Download PDF
ads:
O VOTO SECRETO
E
A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Conferencia realisada no Instituto
da Ordem dos Advogados,
a 3 de setembro
RIO DE JANEIRO Typ. do Jornal do
Commercio, Rodrigues & C.
1910
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
O requisito mais importante para a
estabilidade dos Estados, hoje ge-
ralmente desprezado, é que a educa ção
seja apropriada á forma de go-verno ;
porque as leis mais úteis, e que têm por si
o assentimento de todos os cidadãos, de
nada servirão, si não tiverem por fim
introduzir bitos e dar uma educação
análogos á constituição.
ARISTÓTELES Politica (Liv. 5,
Cap. 7).
Estas palavras, que parece terem cahido
da penna de um publicista de hoje, foram
escriptas, ha quasi 24 séculos, pelo philoso-pho
de Stagyra, o mestre incomparável de
Alexandre Magno, o príncipe eterno dos
verdadeiros pensadores na phrase de Au-gusto
Comte, o grande Aristóteles.
SENHORES: O Brasil atravessa ha vinte e
um annos uma phase de immensos progressos
mate riaes e de grandes desfallecimentos
moraés.
ads:
4
E' estupenda a obra da Republica no
que concerne aos primeiros, e ninguém po-
derá de boa negar que elles o, pela
maior parte, o f ructo das excellencias d'essa
forma de governo: da mais prompta activi-
dade dos seus órgãos, da mais perfeita inde-
pendência dos seus apparelhos, da maior du-
ctilidade dos seus meios, de um sentimento
mais integral da sua força de cominando.
Temos, todos, motivos para nos sentir-mos
orgulhosos pelo caminho andado. Os próprios erros da
primeira hora, que parecia nos poderem
comprometter, por largo tem-po, o futuro, foram
sendo galhardamente reparados; os dias de angustias,
de incerte-sas, de provações amargas, que percorre-
mos, foram apenas como um sopro de inver-no, que
permitte á natureza apparentemente morta recolher e
armazenar a sua seiva, para desabrochal-a nas
exuberancias de uma primavera opulenta. Não ha
problema rela-cionado com o desenvolvimento da
riqueza
I
Publica que fica em descuro; uns se acham
resolvidos, outros tê, sido abordados com firmeza e
conduzidos a soluções próximas. A nossa
prosperidade vestesse de todos os apanágio:
crescemos em população, em território, em
commercio, em instrumentos procreadores de novas
avançadas.
A nossa Capital, que até há poucos annnos era uma
cidade colonial, desaprazivel e inhospita, entravada
pela rotina, e dizimada por uma praga que, havia
meio século, trabalhava em seu seio contra as alegrias
dos lares, e contra os próprios ereditos de todo paiz, é
hoje arrolada entre as mais bellas metrópoles do
mundo, e ahi se estende no garbo de suas soberbas
avenidas, na confiança de sua invejável salubridade,
como uma vastíssima tela incomparável, onde os
encontros da civilisação vieram ter, por mol
6
dura, as gemmas tropicaes da luz dourada dos
céos e das esmeraldas da terra.
Seguindo-lhe o exemplo, a passo mais ou menos
accelerado, diversas capitães de Estados dão
testemunho do fervor progressista que ganhou
todas as regiões do paiz, n'uma benéfica e
fecunda emulação. S. Paulo perdeu o feitio de
cidade académica, e conquistou a posição de
primeiro centro civili-sado da nação, depois da
sua Capital: de quarenta mil almas que abrigava
ha trinta annos, subio a tresentas mil; nada
inveja, em belleza, em gosto architectonico,
em aprazibilidade, ás demais cidades do .univer-
so, classificadas logo em seguida ás grandes
metrópoles. Bello-Horizonte surge, do meio das
florestas, como a miragem de um sonho,
ensaiando forças, desde os alicerces, para tomar
a feição, as proporções e os moldes dos mais
arrojados destinos. No extremo Norte, Belém e
Manáos, como que para fazer honras ao rio
magestoso de cujas aguas
7
têm a guarda e as dadivas, se esforçam por
bordar a imponência do quadro natural com os
relevos da alta civilisação humana.
Das capitães aos sertões se tem trans-mittido a
mesma vibração de vida. As estradas de ferro e
os telegraphos cortam o paiz em todas as
direcções, vencem as mais tremendas
distancias, apertam e complicam a rede das
communicações internas, consolidam a nossa
integridade territorial, e vão realisar em breves
dias o perfeito complemento geographico da
nossa unidade politica, dispensando-nos da
longa travessia pelo extrangeiro para alcaar
as regiões longínquas de Matto Grosso.
A inolvidável Exposição Nacional de it)o8
veio patentear o surto admirável da nossa
actividade industrial, que tem rasgado ao
trabalho larguíssimos horizontes novos,
distanciando-nos da condição estreita de paiz
exclusivamente agrícola. Os capitães,
nacionaes e extrangeiros, invertidos nesse
8
movimento, representam uma fortuna con-
siderável, e os elevados lucros, que elles rea-
lisam, constituem o melhor dos attractivos para
a importação e o emprego de outros, destinados
a alimentar e acaudalar essas novas fontes de
prosperidade. O commercio internacional recebe
cada dia novos impulsos, da multiplicação das
emprezas de transportes, do barateamento dos
fretes, e do melhoramento dos portos, que só por
si vale como o melhor dos estímulos para os
contactos do nosso esforço interno com as for-
ças universaes que devem protegel-o e acce-
leral-o.
não somos, positivamente, aos olhos do
mundo, um povo de selvagens domiciliados,
sob o governo de um principe sábio, bom e
justo. temos valor próprio. As questões
seculares de nossas fronteiras, que nos traziam
inquietos sobre a paz externa, foram todas
resolvidas com felicidade ex trema, cobrindo de
glorias immortaes o Bra-
9
sileiro eminente que com tão alta competên cia
soube encaminhal-as, e cujo nome ainda ha de
ser maior na posteridade do que é hoje em
nossa veneração e nossa unanime estima. A
Chancellaria Brasileira impõe-se hoje ao
respeito de toda a America, em cujos conse lhos
prepondera, e tem posto assignalado no
conceito e nas deferências de todas as na ções
cultas. A par de tudo isso, o Brasil prepara-se
para sêr forte entre os fortes, sem prevenções,
sem cobiças, sem preoc-cupações e sem
rivalidades.
Mas, que contraste entre a acção mate rial
gigantesca da politica republicana, e a sua
acção moral interna! Os productos se
desassemelham tanto que parece não terem o
mesmo theatro de gestação!
Tivemos a fortuna de vêr adoptada pela
mais memorável, mais altiva e independente de
quantas assembléas registra a nossa his toria, a
Constituição mais bella e homogénea de todas
quantas commandam aos destinos.
10
políticos do mundo, — mas infelizmente ain da não
soubemos fazer d'essa magna lei, se não o
valhacouto de tyrannias, o ventre de continuadas
deliquescencias.
Fundámos n'ella a Republica em sua ex pressão
mais elevada: com um chefe de Es tado dotado de
uma esphera ampla de poder, e pessoalmente
responsável por todos os seus actos; com um corpo
legislativo incumbido de trazel-o attento ao
sentimento dessa res ponsabilidade, de dirigir e
promover com os seus mandamentos todos os altos
interesses nacionaes; com uma judicatura federal,
em cujos cimos instituímos um tribunal encar
regado de ministrar as garantias supremas da
justiça, e de corrigir, em certos casos, os excessos e
as demasias dos outros poderes, quando
attentatorios da ordem fundamental ou dos direitos
individuaes; com Estados be nhores dos seus
destinos, para conduzil-os segundo os seus
interesses e os seus recursos, e habilitados a se
organisarem, sob o
11
império de suas leis próprias, em toda a am
plitude da vida politica, sem outra restricção
além do respeito aos princípios orgânicos da
Pátria.
Entretanto, ninguém mais tem illusões sobre os
resultados práticos da acção dy namica d'esses
apparelhos. A solidez e o successo de tal
organisação dependiam es sencialmente do
concurso livre e intelligente da nação na escolha
dos seus órgãos, na mutua independência e
reciproca limitação d'estes entre si. O legislador
brasileiro, como o americano, foi tão cioso do
principio ele ctivo, que fel-o até funccionar,
embora dy namisadamente, na composição do
supremo órgão da magistratura, exigindo a
collabo ração do Senado na investidura dos seus
membros. Destruída aquella base, toda a
construcção teria de ficar á mercê dos ven tos da
sorte, com a essência profundamen te
sacrificada, guardando embora os rótulos
sagrativos.
12
E' o que infelizmente tem acontecido. Está na
consciência publica e ninguém mais tenta
dissimulal-o, que as eleições no Brasil .não passam
hoje de uma pura convenção. Os grandes avanços
que haviamos feito, nos últimos tempos do Império,
para dar á nação a posse effectiva dos seus destinos,
conci tando-a a intervir nos pleitos, e assegurando a
seriedade d'elles, foram inteiramente per didos. Não
sei mesmo a que época reio gradámos, da nossa
historia, si é que jamais se deturpou entre nós um
systema com ta manha impavidez.
Graças á cultura d'esta Capital, e dos outros grandes
centros civilisados do paiz, como á fortuna de
havermos tido, na alta direcção politica, homens
geralmente ciosos de seus nomes, e desejosos de se
recommen darem á estima publica, é que pudemos
rea lisar grandes cousas, atravez do despotimo
pratico que existe organisado. E' esse mix-to de forte
intellectualidade, de nobres in-
13
tuitos, de elevação pessoal, e de uma opinião
publica nascente, que devemos a salvação dos
nossos créditos de povo civilisado e as
resistências que ainda temos podido oppôr á
completa desnaturação do regimen.
