insiste na necessidade de se
separarem, nos códigos modernos, as duas épocas, accrescentando
que o digo italiano pretendendo embora fazer uma tal distincção
fa una deplorevole e assunta confuzione deli un tempo coll'
altro (2). Para Lucchini a questão não padece divergências (3).
Pielro Viço doutrina perche la legge penale militare risponda
congruamente ai suoi fini, è uopo distinguerla per il tempo di
pace e il tempo di guerra (4). Por seu turno, a commissão pla-
tina composta de Magnasco, Obarrio, Garmendia, Araújo, Al-
corta, Urtubey e Alvarez, confessa achar ocioso formular conside-
rações relativas á « differença que deve mediar entre a adminis-
tração da Justiça em tempo de paz e a do tempo extraordinário de
guerra» (5), emquanto a commissão brazileira encarregada de
organizar o código de processo militar de 1865 enxergava nas cir-
cunstancias de paz e guerra a « distincção fundamental para as
leis da justiça militar » (6).
II.— Direito roncrelo. A lei li espanhola. Resumo. AlieraçSo para a guerra. Ampliado
da jarisdicçflo militar. Rapidez no julgamento Bandos. Séquito das forças em
operações.
Dos códigos militares o que, a nosso vftr, mantém informa-
ções mais precisas a respeito do tempo de guerra, é o digo ar-
gentino.
Reinante a luta, ha modificões fundamentaes no corpo da
legislação. Seguiremos, á guisa de modelo, essas modificações.
Amplia-se a jurisdicção dos tribunaes militares, a todos
aquelles indivíduos que constituem o séquito dos batalhões,
bem como a todos os que, quando o exercito, navio ou esquadra
estiverem defronte o inimigo, praticarem alguns dos crimes
(t) GiUKMMM! BILLATI, La rcvisioue dei codici penttli militar!, cit., pag, +7.
(t) AUGUSTO Sem, L'csercito e la sim criminalilà, cit., pag. 330, nola.
(3) LUCCHINI, Soldali delinquenti, ele, cit,., pag. 117.
(*) I'IRR0 Viço, Diritío Penale Militare, cit., pag. 126.
(5) OSVALDO MAGNASCO, Códigos Militares de la Republica Argentina, cit.,
Informe de la comieión, pag. 14-18.
(6) Projecto da eommiiião, pag. XI.
16R
especificados no art. 5 do código penal militar (traição, espiona-
gem, recrutamento, devastação, etc). O commandante em chefe da
divisão, brigada, ou regimento, navio, etc, passa a exercer as
attribuições que na paz cabem aos conselhos de disciplina, e o
general em chefe passa a exercer a jurisdicção do Conselho Su-
premo de Guerra, salvo no caso de ter de julgar, o mesmo conse-
IhO} tenentes-generaes e vice-almirantes. O processo despe as
formalidades que o cercam na paz, fazendo-se perante os conse-
lhos de guerra vtrbaes, em sessões publicas, com formulas expe-
ditas e breves, sem que, no entretanto, deixe de haver recursos
para os generaes em chefe de terra e mar, chefes de divisões na-
vaes, etc. A pena poderá ser executada immediatamente, salvo
sendo capital, quando houver necessidade urgente, attestada essa
necessidade por um conselho composto, no minimo, de três chefes
ou ofliciaes. Os crimes militares ou militarisados augmentam de
numero, cahindo sob a competência dos conselhos de guerra, mor-
mente, como vimos, se praticados defronte o inimigo.
Mais ou menos é essa a ossatura do direito militar em outros
paizes, como na Itália. AL istruttoria é mais rápida ; as provas co-
lhidas verbalmente, e directamente levadas ao conhecimento dos
conselhos de guerra ; os termos abreviam-se; não se admitte re-
curso, a menos que o commandante em chefe suspenda a execu-
ção da sentença para formar, esta, objecto de graça do soberano.
Podem-se crear tribunaes extraordinários quando o commandante
em chefe julgar necessário ao interesse da disciplina. A jurisdi-
cção dos conselhos de guerra amplia-se ao séquito das forças, aos
que commettem determinados delidos mesmo sendo pessoas estra-
nhas ás forças, etc.
Melhor resumiremos o assumpto nos seguintes itens, relati-
vos ás medidas penaes adoptadas, em geral, para o tempo de
guerra :
l.°—Ampliação dos poderes do commandante em chefe de
um corpo de exercito ou fortaleza sitiada (sem communicações
com o general supremo), afim de publicar bandos militares com
força de lei, dentro da peripheria do seu commando.,
2.°— Ampliação da jurisdicção militar a determinados crimes,
mesmo praticados por paizanos, e que, em regra, se relacionam
oom os movimentos e a segurança das forças em operações (de-
vastação, homicídio, destruição de pontes, incêndios, etc).
3.°— Ampliação da jurisdicção militar ás pessoas que com-
-£ 169
em o quito das foas—vivandeiros, commercianles, repórter»,
correios, fazendo parte da comitiva do exercito.
4.°— Simplificação das formulas processualisticas, com pas-
sos menos longos, procedimento verbal» execução
immediata da pena na maioria dos casos, abolição
dos recursos, suppressão de circumstancias attenuantes, ele.
Eis os pontos capitães, em que a legislação militar para a
guerra differe da legislação militar para a paz. Ra divergências,
mas que não alteram a matéria, segundo o nosso ponto de vista,
como aquella relativa á conceuação verdadeira do que se chama
rstado de pnz e do que se diz estado de guerra. Códigos e escri-
ptores buscam distinguir cada uma das espécies e é innegavel que
o thema é relevantíssimo ; nelle vae uma questão de cerceamento
ás medidas odiosas de excepção.
Não tem relação com o nosso alvo, porém.
O que nos interessa é saber que a lei militar augmenta, na
guerra, os poderes do commandante em chefe das forças, amplia
a jurisdicçào militar além dos casos que lhe são assignalados na
paz e torna mais rápido o julgamento.
f)'ahi, nossa preoceupação :— nos períodos da lula, mantidos
os juizes militares, a autonomia judicante da caserna, com pode-
res amplos, constilue um facto mais grave, quiçá, que nos perío-
dos da paz. Digamos, agora, algo acerca da lei do sitio.
§ 2» A LEI DO SITIO
I,— Lei do sitio. Disli ncçilo da lei militar.
Discorramos acerca da lei do sitio.
Não a distinguiremos em civil ou militar, para o cabirmos
em confues lamenveis. o a confundiremos com a lei militar
ou com o digo das classes armadas applicado á guerra e men-
cionado ha pouco. Embora o effeito do sitio, era alguns paizes,
esteja na extensão d'esse código a paizanos com o fito de se apaga-
rem insurreições, é sabido que os dous institutos se nãojrmanam
debaixo do mesmo conceito. E' suficiente apontar que num resi-
de o redio de direito constitucional, noutro o remédio de direito
penal. No sitio, a represo rigorosamente politica, no código mi-
litar, a lei de uma classe— a militar. Naquelle, o império, em re-
gra, sobre civis, e por excepção sobre militares ; neste o inverso:
se incide sobre cidadãos, fal-o excepcionalmente, pois seu campo
de applicaçfio é o soldado.
61
170
Havemos de nos reportar alei marcial. Mas fica bem expresso
que a lei marcial que comprehendemos como tal e relegamos para
mais adiante 6 a situação de facto despida de norma jurídica.
De mais, o que cumpre observar é que examinaremos a
lei do sitio quanto aos seus effeilos penaes e que, quanto á sua
razão de ser, nada temos que saber.
Explicamo-nos : se o direito commum não pôde enfrentar as
occasiões anormaes, faz-se preciso o emprego de medidas extre-
mas. Esse postulado salta aos olhos. D'elle, porém, áquelle prin-
cipio que confia a execução de taes medidas a juizes militares,
vae enorme distancia. Noutros termos : combateremos, não o facto
em si—o sitio, mas as'consequencias que d'elle se querem tirar com
menoscabo da magistratura civil.
Isto posto, qual a feão dos códigos em assumptos de tanta
monta ?
Dividem, os tratadistas, a matéria em dous grupos: aquelle
acolhido pelos paizes de dictadura civil e aquelle outro que pro-
pende para a dictadura militar. Não parece feliz a terminologia
uzada. Por esse motivo, disporemos a nossotalanteo methodo em-
pregado na exposição descriptiva do assumpto, embora sigamos á
risca, sempre, os monographistas doassedio, com especialidade de
Majorana e Contuzzi para o direito alienígena e Ruy Barboza para
o indígena.
II.— A União Americana. 0 sitio e a suspensão de habeas-corpus. A lei marcial. A
guerra de Seccessao. Bates e Seward. As commissòes militares. Os paizanos
perante ellas. Merryman e Taney. Milligan. 0 perigo que passara pela Re-
publica. A legislação de 1867. Sen caracter implacável. A vontade do vence-
dor apontada ao peito do vencido.
Os estudiosos da matéria opinam que a União Americana faz
frente ás lutas que possam por em perigo a segurança do governo
e a integridade nacional com o duplo expediente do estado de sitio
e da lei marcial. Rigorosamente falando, ali não ha a instituição
estado de sitio—ha uma equivalente delia—a suspensão do writ
de habeas-corpus. A lei não se referindo ao sitio, abriga-o, porém,
em sua dupla forma—civil e militar.
« A declaração do estado de sitio nas republicas latinas cor-
responde á suspensão do habeas-corpus nos Estados-Unidos. El
privilegio dei auto de habeas-corpus habia suspendido por el Pre-
sidente (quiere decir que el pais estaba en estado de sitio) >< (4).
(1) Ror BARBOZA, n'0 Direito, 58, pag. 420.
171
«Los Estados Unidos Sorte Americanos conservan ta facultad de
suspender el habeas-corpus con et que estado de sitio tiene iden-
tidad» (1). Em inglez, o texto americano resa :— T/te privilege of\
lhe writ of habeas-corpus skall not be suspended, unless when in\
cases ofrebellion or invasion í/te public safetij may required il.
Textualmente:—« o privilegio do alvará de habeas-corpus não
será suspenso, excepto quando, em caso de rebello ou invasão, a
segurança publica o exigir» (2).
Collocam, os publicistas, a União Americana ao lado daquelles
paizes que acceitam, no sitio, a dietadura civil ao em vez da mi-
litar. Realmente, armado o poder executivo com a mais ampla au-
toridade nas occasiões de perigo nacional, pôde o Congresso eri-
gil~o em quasi, senão dictador, conforme aconteceo sob Lincoln—I
it is at least lhat Congress can make him, as did make Lincoln,
almost a dic(a(or(3). Mas, por essa mesma razão, empregamos
homens do Norte o máximo esfoo em o se soccorrerem da arma
com que foi dotada a auctoridade, senão nos transes mais dolorosos
da vida nacional. Não suspendem, pelo que toca aos tribunaes mili-
tares, o jury (4) e uzaram do recurso da suspensão do habeas-
corpus, segundo escreve um especialista, por occasião da conspi-
ração de Burr, em 1807, e durante a guerra de Seccessão, em 1861.
Mais terminante, porque se circumscreve ao período constitucional,
é ura segundo ensino: « em mais de cem annos de exisncia cons-
titucional, principiada em 1789, a garantia do habeas-corpus nunca
se suspendeu senão durante a medonha guerra civil que esteve a
pique de aniquilar a União». Fel-a, a União, nessa época, e então
«com toda a exteno que as circumstancias reclamavam e em meio
dos debates mais vehementes nas cortes e entre os publicistas
mais respeitáveis do paiz» (5).
Em 1861 estalou a guerra civil de «Seccessão »• Levanlou-se
a questão de saber se o chefe do executivo podia suspender as
garantias individuaes, subordinando o terririo conflagrado ao
império da lei marcial. O Attorney General Bates sustentou a afir-
mativa, e mais, que incumbia ao Presidente decidir sobre as con-
(1) AMÂNCIO AlXORTA, tos Garantias Conslilucionalcs, cil. pag. íl».
(S) MAMUAM., Decisões Conslitucionacs, cil-, pag. 37.
(3) JAMES BRYCE, Th* American Commonmcallh, I.omlon, 1800,1, pag. 61. . (4)
THEODORE REINACK, De Mui d» siège. Paris, 1865, na Revista de Jurisprudência, III, pag.
81.
(S) WIILTTING, Poderes de guerra, trad. Rawson, Story bij Cooley, II, pag 208,
POMEROY, pag. 475, todos em ANANCIO ALCORTA, Las Garantias Conslitucio-\les, cil.,
pag. 167.
1X3
«iderarôe» pofilkmque dhHauaÉlevantamentodo
do eieratrr* reroi
U d<> «u i Biltij outra
ordenaa estafecleceWe •! eW.
|i»«.pnnha-se aài que. durante
ucurreiçâo nblnlr e para lhe dar
cobro, todos OS rebelde»
imargentes, loitoi que dViles fi.v-.-ni wifjj-iti.--.. dentro dos limite-,
do* Estado* Unidos,f lodos
r,s
indi*idii'i- que de*fainrrr<Men n»
arrolamentos, resistissem a conscrl aofrMIHar o» te Influiu
culpadas de manobras desleaes, ajudando e dando0M$feftfl MM
rebelde», foera sujeitos é M "i«r-ef*/1 ao Julgamento perante M
c*ln aarrJMaaa eommíssòes initi-UHTW. segundo lagar ordena
va*« .pi.- writ de Ad6e<u-rorpi« M snspendetae a respeito de
pesadas pretas nu que viessem a tri-o, durante rebelliao, em
forte*, arsenaes etr, por ordem de MKteridadc «ditar, corte mareia!
ou eonèissSO militar. Para velar ".t.rc a proclama»; jo de 34 de
Setembro foi instituiria uma poliria
MiiiiaaaVaaailiiaaaiisdosMig ........lstewttlffr»»r«/em«r»A«//«
esperlae».