Mas, desgraçadamente, essas resistên-cias o
dispõem por toda a parte dos mes-mos
elementos. Para além das culminancias onde
ellas se exercem com êxito, estende-se a vasta
massa de nossa nacionalidade, mi-nada por uma
funda ignorância, inexperta na defesa de suas
garantias, disseminada pelos infindos sertões,
sequestrada á influ-encia benéfica da civilisação
central; e é exactamente ahi que, sob a
invocação sacrí-lega das regaliasfederativas, a
tyrannia sou-be fazer socegadamente o seu
ninho, de onde impera sem contraste. Este é o
pântano das actas falsas, fonte dos apoios
incondicionaes e do servilismo abjecto, a porta
infernal con-tra a qual se quebram, dia por dia,
todas as virtudes do nosso caracter.
14
E' sobretudo, atravez d'este prisma, que
semelhante vergonha deve ser vista e conde-
mnada. Uma de suas consequências mais ge-raes,
e, entretanto, talvez a mais inoffen-siva, tem sido
o embotamento da sensibili-dade da nação, que
do alto a baixo, dos di-rigentes aos dirigidos, das
classes mais cul-tas ás menos cultas, tanto a
ella se affez, que a encara indifferentemente como
um phenomeno normal.
Não ha "homem publico, de intelligencia e
de honra, que se não sinta diminuído pela
suspeita d'essa macula que conspurca todos os
diplomas representativos, e arma os cor-pos
deliberantes do direito indiscutível de, sem
nenhum escândalo, proceder no julga-mento
d'elles segundo os interesses do mo-mento e a
corrente das suas inclinações.
Sob o aspecto de sua vida politica, o Brasil,
ou pelo menos a mór parte delle, é uma vasta
nação feudal com os apparatos exteriores de uma
organisação republicana
15
moderna; e a autonomia nominal dos Esta-dos se
confunde, salvo as differenças intrin-secas dos
momentos históricos, com o com-plexo de
privilégios, que o feudalismo at-tribuia a cada
senhor, para a livre disposi-ção da sua baronia,
do seu condado ou do seu ducado. Eu poderia
estender meticulosa-mente esta analyse, e
demonstrar todos os pontos de affinidade entre
os dous regi-mens, mas, para não fatigar a
illustre as-sembléa, reduzo-a á indicação do
caracter fundamental, commum a ambos, que é a
au-sência de toda liberdade politica. Ha apenas
isso de notável em desfavor nosso: é que alli a
natureza das instituições o permittia concedel-
a, e aqui as leis a concedem, mas a pratica a foi
supprimindo systematicamente. Direi adiante
como se completou a transfi-guração de um
organismo creado para viver segundo as luzes e
as conquistas modernas, n`essejiybrido que foi
buscar a sua génesis-
16
num fóssil da idade média, archivado pela
Revolução Franceza no repouso dos culos. Por
ora limitar-me-ei a indicar a frau-de eleitoral como
o pollen d'essa fecundação retrospectiva. E'
preciso distinguir n'essas fraudes o que ellas têm
de irritante, provo-cador, escandaloso e pugnaz, do
que têm de consensual, costumeiro, bonancheirão
e até patriarchal. Esta ultima feição é a que vai
viçosamente prevalecendo, para a commo-didade
dos seus fabricantes, e desencargo de consciência
dos enthusiastas, pouco exigen-tes, da liberdade
das urnas. Com um jogo de livros baratos, um
boião de tinta e umas duas pennas de aço, faz-se
funccionar a so-berania nacional em toda sua
garbosidade, com o concurso subjectivo de vivos e
mor-tos, presentes quantos bastem para figurar
como delegados, também subjectivos, de uns e
outros, na manipulação da escriptura em que a
soberania faz as suas investiduras-. Os
manipuladores mais escrupulosos ainda se
17
dão á canseira de fazer circular os livros para
tornar menos duvidosa a collaboração,
impondo, porém, aos recalcitrantes a pena de se
fazerem representar á revelia, e mesmo a
contragosto.
De quando em quando, mas isso nos
pleitos federaes, um halito de vida agita as
aguas do pantano. E' o movimento da massa
eleitoral que sahe da sua passividade resignada,
rejeita essa condição de actor licenciado em
peças de que lhe accusam sempre o
desempenho, e resolve-se a tomar a sério o seu
papel. A fraude assume então a outra fórma,
multiplica-se, subtilisa-se, excogita e escachoa
todos os recursos, bate o rccord dos mais
requintados artifícios. O que ella não desnicha,
para assegurar os resultados, resta confiado á
corrupção e á violencia. Entram em scena, de
uma parte, o emprego publico, a empreitada da
ponte, a constru-cção da estrada, a promessa de
satisfacção do pagamento retardado, a
gratificação ex-
18
traordinaria, a commissão especial, o serviço
novo; e de outra parte, o delegado de policia, o
juiz venal, o fiscal do município, o destacamento,
a escola supprimida, a sentença contraria, o
imposto augmentado, o lançamento
concussionario, o processo crime, a perseguição
commercial, todos os horrores, emfim, de um
systematico sitio moral, de natureza a apavorar os
mais dignos e im-perterritos, quando mesmo não
chegam até ao saque da propriedade, á violação
do domicilio, á cadeia e ao assassinato.
Eu bem sei, senhores, que em todas as
épocas, mesmo em paizes verdadeiramente
livres, os partidarios dos governos fracos
recorrem ás vezes a alguns d'esses processos para
aturdir e pôr em debandada os seus adversarios.
Mas, á força de verificar que as ameaças nunca
se traduzem em factos, e se diluem no
esquecimento e na concordia apenas passa a
refrega, as massas eleitoraes se habituaram a
despresal-as.
19
Hoje, á ameaça segue-se muito de perto o
facto. A omnipotencia dos governos re-gionaes,
servidos copiosamente pela sabu-jada de esbirros
sem educação e sem alma, certos de
conquistarem as graças pela extensão e
continuidade das violencias, institutu por toda a
parte a guerra systematica aos adversarios, como
outr'ora se a fazia aos hereges. Não ha direitos
que se respeitem, nem lei que os proteja. Essa
caçada de consciencias atocaia os lares para
fazel-os in-tranquillos; vai ao balcão do
commerciante intimidar-lhe a freguezia e
acoroçoar os devedores ao calote; corveja em
torno da propriedade do lavrador, para dar o
aos seus invasores, e garantia aos ladrões que lhe
assaltam os fructos; castiga o pai na ignorancia
do filho; esvasia as bolsas com as tributações
especiosas; prende, processa, sangra
e arruina.
A despeito d'essa compressão tremenda,
omnimoda e omnipresente, ainda se encon-
20
tram almas heroicas que resistem, attestan-do a
nossa capacidade para gosar da partilha de
instituições livres. Onde ha um nucleo de homens
esclarecidos, dispostos a desarmar a perseguição,
pela impavidez e pela constancia com que a
affrontam, essa resistencia encontra apoio e se
avoluma. Mas, de que vale ella? Nos pleitos
federaes, cujo final julgamento se faz fóra da
fronteira dos Estados, as populações se
reanimam; estabelece-se um movimento de fé;
luta-se; enfrentam-se as fraudes, o terror e a
corrupção; perpassa sobre o pantanal verde-negro
uma viração bonançosa de vida e liberdade. Não
raro esse esforço fracassa para se ag-gravarem
ainda mais as desillusões. Entretanto, elle se
repete, sempre que ha um ap-pello energico ás
forças latentes do civismo escorraçado. Nos
pleitos estadoaes, porém, senhores, todas essas
tentativas são uma utopia . E ha pleitos ahi?
merece o es-carneo, a ignominia que de tal nome
se de-
31
cora. E' a lei eleitoral de ultima hora, tornando
incerto o local da eleição; a composição das
mesas alterada para assegurar a sua
unanimidade; o tabellião que o toma o pro-
testo ou soffre castigo si o faz; é, em sum-ma, a
acta falsa, fabricada com descanso, sem o
menor atropello, com os nomes e as cifras que
possam convir ao governo, com resultados que
não vêm á publicidade senão no momento
desejado, e dos quaes ninguem mais sente a
curiosidade de inquerir. Para tudo, o engenho
se acha carinhosamente montado. Ahi estão as
autoridades poli-ciaes; o professor publico e o
agente de rendas, lettrados da falsificação; o
governo do município com os seus
funccionarios e a sua clientella, os seus
lançamentos e as suas multas tendenciosos.
Governo do município, cellula mater da
organisação republicana, segundo resa a
rhetorica dos tempos, convertido no mais
odiento e mais servil dos instrumentos dessa
utilhagem compressora!
22
Voz díscola ahi não tem guarida: por eleição, é
evidente que não colhe entrada; e si de um turno
eleitoral a outro, algum dos fieis tem a velleidade
de discrepar, os outros se reunem, lavram acta da
sua renuncia, ou da perda do cargo sob qualquer
pretexto, declaram aberta a vaga e preenchem-n'a
pelo mesmo processo.
Bem se comprehende que não ha uma
modesta valvula por onde a liberdade respire,
dentro de uma engrenagem destas. Ap-pellar para
quem? Nos tribunaes truculentos dos feudos
medievaes, havia ainda recurso para o senhor, ou
para o juizo de Deus. Aqui, é no serviço do
proprio senhor que a tyrannia se exerce, e Deus
está quasi sempre associado aos fortes. Appellar
para os Congressos, que são feitos do barro
amassado pelos seus creadores? Para o Poder
Judiciário, que se deixou, pouco a pouco, absor-
ver e anniquilar, quasi por toda parte, mesmo
onde tinha os melhores predicamentos
23
de independencia, a ponto de se converter em
simples prolongamento das Secretarias de
Estado? Ninguem ignora que a justiça local
tambem não respira. Para corrigir-lhe a filaucia,
ahi está o processo das reorgani-sações, a
aposentadoria forçada, a comarca extincta, e,
nos casos mais graves, a coacção pessoal, que
já chegou á fórma de dynamite jogada, altas
horas da noite, sobre o tecto da casa de um
magistrado, para fazel-o mudar de pousada ou
de rumo.
Ora, sob o jugo de todas essas fatalidades,
seria impossível lutar. A immensa massa das
almas fracas capitula á discre-ção dos verdugos,
para merecer-lhes a graça. Os dignos se
reputam vencidos e se abstêm. E' o triumpho
completo e absoluto das actas falsas
patriarchaes, a que me referi ha pouco, em que
cessa o combate faute de combattants; uma
situação de renuncia, de abdicação, de
descrença, de abatimento moral por um lado, e
por outro, de omnipo-
24
tencia, de despreso aos direitos, de exploração
pessoal dos cargos electivos, de saque geral aos
cofres publicos, nos quaes cada agente d'esse
despotismo ferrenho se sente com títulos a um
quinhão.
Essa situação não póde deixar de refle-ctir-
se em todas as nossas relações publicas e
privadas, produzindo a desmoralisação geral do
paiz. O mais synthetico dos seus effeitos é o
desprestigio em que cahiu a representação
nacional. Todo mundo sente, conhece e apalpa as
origens suspeitas d'essa delegação, e os proprios
delegados sabem quanto ella é fragil e
humilhante. Um illus-tre politico do Estado de
Minas Geraes emittiu, ha quasi dous annos,
atravez de um interview de imprensa, esse
conceito profundamento verdadeiro: hoje, n'este
paiz, o ha um homem de valor. E não ha, com
ef-feito. Tomae o homem publico de melhores
serviços á Patria e á Republica, mais ouvido nos
altos conselhos, cercado da maior e mais
25
luzida cohorte politica. No dia em que lhe fôr
hostil a temperatura das altas regiões officiaes, e
a machina governamental do seu Estado se
associar a essa condemnação, elle o
encontrará no seu passado, nos seus talentos e
virtudes, na estima e apreço latentes que
continuem todos a lhe votar, na dedicação até
ao sacrifício dos seus verdadeiros amigos, no
sentimento intimo de revolta, que todos possam
sentir contra o seu ostracismo, pontos de apoio
bastante fortes para fazer face aos seus
inimigos. E não encontrará, porque n'este
regimen espurio, em que nos afundamos, falta a
peça essencial a todas as organisações livres,
que é o eixo sobre o qual devem actuar as
vontades energicas, as explosões na justiça
esmagada, as reivindicações legitimas, o
concurso impessoal das tradições, da influencia
moral, do reconhecimento publico, que
constituem a defesa, a força e o raio de acção de
cada homem de verdadeiro valor. Este regimen
frio, indif-
26
ferente, inerte para semelhantes reacções, tem
sensibilidade para os interesses dos poderosos de
cada momento, e por motor a sua vontade
incontrastavel.
D'ahi a subserviencia, a dobrez, a bajulação, o
incondicionalismo, que cercam de toda a parte os
que se acham no poder, e o aferro com que estes se
agarram ás posições conquistadas, não
escrupulisando na escolha de meios para mantel-
as; dahi a transformação dos governos estadoaes
em patrimonio de familia, transmissível de pai a
filho, de sogro a genro, de irmão a irmão; d'ahi a
praga das olvgarchias, contra que tanto se brada .
Fazem muito bem os que assim affron-tam a critica
para se garantirem dos azares da sorte. Fazem
muito bem, porque atravez das hvpocrisias, das
deslealdades e traições, que saturam esse ambiente
politico, é preciso sêr dotado de uma rara
superioridade moral para resistir ás solicitações do
proprio ins-tincto de conservação, que não
aconselha ou-
27
tro meio de defesa. As mesmas mãos que
batem hoje palmas a uma situação; as mesmas
boccas que lhe beijam as plantas; os mesmos
dorsos que se vergam para lhe receber com
ufania as ordens; estão sempre ao serviço de
qualquer outra que a substitua, para atirar-lhe a
pedra, esvurmar sobre ella as injurias que
melhor paga recebam, cumprir submissamente
outras ordens, a que abdicam do sentimento
mais vulgar da propria dignidade. Cada qual se
defende, pois, segundo o seu instincto. o se
póde exigir do homem que faça senão o que é
humano. Na politica, como em tudo, é mister
reconhecer ao egoísmo a parte preponderante
que elle tem na constituição de nossa natureza,
para não deixal-o nunca exposto á fatalidade
dos seus proprios impulsos.
Ha muita gente que attribue essa im-
mensa crise á insufficiencia moral dos homens;
e fia o seu correctivo á uma nova [educação
politica, gerada da acção lenta
28
dos costumes. Muito se tem repetido essa sentença
com ares doutoraes; mas ella é tudo quanto ha de
mais contrario ao bom senso, á historia, e á
sciencia. Na sua longa trajectoria atravez dos
seculos, a civi-lisação progressiva empregou, dia
por dia, a lei e a moral, como os melhores dos seus
instrumentos para afastar cada vez mais a
Humanidade da selvageria primitiva. O Direito,
porém, foi sempre o precursor da Ethica, o
preceito antecedeu sempre o habito. Antes que o
desenvolvimento dos sentimentos affectivos fosse
revelando á nossa especie os encantos da vida
social, conven-cendo-a da felicidade individual
que resulta de ser bom, justo e generoso, a ordem
humana procurou a sua consistencia e a sua defesa
nos mandamentos e na repressão da autoridade,
mesmo nos asumptos que agora parecem mais
extranhos á sua intervenção. Seria ridícula hoje a
postura que nos prohi-bisse andar nús, ou a lei que
pretendesse re-
29
guiar o amor na família: mas essas noções de
dever moral, que compõem a athmosphe-ra
normal da vida hodierna, foram em tempos idos
o objecto solicito e preferido das legislações. E'
possível que um dia a Moral se installe em todo
o campo do Direito, e o sentimento do dever
domine todas as relações sociaes,
antigualhando e dispensando os Codigos;
porém, até fazermos todo o caminho que nos
separa d´esse estado de civilisação ideal, é á lei
escripta que cumpre proteger a ordem, onde
quer que esta se sinta ameaçada, nas relações
privadas ou nas relações politicas; a ella
compete ordenar e punir, e em-quanto a sua
preceituação se não estratificar em uma
consciencia moral nova, filha de habitos
longamente praticados, que ella deve introduzir
e fomentar, o se lhe póde dispensar uma
acção continua, austera e vigilante.
E o que ha de mais digno de protecção em
uma Republica do que a liberdade? Não
30
ha regimen republicano onde não existe um povo
autorisado a escolher livremente os seus orgãos;
uma opinião esclarecida, capaz de fiscalizar a acção
d'estes; a submissão universal ao imperio da lei; a
guarda indefectivel e inviolavel da justiça; a
responsabilidade plena e effectiva de todos os
funccionarios, assegurada pela independencia das
diversas magistraturas incumbidas de promovel-a.
Supprimi tudo isso; ponde em seu lugar uma nação
escravisa-da ao arbítrio dos mandões, conduzida ás
urnas ou d'ellas repellida, sob a escolta da policia e
do terror, quando a não ludibriam com o papel de
soberano de guignol, por traz das pilhas de actas
falsas; consenti que esses mandões invistam
discrecionariamen-te, e convertam em titeres de sua
omnipotencia, os corpos políticos que deviam ser-
vir-lhes de contrapeso; deixae a justiça atrellada
ao seu domínio, como o derradeiro escarneo de uma
força amollecida; aban-
31
donae-os emfim a essa embriaguez de posse,
com que Satan contemplava, aos seus pés, os
mundos silenciosos, bafejados por um sopro de
morte, na hora de recolhimento do Christo; e
dizei-me si d'esse deserto de vida politica ainda
resta algum vestígio da Republica. Que
costumes, que educação politica quereis que
surjam d'esse organismo combalido, onde
permittis que definhem e morram todas as
energias, sem levar-lhes nenhum estimulo e
nenhum amparo, entregando-o indefeso á sua
propria sorte? Pois si a natureza humana é tão
rebelde sempre á boa disciplina; si é tão difficil,
si tem tido a morosidade de tão longos seculos,
o surto dos seus attributos superiores,
cultivados, mi-nuto a minuto, pelo trato
carinhoso da ci-vilisação, como pretendeis que
aflore um producto da mais alta moralidade, de
abnegação, desinteresse e civismo, do terreno
ingrato onde desassombradamente só vicejam
espinhos, e só se cultivam impunemente, do
32
modo mais systematico, os attributos e processos
inferiores, do egoismo, da dominação, da força
material, da corrupção e do servilismo? Isso seria
empirica e scientificamente um absurdo.
O que nos falta são os partidos nacionaes,
orientados por principios, e arregimentados por
homens superiores pensam algumas almas
ingenuas. Singular pretenção essa de formar
partidos n'um meio onde a liberdade não respira!
Em regra, os que prodigalisam esse conselho
fazem a reserva mental de ficarem elles no partido
que serra de cima; e se mostram dispostos a ani-
mar a iniciativa, sob a condição tacita de jamais
consentirem que os outros tenham siquer a
velleidade de tentar desbancal-os d'essa posição.
Aliás, semelhante creação já tem sido tantas vezes
esboçada, quantas ha fracassado. Ninguem se
resigna hoje a se conservar debaixo por muitos
mezes, e si os fados permittem que esse ostracismo
dure
33
pouco, é escusado querer delimitar fronteiras,
porque todos os que caem se encorpo-ram de
novo aos que sobem, tão naturalmente como si
apenas mudassem de paletot. Estamos portanto
n'um circulo vicioso para poder operar um tal
milagre.
Em mais de uma occasião tenho dito, e
não me cansarei de repetil-o, que os partidos
políticos não se organisam em torno de idéas,
mas em torno de homens. Sem duvida, de
homens que tenham idéas, e sejam capazes de
realisal-as, mas e principalmente que saibam
inspirar confiança pessoal pelo seu passado,
pelo seu valor, pelos seus serviços e pela
extensão da sua influencia. Os povos, como os
indivíduos, agem por affeição ou por
interesse. São esses dous moveis tambem que
determinam e cimentam as ligações partidarias.