A 3 de Marro dt 1863 votou, o Congresso, uma autorização
para o presidente suspender durante a rebelliao existente o alva
de kabeam-rermm em todo o território do Estados Unidos, ou em
uma parta somente do terririo federal, Iodas as veies que julgasse
necessário á salvação publica, t em data de 15 dt Setembro, o pre-
sidente da confederação publicara a proclamação suspendendo o
irril de '.' .---•:-y'i« em toda a extensão do Estados Unidos du-
rante a rebelliao ou até tirar a proclamação sem effeito.
Suspenso o writ de fcaoea<-eojpu#, decretada a lei marcial,
tanto para os rebeldes como para os Estados (leis á legalidade, co-
meçaram a funecionar as eommiuóe$ militarei a que eram entre-
gues iiiilividous mio militam.
O funccíonamento de taes commissoes militares constituio um
dos mais deploráveis abusos da guerra separatista, ensina um mo-
nographisla. Da a dia procurava-se ampliar a área de aão de
taes corpos judicantes, conforme as lões de alguns adeptos da
espada:—uma eoininiso militar não se limita ao lugar em que se
173 i i.; |
comraetteu o delicio, exlende-se a&jialquer departamento, mesmo
quando o caso é de indivíduos (Jue não pertençam às classes ar-
madas. Aquelles indivíduos accusados de oppôr obstáculos á de-
bellação da rebellião serão julgados por commissôes militares
mesmo nos Estados onde se encontrem abertos os tribunaes ordi-
nários. O texto da Constituição que o direito de ser julgado
pelo Jury deve ceder á necessidade que exige o exercício efficaz do
direito de guerra...
Essas palavras do advocate general of f/te armes revelam o
cerne da mais importante questão que a Corte Suprema decidio até
hoje, uma das cansas mais consideráveis, no dizer de De Cham-
brai^!) levada ao conhecimento do Supremo Tribunal do paiz,
isto é—a da legalidade das chamadas commissôes militares. De
resto, fora da magistratura, no parlamento, na lição de tratadistas, o
debute assumio proporções gigantescas, presenceando-se, de um
lado, o poder executivo collocando em suas mãos todas as garan-
tias individuaes, e de outro lado a vózde escripiores, juristas, parla-
mentares, creando embaros a esse arbítrio perigoso, cerceando-o,
negando que ás cortes marciaes fosse licito julgar paizanos,cidadãos
abroquelados pelo escudo do direito commum e isentos do poder
da espada. No Senado, em 1881, em 1862, proclama vu-se que os
cidadãos dos Estados Unidos não podiam ficar subordinados ás
cartes de guerra, nem á lei marcial, a menos que pertencessem às
classes armadas; todo cidadão deveria ser justado perante seu juiz
natural, perante as cortes ordinárias, pelo jury. Aftirmou-se, então,
como o senador Ituyard, que a poder algum era permitlido estabele-
cer a lei marcial na União Americana, ao passo que outras opines,
mais comedidas, limitavam-se a negar essa prerogatrVa, porque a
o ser assim e ficariam usurpados pelo presidente os poderes de-
legados ao Congresso e ao ramo judiciário (2). A proclamação de
24 de Setembro c inconstitucional, exclamava Curtis (3) e Fisher
concluía a seu turno:—«Poucas cousas ha, na historia ameri-
cana, mais dignas de estudo que o poder exercido por Lincoln
nessa época. Esse poder era absoluto, arbitrário, o, não sendo
autorizado por lei, o seu exercio constituiu uma tremenda violação
constitucional... Taes cousaso, talvez, inevitáveis quando se tém
(1) 1)E CIIAMUIVUS, Le Pouvoir Exicutif aux E'lats-Unis. Paris, 1806, pag. 1*7.,
(2) CURTIS. liteeutirc Pomar, pag.'tf, tpud CORTCUI, Dello sinto -A'assedio ,\ nls.
pag. 40.
(3] lnwKM.
174
de subjugar grandes insurreições; mas é de lamentar que tivessem
acontecido na America » (1).
I Assignaladas Acaram, no emtanto, nessa luta memorável, as
balizas até onde alcançavam e alcançam as franquias individuaes
em face das emergências extraordinárias da guerra. A lição que a
Suprema Corte baixou, então, serve de agulha, hoje, aos commen-
tadores, quando elles se lançam por estes assumptos. As questões
famosas Merryman e Milligan fundacam a doutrina vencedora.
Merryman era cidadão de Baltimore, em Maryland, ao ser;
preso em 25 de Maio de 1861 pelo commandante de uma força fe-
deral destacada na Pensylvania e encarcerado num forte de Mary-
land. « No dia immediato, o presidente da Corte Suprema « sem he-
sitar» expedia a favor do detido ordem de habeas-horpus orde-
nando ao commandante da praça que apresentasse, na manhã se-
guinte, o peticionário ao chief justice, em Baltimore. O ciliciai re-
sistio, declarando estar a prisão devidamente legalisada pela or-
dem do presidente dos Estados Unidos, auctoridade competente
para suspender o habeas-corpus e, desobedecido ainda, consignou
solem nemente no registro do tribunal o seu protesto contra o abuso:
« Uzei de toda a auctoridade que me commeltem a constituão e as
leis », disse elle, nesse documento famoso; « mas uma força que
não consegui dobrar, paralysou o meu poder» (2).
Não ha neophyto nestas matérias árduas que desconheça taes
palavras de Taney:—synthese viva do protesto lançado pela ma-
gistratura civil, garroteada, ante os arrancos do arbítrio militar.
Uma commissão militar condemnára á morte, em Indianopo-
lis (Maio de 1865) a Landin Milligan, cidadão dos Estados Unidos
e residente em Indiana. A sentença havia sido ratificada pelo chefe
do executivo quando Milligan recorreo para a Corte Suprema,
perante cujos juizes, os advogados do o, em numero de quatro
» dentre o mais brilhante escol do foro americano », sustentaram
a gravidade do attentado de que Milligan era victima, provando a
inconstitucionalidade do acto recorrido. A Suprema Corte em sua
maioria deferiu o pedido de habeas-corpus, tendo por órgão o juiz
Davis. A sentença, declarando illegal o processo, affirmou que a
Constituição americana determina serem todos os crimes julga-
(1) FISHER, The suspension of Habeas-corpus dwing th» mar ofthe rehellion,
npud Ror BARDOZ.V, n'0 Direito, cit., 58, pag. 400.
(2) Ror BARBOU, n'0 Direito, 58, pag. 403-404. DE CHAMBROS, le Pouvot
Saléeulif aux E'tats-C/nts, cit., pag. 150.
175
dos pelo Jury, que, na espécie, esse preceito tinha sido violado
porque as commissões militares não poderiam fazer parte do or-
ganismo judiciário que a Constituição criou, tanto mais quanto a
ordem do Presidente não modifica essa situação, pois que elle
executa a lei e não a faz. «A legalidade da dita commissão mili-
tar não se pôde justificar com o se dizer que as leis de guerra au-
torizavam sua creaçãb», dizia a sentença; «ficou estabelecido pe-
rante a Corte, por provas legaes, que a auctoridade jamais foi
derribada no Indiana e que os tribunaes sempre estiveram aber-
tos. Em tal contingência, nem ao Congresso, nem ao Presidente
era facultado organizar legalmente commissões militares » (1).
Este aresto, sadiamente liberal,, foi baixado em 17 de Setem-
bro de 1866, isto é, após estar terminada a guerra civil e levanta-
do o sitio nos terririos leaes á federação. Firmou, no emtanto, a
lão insophismavel, em assumptos de tamanha monta. Mais do que
isso, porque, conforme o professor Burgess, naquella decisão
está o direito reinvidicado pela Corte Suprema de determinar a «
extensão do território abrangido pela guerra e o espo de tempo
em cujos limites ella principia e acaba : — it seemt to me that thus
is a claim on the part of the Court that lhe judiciary shall determine
when and where war cxisis » (2) Assim e brilhantemente, num
esplendor incomparável, a Corte Suprema não se deixou arrastar
pela tyrannia dos cothurnos. Expressou a Lei, exprimio-se o
guarda invencível da Lei: Afais que les libertes individuelles viennent
â étre menaceês par ce même exèculif qu'elle sait au be~ soin
dcfendre d'unc main si ferme, la magistralure americaine se
souviendra que sa mission auguste est de proteger les citoyens et!
de sauvegarder leur intéréts legitimes. En pleine guerre civile
elle saura protester contre la suspension de l'habeas-corpus et te
regime des cours martiales, inflingê par le Président Lincoln
aux E'tats restes /ideies à C Union. Si les luttes ares ne lui per-
meltant plus de remplir efficacement son role pacifique la rédui-
sent à confesser 1'impuisance du droit contre la force, elle pour-
ra, du moins, se remire le témoignage de n'avoir pas failli à son
devoir » (3).
E o perigo pelo qual a Republica passara, provocando o pro-
(1) fír. CiUMlinUN, l.c Pouvoir Exécutif aux E'latt-U nis, cit.iptg.14t. (I) JOHN
liunctss, Politicai êeience and comparativa constitutional Iam, II, II. 290, n'0 Direito,
58, png. 406.
(3) NOAIM.ES, Cent ana de Republique ouas E'tats-1/nis, 1880, II, pags. 109. 170.
nunciamento do mais elevado tribunal do paiz, fora itnmenso: «...
pelejou-se uma campanha fantástica, em que a imaginação difi-
cilmente encalça a realidade, em que a Europa, agitada ao longe
pela repercussão do cataclysmo, vio estupendamente excedidas as
tradições das suas maiores guerras, em que os amigos das insti-
tuições republicanas seguifio, tremendo, o destino, quasi perdido
das mais caras esperanças liberaes, em que toda a superfície do
paiz mais vasto d'este continente se converteu n'um campo de ba- I
talha, devastado pelo mais terrível cyclone humano a que o século
dezenove já assistio. Metade dos Estados Unidos batia-se em luta
de morte, contra a outra metade» (1). Para expugnar Richmond, a
capital do Sul, foram precisos quatro annos e setecentos mil
homens, o que fez dizera Montalembert: «tamanhos esforços ainda
não houve fortaleza que custasse, nem mesmo Sebastapol» (2).
Guerra «das mais calamitosas dos tempos modernos, sob o ponto
de vista dos immensos sacrifícios de homens e de dinheiro que
custou » (3), foi prodigiosa, também, pela extensão, sem parai'
lello, de poderes collecados nas mãos do Presidente da Uno, tor-
nando-se exacta a phase de Dunning quando vê surgir um principio
novo nos Estados Unidos— o das dictaduras temporárias. Seward,
secretario de Estado, dizia a Lord Lyons, embaixador in-glez:— K
Mi lord, só de mim depende tocar esta campainha á direita e
mandar prender um cidadão no Ohio, tocar noutro botão de
campainha e fazer capturar um cidadão em New-York; e nenhuma
auctoridade na terra, excepto a do presidente, lograria sol-tal-os.
Poderá tanto a rainha de Inglaterra?» (4).
E este estado de dictadura, civil em suas origens porque a
exercitava o presidente da União, mas militar em sua existência
real porque a mantinham as commissões militares, este estado
prolongou-se alem da luta com a lei de 5 de Fevereiro de 1867 ao
se equiparar o crime civil da revolta aos crimes militares, sujei-
tando-se ambos á lei de guerra e maisdoque isso, firmando o pre-
ceito da retroactividade da lei, repellido pela Constituição Federal,
—lei que, diz o snr. Iluy Barboza, se sumio na lei de 2 Março do
mesmo anno como um tributário desapparece na corrente.
(1) Risv BARBOZA, n'0 Direito, 88, pag. 396.
(2) MUNTAI.KMBKUT, La uictoire da Nord aux E'tats-Uais, 1878, pag. 26, \\'0
Direito, 88, pag. 397.
(3) CAIILIKR, Ca Republique Américame, Paris, 1890, II, pag. 2U.
I
__(4)_RUY
BARBOZA, O'0 Direito, 88, pag. 399. H
177
Não é preciso folhear as paginas do direito americano para
que se ajuíze d'aquillo que significava a lei de 2 de Março. Temos
quem nol-a exponha no direito indigena, temos as paginas d
l
um|
jurisconsulto brazileiro. Na legislação de 67 « culminavam as tre-
mendas medidas empregadas pelo governo legal, depois de subju-
gada a revolta separatista, para compescer com um freio de ferro,
e obrigar os estados ainda frementes da luta civil á submissão
absoluta. Não se poderia imprimir a uma lei, caracter de combate
mais accentuado, mais aggressivo, mais implacável» (1). A lei de
•j de Fevereiro era uma «precaução de guerra contra o inimigo»,
a lei de 2 de Março, para o Senador Doolittle, «uma declaração de
guerra Contra os estados meridionaes da Uno » (2). « Dou o meu
apoio a este projecto militar» falava o deputado Garfield. «E' se-
vero. A penna que o redigio, fez-se, creio eu, de uma bayoneia;
e bons serviços nos têm prestado até aqui as bayonetas» (3).