Sob esse aspecto, têm existido, e continuam a
existir partidos, em todos os Estados, e si elles
não têm chegado a tomar a consistencia de
forças federaes, ,é que tudo
34
se oppõe a que haja qualquer laço commum entre
esses diversos elementos regionaes.
O longo trabalho de sapa, que tem vindo
extenuando todas as virtudes cívicas do paiz, não
comporta outro partido senão o partido do poder.
E' isso que explica essas unanimidades serviçaes,
promptas a se deslocarem sempre para onde os
ventos levam os cofres e as graças. Os landlords
d'estes vastíssimos territorios enfeudados, que pu-
xam as cordas da farça constitucional, não querem
outra cousa senão o socego e a autonomia na
administração dos seus feudos; e a esse preço o
discutem o apoio incondicional dos seus
mandatarios, sobre que assenta a solidariedade,
deploravel e atrophi-ante, que tem existido, entre o
Governo central republicano, a hoje extremado
do despotismo pelas virtudes pessoaes dos chefes
da nação, e as autocracias regionaes, que,, mesmo
superiormente exercidas, são a vergonha d'este
regimen.
35
Não suffrago a opinião dos que vêm n'essa
solidariedade um symptoma de incapacidade
politica, para attribuir aos Presidentes da
Republica o maior concurso no disvirtuamento
que as instituições têm sof-frido. E' fóra de
duvida, porém, que embora fructo de vicios
organicos profundos, ella lhes têm exasperado
prodigiosamente a influencia. Si o poder
federal, em vez de se fazer negligentemente
cumplice das autocracias imperantes, a troco de
sua submissão, se desse á acção liberal e
patriotica de corrigir os seus excessos, creando-
lhes contrastes, amortecendo os golpes de que
ellas crivam todas as manifestações de vida re-
publicana, certo a nossa degradação não es-
taria tão adeantada. Infelizmente, porém, assim
não tem acontecido, senão raramen-te. Para se
forrarem ás preoccupações de um trabalho de
selecção moral proveitoso, e aos
aborrecimentos eventuaes que d'elle po-dessem
surgir, os chefes da Nação têm quasi
36
sempre preferido, sem meior exame, e como
expediente mais facil, a collaboração acasalada
das vegetações olygarchicas; e cons-tituindo-se
d'est'arte em cultores da planta damninha, foram
sem proposito deliberado acoroçoando o seu
alastramento.
E' assim que o poder central, e os responsaveis
pela politica federal, têm assigna-lado o seu
interesse pela organisação de partidos nacionaes.
Nada mais podia obstar, pois, á hypertensão do
regulismo regional, á plenitude de sua acção
desmoralisadora, servida muitas vezes, sobretudo
nos infelizes Estados pequenos, por typos de
inferioridade notoria, baldos de educação politica,
içados pelo favor da sorte ou de transacções
indecorosas. A vida das opposições é ahi o
compendio de todos os sacrifícios: do pão, da
tranquillidade, do patriotismo, e não raro da
propria vida. Não ha ousadia que os tyrannetes não
se permittam, capricho em que se detenham, para
jugular as conscien-
37
cias, para levar ao desespero e á rendição os
homens altivos. A esses processos, que
largamente descrevi, os tímidos se submet-tem
desde a primeira hora; os mais fortes vão
resistindo até que o instincto da propria
conservação lhes corta o ultimo alento. Não ha
laço de amizade, de sangue, de gratidão, de
cohefencia, de respeito proprio, que esteja
immune dessa ferrugem funesta, que nos
ameaça de uma completa dissolução moral.
O rebaixamento geral dos caracteres at-
tinge á extrema abjecção, e offerece os
exemplares mais característicos, nos protestos
com que as covardias se desculpam, nos
enthusiasmos em que os transfugas procuram
afogar a propria vergonha, e na paixão de que
se tomam para dar arrhas de sua conversão.
Out'ora, no Imperio, quando tínhamos partidos
organisados, com essa argamassa de affeições e
dependencias reciprocas que constituem em
ultima analyse o sub-
38
stratum de toda existencia social, o eleitor mais
humilde que, por um interesse subalterno, se
bandeava das fileiras de sua grey, era logo apontado
aos remoques de sua localidade e envolvido pelo
despreso publico. A gyria da época tinha, para cobrir
de ridículo os que assim procediam, as designações
pittorescas de careta e vira-casaca.
Em derredor d'elles formava-se, na localidade,
uma especie de cordão sanitario, que os trazia
cabisbaixos e afastados, e os seguia em todas as
suas relações. Os homens serios os punham á
distancia; o commercian-te tinha medo de fiar-lhes;
mesmo os mandões da aldeia que lhes
aproveitavam a deserção evitavam discretamente os
seus contactos em publico. Hoje os vira-casaca an-
dam pelos topos; e á força de vel-os tão pimpões e
tão excelsos, as populações perderam a noção
d'esse defeito, relegando para as vagas
reminiscencias historicas as al- cunhas_com que os
nomeavam.
39
Sêr do governo é a moeda com que hoje se
compra, por estes vastos Brasis, desde a paz da
família até a protecção das garantias
constitucionaes. Sêr contra elle attinge quasi ás
raias do heroísmo. E o heroísmo não é estado
d'alma que esse ambiente moral favoneie e
propague. Certo o é sobre taes bases que se
hão de construir os partidos nacionaes.
Senhores, infelizmente, não é rhetorica o
que tenho feito até aqui. Estou procedendo
como o medico que, com os dedos sobre as
carnes gangrenadas de um extenso tumor,
discreteasse acerca dos tecidos da região in-
teressada pelo mal. Com grande desgosto meu,
conheço todos os tecidos, os menores
elementos histologicos, abarcados pela vasta
chaga que analyso; e qual um medico, o ultimo
em reputação e competencia, ouso tambem aqui
lançar, após o diagnostico, as minhas
impressões sobre o tratamento a fa-zer-se.
40
A Republica aboliu a vontade superior,
coordenadora e moderadora, fortemente pessoal de
origem, mas quasi impessoal pelo seu desinteresse
ingenito, que equilibrava e corrigia as ambições
entre os homens, e continha, dentro de certos limites,
os abusos, a prepotencia e o mandonismo, pelo res-
peito, e até porque não direi? pelo medo reciproco
que todos se guardavam; e como ninguem
desesperava do seu valimento, como todos se
alternavam nas graças e na desgraça, havia rigidez
nos caracteres, tolerancia no trato mutuo, estímulos
para os sacrificios, o sentimento generalisado de in-
destructivel confiança. Raro explodiam odios; as
lutas assumiam por vezes feição grandiosa, dando o
espectaculo commovente de um povo que começava
a se sentir senhor dos seus destinos. Havia por toda
parte agitação, interesse pela causa publica, em que
todos eram revezadamente chamados a intervir. Isto
alimentava a fé partidaria;
41
creava as dedicações; consolidava o prestigio
dos chefes; estabelecia as grandes emulações
no estudo, no talento e no saber; constituía um
processo espontaneo de sele-ção moral e
intellectual, desde as mais altas até ás mais
baixas camadas.
Destruída essa força, era imprescindível
substituil-a, e nenhuma ha que possa preencher
essas funcções, em um regimen-republicano,
senão a vontade soberana da nação, livre, clara,
insophismavel e inequivocamente manifestada.
Haverá meio de acercar essa manifestação de
semelhantes attri-butos? Ha; e o meio é o voto
secreto, defendido por um conjuncto de
garantias inil-ludiveis, sob a guarda superior do
mais alto tribunal de justiça do paiz.
Eu sei, senhores, que o espirito publico,
depois de tantas desillusões, chegou n'essa
materia a um estado de franco scepticismo.
Ninguem mais acredita em verdade e liberdade
de urnas, tantos têm sido os en-
42
saios e os desenganos. Todos os precedentes
autorisam semelhante incredulidade; mas si
instituirmos a critica, que aqui não farei, dos
diversos processos cahidos em fallencia,
descobriremos, sem esforço, que outra não podia ter
sido a sua sorte. Das tres leis èleitoraes da
Republica, a primeira foi uma lei de occasião,
decretada por um governo revolucionario; a
segunda, uma adaptação incoherente e inopportuna
da velha lei liberal de 1881; a terceira, fructo de
uma intenção honesta, converteu-se no melhor dos
instrumentos para a consolidação do poder
olygarchico. Seria absurdo concluir d'ahi a
impossibilidade de confeccio-nar-se uma lei, que
satisfaça efficazmente ás mais caras aspirações
liberaes, e ás mais rigorosas exigencias da
moralidade.
Tenho a pretenção de haver indicado a solução
desse problema, com o projecto que tive a honra de
offerecer á deliberação do Senado, em sessão de 23
de Junho do anno
43
passado, pendente do exame de uma com-
missão especial a que alli foi submettido. Já se
me notou a difficuldade de sua pratica, devido á
complicação dos respectivos processos; mas
pela rapida exposição que vos vou fazer, das
suas linhas geraes, vereis como é infundada
essa prevenção.
Tomarei, para exemplificar, a marcha
d'esse processo na eleição ordinaria e trien-nal
do Congresso. poderão concorrer a ella os
candidatos que se tiverem inscripto perante o
Juiz Federal do Estado, instruindo os seus
requerimentos com declarações apoiativas de
eleitores que representem 1 I 20 do eleitorado
total da circumscripção, isto é, do Estado para a
senatoria, e do districto para a deputação. A
inscripção não poderá sêr recusada sob pretexto
algum, salvo prova plena immediata da
falsificação das as-signaturas, caso em que o
requerente será incontinenti autoado e
submettido á processo. As declarações
apoiativas não pode-
44
rão r subscriptas por funccionarios publicos
demissiveis, e os votos n'ellas expressos
considerão-se logo adquiridos para o candidato,
não podendo mais o eleitor votar no respectivo
pleito. O motivo d'esta precaução é evitar
candidaturas fictícias, apresentadas
tendenciosamente para complicar a organi-sação
das mesas.
O voto é uninominal, sendo os Estados di-
vididos em districtos, em numero inferior ao dos
respectivos deputados, de modo a ficar uma
reserva de cadeiras para os candidatos que, não se
podendo fazer eleger nos seus districtos,
alcancem entretanto em todo o Estado suffragios,
cuja addição aos do districto os faça mais votados
até a equivalencia daquelle numero. O Estado de
Minas, por exemplo, que dá 37 deputados, terá 25
districtos. Isso implica dispôr elle de 12 cadeiras,
para candidatos que, contando menor influencia
regional, a tenham, entretanto, generalisada pelos
diversos districtos.
45
E' um meio de salvar os homens de mereci-
mento do circulo estreito dos campanarios.
Os municípios que compõem os distri-ctos
são divididos em secções de 250 eleitores, que
em regra deverão ser localisadas nas sédes.
Essa divisão, bem como a designação dos
locaes, são feitos pelo Juiz Federal, cinco
mezes antes da eleição, afim de dar lugar ás
reclamações, que serão atten-didas quando
justas. Feita ella, os juizes çommunicarão
immediatamente ao Ministerio do Interior o
numero total das secções do Estado, e o parcial
de cada município, com a cifra respectiva de
eleitores.
Recebida a communicação, o Ministerio
expedirá aos juizes os livros necessarios para o
processo eleitoral, e mais a quantidade de
enveloppes perfeitamente igual á totalidade dos
eleitores do Estado, multiplicada pelo numero
de eleições; esses enveloppes, com a marca da
Secretaria, terão todos a mesma côr, dimensão
e qualidade.
46
As mesas que tem de presidir ás eleições são
organisadas, cincoenta dias antes do pleito, pelo
Juiz Federal, que nomeia os presidentes, e pelos
candidatos inscriptos, devidamente convocados
por elle. Cada mesa terá dez membros no maximo,
e cinco no minimo. Esta ultima cifra será a mais
commum, desde que se realise o ideal do projecto,
que é a formação de partidos regulares; cada partido
nomeará dous mesa-rios, e o Juiz Federal o
Presidente. Mas não contando theoricamente com
esse resultado, o projecto a cada candidato, a
nove, o direito de nomear o seu mesario; e ex-
cedendo elles desse numero, não conseguindo o juiz
pôl-os de accôrdo, acceitará as indicações
apresentadas por grupos, e preencherá a mesa, até o
maximo, procedendo ao sorteio das outras
indicações.
D'essa rma é plenamente assegurada a
todos os partidos, e até ás dissidencias, a
representação legal nas mesas, cuja pre-
47
sidencia fica pertencendo á justiça federal.
Desapparece a entidade desnecessaria do fiscal,
que nenhuma garantia seria offerece, e póde ser
sempre facilmente illudida.
Os livros e papeis eleitoraes, remettidos
opportunamente ás mesas pelos Juizes Fe-
deraes, por intermedio do Correio, serão en-
tregues pessoalmente pelos respectivos agentes
no local da eleição, ás 9 horas da manhã do dia
designado, aos mesarios presentes, que
passarão recibo. O projecto contem os
dispositivos mais rigorosos para evitar a
antecipação dessa entrega, ou seu desvio da
autoridade legal.
Antes de expôr a marcha da eleição,
preciso dar noticia de duas outras ordens de
garantias substanciaes do projecto a pri-
meira é a da nomeação, pelos Juizes Fe-deraes,
de representante seu em todos os municípios,
encarregado da entrega dos títulos aos eleitores
até a hora da eleição, e durante os dous mezes
anteriores, tendo,
48
além d'essa, outras attribuições, a que me referirei;
a segunda ordem de garantias con-cerne aos
candidatos. Cada um d'elles man dará imprimir a
chapa do seu nome, toman do a cautela de velar
pela identidade da impressão, e entregará
opportunamente os impressos aos juizes com a
indicação dos dis-trictos e secções para onde
devam ser enviados com os demais papeis. Cada
um, ou cada grupo delles, deverá tambem adoptar
carimbo seu, destinado a authenticar os actos
eleitoraes, por parte dos seus mesa-rio. O modelo
desse carimbo deve ser depositado, em envolucro
lacrado, na vespera da eleição, em poder dos
representantes fe-deraes de todos os municipios.
Com estas explicações previas, é facílimo
comprehender o processo da votação. O eleitor
chamado exhibe e entrega á mesa o: seu titulo;
recebe d'ella dous enveloppes, dos enviados pela
Secretaria do Interior, um para cada eleição, tendo
o cuidado de obser-
49
var, elle e os mesarios, que eses enveloppes não
contêm marca ou signal algum; reco-lhe-se a
um compartimento isolado e defendido contra
as vistas da mesa e do publico; escolhe d'entre
os impressos as chapas que lhe agradarem;
fecha-as nos seus enveloppes e volta a dar o seu
voto. Verificado de novo que o eleitor não
assignalou os enveloppes, os mesarios
applicam a estes os seus carimbos, o
interessado os recolhe á urna, e subscreve a
declaração impressa de ter votado, contra
recibo, tambem impresso, do seu voto, que lhe
assignará a mesa.
O processo durará das 9 I 2 da manhã, ás
6 da tarde. Dispenso-me de referir os seus
detalhes. Terminada a eleição, a mesa conferirá
e separará as chapas recebidas, lavrará a acta, e
fará um envoltorio dos talões declarativos do
voto, títulos e chapas recebidas, cedulas e
enveloppes que sobrarem, appondo os mesarios
os seus carimbos nos lacres do envoltorio. Este,
com os livros
50
da eleição, deverá ser incontinenti conduzido pela
mesa, e entregue no edifício do Governo
municipal ao representante federal, que os
recolherá immediatamente a um cofre especial,
lavrando d'isso auto minucioso, depois de verificar
que os livros são os le-gaes, e que os característicos
externos do en-volucro conferem com a descripção
feita na acta, não apresentando elle signal algum de
violação; no caso contrario, o auto mencionará
detalhadamente o que occorrer.
A apuração dos resultados de todo o
município terá lugar cinco dias após o
pleito, sob a presidencia do representante
federal, com o concurso dos mesarios das secções,
e a presença dos candidatos ou seus procuradores.
Irão sendo retirados do cofre, e successivamente
abertos, os envolucros, e n'essa occasião serão
igualmente deslacrados os modelos dos carimbos
adoptados pelos candidatos, afim de se verificar a
sua identidade com os que houverem sido em-
51
pregados na authenticação das cedulas e mais
actos. A Commissão apuradora municipal
trabalhará o numero de dias que fôr necessario,
devendo perante ella ser produzidas todas as
reclamações dos interessados contra
irregularidades ou falsidades com-mettidas.
Sempre que um grupo de eleitores, dez pelo
menos, allegarem que não votaram por não o
terem consentido, por não ter havido eleição,
ou ter esta sido procedida fóra do local
designado, a Commissão, antes de apurar o
resultado da respectiva secção, admittil-os-á a
votar pelo mesmo processo da eleição
seccional, aproveitando para esse fim os
enveloppes, cedulas e talões declarativos,
devolvidos pela mesa. As suas chapas serão
apuradas em separado.
A Commissão não tem competencia para
julgar das fraudes allegadas, devendo en-
tretanto narrar minuciosamente em acta as
allegações, para serem estudadas pela Junta
apuradora central e cotejadas com todos
52
os papeis e documentos que se lhe referirem.
não serão apuradas pela Commis-são as cedulas
que não forem impressas, contiverem voto a
candidato não inscripto, vierem em enveloppe não
carimbado por al gum dos mesarios presentes, ou
estiverem marcadas de qualquer fórma;
occorrendo duvida a respeito, as cedulas e
enveloppes correspondentes serão enviados
tambem á Junta Central, que resolverá afinal.
Essa Junta, composta do Juiz Federal, como
Presidente, do Presidente do Tribunal Superior do
Estado, do Procurador da Republica como
secretario, e de mais duas autoridades federaes
como auxiliares sem voto, reunir-se-á na Capital,
trinta dias depois. A ella competem a apuração
geral e a resolução de todas as questões suscitadas
nas commissões municipaes. O projecto estabe-
lece os princípios por que se devem reger as
soluções, deixando as mais graves d'entre estas
para o poder verificador. Do pro-
53
cesso da apuração haverá recurso voluntario,
para o Supremo Tribunal, que se limitará a
decidir si houve ou não violação da lei, para
submetter logo a Junta á responsabilidade, no
primeiro caso, ou multar o recorrente, quando
lhe reconhecer fé, futilidade ou animo
protellatorio nas allegações. A maior
difficuldade do projecto estava em prevêr as
fraudes possíveis, para frus-tal-as desarmando-
lhes os effeitos, rever-tendo-as contra os
interesses do candidato em cujo favor forem
praticadas, e estabelecendo criterios seguros
para sua descoberta. Penso têl-a vencido, e
uma cousa me parece certa, que não avança
pouco: é que com a entrega dos registrados
elei-toraes ás mesas na manhã da eleição, o de-
posito dos resultados no mesmo dia, a retenção
dos títulos eleitoraes, os talões declarativos de
votos e os recibos trocados, será impossível
falsificar uma eleição sem o concurso da
presença de eleitores. Mas,
54
com eleitores presentes, para que commetter a
falsificação, si os eleitores da facção contraria têm
ainda o recurso de ir reclamar e votar perante a
commissão municipal? Si constatada a fraude a
votação destes prevalecerá? Que proveito haveria
em correr esse risco, si, no caso de duvida, ambas
as votações são apuradas? Em todo caso, será
uma conquista immensa acuar a fraude até esse
ultimo reducto estreito, onde ella póde têr por
objecto burlar o segredo do voto; e occorre ainda
que, além de sêr difficil a clandestinidade de uma
falsificação em que toma parte tanta gente, de não
sêr provavel que os eleitorados se prestem de bôa
vontade a desarmar-se da regalia do voto
independente, uma vez obtida por lei, o projecto
introduz uma garantia nova no trama eleitoral, que
é a responsabilidade effectiva dos delinquentes.