«Cordão de bayonetas á rectaguarda dos estados vencidos» a
bruteza da repressão de 67 colimava, no dizer dum monographis-ta,
« assegurar aos vencedores os poderes da victoria ». « O que a
legislão de 1867 proclamava nos Estados Uuidos. era a lei da vi-
ctoria, a soberania da espada, a vontade do vencedor apontada ao
peito do vencid (4).
Em taes condões de tremenda agitão nem mesmo se occul-
tava, sob a capa de razões legaes ou jurídicas, a posição alarmante
da sociedade. Foi reclamada, em auxilio do executivo, a lei da ne-
cessidade by which nations mainlain their existence. Dizia-se cla-
ramente não existir a Constituição: acima d'ella estava a seguran-
ça nacional a exigir que se entregasse o direito de vida e de morte
sobre os Estados subjugados ao juizo discricionário dos comtnan-
dantes militares (5).
A ferocidade da guerra tudo avassalava, tudo militarisava.
Prova-o, a mais, e eloquentemente, o caso do assassino do Presi-
dente Lincoln. Distribuíam justa, em Washington, as cortes ordi-
rias, quando cahioassassinado o presidente Lincoln. Johnson, seu
successor, inquire da Attorney General se os réos deveriam ser
(I) JtUY UAWIOZA, na Revista de Jurisprudência, 111, pag. 98.
(1) Çongreieional Oloie, I.XXV, pag. 1440, na fíevitta de Jurisprudência,} 111, pag.
98. .
(i) Mn. JOHNSON. Congrcss. Gtobe, LXXV, pag. 1184, nu lltvisla de Jurisprudência,
eh., Ill, pag. 99.
(4) Ver, para esclarecimentos e pormenores, a cit. Ileeista de Jurisprudência,
pags. »8 a 101.
(5) Uma.
— 178 -
entregues ao julgamento de uma comniissão militar. Embora re-
conhecendo que as cortes ordinárias funecionavam, a resposta foi
affirmativa. Constituio-se o conselho julgador, composto de offi-
ciaes das classes armadas, exclusivamente, embora se reconhe-
cesse que os indiciados a ella o pertenciam. A defeza coube a
Johnson, jurisconsulto do Maryland, que combateo a inconstitucio-
nalidade da commissão militar julgadora, apoiado em que a guerra
havia cessado e que paizanos não poderiam ser levados ante os
conselhos marciaes. Condemnados os réos, um juiz expede ordem
de habeas corpus para se fazer examinar a questão ante a corte su-
prema do Districtoda Columbia. O presidente dos Estados Unidos
baixa uma Ordem suspendendo especialmente o writ.
. ..Não prosigamos.
Resumamos o direito existente e não as aberrações que se lhe
lançam.
A Uno Americana faz corresponder á situação de facto da
guerra, a situação de facto da lei marcial, permittindo o im-
rio d'esta quando a lei civil se achar banida e só facultando a su-
bordinação de paizanos a commissões militares quando os tribunac*
ordinário» estiverem cerrados. Convém, no emtanto, salientar que
a lei marcial se não confunde com a suspensão do habeas-corpus.
Já vimos aliás quanto diverge da lei militar. O habeas-corpus sus-
penso não presuppõe a lei marcial, ao passo que a reciproca é ver-
dadeira. Um, o remédio legal; outro, o remédio de fado. A lei
marcial limita sua área de acção ás praças do theatro da guerra
acossadas pelo inimigo e d'onde se encontrem repellidas as normas
elementares do direito. E' um expediente violenssimo. E' o poder
de guerra do chefe do executivoit is the war power of the Pre-
sidem, and ali he possesses indepenãently ofthe cwiHaw (1). Não
existe unicamente sob a ameaça de um? invasão—but from the
fact of the exitlence of immediately impending force at a given
place and time (2).
A suspensão do habeas-corpus, ao inverso, não se circums-
creve ao território oceupado militarmente. Denega, unicamente, ao
prezo, o privilegio de obter a liberdade: seu único effeito está em
que sejam entregues os réos a um tribunal e a um jury (3). E, ao
contrario da lei marcial, sob cujo impérioo ha outra regra senão
(1/ DESTV"S. Federal Constitulion. cit. pag. 20(1.
(!) IBIDEM.
(3) HAÍIE, American Conatitutional law. pag. 960. n'0 Direito, 58, pag. 292.J
179
a da necessidade, a suspensão do habeas-corpu» não suspende se-
não as garantias expressamente restringidas.
Porque, cumpre fazer resaltar um ponto: —na luta, qualquer
que seja ella, «a acção politica do governo sobre os indivíduos
tem limites, e o arbitro d'esses limites, em relação a cada caso in-
dividual submettido pela tentativa de habeas-corpus aos tribuna es,
é o poder judiciário ».
A menos'que a insolência e a irresponsabilidade de um di-
ctador temporário laçam reapparecera fórmula grandiosa de um
Taney...
III— A nrã-liretiinliu. A suspensa» il<> habeas-eorptu. A ampliara» de poderes do
magistrado civil- A liiandia. Itioler* e imuryenli.
A Inglaterra oppõe também ás occasiões de perturbação pu-
blica os dous expedientes extremos a suspensão do habeas-
corpu» e a proclamação da lei marcial.
o dous meios violentos mas que se distinguem facilmente.
A suspensão do habeas-corpus é «um verdadeiro acto legislativo,
ordenado pela auctoridade soberana do parlamento, e pelo qual o
governo o tem outra responsabilidade que não a decorrente do
modo por que a lei foj applicada». A lei marcial é uma prerogati-
va regia, poder inherente ao executivo, segundo a qual o governo
suspende as garantias constitucionaes, a seu alvedrio, proclaman-
do o império das medidas anormaes.
Como na União Americana, ambos os expedientes applicam-se
no caso de invasão, insurreição ou ou rebellião quando as a ir
ctoridades militares são impotentes para abafar o movimento com o
auxilio dos meios ordinários. Diverge, porém, ao que parece, a
applicação da lei marcial nos dous paizes, embora haja opiniões .
no sentido da equiparão. Ao passo que nos Estados Unidos a lei
marcial cria commissâes militares julgando tanto civis como sol-
dados, na Inglaterra ella tem por único effeilo o accrescimo de
poderes da auctoridade civil.
Quem quizer analysar a lei marcial na Inglaterra em confronto
com a de outros paizes, luta com grande difficu Idade se pensar que
ella suppõe, como nelles, um augmento de poderes em relação ás
auctoridades militares, com restricção dos poderes das cortes ci-
vis. Esta noção que o continente européo abraça não existe na Grã-
Bretanha (1).
H (l) MAJOIIASA, LO «falo di assedio dl, pag. 30, sustenta que 6 mo dizer-se que i lei
iuglcza desconhece a lei marcial. Conhece, mas sob uma forma própria: em género, olo
ha a substituição da auctoridade civil pela militar.
180
A lei marcial ingleza, em sua exacta feão, tem outro caracter
marital Iau a* dutinguished from military lato and tke\
customtof irar, ti unknoun to English jurisprudence (1).
0 estado intermédio entre paz e guerra, chamado pelos es-
criptores estado de sitionão se encontra na lei ingleza (2).
T/*m, esta, a suspensão do habeas-corptu, mas a jurisprudência
brilannica deixa estabelecido que, se'a paz publica está
ameaçada, os perturbadores da ordem serão punidos de
accôrdo com a lei penal ordinária (3). Se esta lei, porém, não
hasta, proclama-se a lei marcial, com augmento de poderes da
auctoridade civil.
Im escriptor, depois de examinar a questão posta pelos tri-bu
naes do continente, a saber se os rioters quando capturados serão
julgados e punidos pelas cortes mamães, e não por tribu-naes
civis, arremata : «Tal estado de cousas nunca existio na lei
ingleza, posto que o poder restricto de julgar, por tribunaes mili-
tares, os reos contra a paz publica na Irlanda, se tenha creado em
varias oecasiões por acto do parlament. E mais : — segundo o
direito inglez as sós pessoas que podem ser julgadas pelas cortes
marciacs são as que o Army Act declara sujeitas á lei militar (4). I
Nem menos precisa é a lição de Diccy: a lei marcial, no sen-lido
próprio do termo, segundo o qual se suspendem as leis ordinárias e
se cria o governo temporário de uma região por meio de tribunaes
militares é desconhecida á lei ingleza — is unknow lo the lato of
Emjland. E, depois de examinar a confusão dos au-ctorcs sob tal
respeito, Dicey aflirma que a lei marcial ê empregada, ás vezes,
a* a nome for lhe cominou low right of the Crown and its
servants to repcl force by force in the case ofinva-sion.
insurrection or riot or gcnerally of any violcnl resistence. Neste
sentido, concilie, esse poder é essencial á existência do governo
e, reconhecido amplamente pela lei brilannica, não tem em si
nenhuma ligarão com a existência da força armada (5).
A feição pura da doutrina é essa. Weisl, por exemplo, chegou
a dizer que o direito anglo-amerieano não se soccorre do direito
bellico para abafar insurreições (6). Soccorre-se, até mesmo na
(1) Manual of milita}'!/ lav rit. pig. 5
'!) IBIDEM.
(3) IBIDEM .
(4) IBIDEM, pag. 6.
(5) Jío Manual of MilUartj late cil., pag 6 nula b.
(6) EMÍLIO BRUSA, DellaGiuslizia Penale Eecesionale, cil., pajr.16.
112245
- 181 —
paz, conforme alguns querem. Mas a distincção está em que este
direito bellico não é aquelle que ensinam os escriptores e as cons-
tituições européas, não é o predomínio dos tribunaes fardados, é
a ampliação dos poderes do magistrado ordinário. O snr. Iteinach,
neste particular, sustenta que a Ingleterra substitue os tribunaes
extraordinários «por um tribunal civil cheio de garantias» (1).
Contuzzi, após haver affirmado que, proclamada a lei marcial, o
effeito immediato d'ella é que a auctoridade militar fica investida de
um poder absoluto de apreciação quanto ao restabelecimento da
paz e da boa ordem, chega-se á boa orientação quando escreve
:
—«consideradas no seu complexo, as leis inglezas, deduz-se que o
regimen excepcional porellas creado offerece este característico:
mantém o caracter de uma dictadura civil e não assume a feição
de uma dictadura militar; as leis de excepção o sempre confiadas
ás mãos de funecionarios civis NÃO HAVENDO EXEMPLO DE UMA
JCRISD1CÇÃ0 MILITAR FONCCIONANDO fiOS PROCESSOS CONTRA INDI-
DUOS NÃO MILITARES» (2).
o diverge o reparo d'outro monographista : o se pôde
offerecer uma formula constante e uniforme de todos os actos com
os quaes a Inglaterra tem decretado o regimen das medidas anor-
maes. Em nero, de-se, porém, avançar que não é essencial a
substituição da auetoridade civil pela militar: «a suspensão do ha-
beas-corpus quasi sempre não implica a regra de que os magistra-
dos civis cessem de funecionar ; o-lhes ampliados os poderes».
E, para testemunho, basta o exemplo da Irlanda. Volumes
poder-se-iam escrever acerca das relações da Irlanda com a In
glaterra. O numero de vezes que as garantias constitucionaes se
suspenderam ali, serve para se bitolar o valor das lutas emprehen-
didas. Consignemos algumas datas: 1602, 1802 a 180!;, 1807 a
1810, 1814, 1832 a 1824, 1848 e 1849, 1856, 1860, 1866 a 1869,
1870, 1871, 1881, 1882, etc. "*j
Pois bem: a special commission court creada naquellas occa-
ses tremendas, para o julgamento de vários crimes como traão,
assassínio, incêndio, etc, compunha-se de três juizes da corte su~
prema da judicatura de Irlanda e de suas sentenças se permittia
appellão para uma corte especial composta de 5 membros, no
nimo, egualraente retirados da dita corte suprema de judicatura
da Irlanda. A special commission court, de resto, não poderia jul-
(.1) REINACH, De 1'élat de liige, na/feu. de Jurisprudência, 111, pag. 81. (3)
CONTBZZI, Deito Stato d'Assedio cit., pag. 3S.
' i
;
gar um réo accusado de um crime eujo conhecimento não cou-
besse á magistratura ordinária da mesma Irlanda.
IV.— A Áustria segundo a legislação de 1873.
Conforme ot textos do código de inslrucção criminal de 1873
não se conhecem tribunaes extraordinários no sentido de serem
creados em occasiôes anormaes, para o julgamento de determina-
dos crimes. O código admitte, ao em vez disso, um processo mais
rigoroso e expedito, perante as cortes de primeira instancia que
podem ser convocadas a julgar até os crimes da competência do
jury. O governador da província, de accórdo com o presidente da
corte de segunda instancia e o procurador do Estado, deliberam a
respeito dos expedientes anormaes quando as circumstancias o exi-
girem, tornando publicas as deliberações tomadas e fazendo scien-
les, delias, as auctoridadescivis e militares. Transfere-se, então, o
julgamento para os tribunaes de primeira .Instancia que decidem
sem appelloçSo e com caracter de faro excepcional quanto a deter-
minados crimes (1).
Os tribunaes estabelecer-se-ão em todos os sítios nos quaes
forem permittidas as medidas extraordinárias de represo, ficando
obrigados a participar sua installação á auetoridade administra-
tiva. Serão competente» para julgar pessòas subordinada» á juris-
\dicção militar e as auctoridades militares deverão entregar os
réus em laes condições aos tribunaes de excepção, mediante re-
quisição.