Um dos defeitos da lei actual, como das
anteriores. é a sua frouxidão nesse parti-
55
acular. Para restabelecer a moralidade num
systema que attingio á extrema degradação, é
mister que a sancção penal seja inclemente, que
os crimes sejam claramente definidos, as penas
severíssimas, e a competencia para promover a
culpa insophismavel e ampliada. E' o que faz o
projecto.
Todos os actos que possam concorrer para
illudir as garantias n'elle estabelecidas estão
minuciosamente previstos, e são punidos, ou
com multas elevadas, cuja cobrança será
procedida immediatamente, ou com prisão
cujos maximos variam de seis mezes a seis
annos, conforme os crimes e a sua gravidade.
Em alguns d'estes, o processo é ordenado ex-
officio; em todos, o candidato que se repute
lesado póde inicial-o com a sua queixa,
havendo sempre por fim recurso para o
Supremo Tribunal. As funcções são re-
muneradas para crear nos funccionarios o
interesse de conserval-as; mas o Juiz Federal
ou o seu representante que claudicar,
56
o tabellião, escrivão ou agente de Correio que
faltar aos seus deveres, bem como os mesarios
que delinquirem, ficam sujeitos á
responsabilidade, estatuída de modo tão claro que
não haverá como fugir-lhe. Duvidem outros da
efficacia desse mecanismo: seria descrêr
inteiramente da justiça federal, e então em nada
mais haveria a confiar neste
paiz.
Quanto a mim, estou convencido de que no
dia em que se abrisse uma cadeia para receber a
primeira turma de falsarios, estaria implantada no
Brasil a moralidade eleitoral, e feita de um golpe
a reforma dos nossos costumes políticos. Pelo
meu projecto, esse maravilhoso resultado fica, em
ultima analyse, dependente do Supremo Tribunal
Federal, a quem não poderia tocar mais nobre,
consentanea e patriotica missão.
E não é sómente a moralidade exterior o processo
que se acha aqui em causa; é a sua moralidade
intrínseca, a liberdade das
57
urnas, a liberdade politica dos cidadãos bra
sileiros, assegurada pelo voto secreto.
Eu vou dizer-vos, sem nenhuma pre-
sumpção, que não quiz consultar legislações
extrangeiras antes de redigir o meu trabalho.
Concebi o plano, triturei-o mentalmente muito
tempo, e reduzi-o á forma escripta. Sempre me
pareceu um erro o modo de legislar, procurando
inspirações nos modelos alheios. O legislador
descura fatalmente os dados particulares do seu
problema, afrouxa a sua propria meditação, que
é o mais seguro dos instrumentos intellectuaes,
e acaba por copiar o que leu, para não duplicar
a sua fadiga. Desconfiado, porém, como sou das
minhas forças, não me arrisquei, sem um cotejo
previo, a affrontar a publicidade. Sabia apenas
vagamente, devo ainda confessar, que o voto
secreto estava introduzido em alguns paizes;
mas imaginae a minha sorpreza quando, no
estudo do assumpto, reconheci que mais da
metade da
58
Europa civilisada o consagrou, na Inglaterra,
Allemanha, Belgica, Italia, Suissa, nos Paizes
Baixos, e na Roumania; que fóra da Europa, e
mesmo antes d'esta, a Australia lhe servira de berço;
e que elle já se acha adoptado em diversos Estados
da União americana. A unica differença essencial
entre o meu projecto e a maioria dos outros
systemas, cujos typos principaes são o inglez e o
belga, é esta: eu creei o enveloppe official,
fornecido pela Secretaria do Interior, e a cedula
impressa pelos candidatos, tendo tido o cuidado de
dispôr que todos os impressos, previamente
submettidos ao Juiz federal na presença d'elles,
deverão ser feitos de modo que, recolhidos ao
enveloppe, não se os possa distinguir uns dos
outros; na Inglaterra e na Belgica, é a autoridade
competente quem manda imprimir os boletins com
os nomes de todos os candidatos inscri-ptos. São
lançados n'esses boletins, em colu-mnas verticaes
primeiro as chapas dos par-
59
tidos, e depois, em outra columna, os nomes dos
candidatos avulsos. No alto de cada chapa de
partido, e ao lado do nome de cada candidato, ha
um pequeno quadrado de fundo negro, com um
ponto branco no centro. O eleitor chamado
recebe da mesa um boletim, e recolhe-se com
elle ao isoloir; si quer votar em toda a chapa de
um partido, basta cobrir o ponto branco do
quadrado collocado no alto d'essa chapa; do
contrario, faz o mesmo processo nos quadrados
dispostos ao lado dos nomes de sua preferencia,
sendo nullo o voto si as coberturas excedem ao
numero dos nomes sobre que elle póde recahir.
O boletim devidamente dobrado pelo eleitor é
depois por elle proprio depositado na urna.
Sendo pelo meu projecto o voto unino-
minal, esse processo, que aliás me pareceria
complicado para os nossos sertões, tor-na-se
inteiramente inapplicavel. O que adoptei é de
uma simplicidade extrema. Basta
60
que o eleitor saiba ler. Si não sabe, não póde
exercer constitucionalmente essa funcção. E'
mesmo de vantagem intuitiva um processo que
expelle automaticamente das urnas o
analphabetismo.
Quanto ao compartimento isolado (iso-loir) as
diversas legislações são minuciosas em estabelecer
os seus detalhes. Ha diversos modelos. O mais
simples me parece o allemão. E' apenas uma mesa
sufficientemente longa, fechada por um tabique, de
tres lados — um dos dous lados maiores, e os dous
menores. O lado livre da mesa é collocado
parallelamente á parede, de modo que o eleitor,
entrando para votar, fica defendido contra todas as
vistas pelo tapume opposto e pelos lateraes. E' uma
confecção tão facil que, em uma hora, qualquer
marceneiro, com meia duzia de taboas, em qual-
quer logarejo do Brasil, a executa. Faço esta
observação porque em nosso paiz ha
61
sempre a contar com as objecções da inercia,
que tudo reputa muito complicado.
O voto secreto, não é, pois, como des,
uma novidade. As nossas leis, aliás, sempre o
consignaram, mas nenhum de vós ignora como
essa exigencia tem sido satisfeita, mesmo nos
tempos em que se votava, e ainda hoje nos
poucos lugares onde se vota. Com as chapas de
feitios singulares, distribuídas á bocca da urna,
como se diz na gyria corrente, mal termina a
chamada, cada partido sabe com quantos votos
conta, e quaes os eleitores que o
acompanharam. O segredo d'esse acto é, pois,
uma burla; mais do que isso, é uma ridícula
hypocrisia.
Defendendo o projecto de voto secreto,
que depois de sua morte foi convertido
em lei. dizia George Grote no Parlamento
da Inglaterra, atacando a publicidade d'esse
acto:
"A causa de todos os constrangimentos e
dependencias reside inteira na publicidade
62
do voto. Qualquer que seja a mão da autoridade que
pese sobre o eleitor, qualquer que seja sua dureza, si
o eleitor vota na sombra e no silencio, ella não tem
influencia alguma. O segredo do voto e a liberdade
do voto são companheiros necessarios e inse-
paraveis; onde existe um, existirá o outro, e
reciprocamente onde falta um, jamais serão
conhecidos os beneficios do outro. Si o eleitor
estiver em um gabinete com o seu boletim em
mão, seu voto será um pensamento silencioso, um
desejo que não deixará após si nenhum traço... Si
quereis, em summa, que as eleições sejam de alguma
sorte o espelho da opinião publica, é necessario
cercar os votos do segredo mais rigoroso, afim de
subtrahil-os ás influencias do poder e do dinheiro".
Não conheço confronto mais eloquente e suggestivo
feito entre os dous systemas de voto. do que este, da
penna de um illustre escriptor francez:
63
"O voto deve ser secreto para ser sincero e
livre. E' em vão que alguns theoricos,
esquecidos das necessidades praticas e dos
dados da experiencia, têm procurado provar que
o voto não deve sêr secreto. A obrigação de
praticar votando um acto publico, que ficará
sendo de todos conhecido, e entregue ao
julgamento da opinião, só póde, dizem elles, sêr
salutar, e levar os eleitores a exercerem o
direito de voto com mais consciencia e
desinteresse. O argumento teria alcance si os
eleitores não fossem submettidos a nenhuma
dependencia e não soffressem constrangimento
algum exterior. Mas, desde que, em todos os
paizes e sob todos os regimens, os eleitores são
mais ou menos dependentes do governo que os
rege e do poder industrial que os alimenta, mais
ou menos expostos a uma pressão que reveste
todas as formas, o argumento dos partidarios do
voto publico volta-se contra elles com uma
força irre-
64
sistivel. Si o voto é publico, ou em appa-rencia
secreto, o medo, a ambição, a cubiça, os peiores
instinctos da alma humana, disputarão á razão, e ao
amor do bem geral, a livre escolha dos eleitores. Este
terá receio de alienar uma clientela, e de prejudicar a
marcha dos seus negocios; aquelle não quererá
seperar-se ostensivamente de um parente, de um
amigo, de um patrão, de um bemfeitor; aquelle outro
cederá â pressão de um agente eleitoral, ou de um
func-cionario que lhe promette qualquer favor
administrativo. O voto secreto, ao contrario,
acalmará as preoccupações legitimas, e reanimará os
poltrões. Dae ao leitor a certeza absoluta de que a
divulgação do seu voto é materialmente impossível,
e o tornareis capaz de se inspirar exclusivamente em
razões de sua consciencia.
Haverá muito quem diga, senhores, que povo
brasileiro não está preparado para ssa reforma; que
as nossas massas igno-
65
rantes são incapazes de fazer essa livre escolha;
que o censo alto é o melhor correctivo das
nossas imperfeições. Antes de mais nada, isso
seria a condemnação da republica. Si não
tínheis uma nação apta para se governar, o que
equivale a dizer—para sêr republicana, por que
motivo fizestes a republica? Não é sob tal
fórma governativa que devem viver os povos
que ainda não attingi-ram a essa capacidade.
Mas quem tem o direito de dizer que o
povo brasileiro não a possue? quem a ex-
perimentou? porventura poder-se-ia ter por
uma experiencia essa série de processos, cada
vez mais aviltantes, em que as massas
populares seguem para os collegios eleito-raes
sob a pastoria dos empreitores gover-
namentaes e dos subdelegados de policia, como
manadas de carneiros conduzidas aos seus
curraes ?
Eu creio mais n'essas massas, de cuja
idoneidade se desconfia, mas sempre emoti-
66
vas, vibrateis á voz do coração, accessiveis aos
appellos altruístas, promptas aos movimentos
generosos, do que nas pandilhas se-mi-lettradas
coroidas pelo guzano do interesse, minadas pelas
bacterias do officialis-mo, da ambição, e de todas
as venalidades. Dae-lhes a liberdade de voto,
completa, absoluta : ellas farão muita escolha
ruim, terão muita preferencia caprichosa, mas no
fim de contas este é o seu direito, isto é a Repu-
blica. Ficae certos, entretanto, de que, na maioria
dos casos, ellas acertarão; e acabarão acertando
sempre, si lhes mantiverdes intacto o exercicio
d'essa liberdade. E' um principio banal de
biologia que o orgão se desenvolve e se fortifica
pela repetição da funcção. Si quereis um povo
preparado pa ra se governar livremente, não é
pespegan-do-lhe a mascara de uma realeza bufa,
que chegareis a nenhum resultado: deixae-lhe a
liberdade de errar algumas vezes, para que elle
aprenda a fazer sempre o melhor.
67
Eu vos dou, porém, a eleição livre, a re-
presentação legitima, me objectam de outro
lado: que seguranças me offereceis contra o
arbitrio e a prepotencia das assembléas
verificadoras? Deveis começar por ahi a re-
forma e a educação. Senhores, não ha objecção
mais futil do que esta. Certo, em nenhum
circulo de relações humanas é dado contar com
a extirpação radical dos abusos. não abusa,
disse o maior dos philosophos, a autoridade que
não se reputa bastante segura. Mas, o que hoje
se costuma chamar entre nós o abuso e a
prepotencia da verificação de poderes, é a
consequencia fatal da nossa dissolução moral, é
a defesa do organismo infeccionado contra as
proprias demasias do seu mal, é o producto
d'esse sentimento, immanente em todas as
consicencias, de que tudo isso quanto se decora
com o nome e as insígnias de systema
representativo não passa geralmente de uma
hybridação da lei com o despotismo, a fraude, a
corrupção
68
e o servilismo. Esses actos de força, tão injusta e
inconsequentemente criticados por vezes, têm sido,
não raro, actos necessarios de alta justiça, de
reparação social, de in-stincto moral, em desaggravo
dos proprios creditos da Republica, que sem elles
ficaria á discreção de todas as mazellas que a per-
seguem. Constitui assembléas de homens eleitos
livremente, conscios da legitimidade dos seus
mandatos, e seguros do apoio de onde elles
promanam, e não receae cousa alguma. A natureza
humana, cultivada pelo trato social, nos dispõe á
justiça e á probidade, sempre que as fatalidades
exteriores não se oppõem a isso. Um diploma indis-
cutivelmente legitimo, f ructo de eleição ver-
dadeiramente livre, jamais será rasgado em uma
assembléa de homens independentes; e para dar a
independencia, basta que todas as eleições sejam
livres.
Eu acabo de apontar, seguindo esponta-
neamente o curso dos meus raciocinios, a
69
primeira das grandes vantagens do voto secreto
a constituição de assembléas independentes,
condição essencial ao equilíbrio dos poderes
publicos. De que vale todo o apparato
constitucional, si o orgão politico por
excellencia, incumbido de fazer as leis, tomar
contas á administração, e res-ponsabilisal-a
pelos seus desvios, sente-se desprovido de toda
a energia propria para o desempenho de tão alta
missão? Simples automato do poder que dispõe
da força e das graças, lhe resta o papel de
subscrever as vontades supremas, e expedir
submisso as suas ordens.
Imaginae que serie de transformações
sociaes é capaz de operar um systema de voto,
que vem augmentar ao mesmo tempo a
dignidade do eleitor e do eleito! Hoje não ha
eleitores; ha apenas syndicatos eleito-raes,
encarregados em toda parte de preparar o
triumpho dos governos, e de perseguir as
ovelhas que se tresmalham. Longe vão os
tempos em que os candidatos, do governo ou da
opposição, iam de porta em porta, de aldeia em
aldeia, disputar as preferencias e as sympathias de
seus concidadãos, fazer a sua propaganda, expôr
programmas, disper-tar o interesse geral pelos
pleitos. Tudo isso está substituído pela simples
publicação das chapas officiaes nas folhas officiaes;
até desappareceu a memoria das circulares, que cada
candidato costumava dirigir aos seus amigos. No dia
porém, em que o mais humilde eleitor não tiver outro
guia senão a propria consciencia no uso de seu voto,
livre de toda pressão exterior e de todas as de-
pendencias pessoaes, as campanhas politicas se
converterão em verdadeiros prelios, em que cada
qual procurará vencer perante o eleitorado, pelo
talento, pela palavra, pela de officio dos seus
serviços e do seu passado. Os homens de valor e de
prestigio ficarão a salvo das insidias e das traições
dos poderosos do dia, tendo para quem appellar
71
nos momentos de desconforto. Aliás, a cer-tesa
mesmo d'essa garantia será o melhor dos freios
ás injustiças e ás deslealdades, o elemento mais
seguro para a preponderam cia constante do
merito, da virtude, e da influencia legitima.
O expurgo dos quadros eleitoraes far-se-á
espontaneamente, sem necessidade de nenhuma
intervenção legal. Os indignos, os venaes, os
incapazes serão rejeitados das urnas pela
propria energia do systema. O voto secreto não
póde ser objecto de mercancia, nem
instrumento das transacções subalternas do
interesse; e desde que cesse o mercado, pela
impossibilidade material de se constituir a
obrigação, os interesseiros não terão outra
alternativa senão abste-rem-se ou regenerarem-
se. Os partidos terão em toda parte os seus
nucleos de prose-lytismo, compostos dos mais
fortes, mais destemidos, mais dedicados,
d'aquelles em summa que se destacarem por
um ardor
78
mais intenso nas pugnas. A grande massa eleitoral
oscillará entre elles como o pendulo de um juizo
sereno, desinteressado e incorruptível, junto ao qual
haverão acces-so todas as competições dignas.
assim teremos organisada uma verdadeira opinião
publica, isenta de todas as suspeitas, inabordavel á
corrupção, armada de sancção effectiva, perante
quem todos os homens publicos se procurarão
sempre acreditar, pela rectidão de conducta e pelas
demonstrações de patriotismo. Ao passo que hoje
não ha o menor estimulo para o bem, pois o
successo só parece reservado para os que menos
escrupulos revelam em disputal-o, diante de um tal
tribunal nem sempre o charlatanismo levará a palma
ao merito. O caminho mais seguro será o da honra.
Uma das maiores aberrações do voto publico é a
desnaturação completa que com elle soffre o
regimen representativo. O elei-tor presume que
votando faz um favor ao
73
seu candidato, e crea direito á reciprocidade. O
voto secreto restabelece o significado d'essa
funcção, repondo-a no verdadeiro terreno do
direito publico; communica ao eleitor o
sentimento da sua responsabilidade; habitua-o a
tomal-a em consideração, esfor-çando-se por
esclarecer o seu espirito para melhor
desempenhar-se; ennobrece-o afinal na convicção
de que exerce um direito, cumpre um dever, e tem
a sua parte effectiva na vida politica nacional.
Por outro lado, os eleitos sentir-se-ão
desopprimidos da rêde de vínculos pessoaes que
reduzem os mandatos a procuratorios de interesses
particulares, amesquinhando a mais alta funcção
politica, e estabelecendo o sitio em torno da
administração publica, rebaixada ao papel de
empreza geral de sa-tisfacção d'aquelles interesses.
Si o eleitor cresce de dignidade, escolhendo
soberanamente o nome sobre que vae recahir o seu
voto, sem consultar senão as suas affeições
74
e o seu patriotismo, certo de que ninguem lhe poderá
devassar o segredo da consciencia, crescem tambem
de dignidade os eleitos, sobre os quaes o voto não
adquirirá mais direito algum, e os governos que fica-
rão de mãos livres para prover os cargos, e resolver
os assumptos, inspirando-se exclusivamente no bem
geral. Haverá, sem duvida, os nucleos de partidarios
decididos a at-tender; mas além de ficar assim
muito restricto o circulo d'essa influencia actuado-ra,
os proprios eleitos e os governos sentirão a
conveniencia propria de se não subalterni-sarem a
ella, indispondo-se com a opinião. Que soberbo
processo será este de saneamento administrativo! os
individuos procurados para as funcções publicas, não
em rasão dos seus votos, mas da sua competencia, a
idoneidade substituindo a bajulação! Calculae,
senhores, a immensa reacção que com esse
phenomeno auspicioso virá produ-zir-se sobre todas
as relações da ordem so-
75
cial e administrativa do paiz! Calculae ainda
que tranquillidade para os lares, que desabafo
social haverá, quando os homens altivos não
estiverem mais expostos ao sacrifício da
propria subsistencia, pelo crime de seguirem os
dictames da sua consciencia!