V,.—- A Fm nu At lei* M>bre u silio A Cassão rui IM1 A Iri de !• d,
1
AK<»IU de
1,849. A lei llanlour. Dafiare c pedra atipulai da vruterrtu republMam*.
Conselhos de guerra c ptiuno*. -
Do grupo sympaLhico á dictadurn militar, sobresahe a
França. Estudando a orientação militarista dVsla, em
épocas de luta, esta uma cohorte respeitável de juristas cujos
ensinamentos para aqui transladaremos.
Hegulam a matéria a lei 10 de Julho de 1701, de V de Agosto
de 1849 e de 3 de Abril de 1878. A segunda é, especialmente,
aquclla que mais nos interessa-
Autos da revolução de 8Í', não existia lei relativa ao silio e
somente em 10 de Julho de 1791, a Assemblèa Constituinte votou
a primeira lei, relativa á conservação e classificarão das praças de
I BWOÍO, htUusmHi «V ItérílU ilUihtre, eM.. BM. Ml
7
183
guerra, e cujos dispositivos, aluis, o se referiam a nenhuma
outra parte do território francei que não as ditas praças. No seu
art. 10 lô-se:— « Dans les placa de guerre et postes tnilitaires,
lorsque ecs places et postes seront en état de siège toute 1'autori
dont les ofíiciers civils sont revêtus par la constitution, pour le
maintien de 1'ordre et de la police intérieurs, passera au com-
mandant militairc, qui 1'excrcera exclusivcmenl sons sa responsa-'
bilité penonelle ».
Surgem, mais tarde, as dificuldades oriundas da guerra civil
e o governo sentio necessidade de ler «mão forte pira oppôr effl-
caz resistência a todos os elementos que atacavam, em vários pon-
tos, o Estado». D'ahi a lei do 10 Fructidor do anno V, seguindo-
Ise a lei de 10 Fructidor do anno V, a Constituição do anno VIII e
o decreto imperial de 24 de Dezembro de 1811, onde se definem,
com mais rigorosa precisão, o estado de paz, o estado de guerra
e o estado de sitio.
Sob o aspecto da repressão militar, emquanto a lei de 10 de
Julho de 1791 mantinha o mais absoluto silencio acerca das júris-'
dicções marciaes « e, pois, conservava intacta a jurisdicção ordi-
nária », o decreto de 21 de Dezembro de 1811
ordenava a substituição dos tribunaes ordinários
pelos militares. Nesse ínterim, alei 1830, o estado de sitio continuou
a ser empregado sob os 100 dias, sob os Bourbons, como
faculdade inherente ao executivo emquanto em 1829, ao se
discutir na Camados Pares o projecto do código penal militar,
propunha-se a inserção, na lei, de uma dis-(incç.ão entre «ido
politico e militar, mitigados, naquelle, os eflfei— tos próprios do
assedio militar. A. proposta foi rejeitada.
Sem atiendermos ás reformas respeitantes a este assumpto do
sitio, sem nos determos com a constituição de 1830, insistimos
num ponto de capital relencia: a ordenança do rei Luiz Felippe
que declarou o sitio em varias communas (Junho de 1832) exten-
dendo-o mais tarde a outras, aos departamentos do Loire, da Ven-
déa, etc, e emflm decretando-o para a cidade de Paris em"7 de
Junho de 1832.
A corte de appcllação de Paris reunida no mesmo dia, afim de
deliberar acerca da proposta de um de seus membros, consistente
em avocar a si a instrucção relativa aos crimes praticados nos dias
5 e 6, reconheceo que todos seus poderes se haviam passado para
as auetoridades militares, em execução às leis de 10 de Julho de
11791, 10 do Fructidor do anno V e do decreto de 24 de Dezembro
de 1811.
2
18-1
Não obstante, os indivíduos accusados poi crimes e delidos
praticados nos dias 5 e 6 e condem na dos por conselhos de guerra,
recorreram para a Cassação por motivos de incompetência dos
ditos conselhos de guerra e de excesso de poder.
Foi memorável, escreve um monographista, o debate desen-
rolado ante a corte suprema. A Cassação lirmou, então, que nem
a carta constitucional, nem qualquer lei posterior se tinha occa-
pado com as leis e com os decretos concernentes ao sitio, « re-
conhecendo que os arts 49, 53, 54 e 56 da Carta eram inconciliá-
veis com o art. d03 do decreto de 18-11, o qual submeilia paizanos
á jurisdicção militar no período do sitio». A Carta havia annul-
lado esse art. 103 e, pois, de accôrdo com isso, a Cassação an-
nullou os processos levados a termo ante os conselhos de guerra:
— os cidadãos deviam ser julgados por seus juizes naturaes.
Renovada essa «jurisprudência salutar » em 30 de Junho de
1832 e 7 de Julho do mesmo anno, depressa foi derribada. Em-
bora a Constituição de 48 repetisse que ninguém poderia ser re-
tirado de seus juizes naturaes, a Cassação decidio em sentido
opposlo ao mencionado. De modo que, se duvidas existiam acerca
da ampliação da jurisdicção militar a meros pai/anos, taes duvidas
desapparceram cora a lei que ainda regula os effeitos da procla-
mação do estado de sitio : a lei de 9 de Agosto de 1849.
Explicitamente, essa lei transferiu a jurisdicção ordinária
para as auctoridades militares qualquer que fosse a qualidade dos
auctores ou cúmplices, em certos crimes :
H Art. 7.— Aussitôt iétat de siège declare, les pouvoirs dont
1'autorité civilc êtait revâtue, pour le maintien de 1'ordre et de
la police, passcnt tout entiers à 1'autorité militaire.
L'autorUé civilc continue néanmoins â exercer ceux de cts
pouvoirs dont 1'autorité militaire ne ia pas dessaisic.
Art. 8.— Les tribunaux militaires peuvent étre saisis de ta
connaissance des crimes et délits contre la súrelé de la Republi-
que, conlre la Gonslitution, contre iorâre et la paix publique,
quelle que soil la qualité des auteurs principaux et des compliccs.
Depois da mencionada lei de 49 que conslituio « a lei orgâ-
nica sobre a matéria » e através das transformações politicas que
o de 1849 a 1875, nada foi alterado quanto ao sitio e aos seus
effeitos. Inquiria-se, no emtanto, e punha-se mesmo em duvida, se
estes effeitos permaneciam aquelles da lei de 49, quando em 17 de
Abril de 1871, Adolpho Tbiers apresentava, ã Assembléa, um
projecto de lei auctorizando o chefe do executivo a declarar o
185
sitio nos departamentos (Diferente!} d'aquelle em que ella tinha sua
sede, com obrigação de dar contas d'isso ao corpo legislativo. A.
Assembléa votou então, a lei de 28 de Abril de 1871. Operada,
mais tarde, a reforma constitucional de 1875, o era mais per-
mittido duvidar que os effeitos do sitio se regulassem pela lei de
49. Lutas politicas, porém, desmentindo as previsões que augu-
ravam para a França uma era de paz, irromperam de novo com vi-
gor desuzado (1877). Foi eno que surgiu o projecto Bardoux.
Apresentado em 20 de Novembi o de 1877, apoiado pelo Ministério
para cujo seio fora chamado seu propugn.idor, dez dias as a
apresentação, o projecto tornou-se em lei no dia 4 de Abril de
1877, sob o nome de—lei Bardoux. As rircumstancias parlamen-
tares que rodearam a apparição da lei fazem crer, diz um estu-
dioso da matéria, que ella não quiz abrogar e sim dar força á lei
de 1849. Com effeito, as disposições desta lei ficaram regulando
os effeitos do sitio; e a transferencia, que se effeca, de poderes
para as auetoridades militares o se diz obrigaria, mas
'facultativa, quanto ao julgamento de indivíduos não pertencentes
ás classes armadas.
Contra tal reduão nas attribuições do magistrado ordinário,
levantaram-se protestos na própria Fraa. O defensor da idéa, o
ministro Dufaure, a quem se deve a lei de 49, considerava a appli-
cação da competência militar aos delictos civis no sitio, o ponto
central da reforma. No emtanto, com a mesma lei republicana de
9 de de Agosto de 1849 « Luiz Napoleão, dissolvido violentamente
o corpo legislativo, fez o império, amontoando, em poucos mezes,
na faina das commises mixtas, quarenta mil condemnações. D'es-
t'arte a idéa preconisada por Dufaure como a pedra angular da
protecção republicana veio a servir commodamente de pedra an-
gular ao despotismo imperial». E Alberto Grévy exclamava: << De
uma lei de salvação publica, excepcional e temporária, fizeram meio
de governo normal e permanente: o é para a defeza da tria
em perigo, mas para commodidade da administração, que func-
ciona a lei marcial» (1).
A Cassão, em vários turnos, pronunciou-se egualmente a
respeito da lei arguida, reforçando os dizeres d'ella e afflrmando
que, á vista dos recursos interpostos por indivíduos colhidos por
conselhos de guerra em praças sitiadas, não era necessário, para
o estabelecimento da competência militar, que se tivesse declarado
1,1)
Jtapporl
à VAaiemblée.
10 de Onzcmbro de 1875. na
Rev. de
/urirant-
Jeiíeía, cil., III, pag.
83.
1H6
de maneira geral a substituição dos tribunacs ordinários pelos mi-
litares : bastava que o commandanle da praça investisse, o conselho
de guerra, do conhecimento dos factos delictuosos que elle julgasse
dever entregar ás cortes de excepção. Assim foram as sentenças
dos casos Gauthier e outros em 1850, Laborthe em Í870, Ferre e
outros em 1871. A questão assumio, porém, feição mais radical no
caso Thouveron.
Paris achava-se em sitio. Um certo Thouveron, levado pe-
rante o 16° conselho de guerra permanente da primeira divisão mi-
litar era accusado: I
o
de ter tomado parte num movimento insur-
reccional, servindo-se para tanto de armas e insígnias militares;
2
o
de ter praticado em Paris, um homicídio na pessoa de um tal
Faisant. Condemnado, recorreu para a Cassação, argumentando
que, entre outras razões, não sendo, elle, nem militar, nem asseme-
lhado a militar, o conselho de guerra era incompetente para tomar
conhecimento do crime de homicídio, crime commum não previsto
nas disposições restrictas do art. 8
o
da lei de 1849.
A Cassão rejeitou o recurso, opinando que o art. 8
o
men-
cionado tranferio o crime de insurreição para a
jurisdicção militar e com identidade de rao, os crimes
communs que tivessem relação com aquelle, tanto mais que
resultava da analyse do caso, que o crime de homicidio se ligava ao
facto insurrecional porcircumstancias de tempo e lugar, sem que
surgissem motivos capazes de os isolar.
Tal ampliação desabusada da dictadura recebeo fortunada-'
mente restricções da própria Cassação, mormente na causa RoUin.
Itulliii era um mero paizano quando foi preso pelo comman-
dante Meyere não entregue ás auetoridades civis de Langres, então
sob a lei do sitio. Era accusado de ter inconvenientemente certa
troca de palavras com um official do exercito no hospital d'aquella
cidade. Apezar de vivas, as palavras nada offereciam de inju-
riosas, e não obstante não ser militar, nem assemelhado a militar,
foi encarcerado durante quinze dias, sem interrogatório. O tribunal
civil de Langres, a corte de appellação de Dijon e a Cassão (1872)
julgaram illegal o encarceramento e arbitrário o procedimento do
commandante Meyer.
De resto, Vaublanc havia pronunciado: -Que devient la li-
berte en France si le Direcloire a la faculte de traduire tout cy-toyen
devant un conscil de guerre t (1)
(I) ANGELO MCRATOM-TORQIMTO GMNNIXI, lo [Stalo d" Assedio ed i Tribuna-li
mtlilari (Ml., pag. 58.
0 projecto André-Monis a que nos temos referido, mantém para o sitio politico
a lei de 1849, permiltindo o recurso para a Cassação: Chambre des Deputei, leptii-n«
IfijisUiturc, teision da 1901.
08212325
187
VI.— A Itália. Ausência de uma legislação para o «tio. Os precedente» no direito ita-
liano e as jurisdicçôas militares. Génova (18*9). Sardegna (1832). Sifilia (1802).
Sicília e Lnnigiana (1894). A Cassaçiio.
Gémea coro a França, em assumptos de direito militar repres-
sivo em occasiões de luta, é a Itália.
o é que esta tenha uma lei reguladora dos effeilos do sitio
como a lei de 1840. Pelo contrario, os andores lamentam sempre
a ausência de uma regra precisa relativa a tal ponto, chegando
um d'elles a confessar que « quanto ao problema do estado de
sitio a Itália acha-se no numero dos paizes que se conservam
no mais absoluto silencio ». Mas 0 de se observar que o principio
da transferencia de jurisdicção em benefleio dos conselhos de
guerra, quando suspensas as garantias constitucionaes, é o
mesmo em ambos os paizes.
Os precedentes sobre a matéria, no território italiano, redu-
zem-se a quatro, conforme um monographista, e sem se Incluir o
caso de Palermo, em 1866 (1). São elles: o primeiro em 1849, em
Génova; o segundo em 1852 na Sardegna, o terceiro em 1862 na
Sicília e o quarto em 1894 na Sicília e na Lunigíana.
a) Após a batalha de Novara, em 1849, na qual foi derrotado o
exercito italiano pelas tropas austacas, tendo abdicado o rei Carlos
Alberto, suecedendo-lhe Victor Emanuel 2
o
, Génova tomou armas,
instigada por varias circumstancias. O povo, apoderando-se do pa-
lácio ducal, dos arsenaes, recebe o auxilio da guarda nacional e
prende o coinmandante da fortaleza. Constilue-se um triumvirato
composto do chefe do estado-maior da guarda nacional Avezan
do deputado Rela e do advogado Morchio. O governador De Asaria
cede ao populacho os fortes da cidade, aggravando-se cada vez
mais a situação desta. m Em tal emergência o governo nomêa,
em I
o
de Abril, o General l.a Marmota, com amplos poderes,
coramissario geral de Génova. A 3, decreta o estado de sitio
collocando todas as auetoridades] civis e militares sob a dependência
de La Mar mora. Investido dos poderes a elle confiados, o
commissarío baixava, no mesmo dia 3 de Abril, uma proclamação
contendo medidas extraordinárias, ordenando o bloqueio da cidade,
prohibindo a entrada ou sahida de qualquer pessoa sem licença da
auetoridade, etc. Em data de 12, entre varias medidas, outro
manifesto dispunha que os tribunaes,
1
D Convém esclarecer que o titio guerreiro vem regulado no código penal
militar.
1
188
juizes e magistrados ordinários continuassem a exercer suas
funcções, salvo no» crim contra a seguraa do Estado, nos de
porte e retenção alarmas, que poderiam ser julgados por con
selhos de guerra de accôrdo com as penas do código militar e, nos
casos nio previstos, com as penas do código commum. H
Levantado o estado de sitio em Julho de 1819, ficou o general
La Marmora autorizado ? reslabelecel-o se julgasse
conveniente, facto que foi causa de viva interpellação no
Parlamento.
b) Em principio de 1852, a ordem publica foi alterada na Sar-
degna. Não tendo as dissensões existentes, caracter politico, pois
queellas provinham de contínuos conflictos entre
cidadãos e o exercito, fortalecidos aquelles com
o apoio da guarda nacional, o governo julgou accertado decretar
medidas extraordinárias e o fez com a declaração do sitio em 29 de
Fevereiro de 1852 para a província de Sa
s
sari. Nomeado
commissario extraordinário, o general Durando, com poderes para
extender o estado de sitio a outras partes da ilha, baixou uma
proclamação contendo medidas de rigor. Prolrahido o sitio em 9 de
Abril á província de Tempio, foi levantado em Dezembro de 1852.
No Parlamento, a cuja annuencia o governo se dispensara de
attender, a decretação do sitio foi posta em duvida quanto á sua
existência constitucional. O deputado Ferraciú interpellou o go-
verno, sustentando que este lançara o do estado de sitio por
factos de Índole commum e sem ter lei que o autorizasse. Sulis
reallirmou a mesma cousa e contra as proposões de ambos os par-
lamentares, o deputado Hallazzi emprehendeo a defeza do governo,
na sessão de 18 de Março de 1852, orando que a auctoridade ju-
diciaria não fora posta « sob a dependência do commandante gera e
não foram os cidadãos subtrahidos á jurisdicção dos tribunaes
ordinários».
cj Acabára-se de proclamar-se a unificação da Itália com
Roma por capital. Dominante o ministério Rattazzi, Garibaldi, com
quem se pensava accordar o governo nascente, forma seu quartel
na Sicília, entrando em Calunia com o lemma « Roma ou morte ».
Foi eno que o Minisrio, mormente para mostrar á diplomacia eu-
roa que era contrario á intervenção relativa a Génova e a Roma,
decretou o sitio em 17 de Agosto de 1802, sendo o decreto somente
publicado a 21 do mesmo mez, para toda a Sicilia. Delegaram-se
amplos poderes ao general Cugia, dias depois' substituído por Ci-
aldini. Em data de 20, era o sitio extendido a todas as províncias
napolitanas e nomeado, o general La Marmora, commissario ex-
14
49
-18»-
traordinario com amplos poderes e reunindo sob sua dependência
«todasas auctoridades civis e militares».
No emtanto, nem da Sicilia, nem nas provindas napolitanas,
se alterou o funccionamento das justiça, « permanecendo intacta a
jurisdicção dos tribunaes ordinários ».
d) não aconteceo assim, no anno de 1894, na Sicilia e na
Lunigiana.
Nas proncias d'aquella ilha, decretou -se o estado de sitio por
causa dos tumultos relacionados com a associação chamada Fasei
dei Lavoralori (3 Janeiro de 1804). O general Morra de Lavriano,
nomeado commissario extraordirio, é investido de amplos po-
deres, postas sob sua immediata dependência as auctoridades civis
e militares. Crispi firmava a exposição que precedia o decreto,
mostrando como na Sicilia não bastavam os meios regulares de re-
pressão.
Morra dl Lavriano baixa uma proclamação decretando o estado de
guerra, pois a tanto equivalia mandar applicar aos criminosos os
arts. 246 a 251 do código militar italiano. Publicada tal
proclamação em Palermo, na manhã de 4, poucas hotas depois é
prezo o deputado fiiuffrida «em flagrante delici. Segue-se a pro-
clamação de 8 de Janeiro instituindo três tribunaes militares de
guerra em Palermo,Galtanisselia e Messlna, ao mesmo tempo que se
dava faculdade, aos commandantes das zonas e subzonas militares,
de accôrdo com o disposto no capitulo quarto do livro segundo do
código militar, para convocação de tribunaes militares extraordi-
nários quando julgassem necessários « para dar exemplo de imme-
diata repressã. E são textos importantes, os dos arts. 3e 4:—as
disposições, relativas ao tempo de guerra, dodigo penal militar
applicam-se a todas as pessoas estranhas á miliciu que commet-
lerem alguns dos crimes ahi mencionados, em occasião de tumulto ou
revolta, e o conhecimento de ta es infracções
pertence aos tribunaes de guerra e militares
extraordinários. Serão deferidos ao julgamento de taes tribunaes
os seguintes delidos previstos no código penal coramum:
favoreggiamento, instigação a delinquir, incitamento á guerra civil,
corpos armados e intimidarão publica. Na Lunigiana, devido á
propaganda socialista e anarchista nas províncias de Massa e
Carrara, rompeo um forte movimento revolucionário, sendo ahi
declarado o assedio e o general Heusch nomeado commissario
extraordinário com amplos poderes. As os do dito general
Acaram subordinadas, conforme a velha formula,
06
190
«todas as auctoridades civis e militares », empregando-se me-
didas de repressão idênticas ás da Sicília.
Foi nessa época que a Cassação italiana, tomando conheci-
mento dos casos Moliiiari e Gattiní, expedio a famosa sentença de|
19 de Março de 1894 na qual equiparou a situação da guerra á do
sitio para os effeitos da lei penal e estabeleceo a ampliação da ju-
risdicção militar a paizanos, tornando admissível, na hypotbese,
recurso das sentenças das cortes militares. A discussão em torno
do aresto foi vivíssima (l) mas venceu a doutrina militarista que
sustenta a «transferencia, para o foro militar excepcional, da juris-
dicção penal commum, em certa categoria de
delidos».
VII.— A Al lciiiíi iiliii. Slándrechl. A lei prussiana de 1851. Suas disposições acerca do
direito militar repressivo.
Conforme as varias leis que têm regulado a matéria na A-lle-
manha, um traço característico do sitio é a substituição, em certos
crimes, da jurisdião commum pela militar, mas sendo a compo-
sição dos conselhos de guerra temperada com elementos civis. H
não mencionamos o instituto da Standreeht que se reduzia a um
processo summario, decretado pelo generalíssimo do exercito
federal, em circumstancias graves, applicando-se, com assenti-
mento dos governos locaes, aos paizanos e de molu próprio em
território inimigo. Nem tampouco desejamos dizer acerca da lei
de 1848, segundo a qual se proclamou o estado de guerra no
grau ducado de Baden, com erecção de tribunaes mixtos,
compostos de ofliciaes e magistrados civis, e attribuição, conferida
tribunaes ordinários, para julgamento definitivo :lei que foi
seguida de outra, com data de 23 Setembro e de cujas ordens se
via que os réos deveriam ser julgados dentro de 24 horas perante
uma eom-missão mixta de seis membros.
Mais valiosa do que essas, é a lei a que se referem todos os
tratadistas, a lei prussiana de 1851 mandada vigorar pela Consti-
tuição Imperial Germânica de 1871.
Dentre os effeitos reconhecidos á mencionada lei es a amplia-
ção da jurisdicção militara indivíduos que não se incluem no nu-
mero dos que compõem as forças armadas. Decretado o sitio, fica
íl) Aiialysein-se, para prova: EMÍLIO ISIIUSA, Delia guivtisia penale ticcezio-
naltí í'l<\, rit. fi AlLKI.ll Ml'IHT"HI-T'>HUI'*TO íiMVMNI, Lo atito tftUSedio cd í tí'l'
\hunali mililari cil., Ambos estudos foram provocados pelos successos de lAni, rela-
tados acima.
96
86
-191-
facullativa a crcação dos conselhos de guerra ou iribunacs extra-
ordinários.
A composição dos tribunaes indicados obedece ao preceito de
se temperar o elemento fardado com a toga. Realiza-se com cisco
membros, dos quaes dous magistrados ordirios, designados
pelo presidente do tribunal civil e três officines do exercito com
graduão nunca inferior a capitão. Nas praças collocadas sob o
regimen do sitio guerreiro, faltando o juiz civil, substituil-o
um membro do conselho municipal e, na falta, um auditor civil.
O presidente é sempre um juiz togado e não ha recursos, a não ser
no caso de condemnação capital, hypothese em que se faz precisa
audiência do general em chefe.
A creação do systema allemão ao qual allude, egualmente, o
código de organização judiciaria germânica não se priva do auxi-
lio das mais reputadas auetoridades. Eis aqui, a titulo de amostra,
a opinião de Bluntschili retirada a um expositor do assumpto :—
«Em tempo de guerra, ou de sedição, a creação de conselhos de
guerra pôde ser uma necessidade para os destinos do Estado; e
os; tribunaes militares, como quaesquer outros
tribunaes exce-pcionaes, são autorizados a punir
as violações â ordem estabelecida, que não seriam pasveis de
castigo nos tempos normaes ou que o seriam com menor
gravidade »,
VIII. li Braz.il c os tribunaes ilc excepção. A Constituição ale 21 de Fevereiro rc-lielle 3S
formulas fraurezn e iluliunu. Os liouiiriílios jurídicos. A Republica. | Tentativas
para o enxerto da monstruoiiilade tios tribunaes militares de txcepruo cm nosso
organismo judiciário.
Abstraiamos, por amor de brevidade, de esboçar outros regi-
mens legislativos. Deixemos os paizes restantes que conservam
certa feão interessante quanto aos etfeitos do sitio, e finalizemos
o capitulo decimo com o direito brazileiro.
Entre s, quaes os effeitos do sitio na parte relativa aos tri-
bunaes militares ?
Digamos algumas palavras jure condito.
O principio que prega a ampliação da judicatura militar ea
creação de tribunaes de guerra extraordinários julgando paizanos,
ailenta contra o texto claro da Constituição. O juiz do cidadão é o
magistrado, ordinário que lhe o de ser retirado de forma al-
guma. Eis a lheoria accorde com o systeniu que nos rege.
A Carta de 24 de Fevereiro é terminante. Gircumscreve os
effeitos do sitio a duas medidas policiaes, o permittindo que o
Executivo venha a inflingir penas e preceituando que os meios
5
192
lie repressão contra as pessoas se resumem na detenção em lugar
não destinado aos criminosos communs e no desterro para outros
pontos do território nacional (art. 80). E' só. Durante a vigência do
sitio os conselhos de guerra tem jurisdicção, como na paz, sobre
as pessoas pertencentes ás classes armadas. Tribunaes militares,
commissões militares, como têm a França, a Itália, não se poderiam
erigir aqui, no Brazil, nem tampouco seria licito depositar o
governo de uma região convulsionada nas mãos de auetorída-des
militares « com plenos poderes ».
«Destes specimens » escreve um jurista «desde a suspensão
de todas as garantias, menos as que respeitam á vida, até á simples
interdicção do habeas-corpus, nossa Constituição adoptou o da
suspensão de quaesquer d Vilas, com tanto que, com relação ás
pessoas, a auetoridade apenas uze da detenção ou desterro para
algum ponto do território nacional». Eis o parecer do Sr. Barba
lho (i), apóz haver, o jurisperito brazileiro, examinado suecessi-
vamente alguns regimens alienígenas, d'entre os quaes os da
França e Prússia.
Com elle esa lição do Sr. Ruy Barboza, mais erudita e mais
brilhante, e na qual se reinvindica o principio de que as medidas
aconselhadas no regimen do sitio, se restringem a expedientes
meramente policiaes.
« Não tem por objecto, o estado de sitio, corrigir crimes, sub-
mettendo os criminosos á saneção penal, matéria reservada sempre
á intervenção da justiça, mas simplesmente aceudir com o remédio
mais prompto a certas situações excepcionaes, a certas commoções
de singular gravidade na ordem publica, mediante a attribuição,
outorgada ao poder executivo, de remover, emquanto dure o pe-
rigo, da área territorial por ella ameaçada, ou privar da acção di-
recta sobre ella, os individuos cuja presença ou influencia o de-
termine» (2).
A lição do Sr. Lafayette:
« Pode o governo de uma nação nos casos de revolta, revolu-
ção ou insurreição, proclamar a lei marcial ? E' uma questão de
Direito Constitucional. Attentos os c liei los da proclamação da lei
marcial, é evidente que nenhum governo poderá fazer uzo de uma
medida tão grave e extraordinária para obstar movimentos políti-
cos internos, a não se achar expressamente investido por lei de
(1) JO BARBAI.RO. ConttituiçSo Federal Brasileira, til., pag. 121.
(i) Rvv BARBOZA. na Revista de Jurisprudência, 111. pag. 24.
193
poder para fazel-o. Não se deve confundir com o direito de pro-
clamar a lei marcial, a faculdade de suspender as leis fundamen-
taes, faculdade que algumas nações conferem ao poder executivo
e ao legislativo, de suspender as garantias eonstitudonaes. A sus-
pensão de garantias sú traz como effeitos a suspensão das leis que
protegem a liberdade e direitos individuaes, como o a do habeas-
corpu» e as que não permittem a prisão senão mediante certas for-
malidades, mas não induz, como a lei marcial, substituição de
tribunaes e leis civis, por tribunaes e leis militares. Assim que os
individuo* recolhidos ás pries ou desterrados por motivo de re-
bellião ou revolução, silo opportunamente processados e julgados
pela jurisdicção civil e segundo o código criminal, isto é, segundo
a lei penal commum. Sabir destas linhas e submettel-os, sem dis-
posição de lei expressa constitucional, aos tribunaes e leis
militares, é um procedimento que só poderão ter déspotas
medíocres, ignorantes e insanos» (1).
E, mais, o ensino do Sr. Campos Salles: .
« O estado de sitio não é interregno constitucional, disse-o,
no senado—a 9 de Julho de 1894—um dos membros do Governo]
Provisório,- o senador Campos Salles. Pelo contrario, o estado de
sitio restringe a acção do poder executivo ás medidas especifica-
das na própria Constituição; porque, mesmo na constância de
sitio, todos os poderes da Republica continuam a fnnecionar re-
gularmente, cada um na esphera de sua competência, cada um
julgando os objectos que recahem sob sua jurisdicção.
« E mais adiante acerescentou: uma vez estabelecida expres-
samente a organização do poder judiciário com a designação de
todos os seus órgãos, não se pôde, sem ferir á Constituição na
sua parte orgânica, que ê a parte mais importante, estabelecer
tribunaes militares especiaes.
u A Constituirão o permitte, pois, tribunaes marciaes, por-
que estabelece o caso único em que os crimes podem ser julgados
pelos tribunaes militares; isto é, sempre que o facto se revele por
esta face dupla : que tenha sido praticado por militar e tenha a
natureza de delicio militar.
« Fora d isto (são palavras textuaes), cahem na competência
commum» (2).
O informe do pranteado Carlos de Carvalho :
« Nem os antecedentes históricos do Brazil, nem a doutrina]
(t) IJAFAYETTK, Principio» de Direito Internacional til., II, pafi. 140, nota S. (2)
MILTON. A Constituição do Brasil, eit.. pag. 150,
48
194
do estado de sitio nas republicas americanas, suffraga a possibi-
lidade de estabelecer, por effeito da suspensão de garantias, tribu-
naes especiaes ou de commissão, para o julgamento de crimes de
qualquer espécie, communs, políticos ou militares.
« 0 estado de sitio, fictício, civil ou politico, é uma providen-
cia de alta policia nacional, na feliz expressão da lei n. 90 de
1888 da Republica da Colômbia e a creação de jurisdicção ex-
traordinária, pensa com razão E. Brasa, o é acto de
policia; incide na apreciação da auctoridade judiciaria,
órgão também da soberania nacional» (1).
E a traducção de José Hygino, resaltando a noção do sitio,
no direito allemão, confessou que ella redunda em dictadura mi-
litar, bem diversamente que a nossa suspensão de garantias (2).
Bem certo é que se poderia ennumerar nessa «suspensão de
garantias» do direito brazileiro a restricçâo da jurisdição criminal
commum. A objeão o procede porque o texto legal é im-
perativo- e imperativa a orientação constitucional acceita em
nosso mechanismo constitucional. Diz-se, noemtanto, em replica,
que o texto italiano veda expressamente a creação de tribunaes
extraordinários e que estes tribunaes erguem-se, ao contrario
disto, justiçando até civis.
E' exacto o reparo. Mas contra a violação flagrante da Carta
italiana clama a voz de juristas autorizados. E, perguntamos, ser-
nos-á permittido invocar, na defeza de uma franquia consti-
tucional, a violação mais estupenda d'essa franquia noutros
paizes?
Noutros paizes? Não: egualmente no direito brazileiro se
m calcado aos pés os bons ensinamentos. No Brasil monarchico
e no Brasil republicano tem-se procurado repudiar a pureza da
regra salutar, dando-se ensanchas ao arbitrio dos Conselhos de
Guerra.
Lance-se a pesquiza até as épocas do primeiro reinado, onde,
apezar da disposição expressa da Constituição de 1824, crearam-
se commissões militares em grande numero, sob os mais fúteis
pretextos, atirando-se o paiz nos braços das dictaduras fardadas,
e de tal maneira que contra ellas se levantou o protesto dos pró-
prios generaes. Instituídas foram as commissões militares:—em
24
_|(1) CARLOS DE CARVALHO, O estado de sitio e os tribunaes de exceão, na
fíevisla de Jurisprudência, II, pag. (57.
(i) FHANZ VOS LISZT, Direito Penal Allemão, Ira d. JOSÉ IIVCI.NO, 1, nola a t
pag. 181.
4
- «95 —
Pernambuco (26 de Julho de 1824) para julgamento summarissimo
e verbaos compromettidos na revolução; na Bahia (16 de Novem-
bro de 1824) para julgamento breve e summario dos assassinos
do governador das armas e dos cabeças da revolta de 25 £de Ou-
tubro; na província Gisplatina (19 de Maio de 1825) para julga-
mento breve, verbal e summario dos réos convencidos de rebel-
dia; no Rio Grande do Sul (19 de Maio de 1825); em Pernambuco
(27 de Fevereiro de 1829), ate, etc..
Sob a formula de julgamento breve, verbal e summarissimo,
essas commissões deixaram paginas inapagaveis de sangue e
terror : na revolução de 1824 foram quatorze as víctimas da
espada vingadora. Num livro que guardamos sob as vistas estam-
da-se o quadro negro d'essa época. Para elle endereçamos os
curiosos (1).
Um general dirigio-se ao governo affirmando-lhe parecer
mais conforme o systema constitucional que todos os que se
achassem incluídos no crime de rebellião fossem julgados por
Mbunaes de justiça. Confessara que a acceleração da repressão
militar dera em resultado a condemnação de innocentes.Pois
bem: o governo não se incommodou com tantos homidios
jurídicos (2), elle que, na Bahia, por motivo do assassinato do go-
vernador das armas, fuzilara summãriamente quatro dos sediciosos
por meio de uma commissão militar. Costume moderno, escre-via-
se, é o de se erigirem tribunaes militares para a repressão dos
crimes de Estado...
O repudio que provocou esse costume foi, no emtanto, digno
e solemne. Os presidentes das commissões militares de Pernam-
buco e Ceará rogavam «clemência e execução dos preceitos con-
stilucionaes». As «monstruosidades jurídicas e constitucionais
chamadas commissões militares» deram entrada no Parlamento
para receberem a mais formal reprovão. Custodio Dias pergun-
tava, a 20 de Maio dei 82ò, se existia ainda alguma commissão
militar d'onde «tem resultado um gravame insupportavel para os
povo. Lino Coutinho encontrava em taes organismos «o melhor
meio de se acabar com os brazileiro assegurando que, creal-os,
importava «num ataque á Constituiçã. Cunha Mattos confessava
estar convencido de que «as commises militares não deviam du-
(1) Lura FRANCISCO DA VEIGA, O Primeiro Reinado estudado á luz da scieneia Rio, 1877,
rap. XI: «Commissões militares», (I) IBIDBN, pag, 139,
196
rar três dia. Dizia-se que ninguém podia ser julgado por um tribu-
nal desconhecido á lei, ou que nas commissões militares estava um
invento infernal, creado contra as leis, ou ainda que a liberdade e
a vida da família brazileira permaneciam á discrição de militares
bravos mas «alheios aos princípios de direito e muito mais alheios
á pratica de julgar». Em 1829, Bernardo de Vasconcellos alludia
á esperança que lhe haviam dado de que «jamais haveria semelhante
flagello no Brasil», emquanto rios parlamentares estygmati-
zavam «os tribunaes horrorosos» que «devastava as províncias
brazileiras. Denunciados foram, então, os ministros da guerra e
da justiça. Não venceu a causa dos que promoveram a denuncia
mas venceu theoricamenle a causa constitucionul, derrotada a
lógica dos tribunaes armados. E' preciso que se diga ama e muitas
vezes exclamava Lino Coutinho «e que se escreva com letras bem
grandes que não ha commissões militares senão cora infracção da
lei fundamental, que todas ellas foram e são nullas por direito
constitucional». Eo Sr. May, na sessão de 7 de Julho de 1824
fazia-se echo das palavras de Dommanget ante os juizes militares :
«Cidadãos ! Não vos reconheço como juizes, declino da vossa
compencia legal. Eu vos reconheço como bravos guerreiros,
que defendeis as liberdades da França, porém, de forma alguma vos
posso admittir come juizes próprios dos meus clientes. A
commissão militar não pôde formar juizes para julgar o cidadão
francez. E, quando o buril inapagavel da historia tiver de transmittir
á posteridade a vida de Luiz XVI, elle terá de traçara seguinte
verdade : — aquelle rei nunca creou commissão militar» (1).
Quizeram prolongar este braço armado da dictadura envolto
em farrapos de justiça, pela Republica a dentro, construindo-se
um regimen de liberdade sobre os alicerces de tyrannia. Quize-
ram erguer, na democracia de 83, a espada judicante, como su-
premo dispensador de ordens quando o Estado se abalado por
com moções intestinas. Os decretos do governo provisório, entre-
gando paizanos, réos de crimes políticos, aos conselhos de guerra,
as leis de 1894 pretendendo restaurar as prescripções, banidas,
da lei de 1851, não conseguiriam ver-se executados sem grave
offensa ao regimen nascente. «Admira haver alguém que ignore
competir privativamente á justiça ordinária federal, o processo e
(l) lNDEM,*ptg. 184.
197
julgamento dos crimes políticos e que affoine permittir a Consti-
tuição, a monstruosidade DOS TBIBUNAES DE EXCEPÇÃO (1).
Aquelles que querem, no regimen do sitio, arrancar ao juiz
ordinário suas attribuições, de maneira arbitraria e illegal, empa-
relhando a suspensão de garantias constitucionaes com a dicta-
dura dos conselhos de guerra, enxertando no nosso systema ju-
rídico, por um abuso intolerável, a formula franceza do assedio,
se hão de convencer da verdade fulgurante de taes palavras, ou-
vidas no Senado da Republica.
§ 3» — A REFORMA 1. —A
Reforma ua luta. O critério politico dictando sna acteilaçío.
Concluída a exposição do systema geral repressivo em occa-
sião de luta, temos que a autonomia militar judicante se realiza :
—por conselhos de guerra com jurisdicção sobre militares.
—por tribunaes militares extraordinários com jurisdicção
sobre civis.
Como vê, estão, nos dous itens, dous termos de uma
equação: a creação de conselhos fardados.
D'ahi a pergunta: procede uma tal creação ? lusto o systema
que institue a mencionada autonomia judicante militar nos períodos
de tumulto, sedição ou guerra *?
Não.
E a resposta jamais poderá ser outra.
Se juridicamente, como vimos na primeira parte deste livro, o
dualismo se acha condemnado; se, perante a sciencia do Direito,
em rigor, o é licito, crear juizes militares, ha um principio
capaz de pretender alicerçar a erecção de conselhos de guerra em
occasiôes de luta:—o principio politico.
e exclusivamente.
Ora, justamente esse mesmo principio politico é que indica
que a repressão nunca deve ser retirada dos magistrados ordiná-
rios. Comprehende-se que vingasse a doutrina opposta a esta e
que, portanto, vencesse a causa advogada pela orientação separa-
tista se, raivando a luta, a ordem alterada ou a victoria sobre o,
inimigo não podessem encontrar uma sanão perfeita senão com
o auxilio de corpos judicantes retirados das Aleiras dos batalhões.
(I) Apud CA RUM \IK r.AHVALiin,' O fitado tle .tfiiu * OÍ tritiunae* <te ereepçílo
fjl.,p«|. 155,
198
Sabe-se quanto essa hypothe é falsa: mude-se a legislação mo-
derna e substitua-se o juiz-soldado pelo verdadeiro juiz è não
serão menos brilhantes as victorias que uma nação leve sobre
outra, em guerra declarada, nem tampouco custará maia a se repor
a ordem convulsionada dentro do território de um Estado.
Collocada nestes termos, a questão não soflVe a menor con
testão. :
Porque, é mister ponderar, uma parte «Telia tem a solução sa-
tisfactoria que o unionismo assignala, defendida pela própria es-
cola conservadora. Referimo-nos á questão da autonomia militar
judicante applicada, no sitio, a paizanos, por meio de tribunacs
militares extraordinários, questão que, conforme se deprebende
da exposição deixada a traz, repellem, na sua forma positiva, as leis
de vários paizes, ajudadas e reforçadas pela lição de Mestres au-
lorizadissimos. Os argumentos de rios publicistas a tal respeito
são vibrantes e, a nosso juizo, não condemnam unicamente a
creação de tribuna es militares com alçada sobre os indivíduos
alheios ás classes armadas. Vão mais longe: condemnam a creação
desses mesmos tribunaes com alçada sobre os militares, isto é, con-
demnam a autonomia judicante militar na luta.
Preveni os auetores essa illação de suas doutrinas desinle-
grantes ? o o sabemos. Sabemos que a lógica dos factos conduz,
ás vezes, a resultados oppostos áquelles esperados...
Não será preciso dizer que, repellida a instituição de con-
selhos de guerra, na luta, com poderes sobre a pessoa do soldado,
liça ipso facto banida a prorogação de taes poderes até a pessoa
do cidadão. O reparo parece bastante procedente para merecer
qualquer demonstração. Eis, portanto, o motivo pelo qual não ali-
nhamos argumentos tendentes a comprovar a nossa repulsa á ju-
risdição militar dotada de attribuições repressivas respeitantes a
indivíduos não soldados.
II.— A segurança do Estado c o juiz civil. Miilermaicr e o infornio dos conselhos de
guerra. Os poderes da naçíía, acima das classes armadas.
Falemos do principio politico.
Elle o endossará a judicatura militar independente, porque
essa judicatura vae de encontro aos preceitos cardeaes de organi-
zação judiciaria.
Sabe-se que, em matéria de direito repressivo, é principio in-
199 >-
ôoncusso aquelle que ordena que, na auctoridade que julga (Jut-
\tiça) o pode estar reunida a auctoridade que collige as provas do
acto a se julgar (policia). A policia não se confundinunca com
a judicatura pois que as duas instituões separam-se por meio de
tros nitidos e perfeitos: deplorável seria a reunião de ambas numa
mão. Dispensamo-nos de demonstrar o valoi apodiliro d'essa
regra.
No entretanto, não ha maior negação d'ella do que na justiça
militar. Quem reúne, colhe as provas é a auctoridade militar, quem
decide sobre o seu valor, a auctoridade militar. E decide como ?
Se ainda o aresto dos acampamentos resumisse a falha enorme
que o manqueja nesse facto só, de si grave, não se abalariam
tanto os cânones da sciencia jurídica. Mas, a.verdade é que o juiz
soldado traz para o prerio a sombaa da guerra que o acompanha
la fora. «Não conho maior infortúnio» disse Mittermaier que o
Sr. Ruy Barboza transplantou para puro
vernáculo, «não conheço maior infortúnio
que o de ver juizes militares encarregados de sentencear
delinquentes poticos alheios ao exercito. E' uma parodia de
processo, uma mascarada de justiça. Não se deixa burlar por ella o
bom senso popular. Bem sente que não está em presença do direito,
mas de uma simulação do direito, que o se fez eleição de juizes
taes senão pela certeza de os encontrar dóceis instrumentos do
poder».
Deixou-se impressionar Mittermaier por uma consideraç&o
lateral do problema, aquella do criminoso politico alheio ao exer-
cito, quando devia falar do próprio pretório militar, sem indagar
se se trata de um militar ou de um paizano, de um crime politico
ou de um crime commum. Aqui, o defeito apontado de modo tão
escaldante pelo escriptor tedesco não pára dentro da área em que
elle o circumscreveo, não depende, para que exista, da qualidade do
criminoso, da natureza do acto. E' uma mancha que enodoa o
instituto todo da justiça guerreira, essa indicada de maneira tão
empolgante. Comforta acompanhar a Mittermaier nessa descida
sombria. «Esses homens, com que defrontaes no pretório, estiveram
corpo a corpo na retezia com os de que vão I ser juizes. Escaldam
ainda ao calor do combate, ainda os com-move os sacriticios de
bravos camaradas, ainda os exaspera a resisncia criminosa dos
insurgentes. Com o coração turgescente de ódio contra quantos, de
perto ou de longe, entraram em contacto eom uma insurreição
que tantos males desencadeou contra
D0C
— 200 —
elles e seus amigos, como admiltir que esses julgadores irritados
sejam bons julgadores ?» (1)
Juizes, então, os militares ? Mas em virtude de que princí-
pios? Só se são erigidos Lies porque mantenham na dextra a
espada ainda quente do combate. Eis ahi, porém, a maior de
quantas razões ha, capazes de os arredar da fúncção de julgar.
Nãoé Mittermaier, é a experiência de séculos que o testemu-
nha. Ao se crearem conselhos de guerra com jurisdicção sobre os
indivíduos da tropa ou fora dVlla desvirtua-se a funccão de uma
classe inteira, com detrimento das garantias individuaes, isto é,
daquillo que e instituido para o campo das manobras, para a ba-
talha, para a peleja, conslróe-se uma instituição judicante, um
tribunal, um fórum.
Deixae que, com a rudeza singela de quem escreve estas li-
nhas, se levante mais uma vez o protesto contra essa desvirtuarão
de boas regras, com esse vilipendio á lei civil. Quantos, homens
do Direito, se fazem-se no emtanto, auctores de alternados taesl Um
d'elles, um monographista,conta-se nesse numero. Para Majorana a
auctoridade armada lorna-se poder governativo, tem em mãos a
policia, dirige a administração civil, encarna o poder judiciário e
talvez mesmo o poder legislativo.
o palavras da brochura. Com ellas o mal assume proporções
mais pavorosas ainda do que as acima delineadas. O soldado não
fica juip unicamente, fica arbitro da situação politica de um Es-
tado. Senhor e dono. A maior latitude alcançará a omnipotência
dasdragonas? Julga, legisla, ordena.
Enunciar tal pensamento é medir-lhe a enormidade pavorosa.
Afortunadamente, attenua-lhe a aspereza, seu auctor. Mas, agora,
em face de uma affirmação tão desgraçada, de uma doutrina tão
malsinada, não se resume, a tarefa do jurista, em aparar, em deli-
mitar, senão em cortar por inteiro, reduzir, senão em conduzir as
funcções da casta armada a seus verdadeiros fins.
Para obra de saneamento de tal porte, jamais serão pequenos
os esforços humanos. Porque, do contrario, não haverá possibili-
dade de uma sciencia constitucional, as franquias individuaes de-
penderão dos correames. Durante a guerra, justamente quando se
(I) Na Revista de Jurisprudência, III, pag. 82. Aliás Estrada, Curso de De-
recho Const. apud CARLOS DE CARVALHO, O estado de sitio e os tribunaes de excep-
ção cit., pag. 158, confessará, sem rebuço, que «nm tribunal de exceão corresponde a
um estado mórbido da sociedade, e ê, porque outra cousa nãopáde ser, um instru-
mento de vingança'.
— 201-
faz mister maior lacto no manejo dos poderes da nação, è que
entrega a- direcção do Estado aos corpos do exercito? As classes
armadas criam-se sob a base da obediência : obediência que vae da
praça de pret ao mais alto general ou marechal. Acima d'estes,
porém, acima das mais graduadas patentes, enconlrara-se os po-
deres do Estado, o poder executivo, o poder judiciário. Para que
estes existam é necessário collocal-os acima dos exércitos: do
contrario, a anarchia. Como, então, nos dias de lutas, sob cujo
império essa ascendência se torna mais indispensável, abrir-se
mão d'ella e repoltrear-se no summo, no sólio do executivo, nos
humbraes do fórum, a figura retesada do homem de combate ?
E' forçoso insistir no quanto vae de infeliz, de condemnavel
nessas theorias militaristas que, a cada passo, se vêem pregadas.
« Poderes soberanos da constituição » disse Luigi Rossi quanto ao
direito italiano, « o somente o Rei e o Parlamento, e o poder mi-
litar liça subordinado em tudo ao primeiro pelo commando, e ao se-
gundo pela organização» (1). Ha de ficar subordinado egualmente
ao poder judiciário comm um, porquanto a ordem não se alcança uni-
camente quando o executivo, o legislativo impõem restricções aos
votos dos quartéis, e sim quando, ao lado d'elles, reside a potes-
tade do juiz sentenceando a criminalidade militar.
Habituados aos fogos de combate, rescendendo furores mar-|
ciaes, que garantias trazem á Justiça os conselhos de guerra?
Ao exercito e á armada o é licito possuir um foro criminal,
constitdo por militares, e/o principio de politica que procura
resguardar o Estado de abalos violentos, ensina uma cousa :
nas fileiras, o soldado, como nos tribunaes, o legista.
111.A desconfiança da lei pelas fardas-juizcs. A forca no exercitoe a forca na Jus-
tiça. Sentenças enrodilhadas de talins.
Objecta-se.
Lavrando terrível a luta, o Estado procura atlingir um
termo:—a salvão da ordem pela sutfocação da desordem, a vi*
ctoria nacional pela derrota do estrangeiro inimigo.
A' arguão se deu resposta atraz: tal escopo o Estado al-
cança egualmente, e com menos sacricios legaes, se confiar a re-
pressão criminal ao magistrado.
(1) LUIGI Rossi, Cimmunità dei deputati in tè e nella tua applieasiont ai militari ia
tempo di guerra, «Archivio Cioridico,* 58, pag. 251.
-202 —
Porque o*? A lição de mestres, ;i lição da pratica, em al-
guns momentos, autorizaram, com um fulgor incomparável, a
nossa aflirmativa.
Em primeiro lugar, parallelamente ao estatuído na paz, nota-se
na guerra (qualquer que seja: civil ou internacional) certa descon-
fiança pela repressão militar, com tendências pronunciadas para o
enxerto, nos conselhos fardados judicantes, de elementos civil. A
exposição que fizemos comprova-o. E' sufliciente relel-a. Querem
tal enxerto opiniões insuspeitas ao dualismo. Querem-no também,
ou quizeram-no, vários paizes. A Áustria, na vigência da lei 1873,
andou galhardamente, sob tal respeito: para as occasiões anormaes
preceituou uma repressão civil, comprebcnsiva de militares e pai-
zanos. este exemplo satisfaz. Depois d'elle não carecemos re-
buscar outros mais, em paizes onde a lei marcial oflerece uma Ín-
dole civil, ampliada a competência dos magistrados ordinários, ou
nos quaes, para o regimen do sitio, não se faculta a ereão de tri-
bnnaes de excepção. A acceitação do elemento civil nos conselhos
de guerra, ao tumultuar da sedição ou da guerra verdadeira, de-
nota que a lei descrê das fardas-juizes, procurando temperar-
Ihes a acção com parcellas da magistratura ordinária.
A autonomia cega da lei militar simula não comprehender
assim. Tanto peior para ella.
Em segundo logar, se o exercito, devendo lutar contra a força,
deve, conforme a expressão de um escriptor (1), ostentar o máximo
de força, esse máximo de força comprehende-se existente na sua
organização technica, guerreira, esse máximo de força deve ser
empregado em vencer o adversário e não em mandar para a en-
xovia ou para o fuzil dez ou vinte condemnados militares. A com-
posição, o organismo technico das fileiras de maneira alguma se
confunde com a composição, o organismo repressivo das mesmas
fileiras. São dous phenomenos distinclos. O primeiro caberá a
quem faz profiso de combate. O segundo a quem faz profissão de
legista.
E valemos, neste ponto, das expressões da lógica adversaria.
Valemo-nos, é útil lembrar, em face da lei escripta, poisque se se
quer argumentar, agora, com a interpretação do julgamento pelo
tambor, recordamos nosso aviso:—a situão de facto que fuzila
em 2 horas será objecto do capitulo seguinte.
(I) PABI LANE, la Justice par VE'lat, 1899, Paris, cap. V.
I— 20S —
Falamos, pois, com a norma jurídica sob os olhos. Qual o es-
pectáculo observado? Apanhemol-o, ás bitas, das paginas de uma
brochura.
Qual o critério que fundamenta uma extensão maior e mais
grave, nos poderes de repressão empregados nas occasiões ex-
tremas? O de repellir a invasão, de abafar a insurreição. Por-
tanto, deve a auctoridade munir-se de meios que a habilitem a al-
cançar este tira. Mas, taes meios reduzem-se a providencias de
simples policia. Commeltido um homicídio ou uma deserção,
quando as forças estão mobilisadas, qual a medida immediata, cé-
lere, prompta ? A prisão do o. . O julgamento será confiado a
um juiz. Não ha razão em desejar que este juiz seja um profissio-
nal militar, porque o mal causado á tropa, pela infracção, recebeo
a sanão aos olhos dos pelotões:—o réo foi capturado. Quando se
sahe do campo das medidas policiaes e começa-se a tratar de attri-
buições judiciarias, observa um jurisperito—a auctoridade militar
deve ceder o posto à auctoridade ordinária, como se se tratasse de
situação normal. Desde que uma auctoridade procura sujeitar umi
individuo a um processo penal, este individuo acha-se na impos-
sibilidade de lutar contra o Estado.
Impossível fora collocar o thema de maneira mais clara do
que o fez Contuzzi (1). Embora o auctor italiano se circumscreva
ao Assedio, é sufficiente olhar as phases de luta num dado terri-
tório, para que não se permitia separar o réo paizano do réo mi-
litar. Ambas as classes de criminosos repellem, sob o aguilhão
dagica italiana, a autonomia judicante dos acampamentos.
Se ha, na acção contra movimentos sediciosos ou contra o cri-
minalidade de foas armadas em peleja com o inimigo, dous mo-
mentos distinctos; se, no primeiro momento, urge evitar o perigo,
com a prisão pida do indiciado; se, no segundo momento, este
perigo passou, seguindo, o processo, sua marcha normal:—para
que a parodia de justiça, para que juizes d'espada? Justamente
porque se encontra preso, o réo está fora de combate, ensina-se
com rao. D'elle, de sua parte, que perigo advirá á segurança, á in-
tegridade nacional ? Nenhum. Réo, e réo entregue a juizo, será
julgado com as formalidades processuaes.
Uma de duas:—era occases graves ou se faz ou não se faz
Justiça. Se se faz, para que não distribuil-a como deve ser distri-
(1) CONTUIM, Dello slalo d'assedio cit.,'{Mg. 81.
— 204
buída, regularmente, legalmente? Se não se faz para que a masca-
rada de conselhos de guerra ?
NAo procede, portanto, a excusa da tcyuranca das classes ar.
madas, a excusa da tegurançã nacional, a excusa da rapidez nos
julgamentos, quando se têm em mira retirar os soldados das maus
dos verdadeiros magistrados para serem entregues ájurisdicção
absurda dos conselhos de guerra (1).
Esta jurisdicção está condem nada na luta, como esta condem-
nada na paz. E" uma monstruosidade com a qual jamais fará causa
lommiim a intuição verdadeira do Direito, aquella que não se
deixa burlar pela dialéctica ma gesta tica das carabinas.
De sob o bater sonoro d'esporas se ha de elevar sempre a pro-
testão solemne da Justa, toda a vez que se quiser dictar um pu-
nhado de sentenças enrodilhadas de talins...
(1) Mais uma vez consignamos: applicando-se, a esla segunda parte do livro, a
matéria propriamente
jurídica,
da
primeira
parte,
poderia
alteral-a
a consideração
politica
consubstanciada na segurança e independência ao Estado E vimos <|uc tal con-
sideração nao favorece ao dualismo.
C-3A
CAPITULO X
A autonomia judicante militar na luta e a
«situação de facto»
1.— A «situação de Tacto» equivalente á verdadeira lei marcial. As emergências extre-
mas. Terririos occapados militarmente. Praças assediadas. Como o Direito se in-
filtra em circumstancias taes.
Poucas, breves palavras.
Não se cuida de examinar o direito constituído para se nor-
tear o direito a constituir-se. Trata-se de crear uma norma ju-
rídica onde não existe seo uma «situão de facto» caracterisada
peia ausência completa de libra legal. Não se combate neste ca-
pitulo pelo Direito contra a Lei, porque não ha Lei. Luta-se
para o triumpho de códices emergindo do arbitrário e do inde-
terminado.
A tal «situação de facto» correspondem prescripções abstra-
ctas que a sancção jurídica o desbastou, não depurou, não mo-
delou ainda. São as chamadas regras de Direito Internacional,
regras de direito de guerra, das quaes ainda não se apropriou a
legislação. Alguns querem denominar tal cousa —lei marcial. E'
0 único sentido verdadeiro d'esta expressão, a parte o euphemismo
estupendo que baptisa lei a ausência de qualquer partí
cula de lei.
Injuridicidade - - diamos de preferencia, embora clamasse
contra a inovão a pureza dos grammaticos porluguezes. Inju-
ridicidade, sim, porque ahi vae a technica precisa.
Injuridicidade, lei marcial ou situação de facto, encontra-
mol-a explicada quando se trata da auetoridade do commandante
de forças armadas em um território oceupado militarmente, ou
ainda quando o caso é de uma cidade, ou povoação, prestes a cahir
nas mãos do inimigo. Em qualquer das hypotheses, o supremo
1 mando cabe a um superior, geralmente militar de alta
patente, a
cujo nuto fuzilam-se indivíduos em duas horas. Lei suprema—aí
da salvação.
— 206 —
Acutilada uma praça de guerra por todos os lados, apertada
por um assedio rigoroso, convém que numa individualidade forte,
adequada no momento critico, estejam englobados todos os pode-
res e expedientes tendentes a tornar effectiva a segurança dos
sitiados. Essa individualidade é a indicada naturalmente-, é a do
do commandante supremo da guarnição guerreira, o supremo dis-
pensador de todas as ordens. Extra he sua auetoridade arbitraria e
illimitada das emergências, retira-a da necessidade: necessitas
constituii jus. Eis o facto, brutal, terrível.
Ha qualquer cousa de verídico nestas considerações apanha-
das aos auetores. Mas encontra-se ahi também a negão de muito
principio sadio e consolador. Queremos dizer: por mais rude, por
mais anti-juridica que se nos antolhe a situação de facto imagi-
nada, elln offerece sempre certa tendência para a legalidade, certa
propensão para o Direito, certa restricção ao arbítrio prenun-
cio infallivel de uma próxima e perfeita construão judica. Com
efleito, por mais extrema, por mais anormal que seja a posição de
um corpo armado, de uma localidadejacossada pelo inimigo, de um
território oceupado militarmente, póde-se bilolar a situação, a vida
do cidadão, pela vontade exclusiva de um general ou marechal?
Não haverá, por parte d'esta vontade—deveres a respeitar, obriga-
ções a cumprir, regras a venerar ?
lia. Responde-o a philosophia jurídica, responde-o o direito
internacional, responde-o a orientação doutrinaria pura, quando
se esforçam para cohibir os abusos sem freios das auetoridades
guerreiras. Sabe-se (e denominamos lei marcial a «situação de
facto» debuxada) sabe-se que, das duas tendências modernas
quanto ao instituto da lei marcial, aquella que reconhece na dita
lei «a vontade do chefe, sem outra limitação que as necessidades
de momento» vae, cada vez mais, levada de vencida por aquella
outra que pugna por aparar o arbítrio, a bruteza dos commandan-
tes d'armas com júri dicção sobre um território dado. Essa sympa-
thia que dia a dia mais se accentua, (irmã um principio salutar, e
esse principio é que, nas emergências mais extremas da guerra,
envidam-se sempre e sempre esforços prodigiosos no sentido de
se reconduzirem taes emergências á norma reguladora do Di-
reito.
Significa, o phenomeno vivificante, que a Justiça não dorme
numa ankilose absoluta. Movimenta-se, agita-se, subjuga a
guerra, muito de manso, ao seu império,—a guerra que se diz a
negação delia. Convence aos mais intransigentes, deitando um
207 freio possante ú
neceuidaâe, preceituando que o estado de guerra não suppôe o
desprestigio dos dices, não suppõe sempre a «necessidade de
medidas mais graves» (1), e que, quando a supponha, é-Ihe licito
coexistir coma lei. Enxerta, nos regimens actuaes, principios de
inatacável correcção, interessando-se pela manuteão, em locaes
occupados marcialmente, da lei do paiz, da praxe encontrada, do
direito existente, advogando o cerceamento ás attribuiçôes
absolutas dos generaes dictadores, substituindo essas attribuiçòes
por conselhos de guerra, etc. (2).
U.— A -situação de facto* e a autonomia judicanle militar.
Essa em preza da Justiça è decisiva em nosso favor. Se a consciência
universal, o direito das gentes surTraga medidas salutares,
retirando a funcção judicante das mãos de um Chefe, para a
entregar a corporações, embora fardadas, porque ella não
envereda pela verdadeira trilha, não mantendo a juris-dicção
civil nas praças sitiadas ou territórios occupados, como também
ampliando as attribuiçôes d'essa jurisdicçãoao julgamento de todos
os crimes praticados no local convulsionado pela violência da
guerra?
Não ha paradoxo, aqui.
Sem discutir feões da guerra póde-se dizer que o fim delia è a
derrota do adversário. Pois bem:—para tal escopo não entra em
equação a existência de conselhos militares, justiçando soldados.
Entra, sim, a a disposição das foas combatentes, o seu preparo
technico, os seus conhecimentos de arte militar, a obedncia me-
chanica aos planos, à disposão da peleja, o bravura indómita, a
galharda dedicação, o heroísmo sem par. Não se de compre-
hender no numero de taes elementos a auctoridade para senten-
cear, o manejo do código. Estes, ficam deixados ao seus sacer-
dotes. Porque, vive o exercito, vive a nação, vivem as frotas, vive
a segurança nacional com tanto maiores garantias, quanto mais se
prestigiar a grandiosidade da magistratura.
Mas a questão es em fuzilar em vinte e quatro horas? Po-
deria fazel-o egualmente o juiz togado, até em menos espo de
tempo, se se cuidasse de nivelar os horrores da espada á calma re-
li) I.UIGI Rosai, Vimmwiitd dei dejmtati, etc., cil., pag. S54. (S) Veja-se
Bluntschili, Le Droit International Codifié, trad. Lardy, Paris, 1880, pag. 113
e sega.
— 208
confortante da balança. Tamanho infortúnio não deve, porém, pré.*
occupar a ninguém. Todos, homens da lei, devem entregar a jus-j
liça ao juiz civil, revestindo-o das garantias, as mais completas,
que uma situação anormal comporta. Fuzilar por fuzilar, também o
faria o magistrado. A virtude da repressão na luta não reside neste
ponto, porém. O processo expedito, medido a chronometro, tanto
fundamenta a escola conservadora, como a escola innovadoraJ
Aquella virtude está em se sacrificar o mínimo possível de JastiçaJ
em se permittir as lesões ao Direito rigorosamente exigidas
pela segurança social. Certo, fala-se em legitima defeza social,
como se fala em legitima defeza individual. Por isso mesmo, ambas
as situações, a do individuo e a da nação, quando conduzidas ao
extremo de repellir a força pela força, se devem equiparar sob a
consagração de idênticas normaes legaes. Noutros termos: a le-
gitima defeza, como excusa, soccorre ao réo quando preencher
as condições preceituadas na regra escripta, no texto penal. Fal-
tando uma d'eslas, ella o existe. Assim, a legitima defeza social:
licito, permittido lançar-lbe mão com o menor numero pos-
sível de desfigurações ao Direito.
E é uma desfiguração que não tem desculpas aquella que, na
luta armada, ao lado das medidas assecuraterias do organismo
legal, dia a dia consagradas, deixa de crear, em vez de juizes far-
dados, em vez de juizes d'espada, juizes como devem ser e existir
—juizes togados, magistrados civis!
CAPITULO XI
A autonomia judicante militar e as conclusões
da Reforma— na luta I
I Conclusão.
iandomenico Romagnosi, o egrégio mestre, affirmou, um
dia, que « na faculdade de prender, ou não prender o cidadão,
parece estar o ponto central, onde praticamente se o encontrar
todos os raios da tyrannia, ou da liberdade» (I).
Não na faculdade de prender, somente, mas, como consectario
lógico, na de julgar, o despotismo assenta suas garras.
D'ahi, a necessidade da Garantia nos domínios da Justiça cri
minal, sobre que os contribuidores d'esla Justiça tecem paginas de
um vivo tão empolgante. D'ahi a necessidade d'essa Garantia não
ceder ante as occasiões, as mais graves e terríveis, que assober
bem uma sociedade. I
D'ahi:
1."—Em períodos extremos de guerra ou sitio as medidas ex-
traordirias, justificada sua decretão, devem ser de índole civil,
mormente no que toca ao direito repressivo puro, rcduzindo-sea\
armada ao papel verdadeiro de guarda da segurança nacional
e nunca constituindo-se d
,
ella um fórum ou um palácio dr Jus-
tiça.
2,°—Por conseguinte, e ainda nas phases mais dolorosas de
convulsão social, jamais ao magistrado civil deve ser retirada sua
funco judicante, comprehensiva de paizanos e militares (2).
FIM
(I) fítvíila i'<f Jurispni.leitcia cil.. pag. .1:1.
fii r ma observação llnal -.tudo que se disse ncslc livro applica-se, com maiu-
Iria de razão, a lodos os corpos militarisados, como os corpos policia es, ele.
•*»'''A*.
ísÇÍ
ÍNDICE
Duas palavras ...............................................,—77777777777~
CAPITULO 1—Preliminares.......................................................... 9
CAPITULO II—O surto da Reforma.............................................. 15
CAPITULO 111—A Reforma e o Occidente.................-............... 22
PRIMEIRA PAUTE A PAZ
CAPITULO IV—A autonomia judicante militar e o direito cri-
-—_. minai ................................................................ 47
§ l»—O crime militar.......................................................... 48
stitucioual.. .777r.T7i7T;.. • . .TTjTTrm,.^^
CAPITULO VI—A autonomia judicante militar e duas obser
vações sobre Spencer .....................................................................
1 MJ
CAPITULO VII—A autonomia judicante militar e as conclusões
da Reforma— na paz .................................................. 134
SEGUNDA PARTE A LUTA
CAPITULO VIU—A repressão militar nas occasiôes auormaes. lai)
CAPITULO IX—A autonomia judicante militar na luta e o Di-
Ec reilo............................................................................... 166
§1°—A lei militar............................................................... 166
§ 2
o
—A lei do sitio............................................................. 169
§ 3
o
—A Reforma ................................................................. 197
CAPITULO X—A autonomia judicante miliiarea «situação de
facto» ..................................................................../.. 205
CAPITULO XI—A autonomia judicante militar e as conclusões
da Reforma— na luta ................................................. 209
§2
o
—A pena militar. 7~. ..........................................„
§ 3
o
—O direito judiciário militar........................................ 101
APITULO V—A autonomia judicante militar e o direito con-
c
C
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