O principio constitucional da represen-
tação das minorias, objecto actual de tantas
cogitações, n'este systema encontrará a sua
mais completa satisfacção. Perante o voto
secreto não se conhecem a priori maiorias e
minorias; só os resultados poderão indicar onde
estão umas e outras; e para que a todos fique
assegurada a representação equivalente, ao
voto secreto se conjugam, no meu projecto, o
voto uninominal, a divisão districtal dos
Estados incompleta, a presidencia das mesas
eleitoraes equiparada quasi a um munus
publico, e a composição d'essas mesas pondo
em de igualdade nos pleitos todas as
correntes politicas.
76
Tenho a mais inabalavel convicção, e penso
havel-a largamente justificado, de que o voto
secreto será o instrumento seguro da rehabilitação
politica da Republica, e do re-erguimento moral
do Brasil.
Tão sincera é a minha confiança, que nenhuma
honra maior poderia desejar, do que vel-a partilhada
por este viveiro de mestres e cultores do Direito, e a
de passar do meu humilde patrocinio para o d'elles a
causa do mais segrado dos direitos, aquelle que
serve de fundamento a toda vida organica nacional.
Nem é outro o fim desta conferencia.
Mas, para que a fructificação do voto secreto seja
completa, não basta empregal-o nas eleições
federaes; é indispensavel esten-del-o á economia
organica dos Estados. Não se comprehenderia uma
situação de meia liberdade, caracterisada por
eleições federaes livres, e eleições estadoaes
consignadas ao poder incontrastavel dos governos
locaes;
77
pela soberania effectiva da nação praticada na
investidura dos orgãos da União, e pelo imperio
absoluto da força na composição das
magistraturas dos Estados. Penso, entretanto,
que semelhante inconsequencia póde ser
evitada pela revisão constitucional.
Sei quantas resistencias se levantam ao
simples enunciado d'essa aspiração, que é hoje
da grande maioria do povo brasileiro, mas sobre
a qual infelizmente o ha duas opiniões
accordes. E esta é a causa que tem retardado o
seu triumpho. Uns a defendem por amor do
parlamentarismo, outros pelo unitarismo, estes
pela unidade da magistratura, aquelles pela
unificação do processo. Eu permaneço fiel ás
mesmas convicções em que estava quando
concorri com o meu voto para os princípios
fundamentaes consagrados a 24 de Fevereiro de
1891. Continuo intransigentemente federalista e
presidencialista; sou pelos Estados politicamen-
te autonomos, e pelos governos armados da
78
maxima autoridade; não me apavoro, nem com a
idéa de que a unidade nacional pereça na dispersão
das soberanias regionaes, nem com o espantalho da
dictadura. O que me revolta, como devoto das
grandes conquistas constitucionaes, é essa
contrafacção abjecta, de um federalismo que
resuscita, em plena civilisação moderna, o typo
medievo do senhorio feudal, rebaixado de sua
dignidade historica e da sua funcção provisoria
essencial ; é a dictadura irresponsavel e irreprimível,
que nasce, o das demasias de poder, mas de um
conjuncto de fatalidades que tem amesquinhado, e
praticamente supprimido, os orgãos da defesa e
fiscalisação legal.
O que todos sentimos é a falta de liberdade,
e a omnipotencia da força material. Não é
restaurando o anachronismo do regimen parlamentar,
tão mal succedido sempre fóra de sua séde natural,
nem provin-cialisando de novo um territorio de
vastidão excepcional como o nosso, que havemos
79
de corrigir os fallimentos da republica. O que
precisamos é fixar domicilio á liberdade n'este
organismo de onde ella foi exilada,. e reanimar
com o seu sopro a estructura insensibilisada
das instituições. Pondo este problema em
equação, o primeiro dos seus termos, de accordo
com o que tenho vindo aqui a sustentar, será este
declarar o voto secreto, com as suas garantias
complementares, principio constitucional da
União, afim de introduzir a sua obrigatoriedade
em todas as eleições estadoaes; e o segundo este
outro — desenvolver as theses funda-mentaes do
art. 6.° da Constituição, para regular e tornar
effectiva a intervenção federal sempre que o
exija a defesa das garantias constitucionaes. São
conquistas que se poderão sellar
definitivamente por um acto de revisão.
Políticos da maior autoridade no paiz se
mostram apprehensivos, todas as vezes que se
lhes falia na regulamentação do art.
80
6.°. E' a morte da federação, é a ruina da au-
tonomia estadoal. Laboram elles, a meu vêr, n'um
grave equivoco. Eu não nego que nós temos tido,
e temos felizmente Estados superiormente
governados, onde as virtudes republicanas são
largamente praticadas, e a administração é
profundamente honesta; porém, mesmo n'estes,
em que não se acham systematicamente abafadas
as opiniões politicas, ninguem nutre illusões sobre
a in-sufficiente elasticidade do institucionalismo
vigente, para permittir jámais o advento ao poder,
pelos meios legitimos, de uma opinião contraria
ás situações dominantes. Basta esse phenomeno
para accusar as deficiencias do regimen. Uma
situação se póde manter no governo longos
lustros, com
os mesmos homens e a mesmissima orienta-
ção,
pela força exclusiva do seu legitimo
prestigio; esta continuidade pode ser altamente
proveitosa, e não ha que condemnal-a em these.
Mas seja ou não esta a hypothe-
81
se, semelhante perpetuação é hoje a simples
consequencia da propria ordem institucional.
Está na consciencia de toda gente que os
governos estadoaes se acham armados para
burlar materialmente a victoria das op-
posições, ainda quando estas sejam a quasi
unanimidade eleitoral.
Ora, isto é tudo quanto póde haver de mais
antagonico com os dogmas elementares da
republica. Em geral, o que os políticos
defendem com tanto calor, a pretexto da
autonomia dos Estados, é a autonomia dos
corrilhos que os exploram. Federação é| o
systema politico que assegura aos Estados o
direito de se governarem livremente, segundo
as suas leis, e com as autoridades de sua
escolha. Foi isto que o legislador constitucional
quiz fundar no Brasil. A autonomia estadoal é o
direito que deve gosar o povo de cada Estado
de escolher livremente essas autoridades, e vêr
respeitada sua escolha.
89
Não é, porém, assim que entre nós se
entende. A pretendida autonomia é o privilegio
concedido a qualquer tyrannia. en-castellada no
poder, para massacrar impunemente a liberdade
do seu Estado, abafar as resistencias da opinião,
dissolver magistraturas, reduzir os Congressos á
impotencia, annullar a autoridade municipal,
substituir violentamente os respectivos conselhos,
abolir de facto o systema representativo, e
commetter toda casta de crimes. E quando, em
nome das leis postergadas, do direito dos povos
villipendiado, da civi-lisação nacional chafurdada,
das garantias individuaes supprimidas, dos
proprios princípios de humanidade feridos, ergue-
se o clamor das victimas, implorando soccorro
contra os oppressores, interpõe-se solemne a
hermeneutica do despotismo, e declara — tudo
isso é realmente horroroso, mas não ha remedio,
não se pode tocar na autonomia dos Estados.
Maldita autonomia esta, se-
83
nhores, que tem reduzido muitas vezes os
nossos Estados á condição de tabas selvagens !
Esta não é a federação constitucional; e a
omnipotencia governamental, o absolutismo, a
irresponsabilidade funccional, a impunidade, o
arbitrio, organisados. Contra isso se insurgem a
civilisação e a Humanidade. Pela verdadeira
federação, pela mais ampla autonomia, sou eu
intransigente; mas aquella autonomia, que é
concedida aos povos, para disporem dos seus
destinos e en-tregal-os á guarda de quem lhes
convier; não aos dominadores, para eternizarem
o seu domínio, explorarem os povos, e trazel-os
chumbados á desesperadora situação de nada
poderem mudar na ordem politica que os
subjuga. Para melhorar os homens e fa-zel-os
mais dignos; para descarregar a ath-mosphera
de odios que nos sitia, e estabelecer mais
tolerancia, mais cordura, em todas as relações-,
é indispensavel tornar possível,
84
pelo voto, o revezamento dos partidos no
poder. Esta é a condição sitie qua da forma-
ção dos partidos. Portanto, o que se faz pre
cisou assegurar a maxima liberdade de voto
na União," como nos Estados, e proteger com
á vigilancia federal os benefícios praticos
d'essa liberdade, sem o que ella seria illuso-
ria. A lei deve fixar criterios seguros para
que se possa distinguir onde acaba a auto
nomia do Estado, base da federação, e co
meça a autonomia da força material exte
riormente legalisada, antipoda da federa
ção.
Este deve ser o objecto da regulamentação do
art. 6
o
, por um novo acto constitucional, que a
grande maioria da nação culta deseja e pede. Nós
temos a mania de pretender achar nos moldes e
praticas da União americana todas as indicações da
nossa evolução institucional, como si o federalismo
americano fosse um typo abstracto de or-ganisação,
e não o typo concreto que é, fi-
86
liado a uma situação historica que nada tem de
commum com a nossa. Completemos o nosso typo
proprio, meditando sobre os da-dos do problema
brasileiro, as tradições, o passado, os vícios, as
virtudes, as tendencías, as fraquezas e as energias
de nossa nacio-nalidade. Fóra d'essas condições,
faremos um trabalho de cópia, nunca a obra de
estadistas.
Eu o sou revisionista para mudar cousa
alguma de substanciai á Constituição. Ao
contrario, é para defender à Constitui-ção e
restaurar dentro d'ella a liberdade politica, hoje
morta no Brasil; é para salvar a federação dos
ultrages que a incompatipili sam com a propria
dignidade humana,
Sob esse ponto de vista, não acredito que haja
republicano algum sincero contra rio á revisão.
Na entrosagem das instituições libe-raes,
quando os apparelhos estão perros e a machina
funcciona irregularmente, é que
86
falta á alguma peça essencial o ajuste do sopro
liberal vivificador. A Republica é o governo da
Nação. Sejamos lo-gicos e procedamos
corajosamentte. Demos, sem reservs, o voto
liberrimo á Nação para que que ella se governe,
e assim a Republica ficará definitivamente
feita.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo