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(Direito romano e patrio)
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JOSÉ MENDES
Advogado em São Paulo
S. PAULO BRASIL
DUPRAT & C.. — RUA DIREITA, 1 4
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Livros Grátis
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OBRA DO MESMO AUCTOR:
Ensaios de philosophia do direito
S. Paulo, 1905, em dois volumes.
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EDIÇÃO DO AUOTOR
Cada exemplar vai numerado e assignado
Á saudosíssima memoria
de meu sempre lembrado pae,
SR. FRANCISCO DE SALLES MENDES
Tributo de amor filial gratio e
saudade.
Á minha carinhosa mãe,
SRA. D. MARIA ISABEL MENDES
Tributo de amôr filial e gratidão,
Á saudosa memoria de meus
venerandos avós paternos,
SR. FELISBERTO JOSÉ MENDES
E
D. MARIA FERREIRA MENDES
Tributo de venerão e
saudade.
Á saudosa memoria
de meus avós maternos,
SR. GABRIEL MENDES PEREIRA
E
D. ANNA MAGDALENA MENDES
Tributo ds veneração e saudade.
Ornari res ipsa vetat, contento doceri.
A verdade dispensa ornatos, contente
de ser ensinada.
MANIL.., Astronomia, lib. 5. v. 39,
apud POTHIER, Pandectes de Justinien,
vol. I.°, pag. 40.
Non igitur fuerunt servitates uno
impeta receptae, sed paulatim inductae,,
utilitate impellente.
As servidões não se constituíram de
um só Jacto, mas lenta e gradualmente, á
medida das exigencias feitas pelas ne-
cessidades individuaes e sociaes.
SOLON, Trai des servitudes réeles,,
Introducção, pag. XV.
A vizinhança occupa o primeiro
logar, depois da amizade.
TERENCIO,
Ingenuè fateor nihil hic inesse
de meo, praeter laborem et dili-
gentiam.
R. ETIENNE, Tratado da língua
latina.
Por diversas vezes, em nossa advocacia,
exercida no interior, nesta capital, temos tido
oecasião de tratar de questões de servidão de
caminho.
E hanemos notado sempre ser uma das mais
sensíveis lacunas de nossa escassa litteratura jurídica
a falta de uma monographia sobre este assumpto.
Ninguem ignora quão frequentes são em nosso
meio, essencialmente agricola, as contendas entre os
proprietarios territoriaes, por motivo de caminhos
atravez de suas fazendas.
Ninguem ignora tambem quantos disparates
têm sido praticados por certas camaras mu-nicipaes,
com relação a caminhos.
E em nosso humilde conceito, o principal factor
destas aggressões aos direitos dos proprietarios de
situações agrícolas é a somma de ideias falsas, que
correm entre os não pro-fissionaes, e a ausencia de
ideias verdadeiras, que deviam correr, sobre o aliás
importantíssimo instituto das servidões de caminho.
E a culpa não é nem dos proprietarios, nem das
camaras municipaes: o facto resulta, como
consequencia natural, de um conjuncto de
circumstancias independentes de sua vontade.
A materia das servidões de caminho é regu-lada
entre nós pelo direito romano, como subsidiário do
direito patrio, que nelle operou muito poucas
modificações (que tiremos o cuidado de indicar).
Isto quer dizer que o conhecimento con-
sciencioso dos princípios reguladores das servidões de
caminho pode ser adquirido nas fontes do direito
romano e nas obras dos seus interpretes, escriptas
todas, póde-se dizer, em línguas extrangeiras.
E constitúe sério embaraço á desejada e
necessaria vulgarização das normas attineutes ao
momentoso assumpto, no seio da numerosa classe dos
agricultores, a mais importante do paiz, e a mais
interessada nessa materia.
* *
Demais: muitos dos princípios reguladores desta
especie de servidão são os mesmos que regulam as
outras servidões.
Destarte, a cada passo, a proposito de uma
especie occorrente sobre servidão de caminho, é o
jurista obrigado a ura exame demorado de todo o
vasto capitulo do direito civil attinente á theoria das
servidões em geral, exame que, para ser bem feito e
satisfazer aos espíritos mais investigadores, demanda
muitos livros, trabalho, e tempo.
Dispendio de dinheiro, de energia nervosa e
daquelle genero precioso, que os inglezes equiparam
ao dinheiro, quando dizem: — Time is money.
A nossa modesta monographia vem, bem ou
mal, preencher essa lacuna e remover os in-
convenientes apontados.
Estamos convencido de que será de muita
utilidade para o fôro brasileiro, em todos os Estados
da Republica.
• *
Ahi está o nosso intuito, ahi as nossas
esperanças.
Si acertámos ou errámos, si fizemos bem aos
que lidam no fôro, ou apenas ás traças, dil-o-ão os
nossos collegas, a quem confiamos a sorte deste
livrinho.
Si tiver a ventura de ser acolhido com animador
interesse, crescerá e procurará aperfeiçoar se para
melhor corresponder ao acolhimento.
Si acontecer o contrario (quod Deus aver-tat),
será então um inviavel, e deixal-o-emos perecer
abandonado, no humilde mister de pasto, aos
cuidados gulosos daquelles famintos lepi-dopteros.
S. Paulo, 7 de setembro de 1906.
JOSÉ MENDES.
DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
CAPITULO II
Noções preliminares
SECÇÃO I Das servidões
em geral
SUMMARIO
§ 1.º Noção de servidão em geral. § 2
Divio das servidões em geral. §3.º
Princípios fundamentaes oommuns a todas as
servidões,
§ 1.°
Noção de servidão em geral
1. Propriedade e seus limites. O in-
dividuo e a sociedade vivem sob o imperio da
necessidade de uma adaptação continua ás
condões do meio ambiente. Todos os seus ele-
mentos de vida e desenvolvimento subordinam-
se e influenam-se por esta necessidade con-
stante e incoercível, a que estão sujeitos todos
os seres biologicos e sociologicos.
A instituão da propriedade o escapa a
essa lei natural: acompanha a evolução
3
CAPITULO I
§ 1 .º
individual e social, adapta-se ás condições de
vida e desenvolvimento do individuo e da socie
dade, modificando-se de acrdo com as necessi
dades varias, de logar a logar, de épocha a épo-
cha. E' uma instituição relativa, como o são
todas as outras (1).
Assim, a propriedade ou domínio, o mais
amplo poder jurídico do homem sobre a coisa,
pois comprehende e resume todos os direitos
reaes possíveis na mão de uma pesa,—o
proprietario; poder illimitado, exclusivo, que
absorve todas as vantagens e utilidades da coisa
corporea, a propriedade, dizemos, essujeita a
limitações ou restriões, exigidas, umas—prin-
cipalmentepelas necessidades sociaes, e outras
principalmente - - pelas necessidades indivi-
duaes.
Entre estas ultimas estão os direitos reaes na
coisa alheia, jura in re aliena, que no direito
romano revestiram-se de quatro feições ou rmas
typicas distinctas:
a) as servidões, servitutes;
b) a emphyteuse, emphyteusis;
c) a superfície, supercies, e
d) o penhor e hypotheca, pignus et hypo-
theca
(
2
).
As restricções denominadas servidões, ju-
ra praediorum rusticorum et urbanorum, quae
etiam servitutes vocantur (
3
),o os mais
(1) Nossos Ensaios de philosophia do direito, §§ 4.° e 120,
vol. l.°, pag. 7 e vol. 2.°, pag. 703.
(2) Serafíni, Istituzioni di diritto romano, terra edizione,
Firenze, 1889, § 1.°, pag. 39.
(3) Insts., § 3.°, liv , tit. 2.º, de rebus corporalibus et
incorporalibus.
4
§ 1.° DAS SERVIES EM GERAL
antigos direitos reaes, e os unicos conhecidos
pelo primitivo jus civile dos romanos (
4
).
«A origem das servidões, diz Pardessus, é
tão antiga como a da propriedade, da qual é
uma modificação. Quando a extensão da cul-
tura agrícola approximou os homens, e a ne-
cessidade da defesa commum formou as primei-
ras sociedades, accrescenta elle, a utilidade e a
segurança publicas fizeram sentir logo quão ne-
cessario era restringir, em dados casos, direitos
letimos em si mesmos, cujo exercício indivi-
dual absoluto viria prejudicar a outros, ou tor-
nar certas propriedaaes quasi inuteis a seus do-
nos e ao Estado. Estas obrigações, que a na-
tureza estabelecera, que o interesse publico sug-
gerira, forneceram aos particulares a ideia de
estipular outras analogas para utilidade de cada
um dos mesmos.
E' assim que a disposição dos logares, a
necessidade social e a liberdade das conven-
ções produziram as servidões (
5
).
A relatividade das coisas, o consensus dos
phenomenos, a dependencia em que os mes-
mos se acham uns para com os outros, no seu
apparecimento, duração e fim, factos estes todos
regulados por leis scientificas conhecidas e
(4) Jus civile è o direito dos tempos primitivos de Roma. O
direito nacional, proprio só do povo romano, transumpto de
suas tradições, de seus ritos, symbolos e formulas sacra-
mentaes peculiares a esse povo-rei. E chamou-se jus civile ou
jus quiritarium, direito dos cidadãos, por esse mesmo facto de
ser o direito proprio, exclusivo dos cidadãos romanos. E o
direito formulado na lei das XII taboas. Conf. nossos Ensaios
de philosophia do direito, § 58, vol. 1.°, pag. 125.
(5) Pardessus, Traité des servitudes, 3.
a
edição, Paris, 1811,
ns. 1 e2.
CAPITULO I SECÇÃO I § 1.°
applicaveis a todas as ordens de phenomenos,
como temos exposto desenvolvidamente em nos
sos Ensaios de philosophia do direito, explica e
legitima a existencia das servidões como limita
ções ou restricções á propriedade. "A ideia de
limite, diz D'Aguanno (6), reproduzindo Cim-
bali, corresponde a uma grande lei da natureza.
Cada ser, cada rma de vida e de actividade, se
apresenta sempre limitada na substancia, no fim,
na duração especifica de sua existencia, em cada
uma das manifestações de sua individualidade...
Uma propriedade sem limites seria tyrannica com
relação aos indivíduos, anarchica com relação
á sociedades.
* *
2. Noção de servidão.— Servidão, em
geral, é o direito real sobre a coisa alheia, jus
in re aliena, estabelecido em vantagem exclusi
va de uma determinada pessôa ou de um de
terminado predio, consistente no uso, variavel
de caso a caso, da coisa gravada (
7
).
Não constitúe, como se vê, coisa corpo
rea, mas incorporea. "Eodem numero (de coisas
incorporeas), diz Justiniano, sunt jura praediorum
urbanorum et rusticorum, quoz etiam servitutes
vocantur,, (
8
).
* *
3. Conceito antigo e conceito moderno de
servidão. - - A palavra servidão, servitus, é
(6) D'Aguanno, La genesi e l'evoluzione del diritto civile,
Torino, 1890, n. 140, pag. 342.
(
7
) Serafini, obra citada, § 78.
(8) § 3.°, Insts., liv. 2.°, tit. 2.º, de rebus corporalibus et
incor-poralibus.
§ 2
DAS SERVIDÕES EM GERAL
relativamente recente. O conceito, que acaba-
mos de expôr, de ser a mesma um jus in re
aliena, incorporeo e intanvel, é tambem rela-
tivamente recente. O direito primitivo,
anterior a Labeão, formava do que hoje se diz
servidão, conceito diverso: concebia a servidão
como o domínio sobre uma parte da coisa (
9
).
E assim devia ser: os conceitos abstractos
precederam de muito aos concretos, que caracte
rizam as theorias primitivas (
10
).
§ 2.°
Divisão das servidões em geral
1. Servidões reaes e pessoaes.—O facto
de serem as servidões estabelecidas, ora em van-
tagem exclusiva de pessôa determinada, ora em
vantagem exclusiva de predio determinado, fun-
damenta a divisão mais geral que das mesmas
faz o direito. Este divide-as em servidões reaes,
tambem chamadas prediaes, servitutes rerum
aut praediorum e. ás mais das vezes,
simplesmente servitutes, sem accrescentamento
de predicado, quae praediorum appellantur,
quoniam sine praediis constitui non
possunt(11),
(9) Labeão (Antistius Labeo), emulo de Atteius Capito, era
jurisconsulto progressista, ao contrario de seu emulo, sempre
afferrado ás maximas do antigo direito. Fundaram duas cor-
rentes ou escolas diversas : Labeão, a dos proculeianos, sus-
tentada por seu campeio Proculo; Capitão, a dos sabinianos,
sustentada por seu campeio Sabino. Conf. Hulot, La clef des
lois romaines, Metz, 1809, verbs. Antistius Labeo, vol. 1, pag.
39.
(10) Cogliolo, Storia del diritto privato romano, Fírenze,
1889, vol. 2.°, § 49, pag. 46; nossos Ensaios citados, nota 91,
vol. 1.", pag. 129.
(11) § 3.o, Insts., liv. 2.°, tit. 3.°, de servitatibus.
CAPITULO I — SECÇÃO l § 2
e servidões pessoaes, personales, servitutes per-
sonarum ou hominum.
Servitutes, diz o jurisconsulto Marciano, aut
personarum sunt, ut usus et ususfructus, aut
rerum, ut servitutes rusticorum praediorum et
urbano rum (
12
).
As servidões pessoaes expressamente de-
claradas pelas fontes romanas são quatro, a
saber:
a) usus, uso;
b) ususfructus, usufructo;
c) habitatio, habitação, e
d) operae servorum, seryiços de escravos (
13
).
Mas estas não são as unicas servidões pessoaes
existentes em direito. Tudo quanto produz
vantagem á pessôa de constituir objecto de
servidão pessoal. Mesmo aquellas faculdades
constitutivas do conteúdo das servies prediaes
pódem ser concedidas como servidões pessoaes
(14).
* *
2. Numero das servidões reaes. — O
numero das servidões reaes é, indeterminado:
ha tantas quantas as especies imaginaveis de
utilidades que um predio póde auferir de outro
predio, consentaneamente com as normas
(12) Frag. 1.°, Dig liv. 8.°, tit. 1.°, de servitatibus; frag. 8.°, §
3.º, Dig., liv. 34, tit. 3.°, de liberatione legata.
(13) Esta ultima servidão, operae servorum, têm hoje apenas
o interesse historico, á vista da lei de 13 de maio de 1888, que
aboliu a escravidão em nosso paiz.
(14) Serafini, obra citada, § 82, pag. 210; Ribas, Da posse,
Rio de Janeiro, 1883, pag. 167, in fine, e pag. 168
§ 3.º DAS SERVIDÕES EM GERAL
reguladoras do instituto das servidões, formuladas
pelo direito (15),
§3.° Principios
fundamentaes communs a todas as servidões
Do conceito generico de servidão, decor-
rem os seguintes corollarios, que constituem nor-
mas reguladoras da mesma em todas as suas
relações juridicas:
* *
1. Servitus in faciendo consistere ne-quit -
Todas as servidões são direitos reaes, jura in re
aliena, isto é, poderes jurídicos que recaem
immediatamente sobre a coisa corporea e
vincúlam-a á vontade do titular, ao sujeitou
activo, abstracção feita de qualquer pessôa, afóra
o mesmo titular. Não geram obrigação pessoal
contra quem quer, mas uma obrigão geral
negativa, correspondente aos direitos reaes. A
constituão da servidão recai directamente sobre o
predio serviente (
16
), e não obriga o proprietario
deste a praticar actos em beneficio do seu titular;
não consiste in faciendo, mas in non faciendo, a
que corresponde, no titular, o jus prohibendi, e ih
patiendo, a que corresponde, no titular, o jus
faciendi. «Servitutium, diz
(15) Marezoll, Précis d'un cours sur Vensemble du droit
prive des romains, 2.ª edição de Pellat, Paris, 1852, § 106;
Cogliolo, Filosofia del diritto privato, Firenze, 1888, § 23.
(16) O predio, que tem a vantagem, chama-se predio domi-
nante. O que soffre a desvantagem, predio serviente. Este serve
áquelle.
CAPITULO I — SECÇÃO I § 3º
Pomponio, non ea natura est, ut aliquid faciat
quis (veluti viridia tollat, aut amaeniorem pros-
pectum praestet, aut in hoc, ut in suo pingai),
sed ut aliquid patiatur, aut non faciat (17).
Dahi o brocardo: servitus in faciendo con-
sistere nequit. E' certo que algumas servidões
consistem na pratica de actos, mas quem os pra-
tica é o titular da servidão, e não o dono do
predio gravado. O brocardo é formulado, ten-
do-se em attenção o sujeito passivo, o dono do
predio serviente. E' neste sentido que a servidão
se diz in non faciendo (servitus positiva vel
affirmativa), e in patiendo (servitus negativa
vel prohibitiva). Por exemplo: a servidão
altius non tollendi, servidão de não levantar
mais alto, consiste in non faciendo. A servidão
de passagem consiste in patiendo, porque o
dono do predio gravado tém de supportar a
passagem pelo seu predio. O principio exposto
está de pleno accôrdo com a natureza da ser-
vidão. Servitutem non hominem debere, sed rem.
* *
*
2. Nulli res sua servit. Eis outro prin-
cipio fundamental da theoria das servidões. O
proprietario de uma coisa não póde ter servi-
dão sobre ella. E a razão é que, tendo elle, no
domínio, um titulo geral, legitimo e sufficiente
para conferir-lhe o uso e goso de todas as uti-
lidades, de que a coisa é susceptível, a servidão
careceria de objecto, por não haver utilidade
(17) Frag. 15, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de servitutibus;
Guelfi, Enciclopdia giuridica, 3
a
edição, Napoli, 1885, §46.
§ 3.º DAS SERVIDÕES EM GERAL
sobre que recahisse. E o póde haver servio
que não confira a seu titular um dos usos da
coisa, como se infere da noção dada 1.°, n.
2, supra.
Dahi o brocardo conciso e claro de Paulo:
"Nulli res sua servit» (
18
).
* * *
3. Servitus servitutis esse non potest
Ahi es mais um principio fundamental das
servidões. Estas são direitos reaes elementares,
desmembrados do dominio, que é a plena po-
testas in re, para beneficiar a certa pessôa ou a
certo predio. o, portanto, direitos sobre coisas
corporeas, res quae sui natura tangi possuiu,
e que fazem objecto do dominio, o qual est jus
in re corporali. "In sensu stricto ad res corporales
(dominium) restringitur, diz Waldeck, et definiri
solet jus in re propria corporali, de substantia
ejus disponendi (19).
Dahi decorre a consequencia de não po-
der haver servidão constituída sobre outra ser-
vidão, pois as servidões, como já vimos e consta
de sua propria definição, o coisas incorporeas,
res quae tangi non possunt, qualia sunt ea quae
in jure consistunt, no dizer das Institutas.
(18)
;
Frag. 26, Dig., liv. 8.°, tit. 2.º de servitutibus praedi-
orum urbanorum; frag. 5°, pr., Dig., liv. 7.°, tit. 6.º, si usus-
fructus petetur, vel ad alium pertinere negetur, era que diz
Ulpiano: qui habet proprietatem, utendi fruendi jus separa-
tnm non habet: nec enim potest ei suus fundus servire. Conf.
Arnò, Della distinzione tra servità rustiche ed urbane, Torino,
1895, § 1°, pag. 3 e nota 7.
(19) Waldeck, Institutiones juris civilis, Conimbricae,
1849, § 242, Glück, Commentario alle Pandette, vol. 8.º, pag.
100.
11
CAPITULO I SECÇAO I § 3.º
"Eodem numero (das res incorporales), sunt
jura praediorum urbanorum, quae etiam servi-
tutes vocantur,, (
20
).
E cumpre accrescentar que, si o titular de
uma servidão pudesse constituir sobre esta outra
servidão, prejudicaria o proprietario da coisa
gravada. "Nec usus, diz Paulo, nec ususfructus
itineris, actus, viae, aquaeductus legari potest,
quia servitus servitutis esse non potest,, (
21
).
Dahi, o principio: servitus servitutis esse
non potest. Assim, o predio pro indiviso não
de ser gravado de servidão, da qual seja titu-
lar um de seus condominos. Outrosim, o predio
que é propriedade exclusiva de um dos condo-
minos de outro predio, nãode ter servidão
constituída sobre o predio commum (22).
* *
*
4. Jus et onus. Toda a servidão é factor
de vantagem e de onus: vantagem,jus, para o
seu titular, o dono do predio dominante; onus
para o dono do predio serviente. Augmenta o
direito de um, e diminue o direito de outro.
Diminue o direito do cedente, e augmenta
o direito do cessionario: "jus suum deminuit,
alterius auxit,, (23).
A servidão, ensina Miraglia, póde tomar-se
em sentido activo e em sentido passivo, con-
(20) Pr. e §§ 1.° e 3.°, Insts., liv. 2.°, tit. 2.°, de rebus cor-
poralibus et incorporalibus.
(21) Frag. 1.°, Dig., liv. 33, tit. 2.°, de usu et usufructu, (et
reditu), et habitatione et operis per legatum vel fidei-commissum
datis.
(22) Frag. 8
o
, § 1.°, Dig., liv. 8.º, tit. l.°, de servitutibus;
Salivas et Bellan, Èléments de droit romain, Paris, vol. l.°, pag.
495.
(23) Arnò, obra citada, § 1.9, pag. 2, nota 3.
12
3.° DAS SERVIDÕES EM GERAL
forme augmenta ou diminue a propriedade. Em
sentido activo, isto é, em relação á pesa ou á
coisa, em cujo favor é estabelecida, é um direito
sobre a coisa alheia, em virtude do qual o pro-
prietario é obrigado, em vantagem de uma pessôa
ou de um predio, a tolerar, ou a o fazer o que
poderia, como proprietario, não soffrer ou fazer.
Em sentido passivo, isto é, em relação á coisa gra-
vada, é um peso imposto sobre um predio, em
proveito de uma pessôa ou de um outro predio(
24
).
* «
5. Servitus non praesumitur.—Servi
dão não se presume. Em caso de duvida, deci-
de-se contra ella, e em favor da plena liberdade
do domínio, que é a regra natural. A regra geral
é que o domínio é, de sua natureza, livre. A servi
dão é uma exceão a essa regra. Por isso, as
normas attinentes ás servidões devem ser inter
pretadas restrictivamente, do modo menos onero
so possível para o proprietario da coisa gravada(
25
).
*
6. Civiliter modo.—O titular da servidão
deve exercital-a estrictamente nos termos de sua
constituição e de inteiro accôrdo com o fim
da mesma servidão, sem sahir dos limites das
necessidades a que ella buscou satisfazer (
25
).
(24) Miraglia, Filosofia del diritto, Napoli, 1893, pag, 416.
(25) Frag. 9.°, Dig., Liv. 8.°, tit, 1.°, de servitatibus; frag.
13, § 1.°, Dig,liv.8.°, tit. 4.°, communia praediorum, tam urbano-
rum, quàm rusticorum; const. 9.º, Cod., liv. 3.°, tit. 34, de
servitutibus et aqua; Van Wetter, Cours de droit romain, § 242.
CAPITULO I -SECÇÃO II §§ 4.º e 5º
SECÇÃO II
Das servidões reaes
SUMMARIO
§ 4.º Noção de servidão real. §5.° Divisão das
servidões reaes. § 6.º Princípios fundamentaes
communs ás servidões reaes.
§4.º Noção de
servidão real
Servidão real ou predial é a que grava um
predio em proveito de outro predio (
2
)
A servidão, que grava o predio em proveito
de certa e determinada pessôa, extingue-se com
a morte dessa pessôa. A servidão real, pelo con-
trario, não se extingue com a morte de quem quer.
Para haver servidão pessoal, basta um pre-
dio. Para haver servidão real ou predial, o
necessarios dois predios: o dominante e o ser-
viente. " Servitutes praediorum appellantur, quo-
niam sine praediis constitui non possun diz
Justiniano nas Institutas 3.°, liv. 2.°, tit. 3.°,
de servitutibus).
§ 5.°
Divisão das servidões reaes
1. Concurso de dois predios.—O con-
curso de dois predios é condição sine qua non da
(26) Frag. 6.°; frag. 36, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus
praediorum rusticorum; Demangeat, Cours élémentaire de droit
ramain,3ª edição,Paris, 1876,vol. l.°,pag. 508; Glück,obra citada, § 621,
vol. 7.°, pag. 12.
§ 5.° DAS SERVIES REAES
constituição e existencia da servidão real ou
predial: o predio que recebe augmento advin-
do da servidão, praeditim dominans, cai debetur
servitus, e o predio que soffre diminuão ad-
vinda da mesma servidão, praedium serviens,
quod servitatem debet
Sobre bens moveis o se póde constituir
servidão, porque, mudando-se de logar á von-
tade, nunca a sua situação poderia legitimar a exi-
gencia de uma tal restrião á propriedade alheia.
* * 2. Servidões urbanas e
rusticas. Ha duas classes de predios: predios
urbanos,praedia urbana, e predios rusticos,
praedia rustica. Predios urbanos são os
edifícios, dentro ou fóra da cidade. E predios
rusticos o os terrenos não edificados, fóra ou
dentro da cidade (
27
). "Urbana praedia, diz
Ulpiano, omnia aedifi-cia accipimus, non
solum ea, quae sunt in op-pidis, sed et si forte
stabu la sunt, vel alia meritoria in villis et in
vicis" (
28
). Os edifícios romanos eram: uns,
urbanosaedes; outros, rusticos, villae,
conforme o uso a que eram destinados (Frag. 41,
§ 5.°, Dig., de legatis et fidei-commissis; frag.
180, pr.,Dig., de verborumsi-gnificatione). Esta
subdivio o importa para o caso. (Frag. l.°,
pr., Dig., liv. 8, tit 4). Calcada nesta dualidade
de predios, distribuídos em
(27). Frag. l.º, Dig., liv 8.º, tit. 4
o
, communia praediorum,
tam urbanorum, quàm rusticorum; frag. 5.°, § 1.°; frag. 24 e
frag. 33, $ 1, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibuspraediorum
rusticorum. Conf. Glück, obra citada, § 630, vol. 7.°, pag. 126
e notas 30 e 31. J
(28). Frag. 198, Dig., liv. 50, tit. 16, de verborum significatione.
CAPITULO I - SECÇÃO II § 6.°
urbanos e rusticos, e consultando a natureza das
servidões (propriamente ditas, que o as reaes),
formulou o direito romano a aivisão das ser
vidões em
a) servidões urbanas e
b) servidões rusticas (
29
).
Existem varias servidões urbanas, como se-
jam, entre outras:
a) onus ferendi,
b) tigni immittendi, c)
stillicidii,
d) altius non tollendi (
30
).
§6.0
Principios fundamentaes communs tis
servidões reaes
1. Concurso de dois predios. Todas as
servidões reaes ou prediaes ou ainda simples-
mente todas as servidões, supõem essencial-
mente dois predios, comodeixámos notado:
o dominante e o serviente. E não pódem ver-
sar sobre coisas moveis, como dissemos, e de
sua definição bem facilmente se infere.
Sem o concurso simultaneo de duas proprie-
dades immoveis não de haver servidão. Reates
servitutes sine praedio dominante et serviente
esse nequeunt (31).
Sobre esta condão basica das servidões
reaes ou prediaes são calcados os princípios
(29). Frag. 3.°; Dig., liv 8.°, tit 1.º, de servitutibus;
Glück, obra citada, § 622, vol. 7.°, pag. 21;
Lafaye,tte," Direito das cousas, § 119, n. 1. (30).
Wàldeck, obra citada, § 284. (31). Voet, Ad
Pandectas, liv. 8.º, tit. l.º, § 3.º
§ 6.° DAS SERVIDÕES REAES
fundamentaes, que as regulam em todas as suas
relações jurídicas.
Eis os mais notaveis destes princípios:
2. Servitus fundo utilis esse debet.—
A servidão deve sempre produzir, em favor do
predio dominante, independentemente da pessôa
de seu proprietario, uma utilidade real, immedia-
tamente proveniente do proprio predio servi-
ente. Si o produz utilidade alguma, não é ser
vidão. Servitus fundo utilis esse debet (32).
*
3. Praedia esse debent vicina. - Os
dois immoveis em relação de servidão devem
ser visinhos, tanto quanto o exigirem a especie
de servidão e as necessidades do predio domi
nante, a que o serviente tém de satisfazer. Si
fôrem distantes um do outro, a servidão estará
desvirtuada, porque não poderá eno servir um
ao outro, consentaneamente com a natureza das
servidões. Praedia esse debent vicina. A visi-
nhança é condão fundamental da maior rele
vancia nas servidões prediaes (33).
*
* *
4. Adherencia perpetua. As servidões
adherem perpetuamente aos respectivos predios
(32). Frag. 15, pr., Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de servitutibus;
Ihering, L'esprit da droit romain, traducção de Meulenaere,
3
a
. edição, Paris, 1886, § 38, vol. 2.º pag. 288.
(33). Frag. 5.°, § 1.°, Dig, liv. 8.°, tit., 3.º de servitutibas
praediorum rusticorum; Ihering, obra citada, § 38, vol. 2.°, pags.
227-8.
17
CAPITULO I SECÇÃO II
§6.º
ao dominante, sujeito activo ou titular da servidão,
como direito; ao serviente, sujeito passivo, como
onus. Com elles nascem, vivem e morrem. Assim,
não pódem ser alienadas nem hypothecadas sepa-
radamente do predio a que servem. E quem ad-
quire o predio, adquire implicitamente as re-
spectivas servidões, quer activas, quer passivas (34).
5. São qualidades dos predios. — As
servies o consideradas pelo direito romano
como qualidades as do predio dominante,
analogas á abundancia, á fertilidade, á salubri-
dade, e como qualidades más do predio ser-
viente (35).
6. Destino economico do predio domi
nante. — Limitando a amplitude desses con
ceitos, estabeleceu o direito romano outro prin
cipio, segundo o qual, as servidões prediaes
devem ser motivadas pelo destino economico
do predio dominante, de sorte que as necessi
dades deste é que determinam o objecto e a
extensão da servidões (36). Estas devem ser exer
citadas estrictamente nos limites das exigencias
(34). Frag. 23, § 2.°, Dig., liv. 8.º, tit. 3.°, de servitutibus
praediorum rusticorum; Lafayette, Direito das cousas, § 115, ns.
3 e 4; Marezoll, obra citada, § 106.
(35), Frag. 86, Dig., liv. 50, tit. 16, de verborum significa-
tione: Quid aliud sunt jura praediorum, quàm praedia qualiter
se habentia, ut bonitas, salubritas, amplitudo. Lafayette, obra
citada, § 115, n. 3; Bonjean, Institutas, n. 1009, vol. 1.°, pag.
530; Arnò, obra citada, § 3.°, pag. 14.
(38) Frag. 5.º § 1.º, Dig., liv. 8.°, tit. 3º, de servitutibus
praediorum rusticorum; Ihering, obra citada, § 38, vol. 2.º, pag.
227 ; Marezoll, obra citada, § 106. Veja-se o § 23, adeante.
§ 6.° DAS SERVIDÕES REAES
das necessidades, isto é, do modo menos one-
roso possível para o dono do predio serviente (
37
).
*
7. Indivisibilidade das servidões. As
servidões são indivisíveis, quer consideradas
pelo lado activo, quer pelo passivo; quer ma
terialmente, quer ideialmente. Não se adquirem
nem se perdem por partes. "Et servitutes divi
di non possunt, diz Pomponio, nam earum usus
ita connexus est, ut quie um partiatur, naturam
ejus corrumpat. Est tota in toto et in qua-
libet parte. "Per partes nec acquiri nec imponi
servitutes posse" (
38
).
"Ab initio per partes adquiri non poterif
(
39
). Por isso, "unus ex dominis communium
cediam servitutem imponere non potesf (40).
*
* *
8. Dividido um predio, a servidão af-
fecta in totum cada parte. — O seguinte
(37) Frag. 9.º, Dig., liv. 8.°, tit. 1.°, de servitutibus; frag. 20. §
1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 2°; frag. 13, § 3.°, Dig., liv. 8.º, tit. 3.º, de
servitutibus praediarum rusticorum; Glück, §§ 676 e 677, vol.
8.°, pags. 280 e 285-6; Serafini, obra citada, § 80, pag. 206 e
nota 4; Ortolan, Explication historique des Institutos de
l'empereur Justinien, 12.º edição,Paris, 1883, vol. 2.°, n. 459,
pag. 334; Arnò, obra citada, § 3.°, pag. 14; Lafayette, obra
citada, § 118, princ. e nota 2; e § 125, n. 2 e nota 4; Pardessus,
obra citada, pag. 87.
(38) Frag. 32, Dig,, liv. 8.°. tit 3.º, de servitutibus prae-
diotum rusticorum; frag 6.°, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 4.°, commu-
nia praediorum, tam urbanorum, quàm rusticorum; Bonjean,
Obra citada, n. 1009, vol. 1.°, pag. 531.
(39). Frag. 8.°, $ 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de servitutibus (40)
Frag. 2.°, Dig., liv. 1º. tit. 1.°. de servitutibus; Será fini, obra
citada, § 80 e nota-, pag. 207; Lafayette, obra citada, § 116;
Bonfante, Istituizioni di diritto romano; Firenze, 1889, § 101.
CAPITULO I SECÇÃO II § 6.°
principio é corollario da indivisibilidade das ser-
vidões: Si o predio dominante ou o serviente é
dividido em poões, a servidão subsiste in-
tegralmente para cada poão."Si partem fundi
mei certam tibi vendidero, diz Pomponio, aquae-
ductus jus, etiam si alterius partis causa ple-
rumque ducatur, te quoque sequitur (
41
).
9. A servidão não se demanda por partes.
Outro corollario da indivisibilidade é que a
servio não de ser demandada por partes.
Desf arte, a sentença proferida a favor de um dos
condominos do preaio dominante aproveita,
quanto ao reconhecimento da servidão, a todos
os outros condominos, como si todos houvessem
sido auctores. " Si fundus, cui iter de-betur
plurium sit, unicuique in solidum com-petit
actio» diz Ulpiano (
42
).
Igualmente, a sentença proferida contra um
condomino do predio serviente, prejudica a
todos os outros condominos, como si todos
houvessem sido réos. "Sed et si duorum fundus
sit, qui servit, adversus unumquemque poterit ita
agi; et quisquis defendit, solidum debet resã-
tuere: quia divisionem haec res non recipif (43).
(
41
) Frag.35, Dig., liv. 8.°, tit.3.º, de servitatibus praediorum
rusticorum; frag. 10, Dig., liv. 8.°, tit.6.°, quemadmodum ser-
vitutes Huntur; Lafayette, obra citada, § 117, ns. 1 e 2:
(42) Frag. 4.°, § 3.°, Dig., liv. 8.°, tit. 5,º, si servitus vin-
dicetur vel ad alium pertinere negetar; Lafayette, obra citada, §
117, n. 3. e § 135, n. 3. Veja-se o § 71, n. 9.
(43) Arno, obra citada, § 7.°; Glück, obra citada, § 622, vol.
7.°, pag. 21; Bonjean, obra citada, vol. 1.°, pag. 525: Lafayette,
obra citada, § 119, n. 1.
7 DAS SERVIES RUSTICAS
SECÇÃO III
Das servidões rusticas
SUMMARIO
§7.º Noção de servidão rustica.
§ 8.º Especies de servidões rusticas.
§ 7.º Noção de servidão
rustica
1. Distincção entre servidão urbana e
rustica. —Vimos que as servidões reaes subdi-
videm-se em urbanas e rusticas ou ruraes. E
ha grande controversia entre os interpretes do
direito romano sobre qual deva ser o criterio
dessa distincção. Sustentam uns que é o predio
dominante: si este é rustico, a servidão é rustica
Si é urbano, a servidão é urbana.
Outros, pelo contrario, sustentam que a
servidão é rustica ou urbana, conforme o pre-
dio serviente é rustico ou urbano. E tém-se dado
tal importancia ao assumpto, que Arnò escreveu
sobre o mesmo uma monographía de perto de
300 paginas, sob o tituloDella distinzione tra
servitu rustiche ed urbane, que é a obra mais com-
pleta, que temos a respeito. Aquella primeira
corrente é a que m contado maior numero de
adeptos. A segunda, a que faz criterio do pre-
dio serviente, está hoje abandonada.
A primeira encontra embaraço no facto de
haver servidão rural, como a de caminho, que
pode ser constituída em proveito de um predio
CAPITULO I
SECÇÃO III
§7.°
urbano. Não satistaz, pois. A segunda, por sua
vez, encontra embaraço no facto de haver
servidão urbana, como a stillicidii recipiendi, que
póde ser constituída em vantagem de um predio
rustico. Esta corrente não satisfaz tão pouco. O
criterio distinctivo das duas especies de servidão
não é a natureza do predio dominante, nem o
pouco a do predio serviente, mas sim a natureza
da propria servidão, o seu conteúdo. Si a
servidão o é concebível ou exercitavel,
independentemente da ideia de edifício ou con-
strucção, é servidão urbana. Pertinet ad super-
ficiem. Si é concebível e exercitavel, sem en-
volver essa dependencia de um predio urbano,
é servidão rural. Pertinet ad solam. Este é o
criterio que se depara no texto de Paulo (frag.
3.º, Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de servitutibus): «Ser-
vitutes praediorum aliai in solo, alia in super-
fície consistunt. E no de Javoleno, quod ad
solum magis qm ad superficiem pertine (43).
* *
2. Servidões propriamente ditas. Ser-
vidões propriamente ditas o sómente as reaes
ou prediaes, jura praediorum. o as servidões
por excellencia. Por isso, frequentemente são de-
nominadas, em direito romano, apenas pela pa-
lavra servitutes, desacompanhada de qualificativo.
E são muito mais antigas que as pessoaes,
desconhecidas no primitivo jus civile de Roma.
3. Noção. Servidão rustica é, pois, aquella
que adhere aolo, in solo consista, ad solum
22
§8.°
DAS SERVIDÕES RUSTICAS
pertinet, sem relão necessaria com os edifí-
cios, que por ventura nelle existam.
§ 8.º Especies de
servidões misticas
Lemos nas Instituías de Justiniano, liv. 2,
tit. 3.°, de servituiibus, o seguinte:
"Rusticorum praediorum jura sunt haec:
iter, actus, via, aquaeductus".
No Digesto, liv. 8, tit. 3, de servituiibus
praediorum rusticorum, deparamos com este
texto de Ulpiano: «Servitutes rusticorum praedi-
orum sunt hae: iter, actus, via, aquaeductu.
Parece, á vista destes textos, que as servidões
ruraes são apenas quatro. Assim, pom, não
acontece. Nesse mesmo titulo das Insts., lemos
(§ 2.°): «-In rusticorum praediorum servitutes,
quidam computari rectè putant aquae haustum,
pecoris ad aquam adpulsus, jus pascendi, calcis
coquendae, arenae fodienaue , que Agostinho
de Bem Ferreira traduz em vernaculo pela se-
guinte fórma: «Entre as servidões rusticas, se
contam tirar agua, levar o gado a beber, o di-
reito de pastar o gado, cozer a cal e cavar a
areia . Este texto é o mesmo de Ulpiano, que
faz o citado frag. do Dig, § 1.°
No frag. 5.°, § 1.°, Dig., liv. 8°, tit 3.°,
de servituiibus praediorum rusticorum, Ulpiano
accrescenta a servidão cretae eximendae. No frag.
immediato, 6.°, refere ainda outras.
notámos, com relão ás servidões reaes
em geral, que o seu numero é indeterminado,
CAPITULO I SECÇÃO III § 8.°
havendo tantas, quantas as especies de utilidade
que possa um predio tirar de outro predio, de
acrdo com os principios reguladores do instituto
das servidões. A mesma consideração, pois, ap-
plica-se ás servidões rusticas. E, de facto, assim
é: ha muitas especies de servidões rusticas. Ut
urbanorum, diz Voet, ita et rusticorum servitu-
tum plures in jure species occurrunt (44).
tis as mais importantes, começando pelas
quatro mais antigas e unicas conhecidas no
primitivo jus civile de Roma:
a) iter
b) actus, Servidões de caminho.
c) via,
d) aquaeductus,
e) aquae haustus,
f) pecoris ad aquam adpulsus,
g) jus pascendi, e h)
caleis coquendae.
As cinco primeiras, conrtitutivas dos jura
itinerum e jura aquatum, primam pela sua ve-
tustez e importancia na vida. do povo romano
e, certo, na de todos os povos, maximè daquelles
mais dados á cultura dos campos, e, mais
ainda, na phase de sua pujança agrícola
Para os povos pastores, a preeminencia é
daquellas pue figuram sob as lettras f) e g).
O assumpto de nossa modesta monogra-
phia se entende com as tres primeiras servidões
rusticas: iter, actus e via.
(44)Agostinho de Bem Ferreira, Summa da Instituía com
remissões ao direito de que esta se deduz, Ordenações com que
se conforma, e doutrinas praticas, Lisboa, 1746, pag. 133; Voet,
Ad Pandectas, liv. 8.º, tit.°, § 1.°
CAPITULO II Das
servidões de caminho
PRELIMINARES
SUMMARIO
§ 9°. Não de caminho.
§ 10. Divisão aos caminhos.
§11. Genese das servies de caminho.
§ 12. Noção de servidão de caminho.
§ 18. Evolão das servidões de caminho.
§ 14. Importancia das servidões de caminho.
§ 16. Natureza do conteúdo das servidões de
caminho. § 16. As servidões de
caminho o servidões
positivas. § 17. As servidões de
caminho são desconti-
. nuas. § 18. As servidões de caminho,
em regra, são
apparentes.
§9.º Noção de
caminho
Caminho, em geral, se diz o espo de ter-
reno que serve para commnnicação de um logar
a outro. E' a faixa de terreno destinada ao
transito. Ou, como diz Pereira e Sousa, caminho
o nome que se ás estradas e espaços por
onde se transportam as pessôas e as coisas de
um logar para outro (45).
(45). Pardessus, obra citada, pag. 370; Pereira e Sousa,
Diccionario jurídico, verb. caminho.
CAPITULO II § 10
§ 10
Divisão dos caminhos
1. Publicos, particulares e vicinaes.
Os caminhos dividem-se em tres especies, a
saber:
a) caminhos publicos, viae publicae,
b) caminhos particulares ou privados, viae
privatae, e
c) caminhos vicinaes, viae vicinales.
Viarum quaedam, diz U/piano, publicae
sunt, quaedam prívatae, quaedam vicinales"
(
46
). Caminhos publicos, continua Ulpiano, o
aquelles que os gregos chamavam reaes, os
nossos—pretorianos, e outros—consulares: Pu-
blicas vias dicimus, quas Graeci (está uma pa-
lavra grega), id est, regias, nostri praetorias,
alli consulares vias appellant (
46
).
Caminhos privados são os chamados agra-
rios: Privatae sunt, quas agrarias quidam
dicunt (46).
Caminhos vicinaes o aquelles que eso
nas aldeias ou a ellas conduzem: Vicinales
sunt viae, conclúe Ulpiano, quae in vicis sunt,
vel quae in vicos ducunt> (
46
). Como se vê, esta
tríplice divisão não é bastante logica, porque o
terceiro membro, viae vicinales, ince-se, ora
no primeiro, viae publicae, ora no segundo, viae
prívatae, porquanto, embora as viae vicinales
sejam, em regra, caminhos privados, entretanto
(46). Frag. 2.o, § 22, Dig., liv. 43. tit. 8.°, ne quid in loco
publico, vel itinere fiat; Savigny, Système de droit romain,
traducção franceza de Guenoux, § 196, vol. 4.º, pag. 489.
§ 10 DAS SERVIDÕES DE CAMINHO—PRELIMINARES
são, ás vezes, publicos. Como quer que sejam,
porém, este terceiro membro deveria, numa divi-
são mais logica, ser objecto de uma subdivisão.
Não queremos, com isto, censurar o grande
discípulo ae Papiniano, pois bem sabemos que
as questões de caminho estão intimamente li-
gadas ás divisões territoriaes de cada paiz e até
de cada localidade.
* *
Os caminhos publicos são logares publi-
cos. Publici loci appellatio ad vias publicas,
itineraque publica pertineat (
47)
.
Os privados ou particulares o logares
particulares.
Os vicinaes o logares, ora publicos, ora
privados. Esta tríplice divisão dos caminhos do
direito romano vém exposta por Savigny, no
seu Systema de direito romano, § 196, vol.
4, pag. 489, e por Teixeira de Freitas (48).
* *
2. Coisa publica e coisa privada.—Vém
a llo consignar aqui uma observão relativa
ao critrio da distinão entre coisa publica e
privada. A palavra publico toma-se em duas ac-
ceões, significando, ora o que é de proprie-
dade do povo, ora o que é de uso do povo. O
mesmo acontece com a palavra privado, que
(47). Frag. 2.°, § 3.°, Dig, liv. 43, tit. 8.° citado. (48). Teixeira
de Freitas. Consolidação das leis civis, 3.º edição, nota 15
ao art. 1333.
CAPITULO II § 10
significa ora o que é de propriedade particular, ora o
que é de uso particular (
49
).
3. Divisão do direito patrio. —No direito
patrio, os caminhos dividem-se em publicos e
privados ou particulares. "Nós distinguimos ca-
minhos publicos e particulares, diz Pereira e
Sousa. Aquelles, ou são estradas reaes, que
conduzem de uma cidade, ou de uma villa a
outra, ou azinhagas, que conduzem de uma
para outra estrada. Estes (os caminhos parti-
culares) são os que communicam uns predios
com outros" (50)
* *
4. Subdivisões. — Os caminhos publicos
subdividem-se em
a) caminhos federaes,
b) caminhos estaduaes e
c) caminhos municipaes.
*
* *
5. Servidão de caminho e caminho
publico.—"Não se deve confundir a servidão de
transito, diz Lafayette, com os caminhos publicos
geraes, provinciaes e municipaes. Os caminhos
publicos não o servidões na accepção jurídica,
mas onus impostos á propriedade immovel por uti-
(49). Gianzana, Le acque nel diritto civile italiano, Torino,
1879, vol. 1.°, n. 1 e nota 1, e n. 2.
(50). Pereira e Sousa, Diccionario jurídico, verb. caminho.
§11 DAS SERVIES DE CAMINHO—PRELIMINARES
lidade, não de outros predios, mas das pesas"
(51). Os caminhos federaes ligam Estados.
Os estaduaes ligam municípios.
Os municipaes ligam pontos comprehendi-
dos dentro do mesmo município.
Os caminhos publicos, observa Laxe, são
estradas; os caminhos particulares são trilhos,
atalhos, verêdas, caminhos no sentido restricto (
52
).
*
* *
6. Atravessadouros. Observa Teixeira
de Freitas que aos caminhos vicinaes do direito
romano correspondem os caminhos particulares
e atravessadouros, de que fala a nossa lei de 9
de julho de 1773, § 12, confirmada pelo decre-
to de 17 de julho de 1778, e consolidada pelo
mesmo Teixeira de Freitas, Consolidação, art.
957, bem como pelo auctor da Nova consoli-
dação (
53
).
Tambem correspondem aos vicinaes romanos
os caminhos de que fala o nosso regulamento
n. 720 de 5 de setembro de 1890, art. 65, §
unico.
§ 11.° Genese das
servidões de caminho
Primitivamente, quando a terra ainda era
de ninguem, res nullius, e o homem, então sem
(51). Lafayette, obra citada, § 130, nota 1. (52). Cortines Laxe,
Regimento das camaras municipaes, 2.ª edição, 1885, pag. 181.
( Carlos de Carvalho, Nova consolidação, art. 606.
29
CAPITULO II
§
10
estabilidade, vagava de sitio em sitio, em busca
de sua frugal alimentação, disputada ás féras,
não era possível haver servidão de especie al-
guma, pois nem propriedade territorial havia.
Tornado o homem, de caçador, pastor e
agricultor, teve necessidade de fixar-se no lo.
Com isto surgiu uma relão nova: a de visi-
nhaa, necessaria pela natureza das coisas e
necessaria tambem pela exigencia da defesa
contra os ataques dos animaes bravios e mes-
mo de agrupamentos humanos hostis. A neces-
sidade da adaptação a este novo modus vivendi
fez surgir e desenvolver-se o espirito de socia-
bilidade. Parallelamente appareceu e desenvol-
veu-se a necessidade da troca de auxilios e da
troca de productos, que pouco a pouco, lenta e
gradualmente, gerou o commercio. As vias de com-
municão tornaram-se destarte uma necessidade
ineluctavel na vida do homem e dos agru-
pamentos sociaes, e um factor importantíssimo
do seu progresso individual e social.
Estabeleceram-se, pois, os caminhos, uns
por motivo de ordem publica, para a satisfação
de necessidadesprincipalmentesociaes; outros
por motivo de ordem privada, para a satisfação
de necessidades—principalmente- individuaes.
Os primeiros o os caminhos publicos, os
quaes não constituem servidões no sentido te-
chnico da palavra, mas onus impostos á proprie-
dade territorial, em proveito do publico, e não de
outros predios.
Os segundos, quando instituídos sobre um
predio, em proveito de outro predio visinho,
constituem as servidões de caminho, tambem
§§ I2 e l3-DAS SERVIDÕES DE CAMINHO—PRELIMINARES
denominadas servies de transito e servidões
de passagem, que são expressões synonymas (54)
§ 12
Noção de servidão de caminho
Servio de caminho é, pois, a que com-
mumica um predio com outro predio ou com a
estrada publica, atravez do predio ou predios
intermedios (
55
).
§ 13
Evolução das servidões de caminho
1. Direitos pessoaes e direitos reaes.—
Nos primeiros tempos do direito romano não exis-
tia a distincção, que mais tarde se fez, de direito
real e direito pessoal. A homogeneidade caracte-
rística da infancia de todas as instituições impera
tambem no direito. A separação do direito das
pessôas e do direito relativo ás coisas, diz Sumner
Maine, carece de sentido na infancia do direi-
to... as distincções dos ultimos juristas
convêm aos ultimos tempos.. (
56
).
(54) O decreto federal n. 720 de 5 de setembro de 1890
(regulamento da divisão e demarcação das terras particulares),
art. 65, § unico, usa da primeira expressão—servidão de ca-
minho. As outras expressõesservidão de transito e servidão
de passagem—encontram-se a cada momento, ao estudo do
assumpto. Lafayette, obra citada, § 130, n. 1.
(55) Pr. Insts., liv. 2.°, tit. 3.°, de servitutibus; frag l.o,
Dig., liv. 8.°, tit. 3.º de servitutibus praediorum rusticorum;
Lafayette, obra citada, § 130, n. 1.
(56) Cogliolo, Saggi sopra Pevoluzione del diritto pri-vato,
Toríno, 1885, pag. 91; Sumner Maine. Ancien droit, trad. de
Courcelle'Seneuil, pag. 244, citado pelo mesmo Cogliolo.
CAPITULO II
§ 13
2. Direitos reaes primitivos.—Num estado
mais adeantado da evolução jurídica é que se
operou uma differenciação e surgiu então a
distincção entre direitos pessoaes e direitos
reaes.
Os, primeiros direitos reaes conhecidos pe-
los romanos foram algumas servidões prediaes
rusticas, que, na opinião de muitos, remontam
á lei das XII taboas.
Quatro o essas mais antigas servidões
conhecidas no direito romano, a saber:
a) Rivus, mais tarde denominada aqueduc-tus
(servidão de passagem de agua); b) Aqua,
mais tarde denominada aquae-haustus
(servio de tirar agua do po ou fonte do
visinho);
c) Iter (servidão de caminho), e
d) Actus (servidão de caminho mais ampla
que a primeira).
Estas quatro servidões rusticas são os jura
itinerum et aquarum referidos por Cicero.
Uma prova de sua vetustez está em que
estas servidões foram contempladas em o nu-
mero das res mancipi, o que ao mesmo tempo
dá ideia da. sua grande importancia entre os
romanos, dedicados á agricultura (57).
(
57
) Cogliolo, Storia del diritto privato romano, $ 49; Filosofia
del diritto privato, § 23; Gaio, Insts., commentario II, §§ 29 e
31, traduzidas e commentadas por Pellat, Paris, 1844, pag. 100;
Mommsen, Histoire romaine, vol. l.°, pags. 229-31.
32
§ 13 DAS SERVIDÕES DE CAMINHO—PRELIMINARES
3. Differenciação dos jura itinerum. -Non
igitur fuerunt servitutes uno impetu rece-ptae,
sed paulatim inductae, utilitate impellente, lê-se
em Solon (
58)
.
A principio, a servidão de caminho era em
Roma uma instituição homogenea, que consti-
tuía todos os jura itinerum indistictamente.
A palavra iter, derivada de ire, comprehendia
eno todos esses jura indefinidos, tendò, portan-
to, uma significação mais ampla do que a que
lhe foi mais tarde attribuida pelo direito roma-
no. Num estadio mais adeantado da evolão,
operou-se uma differenciação nesse todo homo-
géneo, e os jura itinerum desdobraram-se em
dois ramos, constituindo duas especies de servi-
dão de transito, a saber:
a) iter e
b) actus.
Proseguiu a evolução, sobreveiu nova dif-
ferenciação, e de actus destacou-se a via, a mais
recente e a mais importante de todas as ser-
vidões de caminho romanas. Eis, pois, a mar-
cha evolutiva das servidões de caminho no di-
reito romano:
a) iter, a mais antiga e a menor de todas;
b) actus, a média no tempo e na extensão, e
c) via, a mais nova e a maior de todas.
Esta tríplice gradação, perfeitamente accôr-
de com a lei da evolução, a que estão sujeitos
(58) Solon, Traité des servitudeselles, Paris, 1837, in-
troducção, pag. XV.
CAPITULO II
§ 14
todos os phenomenos de todas as ordens, con-
forme vem exposto em nossos Ensaios de phi-
bsophia do direito, bastou para a satisfão de
todas as exigencias do progresso no seio daquel
le povo, até o seu desapparecimento do mappa
das nações. Resume, pois, o ultimo estadio da
evolução do instituto sujeito.
§ 14
Importancia das servidões de caminho
A importancia desta especie de servidão
rural ou rustica é evidente e sobejamente com-
provada pelas fontes. Basta attender para sua
immensuravel utilidade e imprescinvel neces-
sidade na agricultura e para o grande numero
de normas que o direito lhe dispensa.
Imagine-se uma fazenda de terras de pri-
meira ordem, bem montada, com todos os re-
quisitos de uma bôa propriedade agricola, mas
encravada ! e ra de duvida sua grande im-
portância o facto de terem ellas sido conside-
radas res mancipi pelo antigo jus civile roma-
norum. Demais, são do numero das servidões
por excellencia, servitutes per excellentiam.
E não seriam res mancipi, nem servidões
por excellencia, si não exercessem de facto
influencia decisiva na economia agrícola romana
(
59
).
(59) Mommsen, Histoire romaine, vol. 1.°, pags. 229-31.
§§ 15 e 16-DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
PRELIMINARES
Outra prova, e mui robusta, de sua im-
portancia, é o facto de terem sido as primeiras
creadas pela relação de visinhaa. Tém, pois,
razão Marezoll, quando diz 106) que as ser-
vidões itineris, actus e viae (e aquaeductus) são
as mais interessantes para um povo dado á
agricultura.
§ 15
Natureza do conteúdo das
servidões de caminho
As servidões consistem no facto de poder
o proprietario do predio dominante passar pe-
lo predio serviente. E' acto independente em si,
e concernente ao predio serviente de modo
mediato, ao contrario do que se dá, v. g., com
a servidão tigni immittendi, que consiste em um
facto que se liga de modo immediato á posse
mesma do predio serviente (60).
§ 16
As servidões de caminho são servidões
positivas
Todas as servies são, segundo os ipter-
retes, positivas ou negativas. (Veja-se o §
3.°, n. 1). O direito conferido pela servidão
ao
(60) Savigny, Traité de la possession en droit romain,
traducção de Staedtler, 7.ª edição, Paris, 1866, § 46; Lafayet-
te, obra citada, l19, nota 8.
CAPITULO II
§ 16
seu titular consiste, para este, in faciendo ou in
prohibendo. In faciendo, quando a servidão attri-
búe a seu titular a faculdade de praticar no pre-
dio alheio actos que, sem existir a mesma ser-
vidão, não poderia elle praticar. In prohibendo,
quando a servidão attrie a seu titular a fa-
culdade de prohibir que o dono do predio ser-
viente pratique actos que, antes da servidão, po-
dia elle praticar no seu predio.
As primeiras o as servidões positivas ou
affirmativas. As segundas o as servidões pro-
hibitivas ou negativas.
Esta divisão, que m a vantagem de me-
morar a regra—servitus in faciendo consisíere
nequit, é feita sob o ponto de vista do con-
teúdo das servidões (
61
).
E tém assento no texto de Pomponio,
que faz o frag. 15, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 1.°,
de servitutibus (
61
).
*
* *
Savigny chama á servidão positivaservitus
qnae in patiendo consistit; e á servidão nega-
tiva servitus quae in non faciendo consistit (
62
).
Já se vê que as expressões in patiendo e in
non faciendo se referem ao dono do predio
serviente. Representam o onus que sobre elle
pesa.
E as expressões in faciendo e in prohi-
bendo se referem ao dono do predio dominante.
(61) Arnò, obra citada, $ 4.°, pags. 15 e 16. (62).
Savigny, Tratado da posse, § 46.
§§ DAS SERVIES DE CAMINHO—PRELIMINARES
Representam a vantagem que lhe attribúe a
servidão.
Ora, isto posto, é claro que as servidões
de caminho, consistentes na passagem ou transito
pelo predio alheio,o servidões positivas.
§ 17
As ar servidões de caminho são
descontinuas
Os interpretes, fundados no frag. 14, pr.
de Paulo, Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de servitu-
tibus, e no frag. 20, pr., do mesmo juriscon-
sulto, Dig., liv. 8.º, tit. 2., de servitutibus prae-
diorum urbanorum, dividem as servidões em
continuas e descontinuas. Continuas são as
que se exercitam independentemente de facto
do homem, como, v. g., a servidão de faque-
ducto. Possessione retinentur, nos termos do
citado frag. 20, pr., de Paulo. Descontinuas são
aquellas, cujo uso depende de actos pessoaes
do dono do predio dominante, como seja, v. g.,
a servidão de tirar agua, aquaehaustus. Estas
o taes, ut non habeant certam continuamque
possessionem, nos termos do outro frag., tam-
bem citado, do mesmo jurisconsulto.
Esta divio, está-se vendo, assenta sobre o
modo do exercício da servidão (
63
). Ora, deante
do exposto, é claro que as servidões de cami-
nho são descontinuas. E Paulo dil-o naquelle
(65) Serafini, obra citada, § 79; Lafayette, obra citada, §
119, n. 3.
37
CAPITULO II
§ 18
frag. 14, pr., ibi: «nemo enim tam perpetuo, tam
continenter ire potest, ut nullo momento possses-
sio ejus interpellari videatur».
§ 18
As servidões de caminho são, em regra,
apparentes
Os interpretes do direito romano dividem
ainda as servidões em apparentes e o
apparentes. Apparentesaquellas que se mani-
festam por signaes exteriores, como a de pas-
sagem de agua, aqueducto. Não apparentes
aquellas, que se o revelam por signaes visí-
veis, como a de não levantar o edifício mais alto,
servitus altius non tollendi (64).
As servidões de caminho, salvo o caso de
não ser visível o caminho serviente, são servi-
dões apparentes, porque, commumente, os ca-
minhos constituem signaes bem visíveis. Esta
divisão, porém, o tem assento nos textos do
direito romano: é creação dos seus interpretes.
E tém sua importancia com relação ás normas
reguladoras da acquisição das servidões (
65
).
(64) Serafini, obra citada, § 79; Lafayette, obra citada, §
119, n. 3.
(65) Lafayette, obra citada, § 119, n. 3: § 133, n. 5 e nota 9.
CAPITULO III
Principios fundamentaes
communs ás servidões de
caminho.
SUMMARIO
§ 19. Non debet, cut plus licet, quod minus
est non licere. § 20. As servidões de
caminho in solo con-
sistunt. § 21. A quem incumbem? as
despesas com a
abertura e conservação dos caminhos? §
22. A quem incumbe a prova da» servidões
de caminho?
§ 19
Non debet; cui plus licet, quod minus est
non licere.
Com relação ás servidões de caminho, vi-
gora o principio ensinado por Ulpiano, no frag.
21, Dig., liv. 50, tit 17, de regulis juris: Non
debet, cui plus licet. quod minus est non licere.
Assim, a servidão mais onerosa ince a menos
onerosa, e esta exclúe aquella. V. g., a servidão
viae inclúe a servidão actus, e esta exclúe a ser-
vidão viae (66).
(66). Pr. Insts., liv. 2.°, tit. 3.º, de servitutibus;frags. 1.º e 7.°,
Dig., liv. 8°., tit. 3º, de servitutibus praediorum rustico rum; frags. 21 e
110, Dig., liv.50, tit. 17; Lafayette, obra citada, § 130, n. 1; Didimo, As
servidões reaes, n. 347.
CAPITULO III
§§ 20 e 21
§ 20
As servidões de caminho in solo
consistunt
«Servitutes praediorum aliae in solo, aliae
in superfície consistunt, segundo o conceito
de Paulo (Frag. 3.°, Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de ser-
vitutibus).
As servidões prendem-se umas ao solo,
outras á superfície. As primeiras o as ruraes,
que adherem ao solo, sem relação necessaria com
os edifícios, e o inconcebíveis e inexercitaveis
sem a ideia de sólo.
As segundas são as urbanas, que
adherem á superfície, e o inconcebíveis e
inexercitaveis, sem a ideia de edifício ou
construcção. As servidões de caminho pertencem
ao numero das que in solo consistunt (
67
).
§ 21
A. quem incumbem as despesas com a abertura
e conserva- ção do caminho serviente?
Quem m uma servidão constituída em seu
favor m impcito o direito de praticar todos os
actos necessarios ao exercício desta servidão
(68). A constituição de uma servidão envolve
(67). Glück, obra citada, § 674, vol. 8.°, pag. 265; Lafa-
yette, obra citada, § 119, n. 1 e nota 2.
(68). Frag. 10, Dig., liv. 8.°, tit. 1.°; frag. 20, § 1.°, Dig.,
liv. 8.°, tit, 2.°; frag. 3.°, § 3.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3º; Mackeldey,
obra citada, § 320, n. 7. Veja-se o § 26, adeante.
§ 22 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAES COMMUNS
implicitamente a constituão de todas as servi-
dões accessoriamente necessarias ao exercício da
servidão expressamente concedida. Por exemplo:
Quem m a servidão de tirar agua, aquaehaus-
tus, tém tambem a servidão de caminho, servitus
itineris, sobre, o terreno do dono do poço ou
fonte. «Qui habet haustum, diz Ulpiano, iter
quoqae habere videtur ad hauriendum- (69).
Como a servidão, para o proprietario do
predio serviente, in faciendo consistere nequit
(§ 3.º, n. 1), o é este proprietario obrigado a
abrir o caminho serviente e nem a fazer as re-
parações ou concertos necessarios a seu uso e
a sua conservão.. O proprietario do predio do-
minante não tém na servidão titulo legitimo para
exigil-o do outro. Todas as obras necessarias ao
exercício e conservação das servidões, como aber-
tura dos caminhos servientes e suas reparações,
devem ser feitas á custa do titular da servidão (
70
).
§ 22
A. quem incumbe a prova das servidões
descaminho?
O domínio, direito real que vincula e le-
galmente submette ao poder absoluto de nossa
vontade a coisa corporea, na substancia, acci-
dentes è accessorios, e que tém como caracteres
ser illimitado e exclusivo, conforme ensina
(69). Frag. 3.°, § 3.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3.º; Lafayette, obra
citada, § 118, A. Veja-se o § 26, adeante
(
70
). Frag. 6.º, § 2.°, Dig., liv. 8.°, tit. 5.°; arg. do frag.
l5,§ 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 1.º; Mackeldey, obra cidadã, § 320. n.
7; Lafayette, obra citada, § 118, A. Veja-se o § 23, adeante.
CAPITULO III §22
Lafayette (Direito das cousas, § 24), presume-se
plenamente livre, isto é, presume-se que todos
os direitos elementares, que o constituem, estão
reunidos na pessôa do proprietario. Esta é a re-
gra. Qualquer limitão a ella posta constitúe
excepção e como tal o se presume, deve ser
provada, e soffre interpretação restrictiva. E' ma-
teria stricti juris, como o é toda a excepção.
A servidão, como ficou exposto (§ 1, n. 1),
é uma dessas excepções. Quilibet fundus liber
à servitutibus esse praesumitur. E deve ser in-
terpretada restrictivamente. Servitutes stric sunt
interpretando, diz Strykio (71).
Destes princípios decorre que a prova da
servidão incumbe a quem allega têl-a em seu
favor, de acrdo com o conhecido brocardo-
onus probandi incumba affirmanti. Ou, como diz
Paulo, «ei incumbit probatio, qui dicit, non qui
negat E, si o adduz prova, deve abstêr-se de
exercer qualquer limitão á propriedade alheia.
Allegare et non probare nihil prodest (
72
).
(73) Strykio, Opera omnia, vol. 3.°, dissertação 5º cap.
4.°, n. 10.
(72). Glück, obra citada, § 630, vol. 7.°; frag. 2.°, Dig., liv.
22, tit. 3.°, de probationibus et praesumptionibus.
CAPITULO IV
Direitos e onus inherentes ás
servidões de caminho
SUMMARIO
§ 23. Aos direitos do titular das servidões de
caminho não correspondem obrigações
pessoaes.
§ 24. Concurso de obrigações pessoaes com os
onus.
§ 26. Os direitos e onus não são propriamente
dos predios, mas de seus proprietarios.
§ 28. Enumeração dos direitos do titular das
servidões de caminho.
§ 27. Enumeração dos onus do proprietario do
predio serviente, nas servidões de ca-
minho.
§ 28. Obrigações propter rem.
§ 23
Aos direitos do titular da servidão de
caminho não correspondem obrigações
pessoaes.
1. Noção de obrigação. Tratando de
indagar (no § 21) quem devia occorrer ás des-
pesas com a factura e conservão dos cami-
nhos servientes, vimos que o titular de uma
servidão qualquer tém direito á pratica de todos
os actos indispensaveis ao exercício de sua ser-
vidão, actos que, ás vezes, constituem o conteúdo
CAPITULO IV § 23
de outras servidões. Cumpre accrescentar que a
esses direitos não correspondem obrigões pes-
soaes, isto é, o correspondem obrigações no
sentido da technica do direito romano, em que
as obrigações são sempre essencialmente pes-
soaes. Na obrigação (propriamente dita), ha sem-
pre duas pessôas certas, determinadas, uma das
quaes está adstricta a uma prestação para com
a outra. Esta, o titular ou sujeito activo da obri-
gação, só póde exigir o cumprimento desta obriga-
ção, correlata a seu direito, da pessôa obrigada
ou sujeito passivo da mesma obrigação.
Neste caso, é verdadeiro o brocardo dos
interpretes do direito romano : Jus et obligatio
surtt correlata, o qual, não se perca de vista,
suppõe, de um lado, um direito pessoal, isto é,
exigível só de uma pessôa certa e determinada;
e, de outro lado, a obrigação no sentido rigo-
roso do direito (
73
).
2. Noção de direito real. — Não são
desta especie os direitos que assistem ao titular
de uma servio qualquer. Este só m direitos
reaes, que o profundamente diversos daquel-
les. Affectar o objecto da propriedade sem con-
sideração á pesa alguma, seguil-o incessan-
temente em poder de todo e qualquer possuidor,
eis o effeito constante do direito real, eis seu
caracter distinctivo. Este caracter é opposto ao
do direito pessoal, que não adhere ao objecto
da propriedade, não o segue; mas prende-se
(78) Maynz, Cours de droit romain, 5.
a
edição, 1891, § 1
44
§23
DIREITOS E ONUS INHERENTES
exclusivamente á pessôa obrigada, ejus ossi-
bus adhaeret ut lepra cuti (
74
).
O direito real pleno é a propriedade ou
domínio, com todos os direitos elementares,
que constituem o mais amplo poder jurídico
do homem sobre a coisa.
Os direitos reaes na coisa alheia, jura in
re aliena, são mais ou menos importantes,
mais ou menos extensivos, conforme a natu-
reza de cada uma de suas especies, convindo
notar que o direito real denominado servidão
constie um genero, que se desdobra em dif-
ferentes especies, cada uma com a sua denomi-
não especial, como, v. g.: servitus itineris,
servitus aquaeductus, servitus tigni immittendi,
etc.
O domínio é o poder completo e generico
sobre a coisa, abrangendo-Ihe todos os usos,
todas as utilidades, na mão de uma só pessôa:
o proprietario. E' o jus in re sua.
O jus in re aliena é um direito par cial,
fraccionario, desmembrado do domínio, para o
fim de attribuir, a quem não é proprietario da
coisa, um dos usos desta. Aquelle, o dominium
ou proprietas é um direito real indeterminado
e illimitado.
Este, o jus in re aliena, é um direito real de-
terminado e limitado pela sua natureza especifica.
3. Direitos do titular da servidão.—
Assim, para se determinarem taxativamente os
(74) Teixeira de Freitas, Introducção á Consolidação das
leis civis, 3.
a
edição, pag. LXX.
CAPITULO IV
§24
direitos do titular da servidão, é mistér, antes
de tudo, saber qual é a especie de servidão, de
que se trata. Seus direitos medir se-ão pelas
necessidades do predio dominante, que a con-
stituão da servidão m em vista satisfazer, não
se deixando, porém, no olvido o civiliter modo
imposto pela natureza de qualquer servidão,
que sempre strictè interpretando, est (75): Isto
posto, podemos dizer que os direitos, que
competem ao titular das servidões de caminho,
são aquelles que lhe attribúe cada uma das
especies deste genero de servidões, isto é: o
iter, o actas e a via, esta attribuindo-lhe o
maximo de direitos, aquella o minimo, guar-
dando a servitus actus o meio termo. Nos ca-
pítulos seguintes será mais precisa e individuada-
mente conhecida esta gradação de faculdades.
§24
Concurso de obrigações pessoaes com os onus
Si os onus, que incumbem ao proprietario do
predio serviente não constituem, como acabamos
de vêr, obrigões pessoaes, é, porém, certo que
com elles pódem concorrer obrigações pessoaes.
E assim acontece muitas vezes. Parellelamente
á servidão, no mesmo acto ou em acto se-
parado, dem as partes, proprietarios dos pre-
dios dominante e serviente, convencionar a pre-
stação de factos extranhos á natureza da ser-
(75) Cogliolo, Filosofia del diritto privato, § 23 ; Lafayet-
te, obra citada, § 118, A. Veja-se o § 6.°, n. 6, acima.
I
§ 25 DIREITOS E ONUS INHERENTES
vidão e constitutivos de obrigões pessoaes, em-
bora tendentes a ampliar ou restringir a extensão
da mesma servidão. Estas convenções geram
direitos pessoaes e obrigações pessoaes.
É instituto pertencente ao direito das obri-
gações, ramo a que é extranho o assumpto que
faz objecto de nossa modesta monographia, as-
sumpto que pertence ao direito das coisas, tam-
bem chamado direito dos bens. Devem, pois,
pautar-se, pelas normas jurídicas fornecidas por
esse outro ramo do direito civil.
§ 25
Os direitos e onus não são propriamente dos
predios, mas de seus proprietarios.
Um outro ponto merece attenção e expli-
cão, por ser muito interessante. Si a servio
(referimo-nos á servidão real ou predial, servidão
por excellencia) é constituída em proveito
exclusivo de um predio, o dominante, e em de-
trimento exclusivo de outro predio, o serviente,
sem a menor attenção ás pessôas de seus re-
spectivos proprietarios, como consta, sem a menor
duvida, de textos claros e terminantes do direito
romano, parece haver uma horrível confusão de
ideias no facto de falarmos de direitos e onus
daquelles proprietarios, a quem a servidão o
presta considerão alguma. Não implicará gran-
de contradicção reconhecer direitos no dono do
predio dominante e onus no dono do predio
CAPITULO IV § 26
serviente, quando estes direitos e estes onus o
pela lei concedidos aos predios?
I
Não. Não ha contradicção alguma. Nem
o pouco são os predios, em rigor, os sujeitos
activos e passivos das servidões.
E a razão é simples.
Quando o direito se exprime por aquella
fórma, como que personificando os predios e
attribuindo ás servidões o qualificativo de jura
praediorum, usa de uma linguagem figurada.
As coisas não têm direitos, nem obrigões,
nem são susceptíveis de coacção judicial, mediante
uma aão. E' verdade que existem coisas per-
sonificadas, capazes de certos direitos e obri-
gações. São as chamadas pessôas moraes ou
pesas judicas. Mas, no caso sujeito, não se
trata disso: os predios, aqui, nãoo pesas
jurídicas, mas coisas (
76
).
§
2 6
Enumeravão dos
direitos do titular das servidões de caminho
A constituição de uma servidão de cami-
nho é destinada a satisfazer uma necessidade
do predio dominante. O titular da servidão de
praticar todos os actos exigidos pela indole
dessa necessidade ou dessa servidão, que se
destina a satisfazel-a: «Todos os actos, sem os
quaes o exercício das servidões se tornaria im-
posve, diz Lafayette. Non ultra esse, qm
quatenus ad eum ipsum fundum opus sit (Frag.
(76) Ihering, obra citada, § 46, vol. 3.°, pag. 73.
48
§ 26 DIREITOS E ONUS INHERENTES
5.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus praediorurn
rusticorum).
O titular da servidão póde, pois, praticar,
entre outros, os seguintes actos:
1.° Abrir o caminho no predio serviente, po-
dendo fazer aterros, escavões, pontes e o mais
que necessario fôr, de accôrdo com as circumstan-
cias de cada caso e com a exteno propria da
servidão de que se tratar: iter, actus e via. Si iter
legai um sit, qua, nisi opere facto, iri non
possit licere fodiendo, substruendo iter facere,
Proculus ait (Frag. 10, Dig., liv., 8.°, tit. l.°;
Solon, obra citada, n. 451).
2.° Concertar o caminho e fazer as obras
que rem necessarias para o seu uso e con-
servão, occupando outros logares do predio
serviente com os materiaes precisos (77).
3
o
. Remover qualquer obstaculo que im
pa o exercício da servidão, como, v. g., uma
arvore atravessada no caminho, conforme nota
Ulpiano (
78
).
4r no predio serviente o pessoal pre-
ciso para as obras (
79
).
Outros actos póde praticar o proprietario
do predio dominante, mas sempre civiliter modo
(77) Caepolla, obra citada, tract. I.°, cap. XXIII, n. 9; Bor-
ges Carneiro, Direito civil de Portugal, Lisboa, 1847, liv. 2.°, §
80, n. 10. Veja-se o § 21, acima.
(78) Frag. 4.o, § 5.°, Dig, liv. 8.°, tit. 5.°, si servitus vindi-
cetur vel ad alium pertinere negetur, Glück, obra citada, §
666, vol. 8.°, pag. 70; Borges Carneiro, Direito civil de Por
tugal, liv. 2°, § 80, n. 4. .
(79) Frag. 11, pr., § 1.°, Dig., liv. 8º. tit. 4.°, communia
praediorurn. tam urbanorum, quãm rusticorum; Caepolla, obra
citada.tract., I.°, cap. XXIII, n. 9; Glück, obra citada, § 666, vol.
8.°, pag. 74; B. Carneiro, obra citada, liv. 2°,§ 80,n. 10; La-
Fayette, obra citada, § 118.
CAPITULO IV §27
e arbítrio boni viri, tendo em atteão a natureza,
o acto constitutivo da servidão e os costumes
do logar. Este preceito está em perfeita harmonia
com a natureza do instituto das servidões em
geral, materia de interpretão restrictiva, por
constituir excepção á plena liberdade do domí-
nio ou propriedade.
Note-se que o titular da servidão o é
responsavel pelos damnos causados natural-
mente, pelo uso legitimo da servio, ao predio
serviente (Glück, § 666, vol. 8.°, pag. 76; frag.
20, § 1 °, Dig., liv. 8.º, tit. 3.º).
§ 27
Enumeração dos onus do proprietario do
predio serviente, nas servidões de
caminho
Estes onus constituem o verso do quadro
que acaba de ser descripto. Com este reparo,
regem-se pelos mesmos princípios.
Assim, o dono do predio serviente é, cor-
respondentemente, obrigado:
l A supportar que se pratiquem todos os
actos inherentes á especie de servidão, de que
se tratar: admimada servitutum. Com isto põe
em pratica o in patiendo, de que temos feito
menção (§ 3.°, n. 1).
2.o A permittir a pratica de todos os actos
necessarios á conservação do caminho (
80
).
(80) Lafayette, obra citada, § 118, B; Didimo, As servidões reaes,
ns. 335 e 347.
50
§ 27 DIREITOS E ONUS INHERENTES
3 A abstêr-se de qualquer acto que em-
barace o exercício da servidão, ou lhe diminua
as vantagens, como, v. g., a construcção de uma
casa no caminho (81). E muito mais ainda da-
quelles actos a que se possa applicar o prin-
cipio: quod tibi non nocet, et alteri prodest, ad
id obligatus es.
4.° A não constituir sobre o predio ser-
viente outra servidão, que prejudique a servidão
constituída. Prior tempore potior jure. o
póde, v. g., conceder a outrem a servitus aquaedu-
ctus no logar serviente, porque esta servidão
prejudica a servidão de caminho: "Per quem
locum, diz Pomponio, viam alii cessero, per
eundem alii aquaeducium cedere non potero» (
82
).
5.° A não mudar o caminho serviente de
um ponto para outro do seu predio, uma vez
que esta mudança seja prejudicial ao predio
dominante (
83
).
6.° A não passar pelo caminho, isto pre-
judicar a servidão.
Do exposto, infere-se que o dono do pre-
dio serviente póde, v. g.:
(81) Frag. 17, pr, Dig., liv 8.°, tit. 2.°, de servitutibus prae-
diorum urbanorum; frag. 20, § 6.º, Dig., eodem tit; frag. 13, § 1.°,
Dig., liv. 8.°, tit. 3.º, de servitutibus praediorum rusticorum, em
que diz Javoleno: «Si totus ager itineri, aut actui servit, do-
minus in eo agro nihil facere potest, quo servitus impediatur,
quae ita diffusa est, ut omnes glebae serviant; Glück, obra
citada, § 666, vol. 8.°, pag. 70.
(81) Frag. 14, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus praedio-
rum rusticorum; Van Wetter, obra citada, § 242.
(82) Glück, obra citada, vol. 8.°. pag. 76, nota m (Appen-
dice do traductor Carlos Fadda). Este ponto m dado logar a
mui renhida controversia, devido á pouca clareza dos textos do
direito romano a respeito. Veja-se o § 80, ns. 5 e6, adeante.
51
CAPITULO IV § 28
a) passar pelo caminho serviente, si sua pas-
sagem fôr compatível com o uso da
servidão pelo titular desta;
b) constituir outras servies, comtanto que
não offendam a servidão de caminho;
c) fazer obras no caminho, concertal-o e me-
Ihoral-o, debaixo da mesma clausula;
d) mudar o caminho, si isto lhe r util, sem
ser nocivo ao predio dominante.
§28 Obrigações
propter rem
Aos onus, que das servidões de caminho
resultam para o proprietario do predio serviente,
chamam alguns juristas obligationes propter rem,
e ipsarum rerum obligationes. Esta technologia
póde ser acceitá, tendo-se, porém, o cuidado de
se não confundir este instituto com o das obri-
gações propriamente ditas (
84
).
O que ficou exposto no § 23 é sufficiente
para prevenir essa possível confusão.
(
84
) Glück, obra citada, vol. 8.°, pag. 240 (Appendice do
traductor italiano).
CAPITULO V
Da quasi-posse das servi-
dões de caminho
SUMMARIO
§ 29. Noção da quasi-posse das servidões de
caminho. § 30. Princípios reguladores da
quasi-posse
das servidões de caminho. § 31. Elementos
da quasi-posse das servidões
de caminho. § 32. Protecção da quasi-
posse independente
de direito preexistente. § 33. Direitos reaes
susceptíveis de quasi-posse. § 34. Acquisição e
perda da quasi-posse das
servidões de caminho. § 86. Effeitos da
quasi-posse das servidões
de caminho.
§29
Noção da quasi - posse das servidões
de caminho
1. A posse é o exercido do mais amplo
direito real, do direito exclusivo e illimitado, o
direito de propriedade, que abrange a coisa cor-
porea em sua totalidade, comprehendendo todos
os direitos reaes elementares, constituindo, na
phrase de Picard, a relão judica mais com-
pleta, que o titular de um direitode ter sobre
CAPITULO V § 29
uma coisa material (
85
). E' um poder physico
completo sobre a coisa corporea, com que a pro-
priedade ou domínio se confunde (Lafayette,
Direito das cousas, § 1°, n. 4).
A quasi-posse é este mesmo poder, com a
differença apenas de ser limitado a um desses
direitos reaes elementares, jura in re aliena,
desmembrados da propriedade.
O proprietario o póde ter a quasi-posse,
porque m a coisa toda em seu poder: tém a
posse. O jus in re aliena é um desmembramento
da propriedade. A posse do jus in re aliena é
um desmembramento da posse da propriedade.
Esta é uma possessio corporis, porque proprie-
dade e coisa, seu objecto, se confundem.
Aquella é uma possessio juris, porque o di-
reito real, jus in re aliena, é um direito parcial,
e, pois, não se confunde com a propriedade, e de-
nomina-se quasi-posse, por opposição á posse
e para evitar o emprego de um circumloquio,
que traduzisse a notada distinão, visto o ha-
ver para as quasi-possessiones nomes especiaes,
distinctivos de cada especie, como os ha para
os jura in re, que são:
a) servitus,
b) emphyteusis,
c) superfícies e
d) pignus et hypotheca.
" Possessionem vel corporis vel juri, diz o
frag. 2°, § 3.°, Dig., liv. 43, tit 26, de precario
(
86
).
(85) Edmond Picard, Le droit pur, Paris, 1899. pags. 128 e 136,
(86) Savigny, Tratado da posse, § 12; Bonjean, Traité des
actions, § 329, vol. 2.°, pag. 386, n. VI; Ribas, Da posse, pag. 93.
54
§ 30 DA QUASI-POSSE DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
A posse é um poder de facto total sobre a
coisa.
A quasi-posse é um poder de facto parcial
sobre a coisa. Como o domínio é a somma de
todos os direitos reaes, a posse é a somma de
todas as quasi-posses. Ou, por outras palavras:
a reunião de todas as quasi-posses possíveis
sobre os direitos reaes destacaveis de uma dada
propriedade (ou coisa)—dá a posse desta coisa,
isto é, o poder physico sobre todas as suas
partes, todos os seus usos, todas as suas utili-
dades. Falando a linguagem de Ihering,a posse
é a exterioridade da propriedade, e a quasi-posse -
a exterioridade do direito real, a que diz respeito.
Podemos emfim definir a quasi-posse das
servidões de caminhoo poder physico do se-
nhor do predio dominante sobre o predio ser-
viente, limitado ao transito, com a intenção de
exercer um direito proprio de titular de servidão.
§ 30
Principios reguladores da quasi-
posse das servidões de caminho
Esta identidade fundamentei traz importante
consequencia: os princípios reguladores do
instituto da posse o, mutatis mutandis, os
princípios reguladores do instituto da quasi-
posse. E o direito protege a quasi-posse pela
mesma razão que protege a posse (87).
(87) Serafini, obra citada, § 56; Lafayette, obra citada, § 17 vol. 1,°
pags. 49 a 51; Savigny, Tratado da posse,§ 12. pag. 168; Bonjean,
Traité des actions, § 329, vol. 2.º, pag. 387.
55
CAPITULO V
§31
§ 31
Elementos da quasi-posse das ser
vidões de caminho
A' vista do exposto, é facil de r que os
elementos da quasi-posse são igualmente dois,
como os da posse:
a ) corpus et
b) animus.
Corpus é o exercicio material do direito
real, isto é, a pratica effectiva do acto consti-
tutivo do direito real, como, v. g., da servidão.
Quem passa pelo predio visinho tem o corpus
da quasi-posse da 6ervidão de caminho.
Animus é a intenção de praticar o acto, a
titulo 'de direito.
« A quasi-posse, diz Lafayette (
88
), resulta
da reuno de dois elementos, analogos ás duas
condições constitutivas da posse : o exercicio
material dos direitos reaes, com a intenção de
exercei-os para si (sibi habendi)».
Em outro logar, e a proposito mesmo das
servidões (
89
), accrescenta elle, com a sua pro-
verbial clareza e precisão, denunciadoras de um
cerebro bem organizado: Consiste a quasi-
posse das servidões no exercicio dos actos phy-
sicos pelos quaes ellas se manifestam, pratica-
dos com a intenção de quem usa de um direito
proprio. A pratica dos actos, que fazem o ob-
jecto da servidão, constitúe o elemento material
(88) Frag. 7.°, Dig., liv. 43, tit. 19, de itinere actuque privato;
Lafayette. obra citada, § 17, n. 3, vol. l.°, pag. 51. (
89
) Lafayette, obra
citada, § 131.
§ 31 DA QUASI-POSSE DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
da quasi-posse; rma o elemento moral a inten-
ção que anima taes acto. Todos estes prin-
pios, é bem de vêr-se, applicam-se á quasi-posse
das servidões de caminho.
Muitos o os textos do Corpus juris, que
provam a existencia da quasi-posse dos direi-
tos reaes em direito romano ;(
90
).
Muitos são tambem aquelles que compro-
vam a necessidade, que ha, de ser o exercício
do acto constitutivo do direito real acompanha-
do da intenção de quem usa de um direito
proprio. Servitute usus non videtur, diz o ju-
risconsulto Paulo, nisi is, qui suo jure uti se
credidit: ideoque si quis pro via publica vel
pro alterius servitute usus sit, nec interdictum,
nec actio utiliter competit . Este texto está no
frag. 25, Dig., liv. 8.°, tit. 6, quemadmodum
servitutes amittuntur. «Si perfundum tuum nec
vi, nec clam, nec precario commeavit aliquis,
non tamen tanquam id suo jure faceret, sed, si
prohiberetur, non facturus: inutile est et
interdictum de itinere actuque: nam ut hoc in-
terdictum competat, jus fundi possedisse oporte,
diz um outro jurisconsulto romano no frag. 7,
(90) Pr. Insts., Iiv. 4.°, tit. 15, de interdictis; frag. 2
o
, Dig.,
Iiv. 8.°, tit. 4.°, commania praediorum, tam urbanorum, quàm
rusticorum; frag. 23, Dig., liv. 4.°, tit. 6.°, ex quibus causis
majores (vigintiquinque annis) in integram restituuntur; frag.
10, Dig., liv. 8.°, tit. 5.°, si servitus vindicetur vel ad aliam
pertinere negetar; frag. 3.°, § 17, Dig., liv. 43, tit. 16, de vi, et
de vi armata ; frag. 7.°, Dig., liv. 43, tit. 19, de itinere actuque
privato; frag. 2 °, § 3.°, Dig., liv. 43, tit. 26, de precario; const.
10.°, Cod., liv. 7.°, tit. 32, de acquirenda et retinenda possessio-
ne Gaio, Insts., com. 4.°, § 139, pr., ediçSo Pellat, pag. 422;
Van Wetter, Traité de la possession tn droit romain, Paris,
1868, pags. 75 e 185; Mackeldey, obra citada, § 248.
57
CAPITULO V
§ 32
Dig., liv. 43, tit. 19, de itinere actuque pri-
vato (91).
§ 32
Protecção da quasi-posse inde-pendente de
direito preexis-tente.
Cumpre observar que o direito protege a
quasi-posse das servies e, conseguintemente,
a quasi-posse das servidões de caminho, sem
exigir prova de que a mesma emane de um
direito preexistente. Tratase da quasi-posse de
uma dada servidão de caminho? Pretende-se
obter para ella a protecção judicial ?
Cumpre provar o facto da quasi-posse. O
direito não está em questão. E isto nada mais é
que distinguir o petitorio do possessorio. «Hoc
interdicto, diz Ulpiano, praetor non inquirit,
utrum habuit jure servitutem impositam, an non.
Sed hoc tantum, an itinere actuque hoc anno
usus sit non vi, non ciam, non precario». Este
texto m no Dig., frag. l.°, § 2°, liv. 43, tit.
19, de itinere actuque privato.
No frag. 1.°, § 10, Dig., liv. 43, tit. 20, de
aqua quotidiana et aestiva, diz ainda o mesmo
jurisconsulto: Sed etsi jure aqua non debetur
alicui, si tamen jure ducere se putavit: cum
non in jure, sed in facto erravit, dicendum est
eoque jure uiimur, ut interdicto hoc uti possit
(91) Cogliolo, Filosofia del diritto privato, § 23, pags.
203-4.
58
§§ 33 e 34 - DA QUASl-POSSE DAS SERVIDÕES DE
CAMINHO
Sufficit enim, si Jure se ducere putavit, nec vi,
nec clam, nec precario duxit (
92
).
§33
Direitos reaes susceptiveis de quasi-posse
Todos os direitos reaes serão susceptíveis de
quasi-posse? Ha quasi-posse a) da servidão,
b) da emphyteuse,
c) da superfície e
d) do penhor e hypotheca?
Não: ha quasi-posse da servidão e da
superfície. Isto em direito romano, pois a su-
percie, no direito patrio, o é direito real (92).
§ 34
Acquisição e perda da quasi-pos se
das servidões de caminho
1. Como se adquire? Assim, quem
pratica actos constitutivos do exercício da
servidão de caminho, em um predio, tém o
(92) Frag. l.°, § 9.°, Dig., liv. 43, tit. 21, de rivis; frag. 2.°, §
3.°, Dig., liv. 8.°, tit. 6.°, si servitus vindicetur vel ad alium
pertinere negetur; Ribas, Da posse, pag. 94; Lafayette, obra
citada, § 17, n. 1; Glück, obra citada, § 685, vol. 8.°, pag. 366.
(93) Savigny, Traité de la possession en droit romain, § 12;
Dig., liv. 43, tit. 18, do superficiebus, e tit. 19, de itinere
actuque privato; Lafayette, obra citada, § 17, nota 2; Ribas,
obra citada, pags. 93-5 e 175-6; Cogliolo, Filosofia del diritto
privato, § 23, nota 171.
CAPITULO V
§34
corpus, primeiro elemento da quasi-posse desta
servidão. E, si pratica-os com a intenção de
usar do direito de servidão de caminho, tém o
animus, segundo elemento da quasi-posse desta
servidão.
Isto feito, tém o mesmo adquirido a quasi-
posse da servidão, de que se tratar.
Por exemplo: Si alguem abre um caminho
atravez do predio alheio, tém o corpus.
Si o faz com a intenção de exercitar o
direito de servidão de caminho sobre esse
predio, m o animus. O mesmo se deve dizer
de quem passar pelo predio visinho com o
intuito de estabelecer servidão de caminho
sobre elle. Tém os dois elementos: o corpus e
o animus. Tém adquirido a respectiva quasi-
posse.
Si, porém, a abertura do caminho ou a
passagem atravez do predio visinho não é acom-
panhada da intenção de exercer servidão de
transito, do animus possidendi ou sibi habendi,
quem exercita esses actos não adquire a quasi-
posse.
No mesmo caso está quem passa por aca-
so ; quem passa por se achar a estrada publica
obstruída na occaso. Em todos estes ultimos
casos, não se opéra a acquisição da quasi-pos-
se da servidão de caminho, por faltar o se-
gundo elemento,—o elemento psychico.
* *
2. Acquisição por meio de represen-
tante.—E' indifferente que os actos constitutivos
§35 DA QUASI-POSSE DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
da quasi-posse sejam exercitados pelo proprio
adquirente ou por alguem em seu nome. Num e
noutro caso, é sempre o senhor do predio do-
minante quem adquire a quasi-posse. A acqu
sição da quasi-posse opéra-se independente-
mente do consentimento do proprietario do
predio onerado, e mesmo no caso de opposição
deste, cuja resistencia seja removida pela foa
do adquirente da quasi-posse (
94
)
• •
3. Como se perde?—Assim como a qua-
si-posse das servidões de caminho se adquire
medeante o concurso dos dois elementos, cor-
pus et animus, perde-se pelo desappareci mento
de qualquer destes dois elementos, como si o
proprietario do predio serviente obstasse á pra-
tica dos actos constitutivos do exercício da ser-
vidão. Este impede, v. g., a passagem pelo seu ter-
reno. Têm aqui applicão, pela legitima analo-
gia existente entre a posse e a quasi-posse, os
princípios reguladores da acquisição e perda
da posse (
95
).
§ 35
Effeitos da quasi-posse das
servidões de caminho
Os seus effeitos mais importantes são os
dois seguintes:
(94) Savigny, obra citada, § 46, pag. 456; Ribas, obra citada,
pag. 172.
(95) Van Wetter, Traité de la possession en droit ro-main,
Paris, 1868, pags. 75 e 185.
CAPITULO V §35
a) dá direito d protecção de interdictos (
96)
e
b) leva á usucapião das servidões de ca-
minho (97).
Ribas, tratando das acções no direito ro-
mano, assim se exprime, com relação ao pri-
meiro effeito da quasi-posse (juris quasi-pos-
sessio):
A necessidade dos interdictos para a pro-
teão da quasi-posse se funda em raes iden-
ticas ás que os justificam relativamente á posse.
Pois que, tanto uma como outra, póde soffrer
perturbações ou espoliações, é indispensavel que a
auctoridade judiciaria acuda em defesa do direito
que a ella se liga, e que assim é violado (
98
).
O reconhecimento dos dois referidos effei-
tos da quasi-posse é materia correntesem con-
testação razoavel.
(96) Pr. Insts,, liv. 4.°, tit. 15, de interdictis; Bem Ferreira, obra
citada, commentario; Lafayette, obra citada, § 17, n. 3; Bonjean,
obra citada, vol. 1.°, n. 1019, pag. 537.
(
97
) Savigny, Tratado da posse, § 12; Lafayette, obra citada,
§ 17, n. 3.
(98) Ribas, Da posse, pag. 208.
CAPITULO VI
Da constituição das servi-
dões de caminho
Quem pode constituir e quemde adquirir
SECÇÃO I
Quem póde constituir servidão de ca minho?
SUMMAR10
§ 36. 0 proprietario do predio serviente. § 37. 0
proprietario do domínio resoluvel. § 38. 0 nú-
proprietario. § 39. 0 proprietario do domínio util.
§ 40. Os comproprietarios de predio indiviso. $
41. 0 proprietario do predio já gravado de
servidão.
§ 36 O
proprietario do predio serviente
A servidão de caminho, salvo o caso de
acquisão por força da lei, de adjudicação ou
de prescripção acquisitiva, de ser consti-
tuída pelo proprietario do immovel serviente.
Este é o unico competente para onerar o predio.
Não é, porém, todo e qualquer proprietario que
o póde fazer. E a primeira condão, necessa-
ria para esse fim, é que o proprietario tenha
capacidade de alienar (por actos inter vivos ou
causa mortis) a coisa que vai ser onerada, visto
CAPITULO VI SECÇÃO I §§ 37 e 38
como a constituição de uma servidão importa
alienação de uma parcella da propriedade (99).
Dahi, decorrem os seguintes corrollarios:
§ 37
O proprietario do dominio
resoluvel
O proprietario do domínio resoluvel de
constituir servidão de caminho, mas esta ex-
tingue-se com a resolução do dominio. Resoluto
jure concedentis, resolvitur jus concessum (100).
§38 O nú-
proprietario
O nú-proprietario de uma coisa gravada
de usufructo de, mesmo sem o consentimento
do usufructuario, constituir servidão de cami-
nho, uma vez que esta não prejudique os
direitos do titular do usufructo. Aliás, não o
póde fazer, embora o usufructuario consinta."Pro-
prietatis dominus, diz Ulpiano, no frag. 15, §
7.°, Dig., liv. 7.°, tit. l.°, de usufructu et quem-
admodum quis utatur fruatur ne quidem con-
sentiente fructuaria servitutem imponere potest»,
(99) Salivas et Bellan, Éments de droit romain, vol. 1.°,
pag. 509; Glück, obra citada, § 624, vol. 7.º, pag. 37; Merlin,
Jurisprudence, verb. servitude, vol. 16, pag. 120, col. 2.º.
(100) Glück, obra citada, § 625, vol, 8.°, pag. 38; § 1105, vol.
20, pag. 452: Mackeldey, obra citada, §§ 274 e 324; Voet, Ad
Pandectas, liv. 20, tit. 6.°; Lafayette, obra citada, §§ 27 e 132;
frag. 11, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 6:°, quemadmodum ser-vitutes
amittuntur; frag. 105, liv. 35, tit. 1.°, de conditionibus et
demonstrationibus, et causis, et modis eorum, quae in testa-
mento scribuntur.
§§ 39 e 40 - QUEM PÓDE CONSTITUIR SERVIO DE CAMINHO
regra que é, no frag. immediato, limitada por
Paulo: "nisi qua deterior fructuarii servitutem
imponere non fiat, veluti si talem servitutem vi-
cino concesserit, jus sibi non esse altius tol-
lere,,. E a razão do principio é que servitus
servitutis esse non potest (101).
§39
O proprietario do domínio util
Quem tém o domínio util, dominium
utile; como o emphyteuta e o superficiario, póde
livremente constituir servio de caminho, mas
esta se extinguirá pela consolidão do domí-
nio util com a a-propriedade, nuda proprie-
tas (102).
§ 40
Os comproprietarios de predio
indiviso
1. Todos pódem constituir servidão —
Os comproprietarios do predio indiviso pódem
constituir servies de caminho (como quaes-
quer outras servidões, pois as regras, que es-
tamos expondo, são communs) sobre o mesmo
predio, o que es de accôrdo com o principio
estabelecido36). Mas é mister que a con-
stituição seja acto de todos elles.
(101) Mackeldey, obra citada, § 324, n. 4; Glück, obra ci-
tada, § 625, vol. 7.°. .
(102) Mackeldey, obra citada, § 324, n. 5; Glück, obra ci-
tada, § 625, vol, 7.°, pag. 41. Conf.Merlin, Jurisprudence, verb.
servitude, vol., 16, pag. 120, col. 2ª, que traz uma critica inter-
essante ao principio — servitus servitutis esse non potest.
CAPITULO VI SECÇÃO I § 40
*
2. Um só não póde.— Um só dos con-
dominos ou comproprietarios não póde impôr
servidão sobre o predio commum. Unas ex do-
minis communium aedium servitutem imponere
non potest (103).
E assim deve ser, pois o comproprietario
de um predio pro indiviso não é dono deste,
mas apenas de uma parte ideial do mesmo. Si
lhe fosse licito oneral-o com uma servidão, se-
ria licito constituir servidão em predio alheio,
o que é um absurdo em face dos prinpios
dominantes no assumpto.
Mas não poderá o comproprietario con-
stituir servidão sómente sobre a sua parte ideial
na coisa commum indivisa? Não tão pouco.
Em virtude do principio da indivisibilidade da
servidão, esta affecta o predio em sua integri-
dade e em cada uma de suas partes : Tota in\
toto fundo et in qualibei parte. Assim, constitda
a servidão de caminho pelo condomino, esta
existiria sobre todo o predio commum, como
sobre cada uma de suas partes, o que implicava
contradicção com os princípios. E temos texto
expresso a respeito. Si quis partem aedium tradet,
vel partem fundi, diz Ulpiano, non potest
servitutem imponere: guia per partes servitus
imponi non potest, sed nec adquiri» (Frag. 6.°,
(103) Frag. 2°, Dig., liv. 8.°, tit. 1.°,de servitutibus; frag. 34,
Dig., liv. 8.°, tit. 3.°. de servitutibus praediorum rusticorum;
Glück, obra citada, § 625, vol 7.º, pag. 38; Bonjean, Explication
méthodique des Institutes de Justinien, n. 1010, vol. 1.°, pag.
531, in fine; Pothier, Pandectes de Justinien, vol. 4.°, pag. 274.
Veja-se o § 6.°. n. 7, supra.
§ 41 — QUEM PÓDE CONSTITUIR SERVIDÃO DE CAMINHO?
§ 1, Dig., liv. 8.°, tit. 4.°, communia praediorum,
tam urbanorum, quàm rusticorum). Bonjean é
muito claro a respeito (
l04
).
*
* *
3. Acto conjuncto ou não.— Cumpre
notar que os comproprietarios pódem consti-
tuir a servidão em um acto, em que figu-
rem todos conjunctamente, ou em actos isolados.
O direito romano antigo, consolidado na lei
das XII taboas, exigia que elles agissem con-
junctamente, num acto unico. O direito novo
lhes permitte que o façam em actos isolados,
só considerando-se, porém, constituída a servi-
dão, depois de realizado o ultimo acto, pois
então é que os condominos ou consortes
têm-se manifestado todos pela constituição da
servidão (
105
).
§41
O proprietario do preclio já
gravado de servidão
O proprietario do predio gravado de servi-
dão de constituir sobre elle servidão de cami-
nho, comtanto que esta seja compatível com a ser-
vidão preexistente, conforme se infere do exposto
no § 27, n. 4 e consta de textos positivos (
106
).
(104) Bonjean, obra citada, vol. 1.°, n. 1009, pag. 531, in fine.
(105) Frag. 11, Dig., liv. 8.°. tit. 3.°, de servitutibus prae-
diorum rusticorum; frag. 18, Dig., liv. 8.°, tit. 4.°, communia
praediorum, tam urbanorum quàm rusticorum; Ihering, obra
citada, § 63, vol. 4.°. pag. 150 e nota 212.
(105) Frag. 8.º, Dig., liv. 30, tit. 3.°, de aqua, et aquae plu-
viae arcendae; Cujacio, Opera omnia, vol. 5.°, col. 657, D; vol.
7.°, col. 423, D; Caepolla, obra citada, tract. 2
o
, cap. 14, n. 9;
Pothier, Oeuvres, edição Bugnet, Paris, 1846, vol. l.°, pag. 313.
CAPITULO VI - SECÇÃO II
§ 42
SECÇÃO II
Quem póde adquirir servidão de
caminho ?
SUMMARIO
§ 42. 0 proprietario do predio dominante.
§ 43. 0 proprietario do domínio resoluvel.
§ 44. 0 proprietario do predio sujeito a usu-fructo.
§ 45. Servidão de caminho em favor de ter-
ceiro.
§ 46.'Os comproprietarios da coisa indivisa.
§47. 0 proprietario exclusivo e comproprietario.
§ 48. 0 proprietario de dois predios vendidos, um
entregue, outro não, póde adquirir
servidão de caminho sobre aquelle, em
proveito deste.
§ 49. Legado de servidão de caminho e de predio.
§ 50, Acquisiqão por mandatario.
§ 51. Direito patrio.
§42
O proprietario do predio
dominante
As servidões de caminho pódem ser
estabelecidas em proveito do predio dominan-
te, conforme exigem os prinpios já expostos.
Conseguintemente, póde adquirir servidão
de caminho o proprietario do predio domi-
nante.
E não é qualquer proprietario que o póde:
é mister que o mesmo, além da qualidade de
proprietario desse predio, reuna a capacidade
§§ 43 e 44 — QUEM PÓDE ADQUIRIR SERVIDÃO DE CAMINHO?
de adquirir direitos. «Nano enim potest servi-
tutem adquirere, vel urbani, vel rustici praedii,
nisi qui habet praedium», diz Ulpiano, no frag.
l.°, § , Dig., liv. ., tit. 4, commania
praediorum, tam urbanorum, quàm
rusticorum (
107
).
§4 3
O proprietario do domínio
resoluvel
O titular do domínio resoluvel póde adqui
rir servidão. "Il proprietario diz acquistare
una servitu al suo fondo, diz Glück, anche
quando non ha una piena proprietà e ha una
proprie revocabil (Obra citada, § 625, vol.
7°, pag. 54).
§
44
O proprietario do predio sujeito
a usufructo
O proprietario do predio onerado com usu-
fructo póde adquirir servidão de caminho em
vantagem desse predio, percebendo, porém, o
usufructuario os respectivos benefícios,
emquan-to durar o usufructo (108).
(107) § 3.°, Insts. liv. 2.°, tit. 3.°, de servitutibus; Glück,
obra citada, § 625, vol. 7.º, pag. 54; Caepolla, obra citada,
tract. 1.°, cap. 15, n. 1.
(108) frag. 15, § 7.°, Dig., liv. 7.°, tit. 1.°. de usufructu, et
quemad modum quis utatur fruatur; frag 1.°, pr., Dig., liv.
7.°, tit. 6,°, si ususfructus petetur, vel ad aliam pertinere
negetur; Glück, obra citada, § 625, vol. 7.°, pag. 54;
Caepolla, obra citada, tract. 1.°, cap. 15, n. 1.
CAPITULO VI SECÇÃO II §§ 45 e 46
§ 45
Servidão de caminho em favor de
terceiro
Ninguem de adquirir servidão em pro-
veito de terceiro, mas no seu proprio proveito.
Servitutem recipere, nisi sibi, nemo potest (Frag.
5.°, Dig, liv. 8.°, tit. 4.°). Assim, o senhor
de um predio não póde adquirir servidão de
caminho, que seja ao mesmo tempo em seu
proveito e no de seu visinho, porque a servidão
póde ser adquirida ou imposta, o que tanto
vale, pelo dono do predio dominante. Mesmo
em se tratando de comproprietarios, vimos que
não pode um deites adquirir servidão para
seus consortes. E quem não póde o menos o
póde o mais. No caso figurado, a servidão
adquirida será do proprietario do predio, e
não delle e tambem de seu visinho (109).
§46
OS comproprietarios da coisa indivisa
1. Um não adquire. O compro-
prietario de um predio pro indiviso não de
adquirir servidão de caminho em proveito do
predio commum, sem o concurso dos outros
(109) Frag. 5, Dig., liv. 8.º tit. 4, communia praediorum, tam
urbanorum, quàm rusticorum; Glück, obra citada, § 625, vol. 7.º
pag. 54.
§ 46 QUEM PÓDE ADQUIRIR SERVIDÃO DE CAMINHO?
comproprietarios. Servitutem recipere, nisi sibi,
nemo potest (Frag. 5.°, Dig., liv. 8.°, tit. 4.°).
E' regra de direito romano que cada pessôa
adquire para si propria, não para terceiro. Não
é possível o comproprietario adquirir uma parte
da servidão correspondente á sua parte ideial no
immovel, porque, sendo a servidão indivisível,
como é, não se adquire por parte. Per unum
socium commani solo, diz Javoleno, servitus
adquiri non potest (110).
Identica é a lição de Ulpiano: Per unum
dominorum servitus adquiri non potest (111).
Concorre com o seu enorme prestigio o
genial Papiniano : «Unus ex sociis fundi com-
munis permittendo jus esse ire agere, nihil agi
(112).
• *
2. Todos adquirem. - - A servidão de
caminho em favor do predio commum deve,
pois, ser adquirida por todos os condominos.
Assim, si um delles adquire uma passagem para
ir ao predio commum, o seu acto acqui-sitivo é
nullo, porque tal passagem não lhe póde ser
isoladamente concedida: « Si unus ex sociis
stipuletur iter ad communem fundum,
(110) Frag. 5.°, Dig., liv. 8.°, tit. 4.°, communia praedio-rum,
tom urbanorum, quàm rusticorum; Pothier, Pandectes de Justinien,
vol. 4.°, pag. 274.
(111) Frag. 4.°, § 3.°, Dig., liv. 8.°, tit. 5.°, si servitus vin-
dicetur vel ad alium pertinere negetur; Bonjean, obra citada, vol. 1.°,
pag. 531 ; Pothier, obra citada, vol. 4.°, pag. 274. Ve-ja-se o § 6.º, n. 7,
acima.
(112) Frag. 34, Dig., liv. 8 °. tit. 3.°, de servitutibus prae-diorum
rusticorum; Glück, obra citada, § 625, vol. 7.°, pag. 54; Caepolla, obra
citada, tract. l.°, cap. 15, n. 1 ; Pothier, obra citada, vol. 4.°, pag. 274.
CAPITULO SECÇÃO II § 47
nuíilis est stipulatio, guia nec dari ei potest,
diz Paulo no frag. 19, Dig., liv. 8.°, tit 3.°, de
servitutibus praediorum rusticorum (
113
)
3. Acto conjuncto ou isolado.—O pri-
mitivo jus civile exigia que os comproprietarios,
no caso figurado, agissem simultaneamente, num
só acto, como no caso da acquisição.
O direito novo (direito justinianeo), per-
mitte-lhes actos isolados que, entretanto, ficam
suspensos, até que se consume o ultimo delles(114).
§ 47
O proprietario exclusivo e com
proprietario
1. Não de adquirir. O proprietario
exclusivo de um predio não de adquirir ser-
vidão de caminho em vantagem desse predio e
em desvantagem de outro predio, do qual seja
comproprietario. Si tamen alteras unius pro-
prias sint aedes, diz Ulpiano, alterae, commu-
nes, neutris servitutem vel adquirere, vel impo-
nere me posse» (115).
(113) Po hier, obra citada, vol. 4 °, pag, 274.
(114) Frag. 11, Dig., liv. 8°, tit. 3.°, de servitufibus prae-
diorum rusticorum ; frag 18, Dig., liv. 8.°, tit. 4 °, communia
praediorum, tam urbanorum, quàm rusticorum; Ihering, obra
citada, § 63, vol. 4.9, pag. 150 e nota 212. (115) Frag. 6.°, §
3.°, Dig., liv. 8.°, tit. 4.°, còmmunia praediorum, tam urbanorum,
quàm rusticorum. Veja se tambem o frag. 8.°, § 1.º Dig., liv. 8.°,
tit. 1.º,de servitutibus; Lafayette, obra citada, § 132, B, vol. 1.°,
pag. 354.
§ 48 QUEMDE ADQUIRIR SERVIDÃO DE CAMINHO?
* *
*
2. Mantém a servidão anterior.—Mas, si
o proprietario do predio dominante tornou-se
comproprietario do predio serviente, quando
existia tal servidão de caminho, esta prevalece.
E' o que demonstra um texto de Paulo, que
constitúe o frag. 8.°, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit.
l.°, de servitutibus: Si prcedium tuum mihi
serviat, sive ego partis prozdii tui dominas
esse coepero, sive tu mei, per partes ser-vitus
retinetar, licet ab initio per partes adquiri non
poterit (116).
§ 48
O proprietario de dois predios vendidos, um.
entregue, outro não, póde adquirir
servidão de caminho sobre aquelle, em
proveito deste.
1. Entrega de um . O proprietario
de dois predios, vendendo-os ambos, mas en-
tregando só um ao comprador, póde adquirir
servidão de caminho em vantagem do predio
ainda em seu poder, onerando o outro, que
não mais lhe pertence. «Si, cum duas haberem
insulas duobus eodem momento tradidero, diz
Pomponio, videndum est, an servitus alterutris
imposita valeat: quia alienis quidem aedibus,
nec imponi, nec adquiri servitus potest: sed,
ante traditionem peractam, suis magis adquirit,
(116) Mackeldey, obra citada, § 324, nota 3; Lafayette,
obra citada, § 132, nota 8
73
CAPITULO VI SECÇÃO II § 49
vel imponit is, qui tradit: ideoque valebit ser-
vitus » (114).
2. Entrega dos dois. Si ambos os
predios são entregues ao mesmo tempo, não
póde o vendedor fazer a mesma coisa, visto
como não lhe é licito adquirir servidão em fa-
vor de predio alheio, nem tão pouco impôr
servidão ao predio igualmente alheio (
118)
.
§49
Legado de servidão de caminho
e de predio
1. Não adquire.—Si alguem lega a A e
B um predio, e lega mais, a A sómente, uma
servidão de caminho atravez desse predio, não
adquire A a servidão legada, porque nemini res
sua servit. Si, porém, A não adquirir sua par-
te no predio legado, de sorte que este fique
pertencendo todo ao legatario B, adquire aquelle
a servidão de caminho, que lhe foi legada (119).
* * *
2. Adquire. Si alguem lega a A ex
clusivamente certo predio e uma servidão de
(117) Frag. 8.°, Dig., liv. 8
o
, tit. 4°, communia praedio-rum,
tam urbanorum, qm rasticorum; Glück, obra citada, § 625,
vol. 7.°. pag 55; Pothier, obra citada, vol. 4.°, pag. 273.
(118) Pothier, obra citada, vol. 4.
0
, pags. 272-3.
(119) Frag. 3.° Dig., liv 33, tit. 3.°, de servitute legata; Glück,
obra citada, § 625, vol. 7.°, pag. 55 e nota 69.
§ 50 e 51 QUEM PÓDE ADQUIRIR SERVIDÃO DE CAMINHO?
caminho em vantagem desse predio, A adquire
indubitavelmente a servidão legada (120).
§ 50
Acquisição por mandatario
Póde-se adquirir servio de caminho por
intermedio de mandatario?Posto não haja texto
expresso, que conceda tal faculdade, doutrinam
todavia Lauterbach e Hoepfner que póde-se ad-
quirir uma servidão por meio de mandatario,
visto como por esse meio adquire-se a proprieda-
de e a posse. Esta é tambem a opinião de
Gluck (121). A analogia, em que se baa esta
solução, nos parece legitima: a propriedade é
mais que a servidão, que a restringe. E, si ella
póde-se adquirir por mandatario, o mesmo deve
acontecer com a posse. Quemde o mais póde
o menos.
§51 Direito patrio
Os princípios de direito romano expostos
neste capitulo vigoram em nosso direito, sem
alteração alguma, como direito subsidiario.
(120) Glück, obra citada, § 625, vol. 7.°, pag. 55. (121) Glück,
obra citada. § 625, vol. 7.°, pags. 55-6. Conf. Pothier, Oeuvres,
vol. 1.°, pag. 314.
75
CAPITULO VII
Da constituição das servi-
dões de caminho
Modos de constituão
SECÇÃO I
Modos de constituição por consenti-
mento do proprietario
SUMMARiO
§ 52. Divisão geral dos modos de constituição
das servidões de caminho.
§ 53. Convenção e testamento.
§ 54. Translatio e deductio.
§ 55. A) Constituição das servidões de cami-
nho por convenção.
$ 56. 8) Constituição das servidões de cami-
nho por testamento.
§52
Divisão geral dos modos de consti
tuição das servidões de caminho
Como é da natureza das servies serem
ellas inseparavelmente ligadas ao predio domi-
nante, sua acquisição é sempre originaria, nunca
derivada (122).
A constituição ou acquisição das
servidões de caminho opéra-se por
consentimento do pro-
(122) Marezoll. obra citada, § 108, pag. 288.
CAPITULO VII SEÃO I §§ 53 e
54
prietario do predio serviente, expresso em actos
inter vivos ou causa mortis, independentemente
de seu consentimento, medeante disposição da
lei, adjudicação e prescripção acquisitiva.
Dahi, a divisão geral dos modos de constituição
das servidões em modos de constituição a) por
consentimento do proprietario e b) sem
consentimento do proprietario (
123
).
§ 53
Convenção e testamento
Esta classe de modos de constituição ou
acquisão das servidões de caminho compre-
hende:
a) actos inter vivos e
b) actos causa mortis.
Os primeiros são as differentes especies
de convenções ou contractos.
Os segundos são os testamentos e codi-
cillos. Antes de entrar na apreciação de cada
um destes modos, demos uma noção do que
sejam translatio e deductio, termos que se de-
param constantemente nas fontes, a proposito
deste assumpto.
§54 Translatio e
deductio
As servidões prediaes e, portanto, as ser-
vidões de caminho, dem ser estabelecidas por
uma de duas vias :
(123) Waldeck, obra citada, § 295; Glück, obra citada, §
624, vol. 7.°, pag. 37.
§ 55 MODOS DE CONSTITUIÇÃO POR CONSENTIMENTO
a) translatio e
b) deductio.
A servidão é estabelecida por via de trans-
latio, quando o proprietario do predio a one-
rar-se aestaca do mesmo uma servidão e trans-
fere-a ao proprietario do predio a beneficiar-se
com a mesma servidão.
A servidão é estabelecida por via de de-
ductio, quando o proprietario de mais de um
predio aliena um destes, reservando sobre o
mesmo, deduzindo delle, uma servidão, em
vantagem do outro, que continua a pertencer-
lhe (124).
§ 55
A) Constituição das servidões de caminho
por convenção
1. Antigo direito.No primitivo jus ci-
vile ou jus quiritarium (que deixámos cara-
cterizado em nossos Ensaios de philosophia do
direito, § 58), só havia dois modos legitimos
de constituir ou adquirir servio por consen-
timento do proprietario, por acto inter vivos:
a) a in jure cessio e
b) a mancipatio.
A in jure cessio era modo commum a to-
das as servies prediaes. A mancipatio era
modo competente só nas servidões rusticas, uni-
cas consideradas res mancipi. As urbanas eram
res nec mancipi. "Jura praediorum urbanorum,
(124) Bonjean, obra citada, n. 1013, vol. 1.°, pag. 535;
Demangeat, Cours élémentaire de droit romain, vol. 1.°, pag.
521.
CAPITULO VII - SECÇÃO I § 55
diz Gaio, in jure tanm cedi possunt; rustico-
rum vero etiam mancipari possunt . Em ver-
naculo: Os direitos dos predios urbanos (são
as servidões urbanas) mente dem ser cedidos
juridicamente, ao passo que os direitos dos
predios rusticos (as servidões rusticas), dem,
além disso, ser mancipadas (125),
A in jure cessio era um simulacro da acção
confessoria, como a in jure cessio das coisas
corporeas era um simulacro da reivindicação
(
126)
. Estes eram os modos do direito civil, modos
letimos, proprios, pois, dos cidadãos
romanos.
2. Evolução.— Mas as relações de Roma
com os extrangeiros, como dissemos em nossos
Ensaios de philosophia do direito, foram pou-
co e pouco transformando as condições da vida
romana, já pelo contacto do povo romano, no
exterior, com os povos conquistados, pelo
seu contacto com os extrangeiros, dentro dos
muros de Roma.
Surgiram então, no seio do povo romano,
relões de ordem nova, isto é, relões entre
cidadãos romanos e extrangeiros, e relações en-
tre extrangeiros e extrangeiros. Estas relações,
quer entre romanos e extrangeiros, quer entre
(123) Gaio, Insts., com. II, §§ 17, 22, 29 e 31, edição Pel-lat,
pag. 100; Serafini, obra citada, § 83; Lagrange, Manuel de droit
romain, 8.º edição, Paris, 1861, pag. 204; Bonjean, obra citada,
vol. l.°, ns. 1014 e 1015, pag. 535; Maynz, obra citada, § 139,
vol. 1.°, pag. 838; nossos Ensaios, nota 91, vol. 1
o
, pags. 12931.
(126) Seraflni, Bonjean e Maynz, nota anterior; Gaio, com.
II, §§ 23 e 24.
80
§ 55 MODOS DE CONSTITUIÇÃO POR CONSENTIMENTO
extrangeiros e extrangeiros, em Roma, o po-
diam ser reguladas pelo direito existente, pelo,
jus civile, porque este era proprio dos ci-
dadãos romanos, e só podia regular as relões
judicas occorrentes entre cidadão romano e
cidadão romano. A's relações, em que figurasse
extrangeiro, não podia r applicado tal direito,
tambem chamado jus ipsum, direito por excel-
lencia, e jus stridum. Este estado de coisas fez
surgir paulatinamente, ao lado do direito exis-
tente, do jus civile, um outro direito, o jus
gentium, direito das gentes.
Este direito era, não o direito commum
aos outros povos, tal qual existia entre estes,
mas sim um producto elaborado pelos juris-
consultos romanos, calcado sobre a jurispru-
dência comparada e sobre as necessidades da
sociedade romana nesse momento historico de
sua existencia.
Abriu-se então lucta renhida entre o gido
jus civile, jus quiritium, e o plastico jus gen-
tium. Entre o jus stridum gravado nas XII ta-
boas, e a aequitas. Entre os contractos stricti
juris e os contractos bonce fidei. Entre o vin-
culo da agnação e o da cognação. Entre a pro-
priedade ex jure quiritium e a propriedade in
bonis. Este dualismo caracteriza a segunda pha-
se da evolução do direito romano. E' na con-
ciliação destes dois elementos diversos que me-
lhor se revela a genial sabedoria dos juriscon-
sultos e dos pretores romanos. Nesta phase o
edicto do pretor vai pouco e pouco occupan-
do o logar da lei das XII taboas, que fica, por
fim, em segundo plano. O jus civile vai
CAPITULO VII SECÇÃO I § 55
lentamente cedendo o terreno, á medida que o
jus gentium o vai conquistando. A observancia
dos ritos e formulas antigas vai-se relaxando.
O mesmo acontece com o uso das ficções.
não são os factos que se adaptam ás leis,
mas as leis que se adaptam aos factos, para
satisfazer as novas necessidades, que emergem
do tracto quotidiano da vida transformada.
O direito, jus, foi eno definido urs boni et
aequi. Esta transformão veiu a determinar, com
o andar dos tempos, a admissão dos outros
modos de constituição das servidões, fazendo
ao mesmo tempo desapparecer a distincção
profunda, que o direito fazia entre os cidadãos
romanos e os não cidadãos romanos.
Essa mesma transformão determinou ain-
da o desapparecimento daquelles dois institu-
tos do direito antigo : a in jure cessio e a man-
cipatio, que não existem no direito romano
novo ou actual, segundo a technologia de Sa-
vigny (
127
).
3. Translatio e deductio. Quer no caso
da in jure cessio, quer no da mancipatio, podia
a servidão ser estabelecida por via aa translatio
ou da deductio (128).
4. Convenção. A constituição das ser
vidões de caminho póde ser realizada por qual-
(127) Savigny, Systema de direito romano, § 1.° (128) § 4
o
,
Insts., liv. 2.°, tit. 3.°, de servitutibus; frag. 3°, Dig., liv. 8.°, tit.
4.°, communia praediorum, tara urbanorum, quàm rusticorum;
Bonjean, obra citada, ns. 1014 e 1015, pag. 535. Veja-se o § 54,
acima.
§ 55 MODOS DE CONSTITUÃO POR CONSENTIMENTO
quer especie de convenção ou contracto licito,
como, v. g., a compra e venda, a doação, etc.
Abolidas a in jure cessio e a mancipatio,
fórmas adoptadas pelo antigo direito para a
acquisição das servidões ( a primeira para todas,
a segunda para as ruraes), tornaram-se exten-
sivas a todas as convenções, pactiones et sti-
pulationes, usadas pelos possuidores do sólo
provincial, as quaes suppriam, entre estes, aquel-
las rmas legitimas, cujo uso lhes era vedado.
Destarte, os contractos, fórma mais simples
e mais adequada ás necessidades do tempo, tor-
naram-se o modo de constituão de uso mais
frequente, a fonte mais copiosa de todas as ser-
vidões no direito justinianeo, como ainda o são
entre nós (129).
* *
6. Tradição. Em se tratando das ser-
vidões, se diz tradição ou quasi-tradição, o exer-
cio effectivo da servidão. E tém sido objecto
de renhida controversia a questão de saber si
a transmissão do direito real da servidão, jus
(129) Gaio, com. II, § 31; Serafini, obra citada, § 83, pag.
219; nossos Ensaios citados, nota 91; Van Wetter, obra citada,
§ 226, vol. l.°, pag. 419. O pacto, pactio era o accôrdo de
vontades, que não produzia obrigação jurídica. A estipularão,
stipulatio, era o accôrdo de vontades, que produzia obri-gação
jurídica. Para constituir servidão nos predios provin-ciaes, seus
possuidores faziam um pacto, pactio, em que determinavam a
especie de servidão, a extensão e modo de seu exercido e
faziam em seguida uma estipulação, stipulatio poenae, em que
a parte, que havia promettido a servidão, se obrigava a pagar
certa pena, caso impedisse á outra parte o uso da mesma
servidão (Bonjean, obra citada, n. 1021,, vol. l.°, pag. 539; Van
Wetter, obra citada, § citado; Salivas et Bellan, obra citada, vol.
l.º, pags. 513-4.)
CAPITULO VII SEÃO I § 55
servitutis, se opéra pelo effeito exclusivo do con-
tracto, ou si, pelo contrario, é necessaria, além
do contracto, a tradão, o exercio effectivo da
servidão pelo adquirente.
Isto se entende com as servidões affir-
mativas, porque, quanto ás negativas, é indubi-
tavel que a simples convenção basta. Ambas
as correntes contam grande numero de romanis-
tas, alguns da maior auctoridade: uma, susten-
tando a necessidade da tradão; outra, susten-
tando bastar o simples contracto. Aquella é a
opino antiga. Esta é a moderna. Perante a sci-
encia, de jure constituendo, a segunda é mais
acceitavel, por estar mais de accôrdo com o ul-
timo estadio da evolução do direito. Mas, pe-
rante o direito positivo, de jure constituto, que
é o terreno em que nos achamos collocados,
devemos preferir a primeira, por ser mais con-
sentanea com o espirito do direito romano.
Na acquisição da propriedade domina o
principio: Traditiònibus (et usucapionibus), do-
minia rerum, non nudis pactis, transferunivr.
Por uma analogia bem legitima, deve ap-
plicar-se á acquisição das servidões este mesmo
principio. O direito é um todo organico, com-
posto de elementos unidos, harmonicos, inter-
dependentes : repelle por sua natureza, as contra-
dicções, que não pódem existir na realidade obje-
ctiva da vida juridica (Nossos Ensaios dephilo-
sophia do direito, §§ 72 e 124).
Seguimos, pois, a opinião de Glück e
outros sectarios da tradão, traditio ou quasi-
traditio, como condição complementar necessaria
SáSÉX
§ 55 MODOS DE CONSTITUIÇÃO POR CONSENTIMENTO
á constituição e acquisição de uma servidão
de caminho (130).
E esta é a doutrina dominante no direito
patrio.
*
6. Modificação do direito patrio. - (As
servidões constituídas por este modo (por actos
entre vivos, convenções), diz Lafayette, não se
entendem realmente estabelecidas e sob a pro-
tecção das acções reaes, sinão depois que são efe-
ctivamente exercidas pelo dono do predio domi-
nante,, (131).
E cumpre notar que, pelo que diz respeito
a terceiros, esta queso perdeu muito de sua
importancia no direito brasileiro, porque este
exige que o titulo constitutivo da servidão, quando
acto inter vivos, seja transcripto no registro com-
petente, para valêr contra terceiros. E só coma
a valer, depois de feita a transcripção (132).
*
Póde no contracto constitutivo da servidão
de caminho verificar-se uma translatio ou uma
deductio (
133
).
(130) Glück, obra citada, § 626, vol. 7.°, pag. 56 e nota e;
Bonjean, obra citada, vol. l.°, n. 1022, pags. 540-1; Salivas et
Bellan, obra citada, vol. 1 °, pags. 514-6.
(131) Lafayette, obra citada, § 133, n. 1. e nota 2.
(132) Reg. n. 370 de 2 de maio de 1890, art. 241; Carlos de
Carvalho, Nova consolidação, art. 593; Lafayette, obra citada,
§ 133, n. 1.
(133) Glück, obra citada, § 626, vol. 7.°, pags. 56 e 61; Bon-
jean. obra citada, n. 1013, vol. l.°,pag. 535; frag. 3.°, Dig., liv.
8.°, tit. 4.°,—communia praediorum, tam urbanorum, quam
rusticorum; Maynz, obra citada, § 140, vol. 1.º, pag. 842.
CAPITULO VII - SECÇÃO I § 55
*
7. Fórma dos contractos. Os con-
tractos constitutivos de servidão de caminho
não m rma especial, nem dependem de ter-
mos sacramentaes. Basta que as partes mani-
festem a sua intenção de modo claro e preciso,
a respeito do objecto da convenção: uma, a
intenção de constituir a servidão; a outra, a de
adquiril-a. Conm evitar termos dubios,
expressões equivocas, visto tratar-se de uma
alienão, e alienação não se presume (
134
).
8. Partes. Está subentendido que as
partes contractantes são os proprietarios dos
predios dominante e serviente.
9. Modus. « Praticamente todos os
pactos, que se fazem, observa Cogliolo (135),
ainda mesmo os que versam sobre servidões
do mesmo typo (como, v. g., servies de passa
gem), m alguma coisa que os distingue entre si,
como sejam a largura do caminho, a qualidade
do vehiculo, etc. E a jurisprudencia soube dis
tinguir o elemento commum e essencial das
particularidades de exercício, fazendo do primeiro
(134) Frag. 7.°, pr., Djg., liv. 8.°, tit. 4.º, communia prae-
diorum, tam urbanorum, quàm rusticorum ; Glück, obra citada,
§ 626, vol. 7.°, pag. 56.
(135) Cogliolo, Storia del diritto privato romano, § 49,
vol. 2.ª', pag. 48.
§ 56 MODOS DE CONSTITUIÇÃO POR CONSENTIMENTO
a parte constitutiva da servidão typica (como
o passar, o conduzir agua, o dar de beber), e
comprehendendo os pactos particulares dos
contrahentes ácerca do exercício do goso, sob o
conceito do modus».
Ha sobejos motivos para assim acontecer,
pois as servidões devem ser uteis aos predios
que delias carecem, e seu valôr mede-se por
essa utilidade. E nada ha, que mais attenção
mera, do que consultar o mais posvel as
necessidades que a servidão é destinada a sa-
tisfazer, e procurar, para pôr em pratica, o meio
mais apto de bem satisfazel-as. Ora, isto, nin-
guem, como as proprias partes, sabe fazer.
E o meio, de que para tal fim ellas dis-
põem, é o modus dos contractos (136).
§ 56
B) Constituição das servidões de
caminho por testamento
1. Servitus legata. Este é o segundo
modo de constituão de servidão por consen-
timento do proprietario do predio serviente. E'
o modo que se diz mortis causa ou por acto
causa mortis. A servidão adquirida por este
modo, que aliás m do direito antigo, se de-
nomina servitus legata.
(136) Ihering, Espirito do direito romano, § 38, vol 2.º,
pags. 227-8. Modus, lato sensu, é a extensão dada ao exercício
da servidão (Conf. Salivas et Bellan, obra citada, vol. l.°, pag.
518; frag. 4.°. §§ 1.° e 2.°, de Papiniano, Dig., liv. 8.°, tit. l.°,
de servitatibus).
CAPITULO VII - SECÇÃO I
§ 56
2. E' geral.—Todas as especies de ser-
vidão pódem ser adquiridas por este modo.
Mas é naturalmente mais usado, quando se
trata das servidões pessoaes (
137
).
*
3. Condições. São necessarias as se-
guintes condições na constituição de uma ser-
vidão por testamento ou codicillo:
a) O testador deve ser proprietario da coisa,
que vai supportar o onus inherente á servidão.
Si não o é, póde apenas impôr a seu herdeiro a
obrigação de constituir a mesma servidão.
Neque adquirere alienis aedibus servi-
tutem, neque imponere potest», diz Ulpiano (
138
)
b) O legatario, no caso de constituição
de servidões prediaes, como o as de caminho,
deve ser proprietario do immovel, que o testa
dor quer favorecer. «Ideo autern hae servitutes
praediorum appellantur, diz Justiniano nas
Institutas, quoniam sinepraediis constitui non pos-
sunt. Nemo enim potest servitutem adquirere,
urbani vel rustici praedii, nisi qui habet pre-
dium» (
189)
.
c).O legado deve ser feito regularmente,
de inteiro accôrdo com as normas reguladoras
(137). Maynz, obra citada, § 140; Serafini, obra citada, § 83.
(138). Frag. 6°., pr., Dig., liv. 8.° tit. 4°., communia
praedio-rum, tàm urbanorum, quàm rusticorum; Van Wetter,
obra citada, § 229, vol. 1.º, pag. 422. Veja-se a doutrina que
deixámos exposta no capitulo VI.
(139). § 3°., Insts., liv. 2.°, tit. 3.°, de servitutibus. Veja-se a
nota anterior.
§ 56 MODOS DE CONSTITUIÇÃO POR CONSENTIMENTO
deste instituto, que tém seu logar proprio no
ramo do direito civil denominado direito de
successão.
• •
4. Especies de legados.—Sob o ponto de
vista de sua fórma, distinguiam-se no antigo jus
civile quatro especies de legados, a saber: a)
Legatum per vindicationem,
b) legatum per damnationem,
c) legatum sinendi modo, e
d) legatum per praeceptionem (140)
5. Per vindicationem. - O legado da pri-
meira especie era concebido nestes termos: «Do,
lego, ou então - "sumito, capito, sibi habeto».
E denominava-se per vindicationem, porque
transferia directamente a propriedade das coisas
legadas.
6. Per damnationem. - No legado per
damnationem, a formula era esta outra: "Heres
meus damnas esto dare». Ou então: "Dato,
facito dare jubeo». Este não transferia directa
mente a propriedade ao legatario, como fazia o
primeiro, mas dava-lhe apenas acção pessoal
contra o herdeiro, para exigir deste a transfe
rencia da coisa legada.
No legado da primeira especie, a coisa devia
ser do testador. Neste, podia ser delle ou de
(140) Serafini, obra citada, § 210, pag. 486.
CAPITULO VII - SECÇÃO I
§56
terceiro, devendo o herdeiro, neste ultimo caso,
adquiril-a a seu dono, e entregar ao legatário,
ou pagar-lhe o seu preço.
7. Sinendi modo.—A formula do legado
sinendi modo era: "Heres meus damnas esto si-
nere Titium illam rem sumere sibique habere».
O herdeiro, por esta especie de legado, devia
permittir ao legatario tomar o objecto a elle
legado.
A coisa devia ser do testador ou do her-
deiro, e não de terceiro.
* *
8. Per praeceptionem.—A formula da
ultima especie, legatutn per praeceptionem, era
esta: "Titias tilam rempraecipito,,. Neste lega
do, o testador ordenava que um dos herdeiros,
antes de dividir a herança, tirasse da massa o
objecto a elle legado.
* *
9. Reforma unificadora.—Justiniano, pela
constituão l.
a
, Cod., liv. 6, tit. 43, communia de
legatis, et fideicommissis, et de in rem missione
tollenda, supprimiu todas essas differenças exis-
tentes no direito antigo, e attribuiu a todas as
especies de legados os mesmos effeitos (141).
(141) Serafini, obra citada, § 210; Bonjean, obra citada, n.
1020, vol. 1.°, pag. 538; Glück, obra citada, § 626, vol. 7.°,
pags. 61 -5.
§ 56 MODOS DE CONSTITUIÇÃO POR CONSENTIMENTO
*
10. Differenças subsistentes. - Cumpre
notar, porém, que abolindo aquellas distincções,
Justiniano eliminou as differenças formularias
existentes entre as diversas especies de legados,
mas não eliminou as differenças dos respecti-
vos conteúdos. «Imperator in dieta lege I, Cod,
communia de legatis, diz Galvani, ita sustulit
differentias verborum, ut conservaverit differen-
tias voluntatum: id est constituit, ut nullum vi-
deatur conceptum verbis potius vindicationi,
qm damnationis, sed tam permisit, ut quisque
suis legatis illum effectum praescriberet, quem
vellet (142).
* 11. Transferencia directa e
indirecta. —Pelas tres primeiras especies de
legados con-stituia-se a servidão, notando-se que,
quando era usada pelo testador a primeira formula
- per vin-dicationem, o legatario adquiria a
servidão legada, pleno jure, como direito real,
sem necessidade de acto algum do herdeiro, após
a adição da herança, e assistia-lhe a acção de
reivindicão para a defesa de seus respectivos
direitos contra quem quer. Nos outros dois
casos, assim não era, e só competia ao legatario
uma acção pessoal para coagil-o a constituir-lhe a
servidão, o que tinha logar por um dos dois
modos constitutivos de servidão, que ja conhe-
cemos : in jure cessio e mancipato.
(142) Glück, obra citada, § 626, vol. 7.°, pag.65, que de-
clara adoptar essa explicação de Galvani (De usufructu. cap.
XXXV, pag. 524).
CAPITULO VII SECÇÃO I § 56
No direito justinianeo, o legado transfere
sempre, directamente, a servidão como direito
real, logo que a herança é adida (148).
*
* *
12. Fórma dos legados. - Depois da-
quella constituição de Justiniano (const l.
a
, Cod.,
communia de legatis), a sua rma despiu-se da
antiga complexidade, simplificou se, tornando as
sim muito mais facil este modo de constituão
de servidão.
*
* *
13. Servidão conjuncta com o predio,
ou isolada.—A servidão de caminho póde ser
legada conjunctamente com o predio, como si
o testador declara que o predio, que deixa
a um, terá tal servidão sobre o predio que deixa
a outro, ou isoladamente, como si deixa ao
proprietario do predio visinho o direito de trans
itar pelo predio, que lega a outro (144).
*
* *
14. Terceiros.—As servidões de caminho,
constituídas por este modo, valem contra ter
ceiros, independentemente de outra formalidade,
como vimos.
(143) Frag. 16, Dig., liv. 8°., tit. 4.°, communia praediorum. tam
urbanorum, quàm rusticorum; §§ 1 ° e 4.°. Insts., liv. 2.° tit. 3.º,
de servitutibus; Glück, obra citada, § 626. vol. 7
o
, pags., 61-5;
Bonjean. obra citada, n. 1020, vol. l.°, pags. 538-9; La-fayette,
obra citada, § 133, n. 2.
(144) Lafayette, obra citada, § 133, n. 2, nota 4.
§ 57 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
E cumpre notar que os principios expostos
vigoram em nosso direito, mesmo neste ponto,
pois que não exige transcripção para os actos
constitutivos de servio causa mortis (
146
).
SEÃO II
Modos de constituição sem consentimento
do proprietario
§57
Lei, adjudicação e prescripção
acquisitiva
Estes modos são em numero de três:
a) lei,
b) adjudicação e
c) prescripção acquisitiva ou usucapo.
Passemol-os em breve revista.
(146) Reg. n.370 de 2 de maio de 1890, arts. 237 e 241 ;
Lafayette, obra citada, § 133, n. 2, nota 6; Carlos de Carvalho,
Nova consolidação, art. 593.
No direito patrio, existe ainda um outro modo de con-
stituição de servidão de caminho por consentimento do proprie-
tário : é o denominado destinação do proprietario, que no di-
reito romano é ponto controvertido. Lafayette descreve este
modo da seguinte maneira :
Si o senhor de dois predios estabelece sobre um ser-
ventias visíveis em favor do outro, e posteriormente aliena um
delles, ou um e outro passam por successão a pertencer a donos
diversos, as serventias estabelecidas assumem a natureza de
servidões, salvo clausula expressa em contrari (Lafayette,
obra citada, § 133, n. 3 e nota 7 ). Conf. Maynz, obra citada, §
140, vol. 1.°, pag. 842, nota 11; Glfick, S 626, vol. 7.º, pag. 61,
nota 92; pag. 65; pag. 360, nota a; Merlin, Jurisprudence, verb.
servitude, vol. 16, pag. 120.
CAPITULO VII — SECÇÃO II
§ 58
§ 58
C) Constituição das servidões de caminho pela
lei: servidão lesai de transito de predio
encravado.
1. Servidões legaes e convencionaes.
Muitos distribuem as servies, com relação á
sua origem, em duas classes:
a) servidões legaes e
b) servidões convencionaes (146).
Nesta divio geral, pertencem á classe das
servidões legaes aquellas que a lei ime a um
predio, em favor de outro predio, independente-
mente do consentimento do dono do predio ser-
viente. E pertencem á classe das servidões con-
vencionaes todas as outras, isto é, aquellas, em
cuja constituão interm o consentimento do
dono do predio serviente. Nesta segunda classe
entram, por esta classificação, as servidões con-
stituídas por meio de convenção, testamento e
prescripção. A denominação de convencionaes não
se coaduna com estes dois ultimos modos de
constituição, testamento e prescripção, mas,
como a fonte mais copiosa, de uso mais frequente,
em taes servidões, é a conveão, dahi o se cha-
marem convencionaes essas servidões, em cuja
constituição entra o consentimento, expresso ou
tacito, do proprietario do predio gravado. Men-
(146) Lafayette, obra citada, § 120.
§ 58 MODOS DE CONSTITUÃO SEM CONSENTIMENTO
cionamos esta classificação, não que seja de puro
direito romano, mas por ser de uso frequente (147).
2. Servidão legal de transito de prédio
encravado.— ha um caso de servidão legal
de caminho no direito romano: é o do frag. 12,
pr., Dig., liv. 11, tit 7.°, de religiosis et surnpti-
bus funerum, ut funus ducere liceat, em que
Ulpiano assim se exprime:
"Si quis sepulchrum habeat, viam autem
ad sepulchrum non habeat, et a vicino ire pro-
hibeatur, imperator Antoninas cum patre rescri-
psit, concedi solere: ut quotiens non debetur,
impetretur ab eo, qui fundum adjunctum habeat.
Non tamen hoc rescriptum, quod impetrandi dat
facultatem, etiam actionem civilem inducit: sed
extra ordinem interpelletur. Praeses etiam com-
pellere debet, justo pretio iter ei praestari: ita
tamen, ut judex etiam de oportunitate loci pro-
spiciat, ne vicinus magnum patiatur detrimentum,,.
Em vernaculo:
Si alguem tém uma sepultura, mas não
tém caminho para ella, e o visinho não consente
que passe pelo seu predio, póde, segundo um
rescripto do imperador Antonino e seu pae, pe-
dir, a titulo de precario um caminho, que
(147) Lafayette, obra citada, § 120; Mourlon, Répéti-tions
écrites sur le code civil. Paris. 1880, vol. n. l663. pag 838;
Didino, As servidões reaes, ns 87 e seguintes. Não é uma
classificação logica e nem é conhecida do direito romano.
Mas é de bastante utilidade pratica, e os dados, em que
assenta, encontram-se tambem no direito romano (Veja-se
Didimo, logar citado).
95
CAPITULO VIl SECÇÃO II § 58
ter á sepultura, caminho que é costume conce-
der-se: assim, sempre que o dono da sepultura
não tiver caminho para ir a ella, deve o dono
do predio visinho conceder-lho. Entretanto, em
bora este rescripto a faculdade de exigir o
caminho, não concede para este fim acção civil,
mas o visinho se interpellado extraordinaria
mente para conceder-lho. O presidente da pro
víncia deve mesmo compellil-o a fazel-o, me-
deante um preço razoavel; de maneira,
entre-
tanto, que o juiz tenha em vista a situação do
logar, para que o visinhoo soffra grande
prejuízo,,.
Como se vê, áquelle que carecia de ser-
ventia para chegar ao logar consagrado á se-
pultura de seus antepassados, permittia a lei
romana forçar o proprietario do predio visinho
a dar-lhe passagem, medeante indemnização dos
damnos dahi resultantes (148).
Esse caso da sepultura encravada era, se-
gundo uns, o unico, em que o direito romano
admittia a servidão legal de transito. Segundo
outros, porém, entre os quaes es Glück, (obra
citada, § 628, vol. 7.°, pags. 80-1), esse direito
admittia tambem tal especie de servidão no
caso de qualquer predio rustico encravado (Ve-
ja-se Maynz, obra citada, § 141;
Mackeldey,
§ 326, n. 3 e nota 4).
Temos, pois, servidão convencional de ca-
minho e servidão legal de caminho.
(148). Sobre o que era a religião antiga e quanto influía
sobre o direito, enviamos o leitor para nossos Ensaios de
philosophia do direito, § 72.
§ 58 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
* *
*
A ninguem é prohibido passar pelo ca-
minho publico: «uti autem viâ publica nemo
rcctè prohibetur», como dispõe a const. 11, Cod.,
liv. 3.º, tit. 34, de servitutibus et aqua.
Mas a ninguem é licito passar pelo predio
do visinho, sem ter titulo, que para isso lhe dê
direito: «Per agrum quidem alienum, qui
servitutem non debet, ire vel agere vicino mi-nimè
licet, prescreve a mesma citada constituição 11,
Cod. (
149
). Esta é a regra geral dominante no
direito romano. O caso do frag. 12, Dig., de
religiosis et sumptibus funerum, é a unica
excepção revestida do caracter de servidão legal
(150).
* *
3, Ampliação.—A regra estabelecida pelo
direito romano para o caso particular da se-
pultura encravada, foi pelos interpretes ampliada,
por analogia, ao caso do predio encravado, es-
tabelecendo a regra mais geral, segundo a qual,
o proprietario do predio encravado tém o direito
(149). Conf. Domat, Oeuvres completes, vol. 2.°, pag.
412 ; Pothier, Pandectes, vol. 4.°, pag. 316.
(150). Muito intencionalmente usamos da expressão —
unica excepção revestida do caracter de servidão legal, porque
ha no direito romano um outro caso, em que o proprietario de
um predio 6 obrigado a conceder passagem, sem que seu
predio deva servidão. E' o caso de estar a via publica destruída
ou coberta pelas aguas de um rio, que transbordou. Neste caso
(mas neste), o proprietario mais visinho deve dar passagem.
Cum via publica, diz Javoleno, vel fluminis impetu vel mina
amissa est, vicinus proximus viam praestare debet. Pothier,
Pandectes de Justinien, vol. 4.°, pag. 316. Conf. Dalloz.
Répert., verb. servitude, ns. 823 e 840, vol. 40, pags. 221 e
225; Pardessus, Traité des servitudes, n. 226.
CAPITULO VII — SECÇÃO II
§58
de reclamar e estabelecer servio de transito
por um dos predios confinantes, medeante in-
demnização dos prejuízos resultantes (
151
).
. 4. Condições.— Tres são as condições, de
que depende a servidão legal de transito, pas-
sagem ou caminho, a saber:
a) o encravamento do predio,
b) o fim legitimo da servidão, e
c) a indemnização dos damnos delia re-
sultantes. Estes requesitos são exigidos
naquelle frag. 12, Dig., liv. 11, tit. 7.º, de
religiosis et sumptibus funerum, retro
transcripto, como é facil verificar de seu
contexto. Ahi encontram-se as palavras viam
non habeat (encravamento); - ad sepulchrum
(fim legitimo), e justo pretio (indemnização).
5. Encravamento. Sua noção.—Esta é a
mais importante das condições, de que depende
a constituição da servio legal de caminho, que
ora nos occupa. Si um processo simplificador
tivesse por ventura de eliminar duas das tres
condições para deixar sómente uma, seria esta
que ficava (152).
(151). Serafini, obra citada, § 58 e nota 4; Voet, Ad
Pandectas., liv. 8.°, tit. 3.°, § 4.°; Lafayette, obra citada, § 123,
n. 1 ; Didimo, obra citada, n. 316; Dalloz. Répert., verb. ser-
vitude, n. 816, vol. 40, pag. 217; Aubry et Rau, Cours de droit
civil français, § 243, vol. 3.°, pag. 25 e nota 1
(152). Conf. Didimo, obra citada, n. 318, pag. 272.
§ 58 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
Do que temos exposto, se infere que o di-
reito romano não contém disposição alguma,
que precise o conceito do encravamento de pre-
dio, diverso do encravamento de sepultura, que
obedecia a impulsos de ordem religiosa, muito
diversos dos que hoje imperam no mundo chris-
tão, como diversos o ainda os interesses que
inspiram actualmente este instituto, inteiramente
despido do caracter religioso. Este conceito deve,
pois, ser procurado na doutrina e nos codigos
modernos, que não passam, no assumpto desta
monographia, de desenvolvimentos dos princí-
pios fundamentaes do direito romano, adaptados
ás condões e necessidades da sociedade actual.
Interroguemol-os.
*
Um caminho, qualquer que elle seja, envol-
ve sempre a ideia de communicação entre dois
pontos, pelo menos. Isto é intuitivo. Ora, um
dos pontos, que o caminho, transito ou passa-
gem de predio encravado liga, é o mesmo predio
encravado. Qual se o outro ponto ? Em nosso
direito póde ser um dos seguintes:
a) estrada publica,
b) fonte,
c) ponte,
d) estação mais proxima da estrada de
ferro,
e) estação mais proxima da navegação
fluvial,
CAPITULO VII — SECÇÃO II § 58
f) estação mais proxima da navegação ma-
rítima, e g) povoação (
l53
). m todas estas
communicações deve haver manifesta utilidade
publica.
E note-se que se entende haver encravamento,
não no caso de absoluta ausencia de ser-
ventia de caminho entre os referidos pontos,
como tambem no caso de ausencia relativa.
Si a serventia de caminho existente ou
possível é o difficil, perigosa, incommoda e
cara, que de modo algum satisfaz os reclamos
da utilidade publica na conservação e desen-
volvimento da agricultura, não existe, juridica-
mente, serventia de caminho, e é caso de se
constituir servidão legal. Esta formula, simples
e calcada nos princípios fundamentaes já ex-
postos nos §§ anteriores, e que regula as ser-
vidões em todas as suas relações judicas, dis-
pensa as innumeras distincções e multiplicadas
explicões, architectadas por alguns escriptores,
e que servem antes para escurecer o conceito do en-
cravamento, aliás claramente definido em nossa
lei, no codigo civil francez, no italiano, no por-
tuguez e outros.
(153) Lei de 9 de julho de 1773, § 12, confirmada neste
ponto pelo decreto de 17 de julho de 1778, consolidada por
Teixeira de Freitas, Consolidação das leis civis, arts. 957,958 e
1333; por Carlos de Carvalho, Nova consolidação, arts. 605 e
606: lei n. 601 de 18 de setembro de 1850, art. 16; decreto n.
720 de 5 de setembro de 1890, art. 65, § unico: Lafayette, obra
citada, § 125, n. 2; Didimo, obra citada, n. 318.
§ 58 MODOS DE CONSTITUÃO SEM CONSENTIMENTO
A nossa lei (de 9 de julho de 1773, § 12),
diz, com relação ao ponto:
«... fazendas, que não possam ter outra
alguma serventia...»
O codigo civil francez dispõe, no art 682: Le
proprtaire, dont les fonds sont enclavés et qui
n'aucune issue sur la voie publique, peut
réclamer un passage sur les Jonds de ses
voisins pour l' exploitation de son ritage, à
la charge d'une indemnité pro-portionnée au
dommage qu'il peut occasione.
O codigo civil italiano confirma, no artigo
593: «Il proprietário, il cui fondo è circondato
da fondi altrui, e che non ha uscita sulla via
pubblica, nè può procurarsela senza ec-
cessivo dispendio o disagio, ha diritto di otte-
nere il passagio sui fondi vicini per la coltiva-
zione ed il conveniente uso del proprio fondo.
O codigo civil portuguez: «Os proprietarios
de terrenos encravados, isto é, que não tenham
communicação alguma com as vias publicas,
pódem exigir caminho ou passagem pelos
predios visinhos, indemnisando o prejuízo, que
com esta passagem venham a causar».
O codigo civil hespanhol, art. 564: «El
proprietario de una finca ó heredad, encla-
vada entre otras ajenas y sin salida a camino
público, tiene derecho á exigir paso por las
heredades vecinas, previa la correspon-diente
indemnización».
De accôrdo, o codigo civil chileno, art. 847:
«Si un fonds se trouve privé de toute
CAPITULO VII SECÇÃO II § 58
communication avec le chemin public, par
suite de l'interposition dautres fonds, le
proprtaire du premier des dits fonds pourra
imposer aux autres la servitude de passage,
dans la mesure indispensable pour l'usage et le
bénéfice de son fonds, à la condition de payer la
valeur du terrain nécessaire pour la servitude,
et de réparer tout autre préjudice éprou par
les ayants-droit.
Em harmonia, o codigo civil argentino,
art. 3102: «El proprietario, usufructuario, ó
usuario de una neredad destituída de toda
communicación con el camino público, por la
interposicn de otras heredades, tiene derecho
para imponer á éstas la servidumbre
trânsito, satisfaciendo todo otro perfuici.
Não discrepa o codigo civil allemão, artigo
917: «Si entre un fonds et un chemin public, la
communication nécessaire pour une
exploitation régulière fait défaut, le pro-
priétaire peut exiger des voisins qu'ils tolérent,
jusqu la cessation de l'enclave, qu'il soit ft
usage de leurs fonds aux fins d'établir la com-
munication nécessaire».
Eis ahi, todos esses codigos confirmando
o nosso asserto attinente ao conceito do encra-
vamento. E' materia em que faz muito ao caso
o prudente arbítrio do juiz, em face das circum-
stancias peculiares de cada especie concreta (154).
(154) Consultem-se : Glück, § 628, vol. 7.°, pag 81; Di-
dimo, obra citada, n. 318; Dalloz, Répert., verb. servitude, n.
820, vol. 40, pag. 218; Pardessus, obra citada, n. 218, pag. 375;
Solon, Traité des servitudes réelles, Paris, 1837, ns. 3149;
Laurent, Príncipes de droit civil français, 5.
a
edição, Paris, 1893,
vol. 8.°, ns. 76 a 81.
§ 58 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
*
5. O encravamento não deve ser in-
tencional.— Si a servidão em geral é uma
excepção á plena liberdade do dominio e, por
isso, de interpretação restrictiva, que diremos
da servidão legal, duplamente excepcional, pois,
demais, offende a liberdade individual, obrigan-
do o proprietario a uma alienação forçada? Por
esse motivo, mais escrupulo deve haver ainda
na verificação das condições, cujo concurso a
le exige, para permittir tão grave derogação
aos princípios fundamentaes de direito (155).
Assim, si o encravamento foi intencional-
mente procurado pelo dono do predio encra-
vado, o m logar a constituão da servidão
legal, porque não ha encravamento, no sentido
judico. O encravamento deve ser facto inde-
pendente da vontade de quem pretende a ser-
vidão. Deve provir, v. g.:
a) de causas naturaes, como o desabamento
havido no ponto por onde o predio commu-
nicava com a estrada publica;
b) da venda ou arrematação de uma parte,
que se destaca de uma fazenda;
c) da disposição natural das propriedades
agcolas, e da resultante de modificações nellas
operadas naturalmente, por via de suas neces-
sarias redistribuições e mutações (156).
(155) Didimo, obra citada, n. 319; Solon, obra citada, n.
317; Laurent, obra citada, vol. 8.°, n. 82.
(156) Lafayette. obra citada, § 125, nota 1 ; Laurent, obra
citada, vol. 8.°, n. 86.
CAPITULO VII — SECÇÃO II § 58
E' por isso que, quando o encravamento
provém da divio do predio commum, acto
dependente da vontade dos respectivos condo-
minos, aquelle, que tiver o seu quinhão encra-
vado por motivo da divisão, tém direito de
pedir a servidão legal de caminho contra con-
dominos do mesmo predio, e não contra ex-
tranhos, ainda mesmo quando este pedido tenha
de ser feito depois da divisão, por ter havido
omissão a respeito, no acto desta (
157
).
Este caso de encravamento advindo do facto
da divisão do immovel pro indiviso, que muitos
consideram e tratam como caso de constituição
de servidão de caminho por disposão da lei,
incluiremos e trataremos, como fazem muitos
outros, no modo de constituição denominado
adjudicão. Neste, é verdade que a acquisição
da servidão realizá-se tambem por disposição
da lei, mas medeia a adjudicação, de que o
direito romano faz um modo distincto de con-
stituição de servidão.
*
* *
Quando o encravamento provém da venda
de uma secção do predio ou de um outro pre-
dio, por onde se fazia a ligação com a estrada
publica, ou com outro ponto dos declarados na
lei, a servidão só póde ser exigida do com-
prador (
158
).
(157) Dalloz, Répert., verb servitude, n. 851, vol. 40, pag.
227; Laurent, obra citada, vol. 8.°, ns. 82 a 86; decreto n. 720 de
5 de setembro de 1890, art. 65, § unico ; Didimo, obra citada, ns.
319 e 328.
(158) Didimo, obra citada, ns. 319 e 328; Laurent, obra
citada, vol. 8.°, n. 85.
§ 58 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
6. Caminho mais longo.— Si o predio
dispõe de um caminho, embora mais longo
do que o pretendido, não se de dizer encra
vado (159).
*
7. Fim da servidão. — Eis a segunda
condição da servidão. O fim da servidão legal
de transito é facilitar a exploração do predio
encravado que. aliás, ficaria inutilizado.
Mas que exploração? Aquella a que o
predio dever ser destinado, de accôrdo com
as circumstancias, que variam no espo e no
tempo, e cuja aprecião o constitúe questão
do domin do direito, mas do de sciencias
auxiliares (160).
8. Indemnizão.—Eis a terceira e ultima
condição desta servio. E' um requisito que
obedece aos reclamos da mais correcta justiça.
Si, quando o proprietario dise livremente do
que lhe pertence, tém direito ao preço, que di
remos do presente caso de venda forçada, quá
nimiamente prejudicial a seus interesses?
O frag. 12, Dig., liv. 11, tit. 7, de religio-
sis et sumptibus funerutn, nas palavras— "prae-
(159) Glück, obra citada, § 628, vol. 7.°. pag. 81.
(160) Didimo, obra citada, n. 318, pag. 273; Lafayette, obra
citada, § 125, ns. 1 e 2; codigos retro citados (n. 5); Dalloz,
Répert., verb. servitude, ns. 816 e 831-6, vol. 40, pags. 217 e
222; Solon, obra citada, ns. 321-2; Laurent, obra citada, vol.
8.°, ns. 87 e 90.
CAPITULO VII SEÃO II § 58
ses etiam compellere debet, JUSTO PRETIO iter ei
praestari,,, exige clara e positivamente a indem-
nização dos damnos, que do estabelecimento do
caminho resultarem para o dono do predio gra-
vado com a servidão (161).
9. A indemnização deve ser prévia.— A
constituição federal dispõe no art. 72, § 17:
«O direito de propriedade mantem-se em
toda a sua plenitude, salva a desapropriação
por necessidade ou utilidade publica, mediante
INDEMNIZAÇÃO PRÉVIA».
Basta este dispositivo do nosso pacto fun-
damental, para r fóra de discuso que a in-
demnização deve ser prévia. Já a constituição
do antigo regimen no art. 179, § 22, exigia que
a indemnizão fôsse prévia: "será elle (o ci-
dadão ) previamente indemnizado do valor delia»
(propriedade).
* *
E' certo que, no caso, não se dá a desa-
propriação completa da propriedade ou domí-
nio do predio serviente. Mas tambem é certo
que se uma desaproprião parcial, a desa-
propriação de um dos direitos reaes componen-
tes do domínio, a qual deve reger-se pelos mesmos
principios. Permittir a desapropriação de um di-
reito real com dispensa das normas regulado-
ras da desapropriação total da propriedade, é,
(161) Glück, obra citada, § 628, vol. 7.°, pags. 81-2.
§ 58 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
em ultima analyse, permittir esta desapropriação
total com a mesma dispensa, porque a proprie
dade nada mais é que o conjuncto de todos os
direitos reaes reunidos na mão do proprietario.
Em materia de servidão, maximè de servidão
legal, a interpretação deve ser sempre restrictiva,
como ficou estabelecido anteriormente ( § 3.°, n.
5). O dr. Didimo, em sua excellente monographia,
por s tantas vezes citada, exe (n. 321) a
grande controversia levantada a este proposito,
e conce emittindo opino diversa da que aca
bamos de sustentar.
*
*
10. Comprehensão da indemnização.
Esta deve comprehender todos os damnos que
a servidão causar ao dono do predio serviente,
e cujo quantum poderá ser determinado á
vista das circumstamcias particulares de cada
caso, criteriosamente apreciadas.
11. Póde ser paga por prestações?—
Não. O credor, em regra, não é obrigado a re
ceber, por partes o pagamemento que lhe é de
vido. " O devedor, diz o nosso codigo commer-
cial, no art. 431, não de ser obrigado a re
ceber por parcellas o que fôr devido por inteiro»,
disposão que é tambem do direito civil.
Está subentendido que o dono do predio
serviente póde concordar em receber a indemni-
zação por prestações, deixando, nesse caso, de
CAPITULO VII - SECÇÃO II § 58
ser applicavel a regra do pagamento por uma
só vez (162).
* *
12. Restituição da indemnização. Ex-
tincta a servidão legal, deve a indemnização ser
restituída in totum ou in parte? Deve ser res
tituída in parte, e seu quantum deve ser de
terminado de accôrdo com as circumstancias de
cada caso concreto, e pelos meios communs de
prova admittidos em direito (163).
*
13. Logar. — A servidão legal de caminho
deve ser constituída por onde fôr mais conve
niente a ambos os predios, dominante e ser-
viente, isto é, pelo logar mais proveitoso áquel-
le, e menos prejudicial a este (164). Este pre
ceito é corollario do frag. 9.°, Dig., liv. 8.°, tit
1, de servitutibus, ibi: "civiliter modo,,, e cum
id aequè commodè per alteram partem facere
possit, minore servientis fundi detrimento . A
primeira destas expressões, "civiliter modo , Or-
tolan traduz por esta: «d'après le droit civil-
seulement (165). Frag. 20, § 1.°, Dig., liv. 8.°,
(162) Didimo, obra citada, n. 323.
(163) Consultem-se sobre indemnização : Dalloz, Répert.,
verb. servitude. ns. 816, 859, 876, 879 e seguintes; Laurent, obra
citada, vol. 8.°, ns. 78 e 113-5; codigo civil francez, arts. 682 e
685; codigo civil chileno, art. 849; codigo civil italiano, art. 596;
código civil argentino, art. 3102; código civil allemão, art. 917;
Sólon, obra citada, ns. 320 e 331-2; Aubry et Rau, obra citada, §
243, vol. 3.°, pags 29 e 30; Zachariae, Le droit civil français,
Paris, 1855. § 331, vol. 2.°, pag. 188; Pothier, Oeuvres, vol. 3.°,
n. 514, pag. 201.
(164) Lafayette. obra citada, § 125, n. 2 e nota 4; Didimo,
obra citada, n. 325.
(165
) Ortolan, obra citada, vol. l.°, n. 459, pag. 334. Veja-se o
§ 6.°, n. 9, retro; B. Carneiro, obra citada, liv. 2.°, § 80, ns. 14 a
17; Pothier, Obras, vol. 3.°, pag. 202.
§ 58 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONHECIMENTO
tit. 2.°, de servitutibus praedioum urbanorum,
ibi: «dum ne quid ultra, quàm quod necesse
est, itineris causa demoliar».
*
*
14. Encravamento por mais de um
predio.E este principio é appiicavel tanto com
relação á escolha de logar dentro do predio
ue serve, como com relão á escolha de pre-
io, quando o encravamento é produzido por
dois ou mais predios. E' questão para resolver-
se deante das circumstancias peculiares de cada
caso occorrente, devidamente apreciadas, me-
deante parecer de peritos (166).
* *
15. Mudança de logar. Estabelecido o
logar serviente, isto é, o caminho, póde elle mais
tarde ser mudado? Indubitavelmente, desde que
occorram motivos letimos a exigir a mudan
ça. Diz o frag, 2°, § 8., Dig, liv. 11, tit 7°,
de religiosis et sumptibus funerum, com relação
ao ponto sujeito: "Sed si non minus commo
per aliam locum servitute uti potest, non vide-
tur servitutis impediendae causa id fieri». E de
pois accrescenta: "et sanè habet hoc rationem,,.
Em vernaculo: "Si, porém, o titular da servi
dão póde exercêl-a, não menos commodamente,
(166) Gck, obra citada, § 677, vol. 8.º, pags. 284 e se-
guintes; Ortolan, obra citada, vol. 1.º, n. 459, pag. 334;
Didimo, obra citada, ns. 325-7; Laurent, obra citada, vol. 8.°, n.
93.
CAPITULO VII - SECÇÃO II § 58
por outro logar,, (diverso do logar anterior, no
qual o dono do terreno serviente fez uma se-
pultura), não se considera que a sepultura ti-
vesse sido feita com a intenção de impedir a ser-
vidão. E este sentimento é razoavel,,.
Este texto, que é de Ulpiano, prova o prin-
cipio exposto. Assim, a regra é não se mudar o
logar serviente. Mas, sempre que a mudança
não prejudicar o transito e fôr conveniente ao
predio onerado, pode o proprietario deste re-
querel-a e promovel-a á sua custa (
167
).
* *
16. Póde o senhor do predio domi
nante requerer a mudança do logar ser
viente ? Em regra, não. Mas, uma vez que
o logar serviente não satisfaça mais as necessi
dades, a que era destinada a servidão, e haja
outro, que reuna os requisitos convenientes ao
caso, póde o dono do predio dominante requerel-a
e promovel-a á sua custa (
168
).
*
* *
17. Mudança para outro predio.—Po
derá o dono do predio serviente requerer a
(167) Consultem-se sobre indemnização: Dalloz, Ré-pert.,
verb. servitude, ns. 816, 859, 876, 879 e seguintes; Lau-rent, obra
citada, vol. 8.°, ns. 78 e 113-5; codigo civil francez, arts. 682 e
685; codigo civil chileno, art. 849; codigo civil italiano, art. 596;
codigo civil argentino, art. 3102; codigo civil allemão, art. 917;
Solon, obra citada, ns. 320 e 331-2; Aubry et Rau, obra citada, §
243, vol. 3.°, pags. 29 e 30; Zacharite, Le droit civil français,
Paris, 1855, $ 331, vol. 2.°, pag. 188; Po-thier. Oeuvres, vol. 3.°,
n. 514, pag. 201; Didimo, obra citada, ns. 329 e 330; Pardessus,
obra citada, n. 220, pag. 378.
O Didimo, obra citada, n. 330, pag. 289.
§ 58 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
mudança da servidão do seu predio para o
predio de outro visinho? Pela affirmativa, desde
que prove terem sobrevindo modificões taes,
que, si existissem antes da constituição da ser
vidão, teria esta sido localizada, o no seu
predio, mas no predio do visinho (169).
* *
18. Um logar póde servir a muitos
titulares de servidão.— Si um proprietario deve
servidão legal de passagem a diversos titulares,
senhores de predios encravados, de, de
accôrdo com o principio exposto, obtêr
mudança dos caminhos, de sorte que passem
todos pelo mesmo logar serviente, o que, sendo
possivel, muito convirá, visto como os ca-
minhos e atravessadouros fazem, infructiferos
não os logares, que occupam, mas tambem
as outras consideraveis porções dos terrenos,
que a elles são contíguos», no conceito de
nossa lei de 9 de julho de 1773, preambulo,
conceito perfeitamente consentaneo com os
princípios de direito romano reguladores do
assumpto desta monographia (170).
Cumpre notar que aquella permissão de
mudança concedida ao titular é uma excepção.
* *
A regra está no frag. 9, Dig., liv. 8, tit.
l.°, de servitutibus. « Verium constitit, ut q
(169) Didimo, obra citada, n. 330, pag. 289; Laurent, obra
citada, vol. 8.°, n. 94, pag. 120.
(170). Veja-se o § 80, n. 5, adeante.
CAPITULO VII SECÇÃO II § 58
primam viam direxisset, ea demum ire agere
deberet, nec amplias mutandae ejus potestatem
haberet>, e é confirmada no frag. 13, § 1.°, e
no frag. 24, Dig., liv. 8.°, tit 3.°, de servitutibus
praediorum rusticorum. Não é regra absoluta,
mas é regra (
,VI
). *
* *
19. Estabelecimento da servidão le
gal de caminho Esta servidão o se consti-
túe immediatamente pela lei, pleno jure, como
acontece com a servidão de usufructo, que m o
pae sobre o peculio advencio do filho, mas sim
medeante a auctoridade do juiz, a requerimento
do proprietario do predio dominante. E' o que
consta do citado frag. 12, pr., Dig., liv. 11, tit.
7.°, de religiosis et sumptibus funerum, que
transcrevemos no começo deste §, e que con
cede, para isso, uma interpellatb extraordinaria
(172). o havia, porém, processo especial para
esse fim no direito romano.
* *
20. Seu estabelecimento no direito pa
trio.No direito patrio acontece a mesma coisa,
com relação á necessidade, que ha, da inter
venção judicial na constituição desta especie
de servidão, intervenção que deve ser provoca
da pelo dono do predio dominante.
O processo é o mesmo que se emprega na
constituição da servio ae passagem de
(171). Gluck, obra citada, vol. 8.°, pags. 76, nota m; 186,
287 e 377, nota k, merece leitura. Conf. tambem Lafayette, obra
citada, § 118, pag. 316 e nota 17; Macedo, decis. 42; Corria
Telles, Dig. port., vol. 3.°, art. 469.
(172). Gluck, obra citada, § 628, vol. 7.°, pags. 76 e 83.
§ 58 MODOS DE CONSTITUÃO SEM CONSENTIMENTO
agua, aquaedudus, e vém em Pereira e Sousa e no
alvará de 27 de novembro de 1804, § 11 (
173
).
*
* *
21. Extensão da servio legal de tran-
sito.—Será aquella compatível com as necessi-
dades do predio dominante e com as condi-
ções do predio serviente. As questões que pos-
sam surgir a este respeito resolvem-se facil-
mente, applicando-se-lhes os princípios geraes
já expostos, v. g., os que se referem aos direitos
do titular de uma servidão, e aos deveres do
proprietario do predio serviente (174).
(173) Lafayette, obra citada, § 125, n. 3, combinado com o §
122, n. 4; Pereira e Sousa, Primeiras linhas, edição port., nota
1022; alvará de 27 de novembro de 1804, § 11, que dispõe o
seguinte: «Em qualquer das províncias do Reino, aonde ou
alguma povoação em commum, ou algum proprietario em
particular emprehender o tirar de algum rio. ribeira, paul, ou
nascente de agua, algum canal, ou levada para regar as suas
terras, ou para as esgotar sendo inundadas, requererá a qualquer
dos ministros de vara branca do termo, ou comarca, para que
lhe demarque, e assigne o lugar, e sitio mais com-modo, por
onde ella de ser construída, ouvindo o parecer de louvados,
ou de pessoas intelligentes : o qual do que ac-côrdarem
mandará formalizar hum processo verbal, e por elle lhe dará, ou
negará a licença para a construcção, citando-se por editos as
partes interessadas; e do que julgar se poderá recorrer á Meza
do Desembargo do Paço. Não poderão estas obras ser
embaraçadas pelos proprietarios dos terrenos, por onde ellas
passarem : mas serão obrigados a deixarem construir o
aqueducto, e passar a agua, pagando-se-lhe o prejuízo por
arbítrio de louvados».
Este processo, destinado pela lei á constituição da servidão
legal de passagem de agua, foi pela jurisprudencia ap-plicado
tambem, por analogia, ao caso de constituição da servidão legal
de caminho. O alvará de 27 de novembro de 1804, aqui citado,
vém na Collecção da legislação portugueza, de Delgado,
Lisboa, 1826, volume referente a 1804, pag. 286.
(174) Consultem-se: Dalloz, Répert., verb. servitude, ns.
837, 841-5 é 907; Didimo, obra citada, n. 335; Voet, Ad Pande-
ctas, Hv. 8.°, tit. 3.°, § 4.°; Solon, obra citada, ns. 329, 330 e
335-7.
CAPITULO VII SECÇÃO II §
50
22. Por quem e contra quem póde a
servidão legal de transito ser reclamada ?
Deve ser reclamada pelo proprietario do pre
dio encravado e tambem pelo emphyteuta, pelo
usufructuario, pelo usuario, por todo aquelle,
emfim, que tiver sobre o predio dominante um
direito real, conforme se em Didimo (obra
citada, n, 318, pag. 273) e nos auctores por
elle citados.
Este ponto rege-se pelos princípios com-
muns expostos no capitulo VI.
23. Predios rusticos e urbanos.— Con-
stitúe questão aberta no direito moderno, saber
si a servidão legal de transito de predio encra
vado se refere sómente aos predios rusticos, ou
si tambem aos predios urbanos (
175
).
§ 59
D) Constituição das servidões de
caminho pela adjudicação
1. A adjudicação é modo de constituição
de servidão de caminho. Temos aqui outro
modo de constituir servidão de caminho, sem a
vontade do proprietario do predio serviente. Que
nos jzos divisorios pode o juiz,
(176) Arnó, obra citada, pag 284, nota 1; Glück, obra citada,
§ 628, vol. 7.°, pag. 82, nota j, de Serafini.
§ 59 MODOS DE COSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
pela adjudicação, estabelecer servidão de cami-
nho sobre o quinhão de um dos condominos,
em proveito do quinhão de outro condomino,
é ponto que não padece duvida, em face dos
textos. Com effeito, no frag. 6.°, § 1.°, Dig., liv. 7.°,
tit 1.°, de usufructu, et quemadmodum quis ufa-
tur fruatur, diz Gaio: «Constituitur adhuc usus-
fructus et in judicio familiae erciscundae et com-
muni dividundo, si judex alii proprietatem adju-
dicaverit, alii usumfructum.
Vertido: «O usufructo póde ainda ser con-
stituído no juizo do inventario e no da divisão
da coisa commum, onde o juiz pode adjudicar a
um a propriedade, a outro o usufructo (176).
Ahi está o juiz adjudicando uma servidão.
No frag. 22, § 3.°, Dig., liv. 10, tit. 2,
familiae erciscundae, ensina Ulpiano: «Sedetiam,
cum adjudicat, poterit imponere aliquam servi-
tutem, ut allium alii servum faciat ex iis, quos
adjudicai: sed si puré alii adjudicaverit fundum,
alium adjudicando, amplius servitutem imponere
non poteritt».
Em vulgar: «Póde o juiz, quando adju-
dicar, impôr alguma servidão á porção de um,
em proveito da porção de outro; mas, si
adjudica um terreno pura e simplesmente, sem
servidão alguma, não de mais impôr ser-
vidão sobre elle, em proveito de outro terreno
adjudicado posteriormente» (177).
(176) Serafini, obra citada, § 83, pag. 220 e nota 13;
Maynz, obra citada, § 141 e nota 3, vol. l.°, pag. 845; Cujacio,
Opera omnia, vol. 7.º», col. 495, D. (177) Van Wetter, obra
citada, § 230, vol. 1.% pag. 422, Serafini, obra citada, § 83,
pag. 220 e nota 13;
Bonjean, obra citada, n. 1016, vol. l.°, pag. 536.
CAPITULO VII — SECÇÃO II § 59
No frag. 16, § 1.°, Dig., liv. 10, tit. 2°,
familiae erciscundae, diz ainda o mesmo UI-
piano: «Julianus ait, si alii fundum, alii usum-
fructum fundi judex adjudicaverit, non commu-
nicari usumfructum.
Em vernaculo: «Pensa Juliano que, si o
juiz adjudica a um dos quinhoeiros o terreno,
e a outro o usufructo, este usufructo não se
communica aos dois (
178
).
No frag. 6.°, § 10, Dig., liv. 10, tit 3.°,
communi dividundo, insiste ainda o notável juris-
consulto classico, dizendo: «Officio judicis etiam
talis adjudicatio fieri potest, ut alteri fundum,
alteri usumfructum adjudicat».
Traduzido: «Póde o juiz, si assim julgar
conveniente, adjudicar a um o terreno, e a outro
o usufructo» (179).
Para que não para desarrazoado citarmos
textos referentes á constituição de usufructo,
uando tratamos da constituição das servidões e
caminho, cumpre lembrar o texto de Gaio, que
vém no frag. 5.°, Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de
servitutibus: «Via, iter, actus... iisdem feré
(178) Cujacio, Obras completas, vol. 3.°, col. 616. A; frag.
4.°, § 5.°, Dig., liv. 10, tit. l.°, finium regundorum; Van Wet-ter,
obra citada, § 230, vol. l.°, pag. 422; § 456, n. 2, vol. 2.°, pag.
265; Serafini, obra citada, § 83, pag. 220.
(179) Cujacio, Opera omnia, vol. 7.°, col. 495, D: Potest
judex uni adjudicare fundum, alteri coheredi usumfructum
ejusdem fundi. Unus habebit nudam proprietatem, is scilicet cui
est adjudicatus fundus, alter habebit usumfructum solus; col.
571, A; Maynz, obra citada, § 141 e nota 1, vol. 1.°, pag. 845.
§ 59 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONHECIMENTO
modis constituitur, quibus et usumfructum con-
stitui diximus».
Vertido: «As servies de caminho se con-
stituem pouco mais ou menos pelos mesmos
modos como se constitúe o usufructo».
2. A adjudicação no direito brasileiro.
Este modo de constituição de servidão vigora
em nosso direito. «Nas acções divisorias, diz
Lafayette, é permittido ao juiz, no caso de ne-
cessidade, constituir servidões na parte em terras
dada a um dos consenhores em utilidade da
parte quinhoada ao outro».
E a nossa lei de divio das terras do do-
mínio particular (decreto n. 720 de 5 de se-
tembro de 1890, art. 65 e § unico) é expressa:
Na mesma folha de pagamento serão decla-
radas as servies que forem instituídas sobre
o quinhão demarcado ou a favor delle, desig-
nando-se o logar da servidão e regulando-se o
modo e condições do seu exercício».
E, especificando, com relação ás servidões
de caminho, accrescenta:
«Paragrapho unico. E' permittido o esta-
belecimento de servidão de caminho para com-
municar o predio dominante com a estação mais
proxima da estrada de ferro, ou de navegação
fluvial ou maritima (
180
).
(180) Nesta servidão, o logar servíente e o modo de
exercício são determinados pelo juiz, e devem constar da fo-lha
de pagamento de cada quinhoeiro (Reg. n. 720 citado, art. 65.)
Veja-se o § 60, adeante.
CAPITULO VII SECÇÃO II § 59
3. Servitus necessaria. Os romanistas
dão á servidão adauirida por virtude da adju
dicão—o nome de servitus necessaria, com
que a distinguem alguns da outra denominada
legal (181).
4. Lei das XII taboas. -- Já na lei das
XII taboas a adjudicação era meio legitimo de
adquisição nos juizos divisorios (182).
* *
5. Judicium legitimum.—Para que a ser
vidão de caminho fosse constituída jure civili,
era preciso que a instancia fosse judicium legi
timum-. adjudicada em outra instancia, no judi
cium imperium continens, a servidão existia
tuitione praztoris (183).
6. Tradão. Para se operar a acqui-
sição ou constituição da servidão de caminho
por este modo, não é mistér a tradição, isto é,
o uso do direito. Pondera Glück: « Si osservi
inoltre che all' acquisto di una tale servitu, che
viene costituita per aggiudicazione giudiziale,
(181) Glück, obra citada, § 628, vol. 7.°, pags. 76 e 83.
Veja-se n. 11, nota, adeante.
(182) Glück, obra citada, § 628, vol. 7.°,pag.83 e nota 74.
(
183
) Ortolan, obra citada, vol. 1.º, n. 462, pag. 336 bis;
Salivas et Bellan, obra citada, vol. 1.°, pags. 510 e 513.
§ 59 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
non si richiede la tradizione; poichè già le XII
tavole ascrivevano l'aggiudicazione nei giudizi
divisorii ai modi d'acquisto civili» (184).
* *
7. Prédio extranho á divisão. - Póde o
juiz constituir servidão de caminho em pro-
veito do predio de um dos quinhoeiros, fóra
da indivisão, de que se tratar? Póde constituil-a
em desvantagem de um tal predio? Não. A
adjudicação só póde affectar, favoravl ou des-
favoravelmente, os quinhões, em que se desdobra
o preio que faz objecto da acção divisoia.
Os textos são expressos a este respeito.
"Sed etiam, diz Ulpiano, cum adjudicat poterit
imponere aliquam servitutem, ut alium alii servum
faciat ex iis, quos adjudicat: sed si puré alii
adjudicavent fundum, alium adjudicando, am-
plius servitutem imponere non poterit (185).
«Ut fundus hereditarius fundo non hereditário
serviat, confirma Javoleno, arbiter disponere
non potest: quia ultra id, quod in judicium
(184) Glück, obra citada, § 628, vol. 7.°, pag. 83 e nota
73; frag. 6.°, § 10, Dig, liv. 10, tit. 3.°, cummuni dividundo;
frag. 10, 8 1.°, Dig., liv. 10, tit. 3.«, que diz: "Si usus tantum
noster sit, qui neque vivere tocari potest, que madmodum
divisio, potest fieri in communi dividundo judicio, videamus?
Sed prcetor interveniet, et rem emendabit: ut, si judex alten
usum adjudica verit, non videatur alter, qui mercedem accepit,
non uti: quasi plus faciat,qui vedetur frui: quia hoc propter
necessitatem fit». Frag. 20, Dig., liv. 8.°, tit. 1.°, de servitu-
tibus, em que diz Javoleno, tratando da tradição da servidão:
Ego puto usum ejus juris pro traditione possessionis accipien-
dum esse: ideoque et interdicta veluti possessori asunt.
(
185
) Frag. 22, § 3, Dig., liv. 10, tit. 2.°, familiae ercis-
cundae; Bonjean, obra citada, vol. 1.°, n. 1016, pag, 236.
CAPITULO VII — SECÇÃO II § 59
deductum est, excedere potestas judicis non
potest (186).
*
8. Diminuição do predio serviente.—Na
formação do quinhão gravado com a servidão
de caminho, deve ser levada em conta a dimi
nuição de var, que por ventura produzir a con
stituição da servidão. E' a opino de Van Wet-
ter, que nos parece fundada em princípios de
justiça (187).
9. Tempo opportuno. —A adjudicação da
servidão deve ser feita pelo juiz, no acto de
adjudicar os quinhões aos interessados. E' o que
dise o citado frag. 22, § 3.°, Dig., liv. 10, tit.
2: Sed etiam, cúm adjudicat, poterit imponere
aliquam servitutem. Sed si puré alli adjudica
verit fundum, alium adjudicando, ampliús ser
vitutem imponere non poterit».
Em vernaculo: "Mas tambem, quando adju-
dica (os quinhões), póde o juiz imr alguma
servidão sobre o quino de um, em vantagem
do quinhão de outro. Mas, si elle adjudicou
pura e simplesmente o predio a um, sem onus,
já não póde mais impôr servidão sobre esse
(
186
) Frag. 18, Dig., liv. 10, tit. 3.°, communi dividundo;
Bonjean, obra citada, vol. 1.°, n. 1016, pag. 536; Van Wetter,
obra citada, § 455, vol. 2.°, pag. 264, n. 2
o
, ibi: «Il (le juge)
établira encore parfois des servitudes prédiales, et surtout des
servitudes de passage, pour cause d'enclave, entre des immeu-
bles échus a des associes.
(187) Van Wetter, obra citada, logar citado. Vejam-se os ns.
11 e 12, adeante.
§ 59 MODOS DE CONSTITUÃO SEM CONSENTIMENTO
predio (ou quinhão em proveito de outro, que
adjudicar depois».
Esta solução é muito justa, porque, uma
vez adjudicado o quinhão sem servidão, o re-
spectivo quinhoeiro tém adquirido o direito de
possuil-o assim, livre de tal onus (188)
* *
10. Post divisionem. Subentende-se
porém, que a servidão poderá ser ainda consti-
tuída, depois de finda a instancia divisoria, por
meio da interpellatio extraordinaria, a que al-
lude o frag. 12, Dig., de religiosis et sumptibus
funerum (189).
* *
11. Indemnização. No caso da ser-
vidão legal, a lei exige expressamente a indem-
nizão, que o titular da servidão de caminho
deve pagar ao dono do predio serviente.
No caso da servidão necessaria, a lei é
muda a respeito (190). Impõe-se, pois, esta
concluo: neste ultimo caso, que é o que nos
occupa, o se exige indemnização
pecuniaria.
Isto vém confirmar o exposto em o nu-
mero 8 deste §, com relação á diminuição do
(188) Glück, obra citada, § 628, vol. 7.°, pag. 78;
Maynz, obra citada, § 141, vol. l.°, pag. 845.
(189) Veja-se o que deixámos exposto no § 58
(190) A expressão servidão necessaria, em contraposição
á servidão legal, carece de rigor, pois esta ultima servidão
tambem é necessaria, pois sua constituição opéra-se
independentemente do consentimento do proprietario por ella
prejudicado. Mas tém a vantagem de pertencer á technologia
assente, que não nos passa pela mente alterar. Veja-se o n. 3,
supra.
CAPITULO VII — SECÇÃO II § 60
predio serviente: seu proprietario deve receber
a compensação em terras.
*
*
*
12. Ainda indemnização.—Dada,
porém, a hypothese de ser a servio constituída
posteriormente á divisão, por ter havido
omissão no acto de realizar-se esta, a solução
será outra, e a indemnização deve ser condição
da constituição da servidão de caminho,
porque já não é possivel ao dono do predio
gravado receber aquella compensação no
augmento da area de seu quinhão.
§ 60 Direito patrio
1. O direito romano é subsidiario do
nosso. — A doutrina do direito romano vigora
no direito brasileiro. O regulamento n. 720 de
5 de setembro de 1890 (sobre divisão e de-
marcação das terras particulares), no art. 65, §
unico, dispõe o seguinte:
«E' permittido o estabelecimento de ser-
vidão de caminho para communicar o predio
dominante com a estação mais proxima da
estrada de ferro, ou de navegação fluvial ou
maritima».
As folhas de pagamento dos quinhões,
dominante e serviente, devem contêr o
seguinte:
a) Declaração de haver sido instituida a
servidão de caminho (como qualquer
outra);
§ 60 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
b) designação do logar serviente;
c) determinão do modo de exercicio da
servidão, e
d) determinão das condições do exer-
cio da servidão.
Assim preceitúa o citado regulamento: «Na
mesma folha de pagamento serão declaradas as
servidões que forem instituídas sobre o quinhão
demarcado ou a favor delle, desi-gnando-se o
logar da servidão e regulando-se o modo e
condões do seu exercicio» (191).
Os arbitradores externam seu juizo sobre
a necessidade de tal servidão, nos termos do
art. 60 do mesmo regulamento.
*
• #
Convém notar que este regulamento não
estabeleceu direito novo, mas apenas formulou o
que já existia entre s. Assim, Corrêa Telles
ensinava: «Em acto de partilhas deve o juiz
delias, com parecer de peritos, estabelecer as ser
vidões indispensaveis; como quando um predio
é dividido em partes, e algumas destas não to
cam no caminho publico (
l92
).
E' a lição de B. Carneiro, obra citada,
liv. 2, § 78, n. 23; de Pêgas, Forenses, § 241,
n. 97, vol. 7.°, pag. 343. Cont. Nova consolidação,
art 592 (193).
(191) Reg. n. 720 de 5 de setembro de 1890, art. 65,
principio.
(192) Dig. port., vol. 3.°, art. 448.
(193) Veja-se o § 59, n. 2, acima.
CAPITULO VII SECÇÃO II §61
2. Frequencia das servidões de cami
nho entre nós. Cumpre observar que, no
direito patrio, as servidões de caminho são
muito
mais frequentes do que no direito romano. E a
razão, que disso Maynz, é que os predios
agcolas entre os romanos eram geralmente se
parados uns dos outros por um espaço de cinco
pés de largura. Isto desde a lei das XII ta-
boas (194).
§ 61
E) Constituição das servidões d.e caminho pela,
prescripção ac- quisitiva.
1. Noção da. prescripção acquisitiva.—
Os jurisconsultos definem a prescripção acqui-
sitiva pela seguinte fórma: «Modo de adquirir a
propriedade pela posse continuada durante um
certo lapso de tempo, com os requisitos
estabelecidos na lei.
Usucapio, diz Modestino, no frag. 3,
Dig., liv.41, tit. 3.°, de usurpationibus et
usucapioni-bus, est adjectio dominii per
continuationem pos-sessionis temporis lege
definiti».
Esta definição é dada, como se , sob o
ponto de vista da acquisição da propriedade
(
195
). Mas não é só a propriedade que se adquire
(194) Maynz, obra citada, § 95 e nota 16, e § 141, vol. l.°, pags.
698 e 846.
(195) Maynz, obra citada, § 110, vol. 1.°, pag. 740;
Lafayetre, obra citada, § 61.
§ 61 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
por este meio, que é tambem modo legitimo
da acquisição das servidões, como prova o fi-
nal da const 12, Cod., de praescriptione longi
temporis decem vel viginti annorum: "Eodem
observando, et si res non soli sint, sed incor-
porales, quae in jure consistunt, veluti usas-
fructus, et caeteras servitutes (
196
).
Leve modificação adapta aquella definição
classica ao caso das servidões. Assim, podemos
definir a prescnpção acquisitiva das servidões por
esta fórma: E' o modo de adquirir as servidões
pela posse continuada durante um certo lapso
de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei.
2. Historico—A usucapião (este é o ter-
mo propriamente romano, como se vê em Mac-
keldey, obra citada, § 290) a usucapião das
servidões m uma historia, quede ser divj-
dida em tres phases:
a) a phase anterior á lei Scribonia,
b) a phase posterior a essa lei e correspon-
dente á épocha dos jurisconsultos clas-
sicos, e
c) a phase que se seguiu a esta (
197
).
3. Primeira phase. —Este instituto tém
obedecido a. normas diversas, em cada uma
das
(196) Frag. 5.°, § 3, Dig., liv. 43, tit. 19, de itinere actuque
privato; Lafayette, obra citada, § 62, n. 1; § 133, n. 5 e nota 9;
Glück, obra citada. § 629, vol. 7.°, pags. 87-8.
O Cogliolo, Storia del diritto privatto romano, § 49, vol,
l.º, pag. 49; Salivas et Bellan, obra citada, vol. 1.°, pags. 5l6-6.
CAPITULO VII SECÇÃO II § 61
tres mencionadas phases. Antes da lei Scribo-
nia, cuja data o foi ainda possível fixar-se
precisamente, mas que deve ser do correr do
seculo 7 da fundão de Roma (
198
) as servidões
podiam adquirir-se por meio de usucapião, o que
aliás era consentaneo com o conceito que eno
se formava das primitivas servidões rusticas,
constitutivas dos jura itinerum et aqua-rum (
servidões de caminho e de aguas). O texto, que
prova que por tal modo se constituíam então as
servidões, texto aliás unico, é o frag. 4.°, § 29,
Dig., liv. 41, tit. 3, de usur-pationibus et
usucapionibus, que reza o seguinte, pondo fóra
de duvida o nosso asserto:
«Libertatem servitutium, diz ahi Paulo,
usucapi posse verius est, quia eam usucapionent
sustulit lex Scribonia quaz servitutem consti-
tuebat, non etiam eam quae libertatem prcestat
sub lata servitute» (
199
).
* *
4. Segunda phase.— Na segunda phase,
no peodo da jurisprudencia classica, onde do-
minava o conceito moderno das servidões,
o de serem ellas coisas incorporeas, não per-
mittia o direito este modo de constituição das
mesmas, porque, diz o texto de Paulo, frag.
(198) Cogliolo, Storia citada, togar citado e nota 72. Se-
gundo Cujacio, data ella de 603. Segundo Hotomanno, de 677
de Roma. Veja-se essa nota de Cogliolo e tambem Salivas et
Bellan, vol. l.°, pag. 510, que a põem no anno de 710; Glück,
obra citada, § 629, vol. 7 °, pag. 88.
(198) Cogliolo, Storia citada. § 49, pag. 49; Salivas et
Bellan, obra citada, vol. 1.°, pag. 510.
§ 61 MODOS DE CONSTITUÃO SEM CONSENTIMENTO
14, pr., Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de servilutibus:
" Incorporaíes sunt (servitutes), et ideo usu non
capiuntur» (
200)
5. Terceira phase. —Em seguida, vol-
tou-se, impellente necessitate, a um estado de
coisas análogo ao que precedera a lei Scribo-
nia, applando-se igualmente ás servidões a
longi temporis prcescriptio. Justiniano é expresso
a respeito: "Eodem observando, et si res non
soli sint, sed incorporaíes, quae in jure consis-
tunt, veluti ususfructus, et caeteras servitutes (201)
Com esta sua ultima fórma, passou o insti-
tuto da constituição das servidões para os po-
vos modernos e prevalece entre nós (
202
).
6. Requisitos ou condições.— Os requi
sitos ou condões, cujo concurso o direito ro-
mano justinianeo (que neste assumpto é tam
bem o nosso direito), exige, afim de operar-se
a
constituição ou acquisão das servidões de -
minho (e das outras especies tambem), o es
tes cinco:
a) objecto habil;
b) quasi-posse fundada em justa causa, e
extreme de vicios (vi, clam aut precario ;
(200) Cogliolo, Storia, logar citado.
(201) Const. 12, in fine, Cod., liv. 7.°, tit 33, de prae-
scriptione longi temporis decem vel viginti annorum; Cogliolo,
Storia, § 49, pag. 49; Glück, obra citada. § 629, vol. 7.º (202)
Lafayette, obra citada, S 133, n. 5e nota 9.
CAPITULO VII — SECÇÃO II § 61
c) lapso de tempo; d)
bôa fé no começo, e
e) continuidade da quasi-posse (
208
).
* •
7.a) Objecto habil. Este requisito consiste
em ser o immovel serviente daquelles, cujo
dominio seja susceptível de acquisão por
prescripção. Por exemplo: uma pra publica é
imprescriptivel, como o é quelquer coisa de
uso publico. A servidão de acjuaducto sobre
ella tambem o é. E o principio é logico: si
fosse possível adquirir os elementos do domí-
nio, não haveria impossibilidade de adquirir o
todo. O que está nas partes está no todo (
204
).
* *
8. b) Quasi-posse fundada em justa causa
e extreme de vicios.—Esta quasi-posse é
judica, isto é, acompanhada da intenção, por
parte do quasi-possuidor, de exercitar um di-
reito de servidão de caminho: animus jus sibi
habendi. Quando se trata da posse, dizer sim-
plesmente posseé dizer posse juridica.
(203) Lafayette, obra citada, § 133, n. 5 e notas; Mackeldey, obra
citada, § 326, n. 4; Van Wetter, obra citada, § 232; Glück obra
citada, § 629. (204) Const. 12, Cod., liv. 7°, tit. 33, de
praescriptione longi temporis const. 131, cap. 6.°; Lafayette, obra
citada, § 133, n. 5 e nota 11.
128
§61 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
O mesmo acontece, quando se trata da
quasi-posse (205).
*
* *
9. Vicios.— Os vicios, que pódem conta
minar a acquisão da quasi-posse das servidões
de caminho, são tres:
I) vi (violencia);
2) clam (clandestinidade), e
3) precario (precariedade).
E' o que demonstra o frag. 10, pr., Dig.,
liv. 8.°, tit. 5.°, si servitus vindicetur vel ad alium
pertinere negetur, ibi: «non vi, non clam, non
precario possedisse , e a const. l.
a
, Cod., liv. 3.°,
tit 34, de servitutibus et aqua, ibi: «nec vi, nec
clam, nec precaro possidet» (
206
).
*
10. o) Lapso de tempo. O lapso
de tempo póde ser de
I) dez annos,
2) vinte annos ou
3) trinta annos (
207
).
(205) Frag. 25, Dig., liv. 8.°, tit. , quemadmodum servi-
tutes amittantur, onde diz Paulo: « Servitute asas non vide- tur,
nisi is, qui suo jure uti se credidit: ideoque si quis pro via
publica vel pro alterius servitute usus sit, nec interdictum, nec
actio utiliter competit. Const. 12, Cod, liv. 7.°, tit. 33, já citada,
ibi : ut bono initio possessionem tenentis.
(206) Pothier, Pandectes de Justinien, vol. 4.°, pags. 269
70; Lafayette, obra citada, § 133, n. 5 e nota 11.
(207) Const. 12, Cod., Liv. 7.°, tit. 33, de praescriptione
longi temporis ; are. da const. 8.º, § 1.°, Cod., liv. 7.°, tit. 39,
de praescriptione XXX vel XL annorum; Serafini, obra citada,
§ 83, pag 220 e nota 19; Glück, obra citada, § 629, vol. 7., pag.
91; Mackeldey, obra citada, § 326, n. 4, nota 5; Salivas et
Bellan, obra citada, vol. l.°, pag. 512; Lafayette, obra citada, §
133, n. 5.
CAPITULO VII SECÇÃO II § 61
• •
11. Dez annos.—Entre presentes, a acqui
sição da servidão de caminho opéra-se pela du
ração continua da quasi-posse por dez an
nos (208).
*
12. Vinte annos. Entre ausentes, a
acquisição da servidão de caminho opéra-se
pela duração continua da quasi-posse por vinte
annos (
209
).
Estes são os casos da prescrião ordina-
ria. O lapso de tempo para a prescripção ex-
traordinaria é o seguinte (210).
(208) Const. 12, Cod, liv. 7.°, tit. 33, de praescriptione
longi temporis; Glück, obra citada, § 629, voL 7.°, pag. 91;
Bonjean. obra citada, n. 1017, voL 1.º, pag. 536; Van Wetter,
obra citada, § 232, voL 1.°, pag. 424-
(209) Const. 12, Cod, liv. 7.°, tit. 33, de praescriptione
longi temporis; Van Wetter, obra chada, § 232; Lafayette, obra
citada, § 133, n. 5 e nota 12; Didimo, obra citada, n.l 348. pags.
310-11.
(210) Van Wetter. obra citada, § 232. A mesma const. 12,
Cod., v. 7.°, tit 33, dirimia a grande controversia, que havia,
sobre a questão de saber o que se devia entender por presentes e
ausentes. Una sustentavam que presentes eram os domiciliados
na mesma cidade, e ausentes os domiciliados em cidades
diversas. Outros tomavam por base a província, envez da cidade.
O imperador Justiniano, na chada const. 12, cortou as duvidas,
decretando que presentes são os indivíduos domiciliados na
mesma província, e ausentes os domiciliados em províncias
diversas. Pothier e outros sustentam que a palavra domiciliam
usada por dita const. 12 deve ser tomada no sentido de domicilio
de facto, residencia (Lafayette, obra citada; § 67, nota 3, voL 1.º,
pag. 181).
Em nosso direito, a presença e a ausencia são deter-
minadas pela residencia na mesma comarca ou em comarcas
differentes (Ordem, liv. 4.§ tit. 3.°, § 1.º; Lafayette, obra citada,
§ 67, n.le notas 2 e 3).
§ 61 MODOS DE CONSTITUÃO SEM CONSENTIMENTO
* *
18. Trinta annos. — Si a quasi-posse
não é fundada em justa causa, a prescripção
não tém logar nos lapsos de tempo de dez e
de vinte annos, mas sim no de trinta annos. E
o mesmo acontece, quando o immovel, sobre
que versa a servidão, só se prescreve nesse
prazo (211).
*
14. Quarenta annos. — E, ás vezes o
immovel só se prescreve em 40 annos.
Quando assim acontece, a respectiva servidão
é prescriptivel nesse mesmo lapso de 40
annos (212).
15. d) Bôa fé. - - Eis outro requisito. a
fé, na materia sujeita, é a convião, em que se
acha o quasi-possuidor, de que legitimamente
lhe assiste o direito á servidão de caminho.
Dá-se aqui o mesmo que com relação á pre-
scripção da propriedade: onde "bona fides est
justa opinio qua quis rem alienam tanquam
suam ignoranter possidet,,.
"Bonae fidei emptor esse videtur, diz Mo-
destino (frag. 109, Dig., liv. 50, tit 16, de ver-
borum significatione), qui ignoravit eam rem
alienam esse, aut putavit eum, qui vendidit jus
(211) Arg. const. 8.ª, § 1.°, Cod., liv. 7.°, tit. 39. (212) Van
Wetter, obra citada, § 232 ; Lafayette, obra citada, § 133, n. 5.
CAPITULO VII SECÇÃO II §61
vendendi habere, puta procuratorem, aut tuto-
rem esse».
"t
Sed etsi jure aqua non debetur aliqui, si
tamen jure dicere se putavit cum non in jure,
sed in facto erravit, dicendum est, eoque jure
utimur, ut interdicto hoc uti possit; sufficit
enim, si jure se ducere putavit, nec vi, nec ciam,
nec precario duxit,,, diz Ulpiano (213).
*
16. Identidade de princípios ácerca
da bôa fé.—Os princípios reguladores da bôa
fé, como requisito da prescripção acquisitiva das
servidões de caminho, o os mesmos que a
regulam como requisito da prescripção acquisi-
tiva da propriedade (214).
. 17. Presumpção da bôa
fé. O pre-
scribente não m necessidade de provar sua bôa
: esta se presume como resultante natural da
justa causa da quasi-posse. A'quelle, que se
opp~pe
á acquisição da servidão de caminho pela pre
scripção, é que imcumbe provar a ausencia de
bôa fé no usucapiens (
215)
.
(213) Frag. 10, pr, Dig., Iiv. 8.°, tit. 5.°, si servitus vin-
dicetur; frag. l.°, § 10, Dig., Iiv.43, tit. 20, de aqua quotidiana et
aestiva; const. 1.ª, Cod., Iiv. 3.°, tit. 34, de servitutibus; Glück,
obra citada, § 629, vol. 7.°, pag. 103; Lafayette, obra citada, § 69
e notas; Didimo, obrada, citada, n. 348.
(214) Glück, obra citada, § 629, vol. 7.°, pag. 103.
(215) Mackeldey, obra citada, § 326, n. 4, nota 6;
Maynz, obra citada, § 142, nota 7, vol. 1.°, pag. 847;
Glück, obra citada, § 629, vol. 7.°, pag. 104-5.
132
§ 61 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
18. fé superveniente.—O direito ro-
mano se contenta com a existencia da bôa
no como da quasi-posse das servidões de ca-
minho. Mala fides superveniens non nocet.
Comprova-o Paulo, frag. 48, § 1.°, Dig.,
liv. 41, tit. 1.°, de adquirendo rerum domínio.
O codigo civil francez adoptou a doutrina do
direito romano: Il suffit, diz elle, que la bonne
foi ait existe au moment de l'acquisition,, (
216
)
O nosso direito actual exige a a , o.
no começo da quasi-posse, como em toda
a exteno de sua duração. 'Porquanto os ha-
vemos em fé, diz a Orden, para que o
possam fazer seus os ditos fructos, nem pre-
screver as propriedades» (217).
Em outro logar, diz ainda a Orden.: Salvo
se constar da má fé dos sobreditos, porque então
em nenhum tempo poderão prescrever (218).
Conseguintemente, no direito romano, nada
inflúe, sobre a prescripção começada das servi-
dões de caminho, a superveniencia da má fé.
No direito patrio, pelo contrario, a super-
veniencia da má aniquila a prescripção em
via de consummar-se (
2l9
).
(216) Salivas et Bellan, obra citada, vol. l.°. pag. 512;
codigo civil francez, art. 2269; Lafayette, obra citada, § 69, n.
4, nota 6.
(217) Orden., liv. 2.°, tit. 53, § 5.°
(218) Orden., liv. 4.°, tit. 3.°,§ l.°; Lafayette, obra citada,
§ 69, n. 4 e nota 6.
(219) Lafayette, obra citada, § 69, n. 4.
CAPITULO VII — SECÇÃO II § 61
19. Bôa e justo titulo. Não são
ideias correlativas: póde existir a sem justo
titulo. Mas a existencia do justo titulo faz pre
sumir a da bôa, a prova em contrario (220).
*
20. Continuidade da quasi-posse.
Para operar-se a constituição de uma servidão
de caminho pela prescripção, é mistér tambem
o requisito da continuidade do uso da servidão,
isto é, deve esta ser exercitada sem inter-
rupção (
221
).
* *
21. Interrupção. Esta de verificar-se
por mais de um facto. -se interrupção da
prescripção da servidão de caminho, v. g., se:
I) quando sobrevêm actos que impedem
ao seu titular o uso ou exercício da
servidão (
222
);
2) quando o dono do predio serviente
deixa, por muito tempo, de exercer os
actos constitutivos da servidão, isto é,
de utilizar-se do caminho.
(220) Lafayette, obra citada, § 69, n. 5 e nota 8.
(221) Const. 2.ª, Cod., liv. 3.°, tit. 34, de servitutibus et
aqua; const. 10, Cod., liv. 7.°, tit. 32, de acquirenda et reti-
nenda possessione; Van Wetter, obra citada, $ 232 e nota 6;
Serafini, obra citada, § 83, pag. 220; Güuck, obra citada, § 629,
vol. 7.°, pags. 122-5.
(222) Veja-se o § 34, acima.
§ 61 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
*
22. Justo titulo.Tém havido grande con-
troversia sobre saber si o justo titulo é ou não
condição da prescripção acquisitiva das servi-
dões.
Parece-nos que a opinião mais accorde com
os textos é a que resolve a queso pela negativa:
o justo titulo não é condição deste modo de ac-
quisão de servidão de caminho, nem de outra
qualquer especie de servidão.
A quasi-posse de boa fé, mansa e pacifica,
durante o tempo definido na lei, torna inutil o
justo titulo (223).
As leis romanas não mencionam, a propo-
sito da prescripção das servidões, como aliás
o fazem a proposito da prescripção do domí-
nio, a necessidade de um titulo, ex vi do qual
tenha sido adquirida a quasi-posse (224).
Dois textos em este ponto fóra de du-
vida, provando que o justo titulo o é condi-
ção essencial á prescripção das servies e, pois,
das servidões de caminho. O primeiro é o frag.
10, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 5.°, si servitus vindi-
cetur vel ad alium pertinere negetur, em que
ensina Ulpiano: «Si quis diuturno usu, et longa
quasi-possessione, jus aquae ducendae nan-ctus
sit, non est ei necesse dicere de jure quo aqua
constituía est, veluti ex legato, vel alio modo:
sed utilem habet actionem, ut ostendat, per
annos forte tot usum se, non vi, non ciam,
(223) Van Weter, obra citada, § 232 e nota 3.
(224) Maynz, obra citada, § 142, n. 2.°.
135
CAPITULO VII - SEÃO II §61
non precario possedise,,. E o caso de uma ser-
vidão in faciendo.
O segundo é a const. l.
a
, Cod, liv. 3.°,
tit 34, de servitutibus et aqua, onde diz o im
perador Antonino: «Si quas actiones adversus
eum, qui aedificium contra veterem formam ex,-
truxit, ut luminibus tuis officeret, competere tibi
existimos; more solito (per judicem) exercere
non prohiberis: is, qui judex erit, longi tempo-
ris consuetuidinem, vicem servitutis obtinere
sciet: modo si is, qui pulsatur, nec vi, nec ciam,
nec precario possidet (
225
).
23. Direito patrio. O nosso direito,
am de exigir a bôa fé, como requisito essencial,
não iniiio possessionis ou quasi-possessionis,
como faz o direito romano, mas durante todo o
decurso do lapso de tempo legal, a
consummar-se a prescripção, exige ainda mais
um requisito, para que se a prescripção de
uma servidão de caminho.
Este requisito é que o caminho se dirija,
com manifesta utilidade publica, a pontes, fontes
ou outros logares publicos (
226
).
Em faltando esta condição,o se adquire
a servidão de caminho por prescripção, ainda
que immemorial (227).
(225) Salivas et Bellan, obra citada, vol. l.°, pags. 512-3;
B. Carneiro, obra citada, liv, 2.°, § 78, n. 24.
(226) Lei de 9 de julho de 1773, § 12, confirmada nesta
parte pelo decreto de 17 de julho de 1778; Lafayette, obra
citada, § 133, n. 5; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 957;
Carlos de Carvalho, Nova consolidação, art 606.
(227) Nota antecedente. Conf. Didimo, obra citada, ns.
316 e 347.
136
§ 61 MODOS DE CONSTITUIÇÃO SEM CONSENTIMENTO
24. Entre as partes. - Entre os pro-
prietarios dos predios dominante e serviente, a
constituição da servidão de caminho se opéra
definitivamente, dado o concurso dos alludidos
requisitos. Isto, quer no direito romano, quer
no patrio. Mas, bastará isso, para que a con-
stituição da servidão por prescripção valha contra
terceiro ? Em nosso direito, pela negativa.
25. Contra terceiros. Para a acquisição
da servidão de caminho, por prescripção, valêr
contra terceiros, em nosso direito, é preciso que
conste de um acto declaratorio, que póde ser:
1) sentença proferida em acção confessoria
movida pelo dono do predio dominante contra
o dono do predio serviente;
2) sentença proferida em justificação dos
requisitos legaes, para o fim de ser declarada
a existencia da servidão;
3) confissão feita em juizo (
228
).
* *
26. Transcripção. -- Exige ainda o di
reito patrio, para o dito fim, que o acto ju
dicial declaratorio da servidão seja transcripto
no registro geral da comarca, de accôrdo com
o regulamento n. 370 de 2 de maio de
1890) (229).
(228) Lafayatte, obra citada, § 133, n. 5. (229) Conf. Lafayette,
obra citada, § 133, n. 5, vol. I., pag. 350.
CAPITULO VIII
Da extincção das servidões de caminho
SUMMARIO
§ 62. Causas extinctivas das servidões de ca-
caminho. § 63. Remissão ou renuncia da
servidão. § 64. Confusão. § §6. Destruição de
um doa predios em rela-
cão de seruidão. § 66. Resolução do
domínio do predio serviente. § 67. Prescripção
extinctiva. § 68. Direito patrio.
§62
Causas extinctivas das servidões de
caminho
Estas causas são as seguintes:
a) Remissão ou renuncia da servidão;
b) confusão;
c) destruição de um dos predios;
d) resolução do domínio do predio ser-
viente, e
e) prescripção extinctiva.
§ 63
A) Remissão ou renuncia da servidão
1. Antigo jus civile. — Neste direito,
tambem denominado Jus quiritarium, consoli-
dado na lei das XII taboas, o proprietario do
CAPITULO VIII § 63
predio dominante podia, por tres modos, renun-
ciar a servidão constituída em seu favor:
1) pela in jure cessio;
2) pela mancipatio, e
3) por testamento.
Na in jure cessio, o proprietario do predio
serviente intentava, contra o proprietario do pre-
dio dominante, uma acção negatoria, pela qual
pretendia fosse o predio declarado livre de ser-
vidão. O réoo contestava, e o magistrado
declarava que o predio do auctor era liber op-
timusque. Com isto estava extincta a servidão
de caminho.
Quanto á mancipatio, veja-se a nota 91,
ao § 59, de nossos Ensaios de philosophia do
direito, vol. 1.°, pags. 129-30 (
230
).
2. Direito actual. - - No direito romano
justinianeo, a renuncia opéra-se, o pela in
jure cessio e pela mancipatio, então abolidas, mas
I) por convenção e 2)
por testamento (
231
).
*
• *
3. Como se opéra.—se vê que a remis
são ou renuncia é a transferencia, que da servidão
faz seu titular, ao dono do predio serviente.
(230) Salivas et Bellan, obra citada, vol. l.°, pag. 520;
Bonjean, obra citada, vol. 1.°, pag. 593.
(231) Bonjean, obra citada, n. 1029, vol. l.°, pag. 544.
140
§ 63 DA EXTINCÇÃO DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
E esta transferencia é feita por modo analogo
áquelle, pelo qual se constie (
232
).
4. Accôrdo de vontades. A renuncia
depende do consentimento de ambas as partes,
isto é, do proprietario do predio dominante e
do proprietario do predio serviente (
233
).
5. Expressa ou tacita.—A remissão de
ser expressa ou tacita. Prova-o um texto de
Paulo: »Si stillicdii immittendi jus habeam in
aream tuam, et permisero jus tibi in ea area
aedificandi, stillicidii immittendi jus amitto.
Et similiter si per tuum via mihi debeatur, et
permisero tibi, in eo loco, per quem via mihi
debetur, aliquid facere, amitto jus via,, (
234
).
A renuncia tacita, pom, note-se, só póde
resultar de permissão expressa, por parte ao ti-
tular da servidão, ao dono do predio servien-
te, de facto ou coisa, que torne para sempre impos-
sível o exercício da servidão de caminho (
216
).
O simples facto do titular da servidão sup-
portar, sem contestar, um acto imcompativel
com o exercício da servidão, não implica a re-
missão tacita desta.
(232) Bonjean, obra citada, n. 1028, vol l.°, pag. 543.
(233) Frag. 14, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 1.°, de servitutibus;
frag. 34, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus praediorum
rusticorum; Glück, obra citada, § 688, vol. 8.°, pag. 412.
(234) Frag. 8.°, Dig., liv. 8.°, tit. 6.°, quemadmodum servi-
tutes amittuníur; Lafayette, obra citada, § 134, n. 1 e nota 2.
(235) Nota anterior. Gluck, obra citada, § 688, vol 8, pag. 412.
CAPITULO VIII § 64
«Invitum autem in servitutibus accipere de-
bemus, diz Ulpiano, non eum, qui contradicit,
sed eum qui non consentit (
236
).
Neste ultimo caso, perde elle a quasi-
posse da servidão. E' o que se infere do final do
frag. 5.°, Dig., liv. 8.°, tit. 2.°, de servitutibus
praedorum urbano rum, ibi: non enim ad
factum, sed ad jus setvitutis haec verba refe-
runtur», e do frag. 6.°, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit
5, si servitus vindicetur vel ad alium pertinere
negetur: «Sciendum tamen inhis servitutibus
possessorem esse eum juris, diz Ulpiano, et pe-
titorem, et, si forte non habeam aedificatum al-
tius in meo, adversarius meus possessor est:
nam, eum nihil sit innovatum, ille possidet, et
aedificantem me prohibere potest, et civili actione
et interdicto quod vi, aut ciam. Idem et si la-
pilli jactu impedierit. Sed et si, patiente eo,
aedificavero, ego possessor ero effectu.
§64
B ) Confusão
1. Noção. A confusão é meio de ex-
tincção commum a todos os jura in re aliena,
conforme se em Marezoll (
237
).
E póde-se definil-a do seguinte modo: E'
a reunião, numa pessôa, das duas qualida-
des de proprietario exclusivo do predio dominan-
te e proprietario exclusivo do predio serviente.
(236) Frag. 5.°, Dig., liv. 8.°, tit. 2.°, de servitutibus prae-
diorum urbanorum; Gluck, obra citada, § 688, vol. 8.°, pag. 412.
(237) Marezoll, obra citada, $ 108.
142
§ 64 DA EXTINCÇÃO DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
* *
2. Como se verifica Póde verificar-
se por tres maneiras differentes:
I) O proprietario do predio dominante
adquire o predio serviente;
2) O proprietario do predio serviente ad-
quire o predio dominante;
3) Um terceiro adquire os dois predios:
dominante e serviente.
Em qualquer destes tres casos, a servio
de caminho extingue-se, ex vi do principio, que
conhecemos: nemini res sua servit (238).
* *
3. Deve ser completa. - - E é necessario
que a confusão seja completa, como faz sentir
a expreso proprietario exclusivo, usada na sua
definição, ta razão é que a servidão não se
perde por partes (
239)
.
Servitutes praediorum confunduntur, diz
Gaio, si idem utriusque praedii dominus esse
coeperit (
240
).
Si praedium tuum mihi serviat, diz Paulo,
sive ego partis praedii tui dominus esse coepero,
(238) § 3.°, n. 2, acima.
(239) § 6.°, n. 7 e nota 38, supra; Lafayette, obra citada,
§ 134, n. 2.
(240) Frag. 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 6.°, quemadmodum ser-
vitutes amittuntur.
143
CAPITULO VIII § 64
sive tu mei, per partes servitus retinetur, licet
ab initio per partes adquiri non poterit (241).
* *
4. Deve ser definitiva.—A confusão deve
ser feita definitivamente, por uma alienação per-
manente.
Operada com este caracter, embora cesse,
depois ou porque o proprietario dos predios
aliene um destes, ou porque aliene ambos a pes-
sôas diversas, a servidão extincta não revive (
242
).
Si a confuo é, desde o principio, revestida
do caracter de transitoria, para vigorar mente
durante algum tempo, neste caso, cessada ella,
revive a servidão de caminho. E a razão é que,
a realizão da condão resolutoria m effeito
retroactivo: Resoluto jure dantis, resolvitur jus
accipientis (
248
).
(241) Frag. 8.°, $ 1.°, Dig., liv. 8.º, tit. 1.°,de servitutibus.
Vide mais: frag. 34, pr, Dig., liv. 8.°, tit. 3°, de servitutibus
praediorum rusticorum; frag. 18, Dig.. liv. 8.°, tit. 4.°, comtnu-
nia praediorum, tam urbanorum, quàm rusticorum; Mackeldey,
obra citada, § 327, n. 2 e nota 1; Gluck, obra citada, § 688, vol
8.°, pag. 412; Van Wetter, obra citada, § 251; Bonjean, obra
citada, vol. 1.°, pag. 542.
(242) Frag. 30, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 2.°, de servitutibus
praediorum urbanorum: si rursus vendere vult, nominatim
imponenda servitus est: alioquin, liberae veniunt» (aedes).
(243) Frag. 18, Dig, liv- 8.°. tit. l.°, de servitutibus; frag.
9.°, Dig., liv. 8.°, tit/ 4.°, si servitus vindicetur; frag. 7.°, pr.,
Dig., liv. 23. tit. 5.º, de fundo dotati; frag. 57, Dig., liv. 24, tit.
3.°, soluto matrimonio, dos quemadmodum petatur; Mackeldey,
obra citada, §327; Bonjean, obra citada, vol. l.°. pag. 542; Van
Wetter. obra citada, § 251, vol. l.°, pag. 450; Gluck, obra citada,
§ 688, vol. 8.°, pag. 411.
144
§ 65 DA EXTINCÇÃO DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
§ 65
C) Destruição De um dos predios em relação
de servidão
1. Noção. - Esta causa de extincção é
commum a todos os jura in re (
244
).
A destruão do predio é seu aniquilamento
completo ou uma modificação de tal natureza,
que torne imposvel o exercido da servidão de
caminho.
Este aniquilamento ou perda da coisa póde
ser physico ou legal, verificando-se o ultimo,
quando ella é retirada do commercio (
245
).
*
* *
2. Reposição do predio ao antigo estado.
Si o predio volta a seu antigo estado ou
cessa o impedimento do exercício da servidão de
caminho, esta revive, comtanto que, no
intervallo havido, não se haja ella extinguido
pelo não-uso (
246
).
(244) Marezoll, obra citada, § 108.
(245) Pr. Insts., liv. 2.°, tit. 4.°, de usufructu; Frag. 24, pr.
e § 1,°, Dig., liv. 7.°, tit. 4.°, quibus modis ususfructus amit-
titur; frag. 2.°, Dig., liv. 7.°, tit. l.°, de usufructu; Maynz,
obra citada, § 144, vol. l.°, pag. 851 e nota 15: Van wetter,
obra citada, §§ 249 e 250; Gluck, obra citada, § 688, vol.
8.°, pag. 410. ,
(246) Frag. 20, § 2, Dig., liv. 8.°, tit. 2.°, de servitutibus
praediorum urbanorum; frag. 14, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 6.,
quemadmodum servitutes amittuntur; Maynz, obra citada,§144,
vol 1.°, pag. 852: Salivas et Bellan, obra citada, vol. 1. , pag-
519; Ortolan, obra citada, vol. 1.°, n. 467; B. Carneiro, obra
citada, liv. 2.°, § 81, ns. 27 e 28; Lafayette, obra citada, § 134,
n. 3.
CAPITULO VIII
§66
§ 66
D) Resolução do dominio do predio
serviente
1. Já vimos (no § 37) que a servidão de
caminho constituída pelo proprietario do domi-
nio resoluvel extingue-se pela resolução deste,
ex vi do principio : Resoluto jure concedentis,
resolvitur jus concessum, o qual está de accôr-
do com este outro: Nemo plus juris in alium
transferre potest quàm ipse habet (
247
).
Si a revogabilidade do dominio é consti-
tucional, isto é, vinda do acto da constituição
do dominio, este se diz dominio resoluvel ex
tunc. Si o dominio se constitúe irrevogavel, mas
revoga-se depois, ex vi de uma causa super-
veniente, se diz dominio revogavel ex nunc.
No primeirocaso, a resolução tém effeito re-
troactivo, retroage á data da constituição do domi-
nio. No segundo, não. Isto posto, pergunta-se: dá-
se a extinão da servidão de caminho no
primeiro caso, no segundo, ou em ambos?
—Só no primeiro.
Quando a resolução tém por factor uma
causa superveniente, o opéra a extincção da
servidão constituída (
248
).
(247) Frag. 16, Dig., liv. 7.°, tit. 4.°; frag. 11, § 1.°, Dig., Iiv.
8.°, tit. 6.°; Frag. 105, Dig., liv. 35, tit. 1.°; Salivas et Bellan,
obra citada, vol. 1.°, pag. 520.
(248) Frag. 11, § l°, Dig., liv. 8.°, tit. 6.°, quemadmodum
servitutes amittuntur; frag 105, Dig., Iiv. 35, tit. l.°, de condi-
tionibus et demonstrationibus; Gluk, obra citada, § 688, vol. 8.°,
pag. 413; Lafayette, obra citada, §§ 27 e 134, n. 2 e nota 6.
146
§ 67 DA EXT1NCÇÃO DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
* *
*
2. Resolução do domínio do predio
dominante. Esta produzi tambem a extinc-
ção da servidão de caminho ? Não (
249
).
§ 67 E) Preseripção
extinctiva
1. Seus requisitos ou condições. —
São tres :
I) não-uso,
2) lapso de tempo e
3) continuidade do não-uso.
2. Primeiro requisito: não-uso.—Servi
tutes non atendo pereunt, diz Paulo, principio
que encontra confirmão nas Insts., § 3.°, liv.
1°, tit. 4.°, de usufructu (
250
).
E' tambem de Paulo esta sentença: viam,
iter, actum, aquae ductum, qui biennio usus non
est, amisisse videtur (251). E Justiniano, na const
13, Cod, liv. 3.°, tit. 34, é positivo: Ita et in
caeteris servitutibus, diz elle, obtinendum esse
cen-suimus ut omnes servitutes non atendo
amittun-tur, non biennio (quia tantummodo soli
rebus anncxae sunt), sed decennio contra
praesentes, vel viginti spatio annorum contra
ausentes.
(249) Frag. 11, § 1.º Dig., liv. 8.°, tit. 6.°; Demangeat, obra
citada, vol. 1.°, pag. 527.
(250) Maynz, obra citada, S 145, vol. 1.º pag. 854.
(251) Demangeat, obra citada, vol. 1.°, pag. 528.
147
CAPITULO VIII § 67
O não-uso da servidão de caminho começa
quando o seu titular, ou alguem por elle, cessa de
passar pelo caminho serviente.
3. Noção de não-uso.—E' evidente que
o não-uso é a cessação do uso, a suspensão
do exercício dos actos constitutivos da servidão.
O não-uso da servidão de caminho começa,
quando o seu titular, ou alguem por elle, cessa
de passar pelo caminho, iter, actus ou via. O
ultimo momento do exercício effectivo da ser
vidão de caminho, aquelle em que seu titular
ou alguem por elle acabou de passar pela ul
tima vez, é o primeiro momento do não-uso.
Si elle tenta passar e é impedido de o fazer,
começa desse momento o não-uso (
252
).
*
4. Segundo requisito: lapso de tempo.
No direito antigo, o lapso de tempo exigido
era de dois annos: qui biennio usus non est,
amisisse videtur.
No direito novo, direito romano justinia-
neo ou actual, que é o que mais nos interessa,
o lapso exigido é, como na acquisição da pro-
priedade, de
I) dez annos entre presentes, e
2) vinte annos entre ausentes.
Isto é expresso na const. 13, Cod., liv. ,.
tit 34, supratranscripta.
(252) Le trésor de Vancienne jurísprudence romaine, tra-
ducção de Tissot, Metz, 1811, vol. 2°, pag. 50; Lafayette, obra
citada, § 134, n. 5.
148
§67 DA EXTINCÇÃO DAS SERVIDÕES DE CAMINHO
5. Terceiro requisito: continuidade do
não-uso (253). Assim como é necesria a
continuidade da quasi-posse da servio de
caminho, para poder operar-se a sua consti-
tuição por meio da prescripção acquisitiva, assim
tambem é necessaria a continuidade do não-uso,
para produzir o effeito da sua extincção.
A razão é a mesma numa e noutra hy-
pothese.
Aquelle lapso de tempo, de dez e de vinte
annos, é continuo: o de ser interrompido,
sem interromper a prescripção, que começará
a correr de novo (
254
).
*
6. Motivo do não-uso. —O motivo, que
leva o titular da servidão a não usar delia, não
faz ao caso: seja qual r a rao do o-uso,
dá-se a prescripção extinctiva da mesma (
255
).
*
* *
7. Boa fé. - - Esta não é requisito desta
especie de prescripção (
256)
.
(253) Maynz, obra citada, § 145, vol. l.°, pag. 857; Van
Wetter, obra citada, § 252, vol. 1.°, pag. 451; Bonjean, obra
citada, vol. l.°, n. 1026, pag. 544, verbis: Pour qu'une servi-tude
rurale ne s'eteigne pas non atendo..
(254) Conf. Lafayette, obra citada, § 74.
(256) Maynz, obra citada, § 145, vol. 1.°, pag. 856.
(256) Maynz, obra citada, § 145 vol. 1.° pag. 857.
CAPITULO VIII § 68
8. Predio dominante commum.— Si a
servidão de caminho pertence a diversos con
dominos do predio dominante, conserva-se em
proveito de todos, pelo uso que delia fa um
delles. Vel tota amittitur, vel tota retinetur (257).
9. Titular impubere. -- Contra o titular,
que fôr impubere, não corre a prescripção, e
isto aproveita aos maiores, consenhores do im-
movel dominante (
258
).
§ 68 Direito patrio
Todo este capitulo é direito patrio subsi-
diario.
(257) Frag. 18, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus prae-
diorum rusticorum; frag. 6.º, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 6.°, quem-
admodum servitates amittuntur; Lafayette, obra citada, § 134, n.
5, vol. 1.°, pag. 363; Ortolan, obra citada, vol. 1.°, n. 468, pag.
336 bis-10.
(258) Frag 10, Dig., liv. 8.°, tit. 8.º, quemadmodum servi-
tutes amittuntur; Lafayette, obra citada, § 134, n. 5, nota 13;
Maynz, obra citada, § 145, vol. 1.°, pag. 856.
CAPITULO IX
Das acções relativas ás
servidões de caminho
SECÇÃO I
Das acções tendentes a constituir
servidões de caminho (acções pessoaes)
SUMMARIO
§ 69. Classificação das acções relativas da
servidões de caminho. § 70.
Quaes são essas acções?
§69
Classificação das acções relativas ás
servidões de caminho
As acções relativas ás servidões de cami-
nho são destinadas a constituil-as, ou a defen-
del-as, como direito real ou como facto apenas.
Dahi, o seu desdobramento em tres classes
distinctas:
a) acções tendentes a constituir servidões
de caminho ( acções pessoaes);
b) acções petitorias e
c) acções possessorias (
259
).
(259) Mackeldey, obra citada, § 328; Glück, obra citada, §
685, vol. 8.º, pag. 364.
CAPITULO IX — SECÇÃO II §§ 70 e 71
§70 Quaes são
essas acções?
Nesta classe só entram acções pessoaes. E
a razão é que os direitos reaes, a que se refe-
rem, que são as servidões, ainda não existem.
A ella pertencem todas as acções, cujo objecto
seja constituir uma servidão. Por exemplo:
a) a actio ex contracto;
b) a actio ex testamento,
c) a actio extraordinaria ou imploratio offi-
cii judicis.
Todas estas acções tendem a tornar effe-
ctiva uma servidão, que deve emanar de con-
venção, em que foi promettída, ou de testa-
mento, em que foi deixada, ou de facto de en-
cravamento do predio dominante (
260
).
SECÇÃO II
Das acções petitorias
SUMMARIO
§ 71 Acção confessoria.
§ 72 Acção negatoria.
§ 78 Acção publiciana.
§ 74 Direito patrio.
§71
Acção confessoria
1. Noção.— Assim como o domínio tém
uma rei vindicatio, destinada a proteger a coisa
em sua totalidade ou o conjuncto de todos os
(
260
) Glück, obra citada, § 685, vol. 8.°, pags. 364-5.
§71
DAS ACÇÕES PETITORIAS
direitos reaes, tambem a servidão, servitus, que é
um desses direitos reaes desmembrado do
conjuncto, térm uma acção real, petitio, vindi-
catio servitutis, destinada a proteger este direito
real parcial.
Ha uma vindicatio, remedio geral, para o
conjuncto dos direitos reaes, o dominium, quando
este é affectado por molestia geral, que abranja-
os todos.
E ha tambem uma vindicatio, remedio lo-
cal, para um só dos membros daquelle todo,
qualquer jus in re aliena, quando a molestia é
parcial, quando affecta um dos direitos reaes
(261).
O parallelo assume maior valôr, attenden-
do-se a que a concepção desta vindicatio ser-\
vitutis data do antigo direito civil romano, do
tempo em que imperava o primitivo conceito da
servitus, considerada então como o domínio
sobre uma parte da coisa (
262
).
Acção confessoria, actio confessoria ou
actio affirmativa, no assumpto que nos occupa,
é a acção real, que assiste ao titular de uma
servidão, para obter, com o reconhecimento
desta, a cessação da lesão, que lhe suprime
totalmente ou, pelo menos, lhe perturba, o re-
spectivo exercício (
268
).
(261) Marezoll, obra citada, § 109; Bonjean, Traité des
actions, § 279, vol. 2.°, pag. 114.
(262) Cogliolo, Storia del diritto privato romano, § 49, vol.
2.', pag. 50.
(263) Van Wetter, obra citada, § 246; Bonjean, Traitê des
actions, § 279; Lafayette, obra citada, § 135, n. 1.
CAPITULO IX — SECÇÃO II § 71
* *
2. Fundamneto. - O fundamento desta
acção é a existencia da servidão e da lesão,
que impede ou perturba seu exercício (
264
).
*
* *
3. Fim.- Seu fim é, fazendo reconhecer
a servidão, obtêr a condemnação de réo a:
a) cessar os actos lesivos,
b) pagar as perdas e damnos e
c) prestar caução de não mais lesar, ne
amplius turbando (
365
).
* *
4. Condições.—o condições desta acção:
a) ter o auctor servidão constituída em
favor de seu predio;
b) soffrer esta servidão molestia, que en-
volva contestação de sua existencia de
direito (
266
).
*
5. A quem compete ? A acção con
fessoria compete a quemm servidão activa,
(264) Van Wetter, obra citada, § 246, n. 3.°.
(265) Frag. 2.°; frag. 5
o
, §§ 5..º a 7.°, Dig., liv. 7.°, tit. 6.º;
frag. 4.°, § 2.°; frag. 6.º, §§ 2.º a 7.°; frag. 7.º; frag. 10, § 1.°; frag.
12, Dig., liv. 8.º, tit. 5.º, si servitus vindicetur vel alium per-
tinere negetur; Mackeldey, obra citada, § 328; Voet, Ad Pan-
dectas, liv. 8.º, tit. 5.°, § 3.°; Lafayette, obra citada. § 135, n. 4.
O Voet, obra citada, liv. 8.°. tit, 5.°, § 4.º; Van Wetter, obra
citada, § 246; Ihering, Actio injunarum, traducção de
Meulenaere, Paris, 1888. pags. 36-7.
§ 71 DAS AÕES PETITORIAS
ao proprietario do predio dominante. E, si este
está pro indiviso, qualquer dos condominos
póde intental-a em defesa da servidão em sua
totalidade, visto ser a mesma indivisível.
Actiones de servitutibus rusticis eorum
sunt, quorum praedia sunt (267).
• *
6. Contra quem compete ? - Contra o
auctor da leo, dono do predio serviente ou
terceiro. Datur contra quemvis in servitute
impedientem, lê-se em Voet
As servidões de caminho, jura in re alie-
na, existem erga omnes, e, pois, devem gerar ac-
ções contra quer que as offenda.
Si o preaio serviente fôr de muitos, basta
intentar a acção contra um dos comproprieta-
rios turbadores, ex vi do principio da indivisi-
bilidade das servidões (268).
7. Que deve o auctor allegar e pro-
var?—Deve allegar e provar a existencia juri-
(267) Frags. l, 2 e 4, §§ 3 e 4; Frag. 6.º, §§ ' e 4;
frag. 10, § 1.º; frag. 15, Dig.. liv. 8.º, tit. 5.°, si servitus vin-
dicetur vel ad alium pertmere negetur; frag. 5.º. § l.º Dig, liv.
7,º tit. 6.°, si usufructus petatur, vel ad alium pertinere negetur,
Voet obra citada, liv. 8.º, tit 5.°,§ 1.º Bonjean Traité des
actions, §270, vol. 2.º, pags. 114 e 123; Van Wetter,
obra citada, 246
(268) Frags. 2.º, e 6.º, §§ 3.º e 4.º; frag. 10, § 1.º; frag 15, Dig.
liv. 8.º tit. 5.º, si servitus vindeicetur vel ad alium per-tinere
negetur, frag. 5.º, § 1.º, Dig., 1 v. 7.°, tit.6º;Voet, obra citada,
liv. 8.º, tit. 5.°, S 2.º; Bonjean, Traité des actions § 278, vol.
2°, pag. 115.
CAPITULO IX SEÃO II § 71
dica da servidão de caminho, em favor de seu
predio, e a leo, que a desconhece, ficando as-
sim subentendido que deve allegar e provar que
o predio dominante lhe pertence (
269)
.
*
* *
8. Que deve o réo allegar e provar?
—Quanto r tendente a destruir os factos con
stitutivos do fundamento da aão. Isto é evi
dente, e dispensa a auctoridade das fontes ro
manas. (Conf. Doutrina das acções, edição de
Teixeira de Freitas, § 56.)
*
*
9. Effeitos da sentença, em face da
indivisibilidade da servidão.— Si o predio
dominante estiver pro indiviso, a sentea ob
tida em acção proposta por um só dos con
dominos, aproveita a todos os outros, com
relação ao reconhecimento da servidão de
caminho e aos effeitos deste reconhecimento.
E si o predio serviente é que está em com-
mum, a sentença proferida contra um dos
seus comproprietarios prejudica, a todos os
outros (
270
).
(269) Frag. 2.º, §§ 1º a 10, pr., Dig., liv. 8.°, tit.5.°,sí
servitus vindicetur, frag 16, Dig., liv. 44, tit. 1.°, de
exceptionibus, praescriptionibus et praejudiciis; Glück, obra
citada, § 687, vol. 8.º, pag. 392; Lafayette, obra citada, § 135, n.
2.
(270) Frag. 4, §8 3 e 4; frag. 6
o
, $ 4; frag. 19, Dig., liv. 8.°,
tit. 5.°, si servitus vindicetur vel ad aliam pertinere negetur;
Glück, obra citada, § 685, vol. 8.°, pag. 384; Lafayette, obra
citada, § 135, n. 3. Veja se o § 6.°, n. 9.
§ 71 DAS ACÇÕES PETITORIAS
* *
10. Moderna extensão desta acção.—
A actio confessoria, vindicado servitutis, foi em
sua origem destinada exclusivamente á protecção
das servidões, isto é, das quatro servidões fun-
damentaes, a saber:
a) rivus (posteriormente denominada aquae-
ducius) ;
b) aquae haustus ;
c) iter e
d) actus, que são as mais antigas conhe
cidas pelos romanos e os unicos jura in re alie
na existentes na primeira phase da evolução do
direito romano. Em sua origem, era, pois, im
possível applicar-se a confessoria á protecção
de outros jura in re, ainda sem existencia no
jus civile romano rum. Mais tarde, surgindo novos
direitos reaes, foi ella applicada tambem á re
spectiva protecção, ex vi da analogia existente,
por se tratar, num e noutro caso, de jura in re,
de limitações á liberdade natural do domínio (
271
).
*
*
11. Acção confessoria directa e acção
confessoria útil. - Dahi, a distincção entre
aão confessoria directa e util, as quaes dif-
ferem. A acção confessoria se diz directa,
quando tém sua applicação de origem, ou é inten
tada justamente no caso, para o qual foi creada. E
se diz util, quando se extende a caso analogo (
272
).
(271) Glück, obra citada, § 686, vol. 8.°, pags. 389 e 402-3-(272)
Bonjean, Traité des actions, § 267, vol. 2.°, pags. 33-4; Gliick,
obra citada, $ 686, vol. 8.°
157
CAPITULO IX — SECÇÃO II § 72
12. Direito patrio. A acção confessoria
foi recebida e conserva-se em nosso direito
com a mesma estructura e funcções, que lhe
dera o direito romano. o ha, pois, mo-
dificações a notar (
273)
.
§72 Acção
negatoria
1. Noção. Acção negatoria, actio nega
toria ou actio negativa, é a acção real, que as
siste ao proprietario turbado no goso de sua
propriedade, para que se declare estar livre de
servidões (274).
Diz-se negatoria ou negativa, porque nega
a servidão, que alguem pretende ter sobre a coisa
*
*
2. Fundamento. Seu fundamento é a
existencia da propriedade livre e a da lesão,
que impede o auctor de exercer o seu dominio
pleno livremente (276)
* *
3. Fim. E' diametralmente opposto ao
fim que tem a acção confessoria, com relação
(273) Os termo, sem que Lafayette expõe a doutrina des-
ta acção, na obra citada, § 135, comprovam o nosso asserto.
(274) Van Wetter, obra citada, § 205; Lafayette, obra ci-
tada, § 87, n. 2.º; Insts., liv. 4.°, tit. 6.º, de actionibus.
..(275) Frag. 26, Dig., liv. 8.°, tit. 2.°, de servitutibus prae
diorum urbanorum; Lafayette, obra citada, § 87, n. 4.
§ 72 DAS ACÇÕES PETITORIAS
ao ponto capital: é o reconhecimento da liber-
dade da coisa e, como consequencia, a prohi-
bição ao o, sob certa pena, de continuar na
mesma usurpação, e sua condemnação nas per-
das e damnos e na reposição da coisa, si disso
fôr caso, no seu antigo estado.
A confessoria affirma a servidão. A nega-
toria nega-a (
276
).
* *
4. Condições.São condições desta acção:
a) ter o auctor propriedade sobre a coisa;
b) estar esta sendo gravada com uma ser
vidão de caminho indevida.
A liberdade da propriedade presume-se. E'
preciso que a lesão sofrrida importe contesta-
ção intencional ao livre exercício da mesma
propriedade (
277
).
* *
5. A quem compete ? A acção nega-
toria compete ao dono do predio serviente.
Actio negatoria competit domino, qui negat.
Actiones de servitutibus rusticis eorum sunt,
quorum praedia sunt (
278
).
(276) Bonjean. Traité des actions, § 280; Ihering, Actio
injuriaram, pag. 150.
(277) Van Wetter, obra citada, § 205.
(278) Frag. 2.º, pr., Dig., liv. 8
o
, tit. 5.°, si servitus vin-
dicetur vel ad alium pertinere negetur; Bonjean, traité aes
actions § 280, vol. 2.º, paga. 119-21 e 123. Conf. o § 71, n. 5,
supra.
CAPITULO IX — SECÇÃO II § 72
* *
6. Contra quem compete ? Contra
aquelle que praticar actos de servidão indevida
no predio em questão, animo jus sibi habendi.
Ut si quis intendat jus non esse adversario...
eundi, agendi... Istae quoque actiones in rem
sunt, sed negativas, dizem as Institutas 2.°,
liv. 4.°, tit 6.°, de actionibus.
Et hic quoque sicut in caeteris servitutibus
actio contraria dabitur: hoc est, jus tibi non
esse me cogere, diz Ulpiano, no frag. 8.°, pr.,
Dig., liv. 8.°, tit. 5.°, si servitus vindicetur vel
ad alium pertinere negetur (279)
* *
7. Que deve o auctor allegar e pro
var?— O seguinte:
a) que a coisa lhe pertence, e
b) que o réo exerce sobre ella servidão de
caminho, que a mesma não deve, ou que não
deve tão onerosa (280).
*
* *
8. Que deve o réo allegar e provar?
Que o auctor não é proprietario, ou então,
(279) Van Wetter. obra citada, § 205; Bonjean, Traité des
actions, § 280, vol. 2.°, pags. 119-21; Lafayette, obra citada, S
87, n. 2
(280) Frag. 26, Dig., liv. 8.°, tit. 2.°. de servitutibus prae-
diorum urbanorum; Bonjean, obra citada, § 280, vol. 2.º. pag.
122; Van Wettcr, obra citada. § 205, vol. 1 º, pag. 386; Glück,
obra citada. §§ 685 e 687, vol. 8.º, pags. 385, 300 e 408; La-
fayette, obra citada, § 87, n. 4; Doutrina das acções, edição de
Teixeira de Freitas, § 58.
§ 72 DAS AÕES PETITORIAS
que a servidão está legitimamente constituída e
e legitimamente exercida (
281
).
9. Effeitos da sentença em face da
indivisibilidade da servidão.—Na acção ne-
gatoria domina a este respeito o mesmo prin-
cipio acima exposto, no § 71, n. 9.
10. Moderna extensão da acção nega
toria. Cabe aqui a mesma ponderação feita
acima, com relação á acção confessoria 71,
n. 10).
*
* *
11. Acção negatoria directa e acção
negatoria util. A razão de ser desta distinc-
ção é igualmente a mesma dada acima 71,
n. 11). Convém accrescentar apenas que o pre
dicado util, aqui empregado, não implica inuti
lidade na aão directa, mas significa mente
que a extensão dada á acção primitiva foi de
terminada por motivo de utilidade, á vista da
exigencia aos casos novos, expressão de ne
cessidades tambem novas, ainda não sentidas
ao tempo do nascimento da acção. E' sabido
que os jurisconsultos classicos e os pretores
(281
) Van Wetter, obra citada, § 205, vol. 2, pag. 386; Bonjean,
aides actions, § 280, vol. 2.°, pag. 121; Glück, obra citada, §
687, vol. 8.°; Doutrina das acções, edição de Teixeira de Freitas,
§ 58 e nota 192.
CAPITULO IX SECÇÃO II § 72
invocavam a cada passo a utilidade, para intro-
duzir modificões no jus civile, tambem cha-
mado jus quiritarium, jus ipsurn ejus strictum (
282
).
Jus praetorium, diz Papiniano, est quod
praetores introduxerunt, adjuvandi, vel supplendi,
vel corrigendi juris civilis gratia, propter utili-
tatem publicam (
283
).
* *
12. Differenças entre esta acção e a acção
confessoria. - Estas duas acções não divergem
verbalmente, mas realmente tambem. São
pontos differenciaes entre ellas:
a) na acção confessoria, o auctor pretende
a confissão da servidão; na acção ne-
gatoria, elle pretende a sua negação;
b) na acção confessoria, o o nega a ser-
vidão; na negatoria, elle confirma-a;
c) o fundamento de uma é o opposto do
fundamento da outra;
(282) Nossos Ensaios de philosophia do direito, § 59, vol. 1.°,
pag. 127. E' dahi, dessa denominação—jus lesam, dada ao jus
civile, que proveiu naturalmente a expressão ipso jure, o usada
pelos juristas, legisladores e pessôas do foro, para significar
aquillo, que se opéra sómente pelo poder e aucto-rídade da lei,
sem necessidade de allegação de parte o decisão do magistrado.
"Quando se diz que a compensação se faz ipso jure, enalna
Pothier (Obrigações, trad. de Corréa Telles, vol. 2.°, n 599), lato
quer dizer que ella se faz por virtude da lei somente, sem que seja
Julgado pelo juiz, ou sem que seja opposta por alguma das
partes». Conf. Troplong, Droit civil explique, vol. 2.º, pags. 156 e
nota 5, 159 e nota I, e 160; vol. 15, pag. 247. nota 2.
(283) Frag. 7.º, ( 1.°. DIg, liv. 1.º, tit. 1.º de justitia et jure,
Bonjean, Instituías, vol. 1.º, pag. 95; Traité des actions, § 267,
vol. 2.°, pag. 33; nossas Ensaios de philosophia do direito, §§ 58
e 59, vol. 1.º, pags, 125 e 127.
162
§73 DAS AÕES PETITORIAS
d) o fim de uma é tambem o opposto do
fim da outra;
e) os requisitos de uma são o opposto
dos requisitos da outra (
284)
.
§ 73 Acção
publiciana
O direito romano concede a acção publi-
ciana, actio in rem publiciana, tanto para pro-
teger a servidão, como para proteger a liber-
dade da propriedade.
No primeiro caso, suppre a falta da acção
confessoria. No segundo, suppre a falta da
acção negatoria. Quem não póde provar que
tém o jus servitutis, não póde intentar a acção
confessoria: soccorre-o a publiciana, que se
contenta com a prova da acquisição da quasi-
posse da servidão revestida dos requisitos
que levam á prescripção da mesma servidão.
Por outro lado, quem o pôde provar
que tém a propriedade da coisa o de in-
tentar a acção negatoria: soccorre-o a publi-
ciana, que se contenta com a prova da acqui-
sição da posse, revestida dos requisitos que
levam á prescripção da propriedade A acção
publiciana, que assim se denomina do nome de
seu creador, Publicio, funda-se na ficção con-
sistente em se considerar antecipadamente, como
(284) Lafayette, obra citada, § 87; Corrêa Telles, Doutrina das
acções, ediçio port., §§ 117-8; edão de Teixeira de Freitas, §
58; edição de Sousa Pinto, §§ 117-8. E as respectivas notas.
r
CAPITULO IX SECÇÃO II § 74
proprietario ou como titular da servidão, quem
está em via de adquirir, por meio de pre-
scrião, a propriedade ou a servidão. Mas, por
ser de prova mais facil, preferem-na muitas
vezes aquelles mesmos, que eso no caso de usar
da acção confessoria ou da acção negatoria.
A publiciana regula-se pelos mesmos prin-
cípios reguladores das duas acções, a que
suppre (
285
).
§74 Direito
patrio
1. Acção confessoria.—Já dissemos (§ 71,
n. 12), que a acção confessoria passou para o
nosso direito com a mesma estructura e as
mesmas funcções, que lhe dera o direito ro
mano (
286
).
* *
2. Acção negatoria. Esta acção passou
tambem do direito romano para o brasileiro,
(285) Conf. Dig., liv. 6.°, tit. 2°, de publiciana in rem
actione; Van Wetter, obra citada, §§ 207, 245 e 248; Mackel-
dey, obra citada, § 328; Bonjean, Traíté des actions, $ 265;
Lafayette, obra citada, SS 88 e 135, n. 5.
(286) O direito patrio, na materia sujeita, vém exposto em
Cardoso, Praxis judicum et advocatorum, Conimbricae, 1720,
verb. servitus, n. 5; Lafayette, obra citada, § 135, vol. 1.º, pag.
363; B. Carneiro, Direito civil, liv. 2.°, § 82, vol. 4.°, pag. 282;
Corrêa Telles, Doutrina das acções, edição port., §§ 112, 113 e
114 e notas; edição de Teixeira de Freitas, §§ 55 e 56 e notas;
edição de Sousa Pinto, §§, 112,113 e 114 e notas; Corrêa Telles,
Formulario de libellos e petições summarias, 4.º edição,
accomodada ao fôro brasileiro por A. J. R. de Oliveira, Rio de
Janeiro, 1880, pag. 61. Confrontando se a doutrina exposta por
estes escriptores com a doutrina do direito romano, verifica-se a
veracidade do nosso asserto conatante do texto. Conf. Revista
Forense, de Bello Horisonte, vol. 1.º, pag. 460.
§74
DAS ACÇÕES PETITORIAS
sem alterão de estructura nem de funcções.
Isto se torna patente pelo confronto entre os
expositores do direito patrio e as fontes e ex-
positores do direito romano (
287
).
• *
3. Abolição de atravessadouro super-
fluo. - Entretanto, constitúe uma especie de
aão negatoria, o que, com relação aos cami-
nhos e atravessadouros particulares, feitos nas
propriedades tambem particulares, dispõe a lei
de 9 de julho de 1773, § 12(
288)
, nos seguintes
termos:
«Mando que todos os caminhos e atra-
vessadouros particulares feitos pelas proprie-
dades tambem particulares, que se não dirigem
a fontes, ou pontes com manifesta utilidade
publica, ou a fazendas, que não possam ter
outra alguma serventia, sejam vedados e abo-
lidos por officio dos juizes, posto que de taes
servidões se alleguem as posses immemoriaes,
que são repugnantes á liberdade natural, quando
não consta que para ellas precederam títulos
legítimos que, conforme o aireito, excluam a*
acção negatoria».
(287) Cardoso, obra citada, verb. servitus, n. 5; Conf.
Lafayette, obra citada, § 87; Corrêa Telles, Doutrina citada,
edição port., §§ 117-8 e notas; edição de Teixeira de Freitas, §
58 e notas; edição de Sousa Pinto, §§ 117-8 e notas; B.Car-
neiro, obra citada, liv. 2.°, § 82, ns. 17 e seguintes.
(288) C. Telles, Doutrina das acções, edição port., § 120;
edição Preitas, § 59; edição de Sousa Pinto, § 120. Ahi se lê:
E' uma especie de acção negatoria o beneficio da lei de 9 de
julho de 1773, § 12, que compete ao dono de qualquer predio,
pelo qual se fez atravessadouro superfluo, para requerer a
abolição delle summariamente. Vejam-se as respectivas notas.
CAPITULO IX SECÇÃO II § 74
4. Noção de atravessadouro. -- Atra-
vessadouro, diz Pereira e Sousa (289), se diz o
caminho particular que corta o terreno da pro-
priedade alheia.
*
* *
5. Vigencia da lei de 9 de julho. A lei de 9
de julho de 1713, § 12, está em vigor. A
disposição transcripta foi confirmada pelo
decreto de 17 de julho de 1778, consolidada
por Teixeira de Freitas e por Carlos de Car-
valho. O primeiro consolidou-a no art 957 da
Consolidação das leis civis, que diz:
o constituem servio os caminhos e
atra vessadouros particulares, feitos por pro-
priedades tambem particulares, que se não di-
rigem a fontes, ou pontes, com manifesta uti-
lidade publica; ou a togares que não possam
ter outra serventia».
E no art 958:
«Para haverem taes servidões é necessario
que se apresentemtulos legítimos, que excluam
a acção negatoria. Não basta posses immemo-
riaes».
E, finalmente, no art 1333:
«Tambem não prescreve o direito de fazer
abolir atra vessadouros superfluos, nos termos
dos arts. 957 e 958 .
A contrario sensu do nosso art 957, ac-
crescenta elle, em nota ao art 1333, con-
(289) Pereira e Sousa, Diccionario jurídico, verb, atra-
vessadouro.
166
§ 74 DAS ACÇÕES PETITORIAS
stitúem servidão os caminhos e atravessadou-
ros particulares, feitos por propriedades parti-
culares, que se dirigem a fontes, ou pontes,
com manifesta utilidade publica; ou a togares,
que não possam ter outra alguma serventia.
O segundo consolidou a dita lei de 1773, §
12, no art. 605 e no art. 606 de sua Nova
consolidação, que diz:
«Não constituem servidão os caminhos e
atravessadouros particulares, por propriedades
tambem particulares, quando não forem indis-
pensaveis aos visinhos para irem a alguma
fonte, estrada publica, povoação, ponte ou porto
de embarque ou estação mais proxima de es-
trada de ferro ou de navegação fluvial ou ma-
rítima, ou a alguns togares que não possam
ter outra serventia».
§ 1.º: Tal serventia não será gratuita, mas
obrigará á indemnização quando fôr proveitosa
aos visinhos por encurtamento de um quarto
ou mais de caminho.
§ 2: Para constituir servidão é necessario
que se apresentem títulos letimos capazes de
excluir a aão negatoria, não bastando a
posse immemorial.
Como se das fontes que, a proposito,
cita o auctor da Nova consolidação, elle não
consolidou aquella lei de 1773, confirmada
pelo decreto de 1778, mas tambem as que lhe
sobrevieram, que são a lei n. 601 de 18 de
setembro de 1850 e o decreto n. 720 de 5 de
setembro de 1890, art 65, § unico, de que
tivemos occasião de falar.
CAPITULO IX — SECÇÃO II § 74
A lei n. 601, art 16, dispõe:
As terras devolutas, que se venderem,
ficarão sempre sujeitas aos onus seguintes: §
1.º § 2.º: «Dar servidão gratuita aos visi-nhos,
quando lhes fôr indispensavel para saturem a
uma estrada publica, povoação ou porto de
embarque, e com indemnização, quando lhes fôr
proveitosa por encurtamento de hum quarto ou
mais de caminho».
E' o que foi consolidado no § 1.° da Nova
consolidação. Mas, sem desmerecer no valor
intellectual e jurídico do operoso mestre e de
sua excedente obra, parece-nos que a . materia
não foi bem consolidada, porquanto, segundo
cremos, o § 1 do art 606 faz suppor que póde
haver servidão de caminho de prédio encravado
para se dar o encurtamento de caminho, o que
não é verdade. Falar de caminho mais curto é
admittir a existencia de um mais longo: e o]
predio encravado não tem caminho algum, nem
curto nem longo.
Am dessas duas consolidões, temos
ainda, para provar a vigencia da referida lei, a
Consolidação do processo civil, de Ribas, que,
no art 921,diz:
Pertencem á segunda classe dos processos
de que trata o art 919 (a dos processos que só
pódem ser promovidos a requerimento de
parte): § 5.°.
A extinão de caminhos e atravessadou-
ros particulares, feitos nas propriedades tam-
bem particulares, que se não dirigem a fontes
§ 74
DAS ACÇÕES PETIT0RIAS
ou ponta, com manifesta utilidade publica, ou
a fazendas que não possam ter outra alguma
serventia, posto que de taes servidões se alle-
gue posse immemorial, quando o consta que
para ella precederam títulos legítimos que, con-
forme o Direito, excluam a acção negatoria (
290
).
6. Jurisprudencia.—Além disso, temos a
jurisprudencia dos tribunaes a julgar de accôrdo
com essa lei (
291
).
(290) Conf. Didimo. obra citada, n. 316.
(291) Direito, vol. 6.°, pag. 563; vol. 14, pag. 571; vol. 19, pag.
474; vol. 41, pag. 390;
S. Paulo Judiciario, vol. 1.°, pag. 31; vol. 3.°, pag. 399; vol. 7°,
pag. 160;
Gazeta Jurídica, vol. 24, pags. 75 e 188; vol. 32, pag. 56; vol,
38, pag. 34;
Revista de Jurisprudencia, vol. 14, pag. 69, e vol. 17, pag. 53.
Esta acção é summarissima : consiste numa vistoria, a que se
segue logo a sentença. Para ella citam-se as pessoas que fazem o
atravessadouro, as certas pessoalmente, as incertas por editos com o
prazo de 30 dias, afim de virem se louvar com o requerente em peritos,
que procedam á vistoria no logar em questão, para a verificação dos
factos alle-gados pelo auctor, isto é, a inutilidade ou superfluidade do
atravessadouro, o prejuízo que lhe causa, a ausencia de utilidade
publica, a existencia de outro caminho. A louvação deve ser feita de
accôrdo com o reg. n. 737 de 25 de novembro de 1850. No acto da
vistora devem os réos allegar o que entenderem ser a bem de seus
direitos e inquirir suas testi-munhas para prova dos factos allegados.
Nessa mesma occasiao poderá o auctor inquirir as testimunhas, que
por ventura quizer produzir. Concluida a vistoria, com allegações e
inquirições, subirão os autos á conclusão para a sentença, que haverá
ou não por abolido o atravessadouro. Citam-se tambem as mulheres
casadas. (Consultem-se C. Telles, Dig. port., vol. 4.°, §8 465-6; idem,
Libellos, § 12 e nota; Doutrina das acções, edição de T. de Freitas, §
60, in fine; Ribas, Consolidação do processo civil, art. 921, § 5.°, e
commentario 595; Direito, vol. 41, pag. 390).
169
CAPITULO IX SECÇÃO II §
74
* *
7. Camarás municipaes. As camaras
municipaes nada têm que vêr com os caminhos
e atravessadouros particulares, por propriedades
tambem particulares, que não interessam a to-
dos, mas apenas a uma parte dos respectivos
munícipes. Taes caminhos pódem existir com
o caracter de servio. E todas as questões sobre
servidão de caminho competem exclusivamente
ao poder judiciario, por sua propria natureza e,
ainda mais, por declarão expressa da lei (
292
)
como se da seguinte petição de recurso, que
ha dez annos apresenmos ao Congresso Legis-
lativo do Estado de S. Paulo:
«Illmos, e Exmos. Senhores Senadores e
Deputados ao Congresso do Estado de S.
Paulo D. Marianna Leopoldina Nogueira,
vulgo Marianna Marçal, viuva, residente neste mu-
nicípio de S. José do Rio Pardo, recorre para
Vs. Exs., na fórma dos arts. 79, §§ 1.° e 3.°, e
81 da lei n. 16 de 13 de novembro de 1891, e
arts. 23, §§ 1.° e 3.°, e 24 de seu reg. n. 86 de
29 de julho de 1892, -do acto da Camara
Municipal desta cidade que, a requerimento de
Joaquim de Sousa Nogueira, habitante de mu-
nicípio diverso, declarou de servidão publica
um caminho particular existente na fazenda da
recorrente denominada Floresta, e exclusi-
(202) Lei de 9 de julho de 1773, § 12; alvará de 14 de
outubro de 1773, § 2.°; alvará de 27 de novembro de 1804, § 7°;
Corrêa Telles, Manual do processo civil,§ 465; Direito, vol. 10,
pag. 388; lei do Estado de S. Paulo n 16 de 13 de novembro de
1891, art. 20.
170
§ 74 DAS ACÇÕES PETITORIAS
vamente de sua serventia, pois não passa de car-
readouro de ca da fazenda, mandando ainda
que o mesmo seja mudado á custa da recor-
rente, para por dets da machina de beneficiar
café (documentos junctos, sob. ns. 1, 2 e 3).
E foi razão de decidir ser o carreadouro
antigo e mais commodo a dito Joaquim de Sousa
Nogueira e a seus visinhos, do que os outros
dois caminhos, que já oneram a mesma fazenda
da recorrente.
O acto da Illustre Corporação, porém, in-
corre, data venia, na mais acre censura de di-
reito e deve ser annullado por este Esclarecido
Congresso, porquanto, viola a Constituão Fe-
deral e a do Estado, e exorbita das attribuões
do governo municipal.
Vamos demonstrar que o alludido acto
da Camara Municipal de S. José do Rio Pardo
viola a Constituão Federal e a Constituição
Estadual.
Com effeito, a Constituição Federal dispõe,
no art 72, § 17, o seguinte:
«O direito de propriedade man-tém-se em
toda a sua plenitude, salva a desapropriação
por necessidade, ou utilidade publica, mediante
indemnização previa,,. A Constituição
Estadual prescreve igualmente, no art. 65, §
18:
CAPITULO IX — SECÇÃO II § 74
E' mantido o direito de propriedade em toda a
sua plenitude, salva a desapropriação por
necessidade ou utilidade publica, mediante
indemnização previa».
Eis ahi ambas as constituições garantindo
o direito de propriedade em toda a sua pleni-
tude, com a unica excepção da desapropiação
por necessidade, ou utilidade publica, medeante
indemnizão, necessidade e utilidade que pre-
cisam ser legalmente verificadas, antes de se de-
cretar a desapropriação, conforme fazia sentir
a Constituição ao ex-Imperio, no art. 179, § 22.
Ora, que fez o acto recorrido?
Mandou que a propriedade da recorrente
fosse entregue ao uso e goso de terceiros, de-
terminando ainda nella grave e profunda mo-
dificação que importa a destruição de milhares
de caféeiros ora carregados de fructos e, ainda
mais, ordenando que essa modificação (a mu-
dança do caminho), aliás mui custosa e dis-
pendiosa, seja feita á custa da propria recor-
rente !
Onde encontrar mais profunda e flagrante
violação do Pacto Fundamental da União e do
Estado ? !
Mesmo quando o caminho, da serventia
privada da recorrente, fosse exigido pela ne-
cessidade ou utilidade publica do município,
outros seriam os meios a empregar.
Despojar assim um munícipe de sua pro-
priedade, depreciar-lhe, sinão inutilizar-lhe a
fazenda, tornando-a infructifera, quasi varejar-lhe
a casa de habitação com uma estrada publica
172
74
DAS AÕES PETITORIAS
e ainda obrigal-o ás despesas necessarias para
traduzir-se em facto o attentado que se com-
mette e o sacrifício que se lhe impõe, é gol-
pear de morte a Constituição Federal e a do
Estado, na parte em que garantem a inviolabi-
lidade do direito sagrado de propriedade.
Ai! da industria agrícola, ai! da paz e tran-
quillidade das famílias, si actos, como o de que
ora se recorre, obtivessem transeat e viessem a
constituir jurisprudencia no Estado, cuja pri-
meira riqueza é a cultura do solo uberrimo de
que a natureza o dotou.
Passemos ao segundo ponto.
Demonstremos que o acto recorrido exor-
bita das attribuões do governo municipal.
Uma vez demonstrado, como está, que esse
acto viola a Lei Constitucional da Federação e
do Estado, demonstrado es que exorbita das
attribuões do governo municipal, porquanto,
não póde haver maior exorbitancia do que a
consistente na violação de tal lei.
Queremos todavia demonstrar que aquelle
acto, o infringiu as duas constituições,
como infringiu tambem leis ordinarias, exceden-
do dest'arte duplamente as attribuições conferidas
ao governo municipal.
Vamos adduzir argumentos nesse intuito.
a) E' corrente em direito que a acção e
competencia do governo municipal restringe-se
ao territorio do município, nada tendo elle que
vêr com a necessidade ou utilidade de outros
munipios ou de munícipes destes.
173
CAPITULO IX — SECÇÃO II § 74
Ora, o acto recorrido sacrificou a proprie-
dade da recorrente para attender á pretendida
commodidade de Joaquim de Sousa Nogueira,
do município de Caconde, homem que, votando
odio á recorrente e a sua família, por motivos
inconfessaveis, se prevalece da influencia e po-
derio, de que gosa, para mover-lhes perseguição
em um outro município.
Logo, exorbita das attribuições do governo
municipal.
b) E sabido que a desaproprião é uma
medida de exceão, que se justifica quando
a necessidade ou utilidade da collectividade
exige o sacrifício da propriedade individual,
devendo-se, porém, indemnizar previamente o
proprietario, o que tém applicão mesmo na
hypothese de abertura ou melhoramento de
estradas, como é expresso no citado reg. n. 86
de 1892, art 12, § 7.°, lettra c.
Ora, o acto recorrido, longe de indemnizar
a recorrente, parece haver-se esmerado em busca
dos maiores onus, que lhe impoz, devendo-se
notar ainda a circumstancia de não se tratar, no
caso em questão, de necessidade ou utilidade
geral dos munícipes.
Logo, exorbita das attribuições do governo
municipal.
c) O aviso n. 533 de 16 de novembro de
1869 diz que dem ser considerados mu-
nicipaes os caminhos que servem para as com-
municações dentro do município.
A lei fluminense n. 1478 de 4 de janeiro
de 1870, art. 2.°, diz que estradas municipaes
§ 74 DAS AÕES PETITORIAS
são os caminhos que apenas ligam entre si
diversos pontos de um município.
As estradas, diz Laxe, Camaras munici-
paes, pag. 481, são municipaes quando com-
municam dois ou mais pontos do mesmo mu-
nicípio.
Os caminhos, que ligam um município a
outro, diz o mesmo auctor, {obra citada, pag. (109),
estão excluídos da denominação de municipaes,
e pódem ser classificados entre as estradas
federaes ou estaduaes.
E é certo que a competencia administra-
tiva das camaras municipaes limita-se exclusiva-
mente ás estradas privativas do município.
Lei de 29 de agosto de 1828, art. 2.°; lei
n. 16 citada, art. 12, § 9.°, b.
Ora, o acto recorrido, conforme consta dos
documentos junctos, cogita de uma estrada, não
municipal, mas estadual pois tende a ligar dois
municípios: o de Caconde e o de S. José do
Rio Pardo.
Logo, exorbita das attribuições do governo
municipal.
d) O proprietario, que não é sesmeiro, não
é obrigado a dar caminnos por suas terras e
conserval-os transitaveis: não está sujeito ao
onus das estradas.
O facto é que, sendo muito pesado o ser-
vo das estradas, cahiu em desuso ha tanto
tempo, que revivêl-o hoje é acto tão odioso
que compromette o bom conceito de que gosa
qualquer auctoridade, sem nenhum interesse
publico.
CAPITULO IX — SECÇÃO II § 74
Accresce ainda que propriedades ha, por
onde pódem passar tantas estradas, que as de-
preciem, e que talvez não produzam quanto se
tém de despender para conservar as estradas:
Resolução imperial de 10 de dezembro de 1845;
aviso n. 321 de 1 de agosto de 1860, § 6.°;
aviso n. 4 de 10 de janeiro de 1862, § 6; aviso
n. 192 de 6 de maio do mesmo anno, § 2.°, e
aviso n. 488 de 21 de outubro, tambem do mes-
mo anno, § 4.°; V. de Uruguay, Administrão
das Provindas, § 416; Laxe, obra citada, op-
cit., pags. 183 e 184.
Ora, a recorrente não é sesmeira, e por-
tanto não é obrigada a dar caminhos por suas
terras e conserval-os transitaveis.
O acto recorrido, entretanto, impõe-lhe
esse onus pesado e odioso, ordenando que se
abra estrada pelos cafezaes e colonia da recor-
rente, cuja fazenda se acha, note-se bem,
se acha onerada com duas estradas publicas,
como consta do incluso doc. n. 3 e como o
confessa o proprio Joaquim de Sousa Nogueira,
quando affirma em seu requerimento (doc. n.
1) que o caminho pretendido lhe convém mais,
por ser mais commodo, o que suppõe a exis-
tencia de outros caminhos, que de facto exis-
tem, e na mesma fazenda da recorrente.
Logo, exorbitadas attribuões do governo
municipal.
e) Do requerimento de Joaquim de Sousa
Nogueira e dos demais documentos que acompa-
nham esta petição, vê-se que o caminno em ques-
tão será, quando muito, um atravessadouro
particular, que não se dirige a fontes, ou pontes
com
§ 74
DAS AÕES PETITORIAS
manifesta utilidade publica, nem as fazendas,
que não possam ter outra serventia.
E a lei de 9 de julho de 1773, § 12,
confirmada pelo decreto de 17 de julho de 1778
e consolidada por Teixeira de Freitas, Con-
solidação das leis civis, art. 957, estatúe que
taes atravessadouros, por mais antigos que
sejam, o constituem servidão, e manda que
sejam, vedados e abolidos porque, diz ella no
preambulo, fazem infructiferos, não só os togares
que occupam, mas tambem as outras conside-
raveis poões dos terrenos que a elles o
contíguos.
Ora, o acto recorrido fez o contrario: de-
clarou que tal caminho constitua servidão d'ora
em deante, e mandou que fosse aberto por ou-
tro ponto da fazenda.
Logo, exorbita das attribuições do gover-
no municipal.
f) Os atravessadouros particulares, de que
fala a lei de 9 de julho de 1773, § 12, não são
caminhos estabelecidos em proveito da ge-
neralidade dos habitantes de um munipio e,
portanto, não compete á administração ou mais
especialmente á municipalidade, o pronunciar-
se sobre elles, pois não lhe compete provêr as
precisões dos particulares quanto ao transito
de simples commodidade (Dr. Pereira do Rego,
Direito administrativo brasileiro, § 206; Direito,
vol. 41, pag. 390).
Ora, o acto recorrido pronunciou-se sobre
tal atravessadouro, e ainda mais, em proveito
de particulares, habitantes de outro município.
177
13
CAPITULO IX SEÃO II §74
Logo, exorbita das attribuições do gover-
no municipal.
g) E corrente em direito e secularmente
seguido no estylo e pratica de julgar que
quando é caso de impôr-se o onus de caminho
por uma fazenda, este caminho deve ser feito
por onde r menos prejudicial ao predio one-
rado : lei 9.
a
, Dig., de servitutibus; Coepolla, de
servitutibus, tract. 2°, cap. l.°, n. 5, in fine, e n.
6; B. Carneiro, liv. 2.°, tit. 2.º, §18, n. 20;
Didimo, As servidões reaes, n. 325; Codigo civil
francez, arts. 683 e 684 : Mourlon, pétitions
écrites, vol. l.°, n. 1802.
Ora, o acto recorrido, além de ser já um
attentado a simples abertura do caminho, esco-
lhe o coração da fazenda e do cafezal, a colo-
nia, a agua potavel, a residencia da recorrente,
e manda que por ahi passe a estrada, depre-
ciando a fazenda e desvalorizando-a em mais
de duzentos contos de réis.
Logo, exorbita das attribuições do gover-
no municipal.
h) Todas as questões sobre servio de
caminho pertencem, por lei, exclusivamente ao
poder judicial: lei de 9 de julho de 1773, § 12;
alvade 14 de outubro de 1773, § 2.°; alvará
de 27 de novembro de 1804, § 7.°; Corrêa
Telles, Manual do processo civil, § 465; Mour-
lon, obra citada, vol. 1.", n. 1802 ; Direito, vol. 10,
pag. 388. E é tambem de lei que as camaras
municipaes não exercem hoje jurisdicção alguma
contenciosa: lei n. 16 citada, art. 20.
Ora, o acto recorrido decidiu de questão
sobre servidão de caminho e decidiu de materia
§ 74 DAS ACÇÕES PETITORIAS
contenciosa, qual seja a que faz objecto da
contenda entre a recorrente e Joaquim de Sousa!
Nogueira (Vide V. do Uruguay, Direito admi-
nistrativo, vor. l.º, pags. 83 e 95.).
Logo, exorbita das attribuições do
governo municipal.
Basta. Para que este Esclarecido Congres-
so, usando da attribuição que lhe confere o
art 23, § 3.° da Constituição do Estado, annulle
o acto da Camara Municipal de S. José do Rio
Pardo, na fórnia do art 79, §§ 1.° e 3.° da lei
n. 16 de 1891, restabelecendo o direito viola-
do e restaurando a lei postergada, não é mister
insistir mais, porquanto, as luzes desta Con-
spícua Corporação, que mais que ninguem co-
nhece quanto convém acoroçoar e proteger a
lavoura, a mais copiosa fonte de riqueza que
figura na vida economica do Estado, supprio
as lacunas que ahi ficam.
A recorrente sabe que os actos deste Il-
lustrado Congresso o dictados pela voz da
razão e do direito. E por isso espera que o
seu recurso seja provido para o fim de ser an-
nullado o acto da Camara Municipal de S.
José do Rio Pardo, como é de indefectivel
JUSTIÇA. S.
José do Rio Pardo, 20 de abril de 1896.
0 advogado,
JOSÉ MENDES
CAPITULO IX — SECÇÃO III § 75
8. Partes na abolição de atravessadou
ro superfluo. Esta acção compete ao dono
do predio que se sente prejudicado, contra aquei-
les que fazem o atravessadouro, os quaes dem
ser pessôas certas ou incertas. (Vide nota 291).
• *
9. Acção publiciana. Esta acção tam
bem foi recebida em nosso direito, sem altera
ção, quer na estructura, quer nas funcções(
293
).
SECÇÃO III
Das acções possessorias
SUMMARIO
§ 75 Interdicto de itinere actuque privato. § 76
Interdicto de itinere actuque reficiendo.
§75
Interdioto de itinere actuque privato
1. Noção.—Já estudámos as acções ten-
dentes á constituição das servidões de caminho
e as acções petitorias. Falta-nos a terceira clas-
se : a das acções possessorias, protectoras da
quasi-posse das servidões de caminho.
(293) Conf. Lafayette, obra citada, §§ 88 e 135, n. 5; B.
Carneiro, obra citada, liv. 2.°, § 15; Corrêa Telles, Doutrina das
acções, edição port., § 74 e notas; edição de Teixeira de Freitas,
§ 38, nota 98; edição de Sousa Pinto, §§ 74-6 e notas.
§ 75 DAS ACÇÕES POSSESSORIAS
O direito não considera como turbação
da posse do predio dominante—a suppressão,
ou a turbão do exercício das servies de
caminho (que são servidões affirmativas, des-
continuas, cujo exercício consiste, pois, em fa-
cto independente). Em outros termos: não con-
sidera molestia da posse do predio, aquella que
affecta a quasi-posse da servidão de caminho.
Por isso, concede interdictos especiaes para pro-
teger a quasi-posse das servidões de caminho,
interdictos que são os dois seguintes:
a) de itinere actuque privato e
b) de itinere actuque reficiendo.
O interdicto de itinere actuque privato é
aquelle, pelo qual o pretor prohibe que alguem faça
violencia ao titular da servio de caminho,
afim de impedil-o de passar livremente do mesmo
modo como, sem violencia, nem clandestinidade,
nem precariedede, relativamente ao turbador,
passava desde um anno antes (
294
).
E' uma adio confessoria summaria, no con-
ceito de Savigny e de Glück (
295
).
2. Fim. - O fim deste interdicto é obr a
condemnão do o a desistir da turbação e a
indemnizar as perdas e damnos causados (296)
(294) Pothier, Pandectas de Justiniano, vol. 17, pag. 579;
Voet, Ad Pandectas, liv. 43, tit. 19, § 1.°. .
(295) Savigny, Traité de la possession, § 46; Glück, obra ci
tada, § 685, vol. 8.°, pag. 365, nota 95.
(296) Frang 1.°, § 1.°, Dig., liv. 43, tit. 19 de itinere actuque
privato; Voet, Ad Pandectas', liv. 43, tit. 19, § l.° Savigny,
Traité de la possession. § 46, pag. 462; Glïck, obra citada,
§§ 685 e 687, vol 8.°, pags. 370 e 390.
CAPITULO IX SECÇÃO III § 75
3. Condições. - - Quatro são as condições
ou requisitos deste interdicto, a saber:
a) a quasi-posse da servidão de caminho;
b) ter sido essa quasi-posse exercitada pelo
menos em 30 dias no anno immedia-
tamente anterior ao uso do interdicto;
c) turbação violenta da quasi-posse por
parte do réo, e
d) ausencia de vicios (vi, clam aut pre-
cario) na quasi-posse (297)
4. a) Quasi-posse. — Esta é a condição ou
requisito fundamental. Os outros requisitos, que
se lhe seguem, são seus accessorios.
O auctor não tém necessidade de allegar
direito á servidão, Hic de facto, in actione con-
fessoria de jure quoeritur (
298
).
5. Duração ou medida da quasi-posse.
— Não basta a simples quasi-posse: é neces-
(297) Frag. l.º, § 2.°; frag. 3.°, § 13, Dig.liv. 43, tit. 19, de
itinere actuque privato; frag. l.°, § 10, Dig., liv. 43, tit. 20, de
aqua quotidiana et aestiva; frag. 1.°, § 9.°; frag. 2.°, § 3.°, Dig.,
liv. 43, tit. 21, de rivis.
(298) Nota anterior; frag. 2.°, § 3.°, Dig., liv. 8.°, tit. 5.°, si
servitus vindicetur vel ad alium pertinere negetur. Schul-ting,
Notae ad Digesta seu Pandectas, 1828, vol. 6.°, pag. 568, ao liv.
43, tit. 19; Glück, obra citada, § 685, vol. 8.°, pag. 366; Savigny,
obra citada, § 46, pag. 360; Pothier, Pandectes de Justinien, vol.
17, pags. 579 e 581; B. Carneiro, obra citada, liv. 2°, § 18, n. 35
(argumento), e § 82, n. 5.
§
75
DAS ACÇÕES POSSESSORIAS
sana uma certa medida ou duração. Para o quasi-
possuidor ter direito ao uso deste interdicto, é
preciso que a servidão tenha sido exercitada pelo
menos em trinta dias, non minus quàm triginta
diebus, na phrase de Ulpiano, durante o anno
decorrido immediatamente anterior á propositura
do interdicto (
299
).
*
Si a quasi-posse fôr exercida em 29 dias
durante o referido anno, não m cabimento o
interdicto de itinere actuque privato, por faltar o
lapso de tempo determinado na lei (
300
).
*
* •
6. Modo de contar o lapso de tempo.
Annum, diz Ulpiano, ex die interdicti retror-
sum computare debemus.
Em vernaculo: Devemos contar o anno, a
partir do dia do interdicto (301). E devem ser
observadas as seguintes regras:
(299) Frag. l.°, pr., e §§ e 3.°; Frag. 3.°, § 11, Dig., liv.
43, tit. 19, de itinere actuque privato ; Schulting, Notae ad
Digesta seu Pandectas, vol. 6.", pag. 568, á lei 1.», § 2.°, do
liv. 43, tit. 19, verbis: Si modo anno usas est; Savigny, obra
citada, § 46, pag. 460 e nota 3; Bonjean, Traide» actions, §
341; Glück, obra citada, § 685, vol. 8 °, pags. 368 e 370; Po-
thier, Pandectes de Justinien, vol. 17, pags. 579 e 581; Cae-
polla, tract. 2.°, cap. l.°, ns. 24, i. f. e 36; B. Carneiro, obra
citada, liv. 2.°. § 18, n. 37; Didimo. obra citada, n. 349; Corrêa
Telles, Doutrina das acções, edição port. § 195 e notas; edição
de Teixeira de Freitas, § 88 e notas
(300). Savigny, Traité de la possession, § 46, pag. 460,
nota 3: textos citados na nota anterior (argumento).
(301). Frag. 1.°, § 3.°, Dig, liv. 43, tit. 19, de itinere actu-
que privato.
183
CAPITULO IX SECÇÃO III § 75
a) o lapso de tempo se conta por dias
civis, isto é, por durações de 24 horas, de meia
noite a meia noite, e não de momento a mo-
mento (
302
);
b) exclúe se do prazo o dia em que come-
ça a quasi-posse, dies à quo (
303
);
c) o ultimo dia, uma vez comado, repu-
ta-se acabado. Dies novissimus coeptus pro com-
pleto habetur. Ou : Dies coeptus pro jam com-
pleto habetur (304);
d) o prazo é continuo: contam-se os dias
como se seguem, sem deduzir os feriados (305);
e) contam-se 30 dias. por um mez (
306
);
f) serve de base para o calculo (entre nós)
o kalendario gregoriano (307).
* *
7. Accessão da quasi-posse—A accessão,
accessio, m cabimento na materia sujeita. E a
accessio quasi-possessionis rege-se pelos mes-
mos prinpios, que regulam a accessio posses-
sionis. Estes princípios são, no direito romano
(302). Frags. 6.° e 7.°, Dig., liv. 41, tit. 3.°, de usurpatio-
nibus et usucapionibus, applicavel ao caso por analogia;
Lafayette, obra citada, § 71, n. 1 e nota 1; Cujacio, vol. 1 °, col.
974, B.
(303). Lafayette, obra citada, § 71, n. 1 e nota 2.
(304). Frag. 15, Dig., liv. 44, tit. 3.°, de diversis tempora-
libus praescriptionibus et de accessionibus possessionum;
Lafayette, obra citada, § 71, n. 1 e nota 4; Maynz, obra citada, §
113, vol. 1.°, pag. 758, nota 58.
(305). Lafayette, obra citada, § 71, n. 1 e nota 5.
(306). Lafayette, obra citada, § 71, n. 1 e nota 6, e as fontes
romanas em que o mesmo calca sua doutrina.
(307). Lafayette, obra citada, § 71, n. 1 e nota 7; codigo
com., art. 358.
§ 75 DAS ACÇÕES POSSESSORÍAS
e no direito patrio, os que vêm expostos por
Lafayette, no Direito das cousas (
308
).
*
* *
8. Exercício da quasi-posse por terceiro.-
Não faz ao caso que a quasi-posse seja
exercitada pelo proprio titular da servidão de
caminho ou por outrem em seu nome. "Is cu-
jus colonus, aut hospes, aut quis alias iter ad
fundam fecit, usus videtur itinere, vel actu, vel
via: et idcirco interdictum habebit (309).
*
* *
9. Turbação violenta. — Esta turbação
póde partir do dono do predio serviente, ou de
terceiro. E, sem ella, não m logar o interdicto,
por falta de objecto (310).
*
* *
10. Ausencia de vicios na quasi posse.
E' tambem condição desse interdicto que a
(308) Frag. 6.°. Dig., liv. 43, tit. 19, de itinere actuque
privato; Glück, obra citada, § 685 vol 8.º pag.370; Savgny,
Tratado da posse, § 46, pag. 461; Pothier Pandectes de Justi-
nien, vol. 17, pag. 587; Lafayette, obra citada. § 72 e notas.
Revista Forense, de Bello Horisonte, vol. 1.º pag. 463, col. 2.,
Revista Mensal de S. Paulo, vol. 5.° pag. 97.
(309) Frag.3
o
, §§ 6.°, 9.º e 10, Dig., liv. 43, tit. 19, de
itinere actuque privato; Glück, obra citada § 685, vol 8. ,
pag.
370; pothier, Pandectes de Justinien, vol. 17, pag. 581
(310) Frag. 3.º, § 5.º, Dig., liv. 43, tit. 20, de aqua
tuque privato; frag 1º, § 25, Dig., liv. 43, tit. 20, de aqua
quotidiana et aestiva; Glück, obra citada, § 685, vol. 8º, pag.
370 e nota 4; Savigny. obra citada, § 46, pag. 461.
CAPITULO IX SECÇÃO III § 75
quasi-posse seja extreme de vícios, vi CLam, vel
precario. "Quod ait praetor in interdicto, diz
Uipiano, nec vi, nec clam, nec precario, alter
ab altero possdietis; hoc eo pertinet, ut si quis
possidet vi, aut clam, aut precario, si quidem
ab alio, prosit ei, possessio; si verò áb adver-
sario suo, non debeat cum propter hoc, quod ab
eo possidet, vincere. has enim possessiones non
debere proficere palam est (311).
* *
11. Prohibição do proprietário do predio
serviente. Si o proprietario do predio
serviente prohibe a passagem pelo seu predio,
a quasi-posse exercida posteriormente á pro-
hibão considera-se clandestina. Nam qui pro-
hibitus utitur, ciam utitur (
312
).
Este principio deve ser entendido em ter-
mos hábeis, pois não m o sentido absoluto,
que sua lettra inculca. Si, feita a prohibição
pelo proprietario do predio serviente, o titular
da servidão usa desta ás escondidas, a sua quasi-
posse passa a ter o vicio da clandestinidade, —
clam. Si, porém, usa da mesma servidão á força, a
sua quasi-posse passa a ter o vicio da vio-
lencia,—vi (
3l3)
.
(313) Frãg. 1.°, § 9.°, Dig., liv. 43, tit. 17, uti possidetis;
Savigny, obra citada, § 46, pag. 462; Pothier, obra citada, vol. l7,
pag. 585, Didimo, obra citada, n. 349, pag. 311.
(314) Schulting, Notae ad Digesta seu Pandectas, vol. 6.°,
pag. 569, á lei 3.ª, Dig., liv. 43, tit. 19; Pothier, Pandectes de
Justinien, ao mesmo liv. 43, tit. 19, n. 10, vol. 17, pag. 585 e nota
2.
(315) Pothier, Pandectes de Justinien, ao liv. 43, tit. 19, n.
10, vol. 17, pag. 585 e nota 2.
§ 75 DAS ACÇÕES POSSESSORIAS
12. Direito brasileiro.—O nosso direito
não adoptou este interdicto de itinere actuque
privato. raz-lhe ás vezes entre s o interdicto
uti possidetis, tambem chamado interdicto re-
tinendae possessionis, acção de manutenção, in-
terdito de manutenção e acção de força turbati-
va, porque o direito patrio considera as lesões
á quasi-posse das servidões de caminho, impe-
çam-lhe ou perturbem apenas o exercicio,como
méras turbações da posse do predio, a que o
inherentes as servidões.
Dahi, a referida modificação. E note-se
que, si as lees á quasi-posse da servidão não
pódem passar de turbações da posse do pre-
dio dominante, não tém logar o interdicto re-
cuperatorio, quando se trata da quasi-posse das
servidões de caminho (314).
* *
O interdicto de manutenção, applicado á
quasi-posse das servidões de caminho, tende a
fazer restabelecer o exercicio dos actos mate-
riaes da servidão e condemnar o o a não re-
produzir a lesão, sob certa pena, e a indem-
nizar as perdas e damnos causados (
315
).
(314) Lafayette, obra citada, § 136; Gazeta Jurídica, de São
Paulo, vol. 21, pag. 77; Conf Ihering, Actio injuriarum, pags.
36 e 37, referencias ao interdicto uti possidetis.
(315) Lafayette, obra citada. §136, n. 4, e textos de direito
romano por elle citados; Didímo, obra citada, n. 349, pags.
311-2
CAPITULO IX SECÇÃO III § 76
§ 76
Interdcito de itinere actuque
reficiendo
1. Noção. Diz o pretor: Quo etinere actuque
hoc atino, non vi, non clam, non precario, ab
alio usus es, quominus iter actumque, ut tibi jus
esset, reficias vim fieri veto. Qui hoc interdicto
uti volet, is adversario damni in-fecti, quod per
ejus vitium datum sit, caveat. Em vernaculo: "
Prohibo que alguem te faça violencia para
impedir que repares o caminho ou a passagem,
afim de que, como é teu direito, o reponhas no
estado em que delle gosaste durante este anno,
sem violenca, nem clandestinidade, nem
precariedade. Quem quizer servir-se deste
interdicto deve dar caução de reparar o damno,
que póde causar por sua culpa» (
316
) Este texto
contém a noção desta especie de interdicto,
referente á reparação de caminho.
*
* *
2. Fim. Seu fim é garantir ao titular da
servidão o direito de reparar o caminho,
quando isto lhe fôr necessario ao uso da mes-
ma servidão. E' um interdicto inspirado em
motivo de utilidade publica (
317
).
(316) Frag. 3.°, § 11.. Dig., liv. 43, tit. 19, de itinere actu-
que privato.
(317) Pothier, Pandectes, vol. 17, pag. 589.
§ 76 DAS ACÇÕES POSSESSORIAS
3. Condições. São as mesmas do in-
terdicto de itinere actuque privato e mais uma,
que aquelle não exige, e é esta: o auctor deve
provar o seu direito á servidão. Et jus sibi esse
reficiendi, diz o frag. 3.°, § 13, Dig., liv. 43,
tit. 19. Provar que m o direito de reparar o
caminho é provar que m uma servidão sobre
elle (318).
4. Direito patrio. Quanto ao nosso
direito, reportamo-nos ao que ficou exposto
acima, no § 75, n. 12: ò interdicto ou acção
de manutenção de posse suppre, não só o in-
terdicto de itinere actuque privato, como este
outro, de itinere actuque reficiendo (
319).
(318) Pothier, Pandectes, vol. 17, pag. 591.
(319) Lobão, Interdictos possessorios, §§ 94 e 95; B.
Carneiro, obra citada § 82, n. 2; Ç. Telles, Doutrina das
acções, edição port. § 195; edição de T. de Freitas, § 88,
Lafayette, obra citada, § 136, n. 3 e nota 6; Gazeta Jurídica,
de S. Paulo, vol. 21, pag. 77.
CAPITULO X
Da servitus itineris
SUMMARIO
§ 77. Noção da servitus itineris.
§ 78. Natureza da servitus Itineria.
§ 79. Largura da servitus itineria.
§ 80. Logar serviente na servitus itineria.
§ 81. Extensão da servitus itineris.
§ 82. Confronto da servitus itineria com o actua
e a via.
§ 83. Applicação dos principios geraes á servitus
itineria.
§ 84. Modificações do nosso direito.
§77 Noção da servitus
itineris
1. Gradação da servidão de caminho. —
Servidão de caminho, em geral, é a servidão que
tém por objecto pôr um predio em com-
municação com outro ou com a via publica,
atravez de um ou mais predios intermedios (
320
).
Esta servio, que é a mais importante das
servidões ruraes, conforme notam Salivas et
Bellan, m uma tríplice gradação, pois desdo-
bra-se em tres ramos, que são, partindo da
menor para a maior:
O Pr. Insts., liv. 2.°, tit. 3.°, de servitutibus; frag. 1Dig, liv.
8.°, tit. 3.°, de servitutibus praediorum rusticorum; Lafayette, obra
citada, $ 130, n. 1.
CAPITULO X
§77
a) iter,
b) actus e
6) via
(
321
).
A concisão admiravel da lingua latina
permittiu aos romanos, como se vê, dar um
nome especial e expressivo a cada servidão (322).
2. Faculdades typicas de cada servidão de
caminho. A faculdade essencial, typica,
característica, de cada uma destas servidões é :
A) para o iter: a passagem de pessôa só;
b) para o actus: a passagem de rebanho só,e,
c) para a via: a passagem de pessôa, de
rehanho; de carro e tudo mais.
3. Jus eundi, jus agendi e jus vehendi. — Por
isso, póde-se dizer que: a) iter é o jus eundi;
b) actus é o jus agendi e
c) via é o jus eundi, agendi et vehendi.
Eundi diz respeito ás pessôas; agendi aos
animaes, e vehendi aos carros.
Como de ire derivou iter, tambem de agere.
derivou actus, e de venere derivou via.
Certo que na servitus itineris o homem póde
passar a pé, a cavallo ou de liteira. Mas
(321) Pr. Insts., liv. 2.°. tit. 3.º; frag. l.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3.° ;
Salivas et Bellan, obra cttada, vol. 1.°, pag. 503.
(322) Dalloz, Répert., verb. servitute, n. 4, vol. 40, pag. 54.
§ 77
DA SERVITUS ITINERIS
o que caracteriza esta especie é a passagem da
pessôa. O mais é accessorio.
Certo tambem que na servitus actus, além
do rebanho, passa o conductor deste.
Mas o que caracteriza esta especie é a pas-
sagem do rebanho.
A servitus viae é todas as outras reunidas
e mais alguma coisa ainda: é o jus eundi, agendi
e mais o jus vehendi. Iter et actus via' in se
continet.
4. Dupla significação da palavra iter.
A palavra iter, que os francezes traduzem por
sentier, petit chemin; os italianos por sen-tiero,
e nós podemos traduzir por trilho, verêda,
azinhaga, vém do verbo ire. E significa, não só
o caminho, como tamm o direito á servidão
do mesmo caminho (323).
E' a mais antiga entre as mais antigas de
todas as servidões. A principio, iter designava
o todo homogeneo e indefinido dos 'jura iti-
nerum. Com o tempo, sobreveiu uma differen-
cião, e surgiu o actus.
Mais uma differenciação sobreveiu, esta já
posterior á lei das XII taboas, fez desdobrar-se
o actus e produziu a via (324).
Assim, a significão da palavra iter teve
de restringir-se aos limites que hoje lhe com-
petem no direito romano actual.
(323) Ihering, obra citada, vol. 3.°, nota 133, pag. 131.
(324) Arno, obra citada, § 8.
CAPITULO X § 77
5. Não. Podemos, pois, definir a ser-
vidão iter pela seguinte fórma:
E o direito de passar (ius eundi) a pé, a
cavallo ou de liteira, pelo predio alheio, no
interesse do predio do titular da servidão.
Iter est Jus eundi, dizem as Instituías, am-
bulandi homini, non etiam jumentum agendi vel
vehiculum. E' a mesma noção de Ulpiano, que
vém no Dig. (325).
Que o titular do iter póde passar a cavalio
prova um texto de Modestino, que diz: «Iter est
enim qua quis pedes vel eques commeare po-test
(326).
Que póde passar de liteira faz certo um
texto de Paulo: Qui sella (cadeirinha) aut lectica
liteira) vehitur ire, non agere dicitur» (
327
).
Na cadeirinha, sella, andava-se sentado; na
liteira, lectica, deitado.
Tanto a cadeirinha, como a liteira, eram,
entre os romanos, conduzidas por escravos: a
primeira por dois escravos; a segunda ordina-
riamente por quatro e, ás vezes, por seis ou
oito (
328)
.
(325) Pr., Insts, liv. 2
o
, tit. 3.°, de servitutibus; frag. 1.°,
pr., Dig., liv. 8°, tit. 3.°,de servitutibus praediorum rusticorum;
Salivas et Bellan, obra citada, vol. 1.°, pag. 503; Lagrange,
Manuel de droit romain, pag. 201.
(326) Frag. 12, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°; Glück, obra citada, §
674, vol. 8
o
, pag. 267.
(327) Frag. 7.°, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 3.°; Pothier, Pan-
dectas, vol 4.°, pag. 314.
(328) Gluck, obra citada, § 674, vol. 8.°, pags. 267-8 e
notas 95-9 ; Pothier, Pandectas de Justiniano, vol. 4.°, pag. 315,
nota 2.
§78 DA SERVITUS ITINERIS
6. Iter atravez de um lago.— Reputa-se
incluído na servitus itineris o direito de navegar
atravez de um lago existente no predio ser-
viente, para poder chegar a um prédio situado
defronte (329).
Por isso, Cujacio opina que á definição de
iter se accrescente a palavra navigandi (
330)
.
§ 78 Natureza da
servitus itineris
1. E' rural. Esta servidão é rustica ou
rural. As fontes são expressas a respeito.
Rusticorum praediorum jura sunt haec,
dizem as Instituías: iter, actus, via, aquaeductus.
O mesmo se em Ulpiano: "Servitutes rusti-
corum praediorum sunt hae: iter, actus, via,
aquaeductus" (
331
).
2. Suppõe dois predios. - Conseguinte-
mente, a servitus itineris suppõe dois predios:
um que serve, outro que é servido com o ca-
minho, iter. O predio dominante, que recebe o
augmento, e o serviente, que soffre a diminuição.
(329) Frag. 23, § 1.º Dig., liv. 8.º tit. 3.º de
servitutibus
proediorum rusticorum; Glück, obra citada, § 674, vol. 8.º
pag. obra citada, vol. 1.º n. 457, pag. 332.
(330) Glück, obra citada, § 674, vol. 8.º, pag. 269
(331) Pr. Insts, liv. 2.º tit. 3.º, de servitutibus; frag. 1.º,
pr., Dig., liv. 8.º, tit 3.º, de servitutibus proediorum
rusticorum.
CAPITULO X
§ 78
3. Pessoal, ou urbana. — Esta servidão
póde, por excepção, ser pessoal, o que aconte-
ce quando o direito de passagem é estabelecido,
não em proveito de um predio, mas de uma
pessôa (
332
). de tambem, em algum caso, ser
urbana, "Iter, diz Cujacio, non tantutn est ser-
vitus praediorum rusticorum, sed et urbanorum
et personarum sive hominum.
O predio serviente póde ser uma casa.
O dominante tambem o póde (
333
).
4. Inclúe-se na servitus aquaehaustus. -A
servitus itineris inclúe-se tacitamente na servitus
aquaehaustus, direito de tirar agua no poço ou
fonte do visinho. Qui habet haustum iter quoque
habere videtur ad hauriendum (
334
). Isto, porém, se
entende com o caso, em que o terreno, por onde
o titular da servidão tém
(332) Frag. 6.°, Dig., liv. 33, tit. 3.°, de servitute legata;
Bonjean, Instituías, vol. 1.°, n. 1009, pag. 529. Veja-se o § 2°,
n. 1, supra.
(333) Frag. 14, Dig., liv. 8.º, tit. 4.°, communia proedio-
rum, tam urbanorum, quàm rusticorum; Cujacio, Opera om-
nia, vol. 4.°, col. 1033, D e E; vol. 6.°, col. 289, C; Hulot, La
clef des lois romaines, verb. servitude, vol. 2°, pag. 577, col. l.
a
;
Ihering, Espirito do direito romano, vol. 3.°, nota 373, pag. 226.
Veja-se o § 2.°, n. 1; Merlin, Jurisprudence, verb. servitude, vol.
16, pag. 120; B. Carneiro, obra citada, liv. 2.°, S 18, n. 42.
(334) § 2.°, Insts., liv. 2.°, tit. 3.°, de servitutibus; frag.
1.°, § 1
o
; frag. 3.°, pr. e § 3.°; frag. 4.°; frag. 6.°, Dig, liv. 8.°,
tit. 3.°, de servitutibus proediorum rusticorum; Serafini, obra
citada, § 81, pag. 210; Mackeldey, obra citada, § 323, pag. 162
e nota 6; Cardoso, Praxis judicum et advocatorum, verb.
servitus, n. 44.
196
§ 78
DA SERVITUS ITINERIS
de passar, pertence ao proprietario do poço ou
fonte serviente (335).
5. Inclúe-se no direito de exploração de
uma mina.—A servitus itineris ince-se
tambem no direito de exploração de uma mina
(336). Cum enim aliqnid conceditur, lê-se em
Cardoso, intelligitar concessum omne illud, sitie
quo consistere non potest (337).
6. Pertence ao numero das coisas im-
moveis. -- Esta servidão pertence ao numero
das coisas immoveis. O mesmo acontece com as
outras duas: actus e via: quoniam jura et
qualitates sunt praediorum, diz Cardoso (338).
E é por isso que o lapso de tempo, exigido
para consummar-se a sua prescripção acquisi-
tiva, é o mesmo que o direito exige para a
prescrião acquisitiva da propriedade immo-
vel (
339
).
7. Obstaculo entre os predios, Nãode
haver servitus itineris entre dois predios
(335) Veja-se o § 21, supra. Lafayerte, obra citada, § 118,
vol. 1.º, pag. 315 e nota 9.
(336) Revsita Forense, de Bello Horisonte, 1904, vol. 1.º,
pag. 205
(337) Cardoso, Praxis judicum et advocatorum, ver ser-
vitus, n. 44
(338) Cardoso, obra citada, verb. servitus, n. 45
(339) Cardoso, obra citada, addit. ad verbum servitus, vol.
2.º pag. 507, col. 2.ª
CAPITULO X § 78
separados por um terceiro ou por qualquer
obstaculo, que se não possa atravessar ou ven-
cêr. E a razão disto é que não de haver ser-
vidão inutil ao predio dominante. Servitus fundo
utilis esse debet. E servitus in tantum debetur
praedio in quantiim ei utilis et non ultra (
340
).
"Publico loco interveniente, vel via publica,
hautus imponi potest, aquaeductus non potest:
principi auteni peti solet ut, viam publicam,
aguam ducere sine incommodo publico liceat. Sa-
cri et religiosi loci interventum etiam itineris
servitutem impedit: cum servitus per ea loca nulli
deberi potest (
341
).
Em outro texto, diz ainda o mesmo juris-
consulto : "Via publica intercedente haustus ser-
vitutem constitui posse placuit: et est ver um;
sed non solum si via publica interveniat, sed et
si flumen publicum; eodem casu, quo interve-
niente flumine publico, viae, itineris, actus ser-
vitus imponi potest, id est, si non sit impedimento
transeunti magnitudo fluminis,, (
342
)
Praedium intermedium servitutem impedit
(
343)
.
(340) Macedo, decis. 42, ns. 1, 2 e 3; e decis. 43, ns. 1, 2
e 3. Veja-se o § 6.°, n. 2.
(341) Frag. 14, pr., Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de servitutibus.
O Frag. 7.°, § 1.º; frag. 17, § 2.°, Dig., liv. 39, tit. 3.°, de
aqua, et aquae pluviae arcendae. E vejam-se os outros §§ desse
frag., que fazem ao caso. Conf. Ortolan, obra citada, vol. l.°, n.
456, pag. 330 e nota 3; Glück,-obra citada, § 621, vol. 7.°, pag.
14 e nota 45; Donellus, Opera omnia, vol. 5.°, col. 305, D;
Lafayette, obra citada, §115, n. 3, nota 8, vol. l.°, pag. 307.
(342) Macedo, decis. 43, n. 5.
198
§ 79
DA SERVITUS ITINERIS
§79 Largura da servitus
itineris
1. Não é fixada pela lei.— A lei não
marca a largura do iter. Sua largura deve ser
fixada no acto constitutivo da servidão: contra
cto, testamento, etc. Na falta de fixação no
acto constitutivo, deve ser determinada pelo juiz,
ex aequo et bono, mediante parecer de peritos (
344
).
*
* *
2. Largura mínima.— O iter não póde
ter menos de dois pés de largura. A servidão
está validamente constituída, quando se póde
apenas passar a no trilho, e não a cavallo
ou em cadeirinha ou em liteira, porque, neste
ponto, impera a vontade das partes, que con
vencionam (345).
*
* *
Mas, quando a largura do caminho tiver
de ser determinada pelo juiz, deve ser tal, que
permitia passar a cavallo e de cadeirinha ou
de liteira, puxada a mão ou a animal. Para
isto bastam quatro a cinco pés (348).
(344) prag. 13, § 2.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3.º; Salivas et Bel-
lan, obra citada, vol. 1.°, pag. 504; Pothier, Pandectas, vol. 4.°,
pag. 316; Waldeck, obra citada, § 292; Ortolan, obra citada,
vol. 2.°, n. 452, pag. 324; Gravina, Opera, pag. 142. cols l.a e
2.
a
; Glück, obra citada, §§ 674 e 677, vol. 8.°, pags. 2o» e 285;
Didimo, obra citada, n. 347, pag. 309.
(345) Glück, obra citada, § 674, vol. 8.°, pag. 268.
(346) Glück, obra citada, § 674, vol. 8.°, pags. 268-9
comb. com pag. 267.
CAPITULO X
§80
§ 80
Lograr serviente na servitus itineris
1. Noção. Logar serviente, locus ser-
viens, define Cujacio, est pars fundi, per quam
servitus constituía est (347) Locus, est nonfundus,
diz Ulpiano, sed portio aliqua fundi (Frag.60, pr.
Dig., liv. 50, tit. 16, de verborum significatione).
Determinado o logar, as outras partes do
predio serviente ficam livres. Caeterae partes
liberae sunt (Frag. 13, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3,
de servifutibus praediorum rusticorum).
*
*
2. Por onde deve ser estabelecida a
servidão ? Por onde fôr mais conveniente a
ambos os predios. O logar serviente deve ficar
onde fôr mais proveitoso ao predio dominante,
e menos prejudicial ao predio serviente. «Cum id
aequè commo per alteram partem facere possit,
minore servientis fundi detriment, diz o frag.
9.º Dig., liv. 8.°, tit. l.°, de servitutibus (348)
(347) Cujacio, Opera omnia, vol. 7.°, col. 443, C; Glück;
obra citada, vol. 8.°, nota m, de Brugi, pag. 77.
(348) Veja-se o § 58, n. 13, supra. Frag. 9.º Dig., liv. 8.°,
tit. l.°; frag. 13, § 13. Dig., liv. 8.°,tit. 3.°; Van Wetter, obra
citada, $ 242, n. 1.° e notas. E este principio domina em nosso di-
reito e no direito de outras nações modernas. Conf. Lafayettte,
obra citada, § 125, n. 2; Didimo. obra citada, ns. 325 e 347;
Doutrina das acções, nota 227 ; Caepolla, obra citada, tract. 2.°,
cap. l.°, n. 2; codigo civil francez, arts. 683-4; codigo civil port.,
art. 2310; codigo civil italiano, art. 647; Mourlon, obra citada,
vol. 1.°, n. 1802; Zacharios, obra citada, vol. 2.º, § 331; Dias
Ferreira, commentario ao código civil port., vol. 5.°, pag. 70;
Mazzoni, Istituzion di diritto civile italiano, 3.º edição, Firenze.
1884, vol. 3.º, n. 248, pag. 469.
§ 80 DA SERVITUS ITlNERiS
3. Escôlha do logar serviente.—A escôlha
deve ser feita no acto constitutivo da servidão:
convenção, testamento, sentea. Si a servidão é
adquirida por prescripção, applica-se a maxima
quantum possessum tantum prcescriptum (349)
Si o acto fôr ommisso, deve a escôlha ser feita
por accôrdo de ambas as partes, isto é, dos donos
dos predios dominante e serviente. E na falta de
accôrdo, pelo juiz, medeante parecer de peritos.
Si totus ager itineri aut actui servit, do-
minus in eo agro nihil facere potest, quo ser-
vitus impediatur, quae ita diffusa est, ut omnes
glebae serviant At si iter actusve sine ulla de-
terminatione lega tus est, modo determinabitur:
et quà primum iter determinatum est, ea servi-tus
constitit: caeterae partes agri liberae sunt. Igitur
arbiter dandus est, qui ut roque casu viam deter
minare debet .
E' texto de Javoleno. Eil-o vertido: Si o
predio todo deve a servidão iter ou actus, nada
póde nelle fazer seu proprietario, que impeça o
uso da servidão, extensivo a todas as glebas.
Mas, si a servidão foi legada sem determina-ção
alguma, o logar será fixado, e a servidão
affectará esse logar, ficando as outras parles
do predio livres. Assim, em um e outro caso,
deve-se tomar um arbitro, para determinar o lo-
gar destinado á servidão» (350).
(349) Mazzoni, obra citada, vol. 3.°, n. 248, pag. 463.
(350) Frag. 13, § l.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus
proediorum rusticorum; Lafayete, obra citada, § 130, n.1
Didimo, obra citada, ns. 72, 327 e 347; Mackeldey, obra
cita-
da, § 323, n.1 Cardoso, Praxis judicum et advocatorum
verb. servitus, n. 7; reg. n. 720 de 5 de setembro de 1890,
art. 65
CAPITULO X
§ 80
O accôrdo das partes, a respeito, póde ser
tacito, o que acontece quando, determinado o
logar por um dos dois propriatarios, o outro se
conforma, deixando de reclamar.
*
* *
Glück (no § 677, vol. 8.°), expõe doutrina
diferente, dando ao titular da servidão o direito
de escolher o logar serviente, quando fôr omisso
o titulo de constituição. Funda-se elle no
principio: Totus enim fundas servil
Mas a doutrina, que acabamos de expôr,
parece preferivel, por mais consentanea com o
espirito do direito romano systematicamente in-
terpretado, onde a servidão é considerada in-
stituto excepcional, de interpretação restrictiva; e
tambem por mais accorde com a realidade viva
das coisas.
O mesmo auctorizado mestre (no § 630,
vol. 7.°, pag. 127), presta seu valioso apoio á
doutrina que preferimos, e que está perfeita-
mente de harmonia tambem com o direito e
costumes patrio.
*
* *
4. Mudança do caminho. - Uma vez
escolhido, deve o caminho, em regra, ser sem-
pre conservado no mesmo logar. «Verum con-
stitit, ut, quà primum viam direxisset, ea demum
ire agere deberet, nec amplias mutandas ejus
potestatem haberet, .. quod et in via servan-
202
§ 80 DA SERVITUS ITINERIS
dum esse verum est», preceitua o frag. 9, Dig.,
liv. 8, tit. l, de servitutibus (351).
"Et, quà primam iter determinatum est,
ea servitus constitit , confirma o frag. 13, § l.°,
Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus poediorum
rusticorum.
Diz-seem regra, por causa da exceão
do frag. 2.°, § 8.°, Dig., liv. 11, tit. 7, de re-
ligbsis et sumptibus funerum, a que allude Di-
dimo (obra citada, n. 330): "Sed si non minas
commo per alium locum servitute uti potest,
non videtur servitutes impediendas causa id
fieri,, (
352
)
E' regra adoptada por nosso direito, que ap-
plica o disposto no § 8.°, do frag. 2.º, Dig., de
religiosis et sumptibus funerum, a todos os ca-
sos analogos (
353)
.
*
5. Domínio do terreno occupado pelo
caminho.—A quem pertence a propriedade do
locus serviens? ao proprietario do predio ser-
viente ou ao titular da servidão ? Pertence ao
proprietario do predio serviente, resolve Ulpiano:
(351) Veja-se o § 58, n. 13, supra. Didimo, obra citada,
ns. 325 e 377.
(352) Glück, obra citada, § 677, vol. 8.°, pag. 287, e tam-
bem pag. 76, nota m, e pags. 186 e 377, nota k; Cardoso, Praxis
judicum citada, verb. servitus, n. 8.
(353) Lafayette. obra citada, § 119, vol. l.°, pag. 316 e
nota 17; Didimo, obra citada, ns. 329, 330 e 347 ;B. Carneiro,
obra citada, liv. 2.°, $ 80, ns. 29 e 30; C. Telles, Digesto, port.,
vol. 3.°, art. 471: Lobão, Aguas, § 187. No direito francez, idem;
codigo civil francez, art. 701; Aubry et Rau, obra citada, § 254,
vol. 3.°, pag. 98. No direito italiano, idem; codigo civil italiano,
art. 645; Mazzoni, obra citada, vol. 3.°, n. 249, pag. 466. Veja-
se o § 27, n. 5.°, supra.
203
CAPITULO X
§81
" Loci corpus non est dominii ipsius, cujus
servitus debetur, sed jus eundi habet (354).
6. Coexistencia de servidões.— O dono
do predio serviente, que á servidão de ca-
minho a alguem, de conceder a mesma ser-
vidão a favor de outro predio visinho, pelo
mesmo logar (
355
).
§81 Extensão tia
servitus itineris
1. Tempo, logar e modo. — O uso de
uma servidão de caminho póde ser mais ou
menos extenso, com relação
a) ao tempo,
b) ao logar e
c) ao modo.
Bem entendido: salvos seus elementos es-
senciaes (356).
* *
2. Tempo. Assim, pódem as partes
convencionar o tempo, em que deve ser exer-
(354) Frag. 4.°, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 5.°, si servitus vindi-
cetur vi ad alium pertinere negetur.
(355); Frag. 15, Dig., liv. 8.°, tit. 4.º, communia
praediorum. Veja-se o § 58, n. 18.
(356) Frag. 14, Dig., liv.,8.°, tit. 4. communia praediorum;
frag. 11, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 6.°, quemadmodum servitutes
amittuntur; Ortolan, obra citada, vol. 2°, ns. 451 e 459, pags.
324 e 334; Maynz, obra citada, § 134, nota 3.
204
§ 81 DA SERVITUS ITINERIS
citada a servidão, estabelecendo para seu exer-
cido certos períodos (357).
Pódem convencionar, v. g., que a servidão
seja exercitada de dia, ficando vedada a pas-
sagem de noite (358).
3. Logar. As partes m plena liber
dade para localizar a servidão onde bem lhes
convier; regularizar a largura do caminho; de
terminar a sua direcção, e convencionar, a res
peito do local, o que quizerem, respeitado o ele
mento essencial, para que a especie não se
degenere em outra diversa, como, por exemplo,
convencionar a passagem de rebanho e de
animaes de carga em favor do predio serviente,
o que faria a servitus itineris degenerar-se na
servitus actus (359).
*
4. Modo. « Modum adjici servitutibus
posse constai: veluti quo genere vehiculi agatur
(357) Frag. 4.°, §§ 1.º e 2º; frag. 5.°, § 1 .o, Dig, liv. 8.°,
tit. l.°, de servitutibus; Glück, obra citada, § 677, vol. 8°, pag.
288; Bonjean, obra citada, vol. 1 °, n. 1011, pag. 633; Didimo,
obra citada, n. 347 ; Mackeldey, obra citada, § 320, n. 5.
(358) Frag. 14, Dig., liv. 8, tit. 4.°, communia praediorum;
Ortolan, vol. 2.°, n. 452, pag. 325, e nota 5; Gluck, obra ci
tada, § 677, vol. 8.º, pag. 288, e tambem o que diz seu tra-
ductor á pag. 122; Bonjean, obra citada, vol. 1.°, n. 1011,
pag. 533; Didimo, obra citada, n. 347. Veja-se o § 6.°, n. 6,
supra.
(359) Gluck, obra citada, § 677, vol. 8.°, pag. 287. Veja-
se
o $ 80, supra. . .
Na servidão necessaria, o logar deve ser determinado
pelo juiz. Conf. o reg. n. 720 de 5 de setembro de 1890, art. 65,
e o § 58, n. 20, nota 173, supra.
205
CAPITULO X
§81
vel non agatur, veluti ut equo duntaxat, vel grex
ille transducatur, aut carbo portetur», diz Pa-
piano.
Traduzido: "Póde-se convencionar para o
exercício das servidões uma medida determina-
da, v, g., a especie de carro que se conduzirá;
que se passará a cavallo; que se poderá
transportar mente carga de um certo peso;
rebanho de carneiros; permittir o transporte de
carvão.
Assim, a servitus itineris póde ser limitada
á passagem de pessôa a pé. Vimos 77, n. 2)
que o caractestico desta especie de servidão de
caminho é a passagem da pessôa, o
jus eundi. Ora, a pessôa bem de passar a .
Logo, a servitus itineris pôde consistir só na
passagem de pessôa a pé, ex vi de convenção
das partes, ou mesmo de circumstancias locaes
particulares, que impossibilitem a passagem a
cavallo ou de liteira, como a estreitura do cami-
nho, a existencia de plantações, que seriam dam-
nificadas (
360
).
O titular da servidão o de exceder o
modo estabelecido. Contracto, legado acceito,
sentença, qualquer destes actos constitutivos de
servidão faz lei entre as partes interessadas. Sen-
do excedido o modo de exercício da servidão,
(360) Frags. l.° e 7.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus
praediorum rusticorum, comb. com o frag. 1.°, Dig.,; liv. 8.°, tit.
l.°, de servitutibus; Serafini, obra citada, § 81, pag. 209; Gluck,
obra citada, § 674, vol. 8.°, pag. 268. Veja-se o § 3°, ns. 5 e 6, e
o § 55, n. 9, e o § 59, n. 2.
206
m logar a acção negatoria. Modum excedens
partem gravat.(361)
Confronto da servitas itineris com o actua e a
via
1. Ponto de contracto. O iter contém-
se no actos e na via, mas não contém o actas
nem a via. Qui habet iter, actum non habet;
qui actum habet, et iter habet. Iter et actum in
se continet via.
O iter è um denominador commum (362)
2. Ponto de divergencia.—Inter actum
et iter non nulla est differentia: entre o iter e
o actus ha alguma differença. Iter est enim quà
quis pedes vel eques commeare potest: actus
veró ubi et armenta trajicere, et vehiculum du-
cere liceat (358).
Entre iter e via ha enorme distancia: iter é
a mais restricta, eÉa mais ampla das servidões
de caminho: uma contém o minimo e a
(361) Frag. 11, Dig., liv. 8.°, tit. 6, quemadmodum ser-
vitutes amittuntur.
(362) Pr Inst. liv. 2 o, tit. 3.°. de servitutibus; frag. l.°, pr.,
Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus praediorum rusticorum;
frag. 21; frag. 110, Dig., Iiv. 50, tit. 17, de regulis juris, Cujacio,
Opera omnia, vol. 1.°, col 66, D.; Strykio, Opera omnia, vol.
10, disert. 1.ª, cap. 10, § 60. Trata-se aqui da applicaçâo do
principio -que a servidão mais onerosa inclúe a menos one-
rosa, e esta exclúe aquella. Veja-se o § 19, acima.
(363) Frag. 12, Dig. (de Modestino), liv. 8.°, tit 3,°, de
servitutibus praediorum rusticorum; Pothier, Pandectas, vol.
4.°, pag. 314.
CAPITULO X §§ 83 e 84
outra o maximo de faculdades para o titular do
jus servitutis. Além disso, a via tém largura fi-
xada na lei, e o iter não tém.
§ 83
Applicação dos principios ge-
raes á servitus itineris
As demais questões referentes a esta ser-
vidão resolvem-se pelos prinpios geraes regu-
ladores das servidões, os quaes já ficaram ex-
postos.
§ 84
Modificações do direito patrio
No assumpto das servidões vigora entre nós
o direito romano, com ligeiras modificações de-
terminadas pelos nossos costumes. Aquellas de-
nominações romanas, referentes á gradação esta-
belecida na servidão de transito ou caminho, a
saber: iter, actus e via, não o rigorosamente
obervadas entre nós. As queses relativas ás
servidões dessa especie se resolvem pelas clausu-
las dos actos, que as constituem, intenção das
partes e costumes locaes, pospostas as Iludidas
denominações (
864
).
Segundo o nosso direito, a mais .modesta
servidão de caminho é a que dá direito á pas-
(804). Lafayette, obra citada, § 130, n. 1, nota 2; Didimo, obra
citada, ns. 346-7.
§ 84
DA SERVITUS ITINERIS
sagem de pessôa a mente, e não a ca-
vallo (365).
A gradação, que se costuma observar entre
nós, calcada em nossos costumes, é esta:
a) passagem de pessôa a pé;
b) passagem de pessôa a cavallo, em li-
teira, e de animal de carga;
c) passagem de pessôa em carro, passagem
de rebanhos, e transporte de cargas e matenaes
em vehiculos rodantes.
Corresponde, mais ou menos, ás servidões
itineris, actus e viae (366)
(365) Lafayette, obra citada, § 130, n. 1 e nota 3. (366)
Lafayette, obra citada, § 130, n. 1 e notas; Didimo,
obra citada, ns. 346-7.
CAPITULO XI
Da servitus actus
SUMMARIO
85. Noção da servitus actus.
§ 86. Natureza da servitus actus.
§ 87. Largura da servitus actus. § 88. Logar
serviente na servitus actus. § 89. Extensão da
servitus actus. § 90. Confronto da servitus actus
com o iter e a via.
§ 91. Applicação dos princípios geraes á ser-
vitus actus. § 92. Modificações do direito
patrio.
§ 85 Noção da
servitus actus
1. Jus agendi. Actus (jus agendi) é o
direito de conduzir (agere) rebanhos e animaes
de carga atravez do predio do visinho,
Rectè ergo definitur actus, diz Donellus, jus
agendi tantum (
367
).
2. Vehiculum.—Não exclúe o direito de
passar de carro, vehiculum, mas este direito não
(367) Pr. Insts., liv. 2.°, tit. 3.°,de servitutibus; frag. l.°, pr.;
frag. 12, Dig, liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus praediorum rusticorum;
Salivas et Bellan, obra citada, vol. l.º pag. 503; Donellus, Opera
omnia, vol. 3.°, col. 282, n. 15; Didimo, obra citada, n. 346. Veja-se
o § 77, n.° 3, supra.
CAPITULO XI
§ 85
é da essencia desta servidão. Não permitte pu-
xar e arrastar pedras e traves (368).
3. Agere.A palavra actus deriva, como
vimos, de agere, verbo que significava origi
nariamente impellir para deante ou tocar por
deante, conduzir, e applica-se aos rebanhos e
aos animaes de carga.
"Agi propr dicimus, ensina Gaio, no frag.
235, Dig., liv. 50, tit. 16, de verborum signi-
ficatione, ea, quae animalia sunt (369).
4. Armentum, grex, pecus e jumen-
tum.Armentum, plural armenta], significava,
entre os romanos, o gado grande, gado grosso,
animalia maiora, de preferencia os bois. Actum
esse, diz Cujacio, quo quis etiam armenta, id est,
boves trajicere, et vehiculum ducere potest (370).
Grex é o gado miudo, pecora minora, de
preferencia as ovelhas e cabras.
Pecus é o genero gado, comprehensivo das
duas especies: armentum e grex, gado grande
e gado pequeno (371).
(368) Gluck, obra citada, § 675, vol. 8.°, pags. 273, 276 e
278-9; frag. l.°, pr.; frag. 7.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°., de servi-
tutibus praediorum rusticorum.
(369) Gluck, obra citada, § 675, vol. 8.°, pag. 270; Didi-
mo, obra citada, n. 346.
(370) Cujacio, Opera omnia, vol. 5.°, col. 1171, C.
(371) Frag. 65, § 4.°, Dig., de legatis et fideicommissis;
Gluck, obra citada, § 675, vol. 8.°, pag. 272.
§ 85 DA SERVITUS ACTUS
Jumentum, plural —jumenta, era o nome
dado aos animaes destinados a puxar, ou a car-
regar peso, como os cavallos e os burros (372).
Distingue-se, pois, de armentum.
Por isso é que diz Pomponio, no frag. 89,
Dig., liv. 50, tit. 16, de verborum significatione:
«Boves magis armentorum, quàm jumen-
to rum generis appellantur».
5. Actus est agere pecus aut jumen-
tum.— A noção dada, direito de conduzir re-
banhos e animaes de carga, abrange, pois:
a) armentum (gado grande),
b) grex (gado pequeno), pecus
c) jumentum (animal de tracção ou de carga).
Este é o seu conceito resultante das fontes.
Nas Basílicas, liv. 58, tit. 3.°, lei 1 -se:
Actus est agere pecus aut jumentum.
Itaque qui actum habet, et iter habet (
373
).
Conseguintemente, em regra, quem m a
servidão actus póde conduzir todas as especies
de animaes. E, si as definições dadas pelos ju-
risconsultos romanos fazem menção explicita
sómente dos armenia e jumenta, é porque o
estes os mais importantes. E, quem póde o mais,
póde o menos:non debet cui plus licet,quod
minus est non licere, segundo o principio de
Ulpiano (Frag. 21, Dig., de regulis juris).
(372) GIück, obra citada, § 675, vol. 8.°, pags. 272 e 275.
(373) Glück, obra citada, § 675, vol. 8.°, pag. 274.
CAPITULO XI
§85
6. Limitação contractual. Esta ser
vidão o se restringe, em regra, a um numero
certo de cabeças de gado. Pódem, porém, as
partes convencionar o contrario (
374
).
• *
*
7. Dupla significação de actus.—Actus,
como iter, tém duas significações differentes:
a) o caminho;
b) o direito á respectiva servidão.
A noção dada refere-se a actus no segundo
sentido (375).
Esta servidão comprehende accessoriamente
a servitus itineris, salvo convenção em con-
trario. A passagem de pesa só, característica
do iter, póde, nesta outra especie, o actus, ser
vedada por convenção. Assim devem ser en-
tendidas as fontes, quando dizem: Qui actum
habet, et iter habet, etiam sine jumento (
376
).
Temo-nos acostado mais a Gck, no pre-
cisar o conceito de cada uma destas servidões,
jura itinerum, porque este auctor desenvolve
muito bem a materia e segue um criterio muito
(374) Glück, obra citada, §§ 675 e 677, vol. 8.°, pags. 278-9;
frag. 11, pr., Dig., liv. 8.°, tif. 6.°, quemadmodum servitutes
amittuntur.
(375) Ihering, obra citada, vol. 3.º nota 133, pag. 131.
(376) Pr., Insts., liv. 2.°, tit. 3.°, de servitutibus; frag. 1.°,
pr., Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus praediorum rusticorum ;
Pothier, Pandectas, vol. 4.°, pag. 314; Glúck, obra citada, j 675,
vol. 8
o
, pags. 269-70 e 276; Brugi, nota m ao § 675 de Glück,
vol. 8.°, pag 277.
§ 86 ____DA SERVITUS ACTUS
exacto na determinão das faculdades essen-
ciaes ou typicas de cada especie, como diz
Brugi, seu traductor nesta parte de sua collossal
obra (
377
).
§ 86 Natureza, da
servitus actus
1. E' rustica. Esta servidão, pertence ao
numero das ruraes, tambem chamadas rusticas
E' pouco mais nova do que a servitus itineris, o
que basta para dar uma ideia, e medida de sua
importancia na vida agrícola já dos primeiros
habitadores do lo romano. Nasceu, tém atra
vessado os seculos, tém experimentado grada
ções na escala evolutiva, que lhe tém sido
imposta pela necessidade das adaptações e re
adaptações continuas ás condições do meio,
variavel no espaço e no tempo, e sempre li
gada aos interesses da agricultura.
E', pois, a justo titulo, uma. servidão rural
e, como tal, dão-na as fontes jurídicas roma-
nas (
378
).
2. Inclusão implícita na servitus ad
aquam appulsus.—A servitus actus inclúe-se
implicitamente na servidão consistente no di
reito de dar de beber ao rebanho no predio
(377) Conf. a nota e, no vol. 8.°, pag. 270.
(378) Pr. Insts, liv. 2.°, tit. 3 °. de servitutibus; frag. 1.,
pr., Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus praediorum rusticorum;
Cogliolo, Storia del diritto privato romano, § 49, vol. 2. , pag.
45. Veja-se o § 78, n. 3.
CAPITULO XI §§ 87 e 88
alheio. Sua extensão mede-se então pela ne-
cessidade inherente á servidão principal (
379
).
*
3. Inclusão implícita na servitus pas-
cendi.—Esta inclusão deduz-se do frag. 3.°, §
3.°., Dig., liv. 8.°, tit: 3.° (
380
)
§ 87
Largura da servitus actus
' Não é marcada pela lei. Deve ser regulada
no acto constitutivo da servidão. Não o sendo,
deverá ser determinada judicialmente, ex aequo
et bono, como se pratica, em caso analogo, na
servitus itineris (
381
).
§ 88
Logar serviente na servitus actas
Com relação á noção do logar serviente,
sua direcção, escôlha, mudança e propriedade
da faixa de terra por elle occupada, applica-se-
lhe perfeitamente o que ficou exposto a propo-
sito da servitus itineris (
382
).
(379) Frag. 4.°; frag. 6°, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de
servitutibus praediorum rusticorum; Mackeldey, obra citada, §
323, n. 3 e nota 7.
(380) Mackeldey, obra citada, § 323, n. 2, pag. 161, col.
2.º e nota 14.
(381) Veja-se o § 79, n. 1, acima.
(382) Veja-se o § 80, acima. Conf. Didimo, obra citada,
n. 347.
§ 89 DA SERVITUS ACTUS
Extensão da servitus actos
1
. Tempo, logar e modo.—A extensão póde
ser maior ou menor, sob tres relações: a) de
tempo
b) de logar e
c) de modo (384)
$ 80
CAPITULO XI
§90
enuncião dos princípios geraes, que soffrem
limitações: respeitado o elemento essencial, ca-
racterístico ou typico desta especie de servitus.
Si as partes não respeitarem este elemento; si,
v. g, convencionarem que não passará gado
algum pelo caminho, mas mente pessôa, o
seu acto será valido, mas não terão constituído
a servidão actus, que tinham em vista consti-
tuir, mas sim, a servidão itineris. Pódem, pom,
convencionar que só passará tal especie de gado
ou de animal de carga, que não passará pessôa
a pé, etc. (
385
).
§ 90
Confronto da servitus actus com o iter e a via
1. Ponto de contacto. - O Jus eundi,
que constitúe a servitus itineris, é elemento que
entra no actus, em regra, e na via, sempre. Qui
actum habet, et iter habet, eoque uti potest etiam
sine jumento (
386
).
Et iter et actum in se continet via. Qui
viam habent, eundi agendi jus habent (
387
).
(385) Coelho da Rocha, Direito civil, § 96; Glück, obra
citada, § 677, vol. 8.°, pag. 284; frag. 4.°, § 1.°, Dig., liv. 8.°, tit.
6.°, quemadmodum servitutes amittuntur; frag. 13, Dig., lív. 8.°,
tit. l.°, (de Pomponio): 'Si tam angusti loci demon-stratione
facta, via concessa fuerit, ut neque vehiculum, neque jumentum
ea inire possit; iter magis, quàm via, aut actus adquisitus
videtur. Sed si jumentum ea deduci poterit, non etiam vehiculum,
actus videtur adquisitus» (§ 81, n 4, supra).
(386) Conf. o § 85, n. 6, supra; Gluck, obra citada, § 675,
vol. 8 °. pag. 274.
(387) Pr. Insts., liv. 2.°, tit. 3.°, de servitutibus ; frag 1.° pr.;
frag. 7.°, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus,, praediorum
rusticorum; Gluck, obra citada, § 686, vol. 8.°, pags. 270 e 280;
Didimo, obra citada, n. 346.
218
§91 ______DA SERVITUS ACTUS
Em regra, não ha servitus actus sem a
servtus itineris. O iter, porém, não lhe é elemento
essencial, como pretende Bonfante (
388
). pertence
ao numero dos que a technica denomina
naturalia (
389
).
Actus sine itinere esse potest, ut fructus
sine usa, diz Cujacio (390).
*
2. Ponto differencial.— O actus distan-cia-se
do iter, por conter, a mais, o jus agendi. E
distancía-se da via, por conter esta, a mais, o jus
vehendi e o de passagem de quanto convenha
ao seu titular (391).
A via contém o actus. Este não contém
aquella. Et iter ei actum in se continet via. Plus
est in acta, diz Cujacio, minus in itinere. Semper
via latior est quàm actus, diz o mesmo nota-vel
predecessor de Savigny. Plus est in via, minus
in actu: ut retro, plus est in acta, et minus in
itinere (
392)
§91
A.pplicação dos princípios geraes á servitus
actus
Os prinpios expostos constituem as nor-
mas especificas reguladoras do instituto das ser-
(388) Bonfante, obra citada, § 102, nota l.pag. 233.
(389) Glück, obra citada, § 675, vol. 8,°, pags. 269-71 e 276-
7 e nota m; Lagrange, obra citada, pag. 202.
(390) Cujacio, Opera omnia, vol. 3.°, col. 342, B. (391) Frag 12,
Dig., liv. 8.°, til. 3.°, de servitutibus prae-diomm rusticorum;
Gluck, obra citada, § 675, vol. 8.°, pag. 272 Donellus, Opera
omnia, vol. 3.°, col. 282, ns. 15 e 16 e notas. (
392
) Cujacio,
Opera omnia, vol. 5.°, col. 1171, C E D.
CAPITULO XI
§92
vidões de caminho, jura itinerum: servem de
chave para a solução das queses peculiares a
estas servidões. As outras queses, que costu-
mam occorrer no dynamismo da vida pratica,
nestas e outras servidões prediaes, têm a chave
de sua solução nos princípios geraes anterior-
mente expostos que, por isso mesmo, que o
geraes, m applicacão ás servidões de caminho,
razão por que foram lembrados nesta mono-
graphia.
§ 92 Modificações do
direito patrio
O direito patrio, adaptando-se á diversida-
de de costumes notada entre os do povo romano
e os nossos, operou leves modificações no di-
reito romano, attinentes ao assumpto. A taes
modificações já fizemos referencia acima (
393
).
Entre nós, a passagem de rebanhos per-
tence á mais ampla das tres servidões de ca-
dinho. A passagem de animal de carga pertence
á servidão média. Assim, vemos que o nosso
direito alterou algum tanto o conteúdo das
servidões de caminho romanas. E é certo que,
coherente, já não segue á risca a technologia
adoptada pelo direito romano nesta materia (
394
).
(393) Veja-se o § 84. Conf. Didimo, obra citada, n. 347.
(394) Mello Freire, Institutiones juris civilis lusitani, 5.ª edição,
Conimbricae, 1853, liv. 3.°, tit. 13, § 10, nota, vol. 3.°, pag. 221;
Lafayette, obra citada, § 130, n. 1, nota 2; Didimo, obra citada,
n. 347.
CAPITULO XII
Da servitus viae
SUMMARIO
§ 94. Noção da servitus viae.
§ 95. Natureza da servitus viae.
§ 96. Largura da servitus viae.
§ 97. Logar serviente na servitus viae.
§ 98. Extensão da servitus viae.
§ 99. Confronto da servitus viae com o iter
e o actus. § 100. Applicação dos
princípios gemes á
servitus viae. § 101. Modificações do
direito patrio.
§ 93 Noção da
servitus viae
1. Jus eundi, agendi e vehendi. - Esta é a
mais ampla das servidões de caminho, e
comprehende, como vimos, o iter e o actus.
Podemos definil-a syntheticamente, com Salivas
et Bellan, -o direito de passagem em toda a sua
extensão. Ou com Serafini e Arnò — o direito de
passar pelo predio do visinhod, o modo mais lato
possível.
O iter e o actus são elementos essenciaes
delia. E não são os unicos, pois esta especie de
servidão reune ainda o jus vehendi. Assim,
podemos definil-a analyticamente o direito
de passagem pelo predio do visinho, que com-
prehende :
CAPITULO XII
§ 93
a) o iter,
b) o actus, e
c) a faculdade de passar com carros de
qualquer especie, de arrastar pedras, traves e
transportar quaesquer outros materiaes de con-
strucção.
Justiniano define-a nas Instituías: Via est
jus eundi et agendi et ambuiandi: nam et iter
et actum via in se continet Ulpiano no Dig.:
Via est jus eundi, et agendi et ambuiandi:
nam et iter et actum in se via continet (
395
).
A lingua latina, com a sua admiravel con-
cisão, manejada pelos incomparaveis juriscon-
sultos classicos, cuja immortalidade está con-
sagrada no Corpus juris, nos offerece ensejo
para uma noção brevíssima da servitus viae e
correctamente completa. Eil-a: Via é o jus eundi,
agendi et vehendi.
Esta definição comprehende:
a) no jus eundi, o—iter;
b) no jus agendi,—o actus, e
c) no jus vehendi,—o elemento differen-
cial do conteúdo da via: as faculdades
que as outras especies não contêm (
396
).
(395) Pr. Insts., liv. 2.°, tit. 3,°, de servitutibus; frag. 1.º,
pr.; frag. 7.°, pr., Dig , liv. 8.°, tit. 3.°, de servitutibus praedio-
rum rusticorum; frag. 11, § 6.°, Dig., liv. 2.°, tit., 2.°; Gluck, §
676, vol. 8.°, pags. 279-84 e 287; Waldeck, obra citada, § 293;
Donellus, Opera omnia, vol. 3.§ col 282, n. 150, nota 7;
Theophilo, Paraphrase da Instituta, ao pr, liv. 2.°, tit. 3.°; Voet,
Ad Pandectas, liv. §.°, tit. 3.°, § 2.°; Ortolan, obra citada, vol.
2.°, ns. 451 e 452; Diditno, obra citada, n. 346, pag. 306.
(306) Conf. o § 77, n. 2, supra.
§ 94
DA SERVITUS VIAE
2. Accepções da palavra via. Tém
duas: significa o caminho e o direito de ser-
vidão de caminho, conforme ensina Ihering, no
Espirito do direito romano. A definão dada
toma a palavra via no primeiro sentido.
3. Sua genese.—Esta servidão foi o re-
sultado da ultima differenciação operada na
evolução dos jura itinerum. Seu apparecimento
é posterior á lei das XII taboas, porque esta
não lhe faz allusão, ao passo que fez ás outras
duas: iter e actus. E, pois, a mais nova das
servitutes itinerurm.
E' que as necessidades, a que ella veiu
satisfazer, se fizeram sentir mais tarde que as
necessidades, que produziram as suas anteces-
soras. As instituições surgem depois das neces-
sidades, que as exigem. Em nossos Ensaios de
philosophia do direito, tivemos occasião de
accentuar bem esta lei, que é commum a todas as
instituições normalmente estabelecidas.
§94
Natureza, da servitus viae
A servitus viae, não ha duvida, é uma ser-
vidão rustica, como o o as suas duas compa-
nheiras. As Instituías e as Pandectas ou Digesto,
são expressas nesse sentido (
397)
.
(397) Pr, Insts., liv. 2.°. tit. 3.°, de servitutibus; frag. 1.°,
Dig., liv. 8 °, tit. 3.°, de servitutibus praediorum rusticorum; Co-
gliolo, Storia del diritto privato romano, § 49, vol. 2.°, pags. 45-9.
CAPITULO XII
§95
§95 Largura da
servitus viae
1. E' determinada na lei.—Viae lati-
tudo ex lege duodecim tabularum, In porrectum
(em linha recta) octo pedes habet; in anfractum,
id est, ubi flexum est (nas curvas), sexdecim,
diz Gaio.
Em vernaculo: Segundo a lei das XII
taboas, a via deve ter oito pés de largura,
quando em tinha recta, e dezeseis pés nas cur
vas.
(398)
Dissemos ha pouco que a servitus viae é
posterior á lei das XII taboas. Mas o texto, que
acabamos de transcrever, parece destruir com-
pletamente tal affirmão. Entretanto, explica-se
perfeitamente a apparente contradicção.
No tempo da lei das XII taboas, existia a
via pública. É a esta é que se referia dita lei (
399
)
Os primeiros interpretes, pela notoria de-
ficiencia de dados historicos ácerca das insti-
tuições da antiguidade classica, cahiram, cremos,
no engano de acreditar que a lei das XII taboas
se referisse á servitus viae. O texto de Paulo
(
400
)- Via constitui vel latior octo pedibus, vel
angustior potest, ut ta-
(398) Frag. 8.°, Dig, liv. 8.°, tit. 3.º, de servitutibus prae-
diorum rusticorum; Salivas et Bellan, obra citada, vol. 1°,
pag. 504; Cogliolo, Storia del diritto privato romano, vol. 2.°,
§ 49, pags. 45-6.
(399) Cogliolo, Storia del diritto prtvato romano, § 49,
vol. 2.°, pags. 45-6.
(400) Frag. 23, pr., Dig., liv. 8.°, tit. 3.°, de servitatibus
praediorum rusticorum.
224
§§ 96 e
97
DA SERVITUS VIAE
men eam latitudinem habeat qua vehiculum ire
potest; alioquin iter erit, non via, este texto,
dizemos, comprova o que acabamos de avançar.
Glück é victima, parece-nos, daquelle engano,
quando, alludindo a este texto, exclama: E
todavia notavel o que a respeito da largura da
via, observa Paulo (401).
2. Essa medida é modificavel. - E' certo,
porém, que prevaleceu como verdade ter a
servidão viae sua largura fixada na lei: 8 s,
quando o caminho vai em linha recta, e 16 pés,
quando faz curva, podendo esta medida ser al-
terada no acto constitutivo da servidão, confor-
me os termos do citado texto de Paulo.
Oito pés correspondem a 2, m. 368 (402).
§96
Logar serviente na servitus viae A respeito a
materia deste §, isto é, noção do que seja locus
serviens, sua direão atravez do predio, sua
eslha, mudança, e domínio da-faixa de terreno
por onde elle passa, reporta-mo-nos ao que
deixámos exposto acima (
403
).
§97 Extensão da
servitus viae
Quanto á sua extensão, a servitus viae re-ge-
se pelos prinpios expostos a proposito das
(401) Gluck, obra citada, § 676, vol. 8.º, pag. 284. (402)
Cogliolo, Storia citada, § 49, pag. 46, nota 66. (403)
Veja-se o § 80, supra.
CAPITULO XII §§ 98, 99 e 100
outras duas servies de caminho, os quaes lhe
são perfeitamente applicaveis (
404
).
§ 98
Confronto da servitus viae com o
iter e o actus
Reportamo-nos ao que ficou dito nos dois
capítulos precedentes (
406
).
§ 99
Applicação dos princípios geraes á servitus
viae
As questões, que não fôrem susceptíveis
de solução em face dos princípios particulares
ás servidões de caminho, serão resolvidas com
o subsidio dos princípios gemes, dominadores
da theoria das servidões (
406
).
§ 100 Modificações do
direito patrio
1. Com relação á servitus viae.—O di-
reito brasileiro acceitou esta especie de servidão
de caminho, sem mudar a estructura e as func-
ções, que lhe dera o direito romano.
Segundo o nosso costume, a mais ampla
das servidões de caminho é, como vimos, a que
permitte a passagem de pessôa a pé, a cavallo,
de liteira, em carro, a passagem de rebanhos, e
(404) Vejam-se os §§ 81 e 89. .
(405) Vejam-se os §§ 82 e 90.
(406) Veja-se o § 91, acima.
§100
DA SERVITUS VIAE
o transporte de cargas e materiaes em vehiculos
rodantes (407).
Corresponde, portanto, á servitus viae.
2. Confronto das servidões de caminho do
direito romano com as do direito patrio.—O
seguinte quadro synoptico põe em relevo as
modificações que, em nosso direito, sof-freram as
tres servidões de caminho romanas,— iter, actus
e via, cuja theoria acabamos de expôr:
Direito romano:
a) Iter, passagem de pes-
sôa a pé, a cavallo ou
em liteira;
b) Actus, passagem de re-
banhos e animaes de
carga;
c) Via, passagem de carros
de toda a especie e
transporte de pedras,
traves e quaesquer ou-
tros materiaes de con-
strucção. Iter et actum
in se continet via.
(407) Lafayette, obra
citada, § 130, n. 1 e
notas ; Didimo, obra
citada, ns. 346 e 347.
(408) Nota anterior; Felício dos Santos, Projecto do co-
digo civil brasileiro, Rio de Janeiro, 1885, arts. 1256 e seguin-
tes: Coelho Rodrigues, Projecto do codigo civil. arts. 1568—71;
Clovis Bevilaqua, Projecto do codigo civil brasileiro, Rio de
Janeiro, 1902, ultima redacção, arts. 702 e seguintes.
Direito brasileiro:
a) Pass
agem de pesa a
pé;
b)
passagem de pesa a
cavallo, ou em liteira,
e passagem de animaes
de carga (cargueiros);
c) passagem de pessôa em
carro, passagem de re-
banhos, e transporte de
cargas e materiaes em
vehiculos rodantes (fi-
cando subentendida a
incluo, nesta ultima
servio, das faculda-
des concedidas nas duas
primeiras (408).
CAPITULO XII § 100
Desse quadro vemos que a primeira servi-
dão romana, a servitus itineris, foi pelo costume
patrio restringida, tornando-se menos onerosa.
O mesmo aconteceu com a segunda, a ser-
vitus actus. E o nosso costume é fundado em
bôa rao, como pondera Lafayette: para a pas-
sagem de pessôa a cavallo e de animaes de
carga, não se Téquer caminho tão largo como
para a passagem de rebanhos ou de materiaes
arrastados ou conduzidos em carros (409).
3. Afinal.Segundo pondera, com muitos
acerto, Savigny, para que a exposição da theo-
ria do direito romano apresente utilidade pra-
tica, deve ser acompanhada da indicação das
modificões soffridas pelo mesmo direito ro-
mano no seio das nações modernas. Obedecendo
a este sabio ensinamento do grande mestre, in-
dicámos as modificações operadas em nosso
direito, na theoria do direito romano attinente
ás servidões de caminho.
S. Paulo, 20 de julho de 1906.
(409) Lafayette, obra citada, § 130, n. 1, nota 5.
228
índice dos auctores e obras que consulmos
A
Agostinho de Bom Ferreira, Summa da Instituto,
com remissões ao direito de que esta se deduz. Orde
nações com que se conforma, e doutrinas praticas.
Lisboa, 1746, 4 volumes
Arnò, Delia distinziome tra servitu rustiche ed urbane,.Tori-
no, 1895, I volume.
Aubry et Rau, Coura dê droit civilfrançais, 4.º edição,, Paris,
1869, 8 volumes.
Bonfante, Istittuzioni di diritto romano, Firenze, 1889, 1
volume.
Bonjean, Explication methodique det Institutes de Justi-nien,
Paris, 1878, 2 volumes. Traité des actions. 2.ª edição, Paris,
1841, 2 volumes.
Borges Carneiro, Direito civil de Portugal, Lisboa, 1847, 4
volumes.
Cardoso, Praxis judicum et advocatorum, Coimbra, 1729. 2
volumes.
Carlos de Carvalho, Nova consolidação das leia civis Rio de
Janeiro, 1899, 1 volume.
Caepolla, De aervitutibua, Conimbriae, 1707, 1 volume
Clovis Bevilaqua, Projecto do codigo civil, Rio de Ja neiro,
1902, 8 volumes.
Coelho da Rocha, Direito civil portuguez, 11.ª edição
Coimbra, 1867, 2 volumes. Coelho Rodrigues, Projecto
do codigo civil, Rio de Ja
neiro, 1897, 1 volume.
ÍNDICE DOS AUCTORES
Cogliolo, Storia del diritto privato romano, Firenze, 1889, 2
volumes.
Filosofia del diritto privato, Firenze, 1888, 1 volume.
Saggi sopra 1'evoluzione del diritto privato, Torino, 1885,
1 volume.
Corrêa Telles, Digesto portuguez, Coimbra, 1836, 3 volumes.
Manual do processo civil, Coimbra, 1842, 1 volume.
Doutrina das acções, Lisboa, 1837, 1 volume
Traducção das Obrigações, de Pothier, Lisboa, 1849, 2 vo-
lumes.
Cortines Laxe, Regimento das camaras municipaes, 2.ª edição,
1885, 1 volume.
Cujacio. Opera omnia, Venetiis, 1758, 13 volumes.
D
DAguanno, La genesi e 1'evoluzione del diritto civile, Torino,
1890, 1 volume.
Dalloz, Répertoire, Paris, 1870,45 volumes.
Delgado, Collecção da legislação portugueza, Lisboa, 1826, 9
volumes.
Demangeat, Cours élémentqire de droit romain, 3.
a
edição, Paris,
1876, 2 volumes.
Dias Ferreira, Codigo civil portuguez annotado, Lisboa,
1870, 5 volumes.
Didimo, As servidões reaes. Rio de Janeiro, 1887,1 volume.
Direito, (revista), 100 volumes.
Domat, Oeuvres completes, edição Carré, Paris, 1821, 9 volumes.
Donnellus, Opera omnia, Lucae, 1763, 12 volumes.
E
Edmond Pieard, Le droit pur, Paris, 1899, 1 volume.
F
Felicio dos Santos. Projecto do codigo civil brasileiro, Rio de
Janeiro, 1885, 4 volumes.
LOBÃO
G
Gaio, Institutes, traduzidas e commentadas pro pellat,
Paris
1
844, 1 volume.
Gazeta Jurídica, de S. Paulo (revista), 40 volumes.
Gianzana, Le acqae nel dirittocivile italiano, Torino, 1879, 2
volumes.
Glück, Commentario alle Pandette, tradotto ed arricchito di
copiose note e confronti col codice civile del regno
d'ltalia. Direttori Filippo Serafini e Pietro Cogliolo,
Milano, 48 volumes.
Gravina, Opera, Venetiis, 1758, 2 volumes.
Guelfi, Enciclopédia giuridica, 3.ª edição, Napoli, 1885, 1
volume.
H
Hulot, La chef des lois romaines, Metz, 1809, 2 volumes.
I
Ihering, Vesprit da droit romain, traducção de Meule-
naere, 3.ª edição, Paris, 1886, 4 volumes. — Actio
injuriarum, traducção de Meulenaere, Paris, 1888,
1 volume.
J
José Mendes, Ensaios de philosophia do direito, S. Paulo,
1905, 2 volumes.
L
Lafayette, Direito das cousas, Rio de Janeiro, 1877,
2 volumes.
Lagrange, Manuel de droit romain, 8.ª edição, Paris, 1861,
1 volume.
Laurent, Príncipes de droit civil français. 5.ª edição,
Paris, 1893, 33 volumes.
Lobão, Aguas, Lisboa, 1861, 1 volume.
INDICE DOS AUCTORES
M
Macedo, Decisiones, Lisboa, 1660, 1 volume. Mackeldey,
Manuel de droit romain, traduzido do alle-mão por Beking, 3
a
edição, Bruxellas, 1846, 1 volume.
Marezoll, Précis d'un cours sur L'ensemblé du droit privé des
romains, traducção de Pellat, 2.ª edição, 1852, 1 volume.
Mazzoni, Istituzioni di diritto civile italiano, 3.ª edição, Firenze,
1880, 7 volumes.
Maynz, Cours de droit romain, 5.ª edição, 1891,3 volumes.
Mello Freire, Institutiones juris civilis lusitani, Coimbra, 1853, 7
volumes.
Merlin, Jurisprudence (Répertoire universel et raisonné de), 5.ª
edição, Paris, 1828, 18 volumes.
Miraglia, Filosofia del diritto, Napoli, 1893, 1 volume.
Mommsen, Histoire romaine, traducção de De Guerle, Paris, 7
volumes.
Mourlon, pétitions écrites sur le code civil, Paris, 1880, 3
volumes.
O
Ortolan, Explication historique des Institutes de l'empe-reur
Justinien, 12.ª edição, Paris, 1883, 3 volumes.
P
Pardessus, Traíté des servitudes, 3
a
edição, Paris, 1811, 1
volume.
Pêgas, Forenses, Lisboa, 1682, 7 volumes.
Pellat, Précis d'un cours sur l'ensemblé du droit privé des
romains, 2.ª edição, 1852, 1 "volume. — Institutes de
GAIUS, traducção e commentario, Paris, 1844,
1 volume.
Pereira do go, Direito administrativo brasileiro, Recife,
1877, 1 volume.
Pereira e Sousa, Primeiras linhas, edição port., Coimbra, 1872,
2 volumes. Diccionario jurídico, Lisboa, 1825 e 1827, 2
volumes.
Picard, Le droit pur, Bruxelles, 1899, 1 volume.
232
TEIXEIRA DE FREITAS
Pothier, Oeuvres, edição Bugnet, Paris, 1846, 10 volumes. —
Pandectes de Justinien traducção de Neuville, Paris, 1818,
26 volumes (com a Analyse ou índice, de Montalin).
Obrigações, traducção de Corrêa Telles, Lisboa, 1840, 2 vo-
lumes.
Revista Forense, de Bello Horisonte, 5 volumes.
Revista de Jurisprudencia, do Rio de Janeiro, 22 volumes.
Revista Mensal, de S. Paulo 9 volumes.
Ribas, Da posse, Rio de Janeiro, 1883, 1 volume. —
Consolidação do processo civil, Rio de Janeiro, 1879, 2 vo-
lumes.
Salivas et Bellan, Êléments de droit romain, Paris, 2
volumes.
Savigny, Système de droit romain, traducção franceza de
Guenoux, 1855, 8 volumes. —Traité de la possession en
droit romain, traducção de Stned-
tler. 7.ª edição, Paris, 1866, 2 volumes.
São Paulo Judiciario (revista), de S. Paulo, 10 volumes.
Schulting, Notae ad Digesta seu Pandectas, Lugduni, 1809,
8 volumes.
Serafini, Istituzioni di diritto romano, 3.ª edição, Firenze,
1889, 1 volume. Solon, Traité des servitudes réelles,
Paris, 1837, 1 volume. Strykio, Opera omnia, Francfort, 1743,
15 volumes.
Sousa Pinto, Doutrina das acções accommodada ao fôro do
Brasil, Rio de Janeiro, 1879, 1 volume.
Sumner Maine, L'ancien droit, traducção de Courcelle
Seneuil, 1 volume.
Teixeira de Freitas, Consolidação das leis civis, 3.ª edição,
Rio de Janeiro, 1876, 1 volume.
Doutrina das acções accommodada ao fôro do Brasil, Rio
de Janeiro, 1880, 1 volume.
233
INDICE DOS AUCTORES
Tissot, Le trésor de Vancienne jurisprudence romaine,
traducção, Metz, 1811, 2 volumes.
Troplong, Droit civil expliqué, 4.ª edição, Paris, 1845, 28
volumes.
V
Van Wetter, Cours, élémentaire de droit romain, 3.ª
edição, Paris, 1893, 2 volumes. — Traité de la
possession en droit romain, Paris, 1868,
1 volume.
Visconde do Uruguay, Direito administrativo, Rio de Janeiro,
1862, 2 volumes.
Voet, Ad Pandectas, 1735, 2 volumes.
W
Waldeek, Institutiones juris civilis, Conimbricae, 1849, 1
volume.
z
Zacharise, Le droit civil français, Paris, 1855, 5 volume
234
índice dos capítulos
Capitulo I
SECÇÃO I
SECÇÃO
II
SECÇÃO
III
Capitulo II
Capitulo
III
Capitulo
IV
Capitulo
V
Capitulo
VI
SECÇÃO I
SECÇÃO
II
Capitulo
VII
SECÇÃO
I
SECÇÃO
II Capitulo
VIII Capitulo
IX
SECÇÃO I
SECÇÃO II
SEÃO
III
Capitulo X
Capitulo
XI
Capitulo
XII
PAGS.
Noções preliminares :
Das servidões em geral................ 3
Das servidões reaes...................... 14
Das servidões rusticas.................. 21
Das servidões de caminho— Pre-
liminares . . ,...... 25
- Princípios fundamentos communs ás
servidões de caminho . . . . 39
Direitos e onus Inherentes ás
servidões de caminho..................
43
Da quasi-nosse das servidões de
caminho.................................... .
53
— Da constitituição das servidões
de caminho:
Quem póde constituir servidão
de caminho? ........................... .
63
—Quem póde adquirir servidão de
caminho ?....................................
63
—Da constituição das servidões de
caminho—Modos de constituição:
Modos de constituição por con-
sentimento do proprietario . . .
77
Modos de constituição sem con
sentimento do proprietario ...
93
— Da extincção das servidões de
caminho . . . .....................
139
—Das acções relativas ás servidões
de caminho:
—Das acções tendentes a constituir
servidões de caminho ................
151
—Das acções petitorias .................
152
—Das acções possessorias ....
180
—Da servitus itineris.....................
191
—Da servitus actus .......................
211
—Da servitus viae .........................
221
Indice analytico
Capitulo I
Noções pr e l i mi n a r e s
SECÇÃO I Das
servidões em geral
PAGINAS
§ 1.° Noção de servidio em geral
3
§ 2.° Divisão das servidões em geral . . . 7
§ 3.° Princípios fundamentaes communs a todas as
servidões .......................................................... . 9
SECÇÃO II
Das servidões reaes
§ 4.° Noção de servidão real ................................................ 14
§ 5.° Divisão das servidões reaes. . ....................14
§ 6.° Princípios fundamentaes communs ás servi
dões reaes............................................................................... 16
SECÇÃO III
Das servidões rusticas
§ 7.° Noção de servidão rustica..................................... 2 1
§ 8.° Especies de servidões rusticas ................................ 23
Capitulo II
Das servidões de caminho. Preliminares
§ 9.° Noção de caminho. .
§ 10. Divisão dos caminhos
§ 11. Genese das servidões de caminho.
§ 12. Noção de servidão de caminho. .
§ 13. Evolução das servidões de caminho
25
26
29
31
31
ÍNDICE ANALYTICO
PAGINAS
§ 14. Importancia das servidões de caminho ... 34
§ 15. Natureza do conteúdo das servidões de caminho 35
§ 16. As servidões de caminho são servidões positivas 35
§ 17. As servidões de caminho sSo descontinuas . . 37
§ 18. As servidões de caminho, em regra, são appa-
rentes , ............................................................... 38
Capitulo III
Princípios fundamentaes communs ás
servidões de caminho
§ 19. Non debet, cai plus licet, quod minas est non
licere .................................................... 39
§ 20. As servidões de caminho in solo consistunt 40
§ 21. A quem incumbem as despesas com a abertura
e conservação dos caminhos ? ... 40
§ 22 A quem incumbe a prova das servidões de ca
minho ?................................................................ 41
Capitulo IV
Direitos e onus inherentes ás servidões de
caminho
§ 23 Aos direitos do titular das servidões de caminho não
correspondem obrigações pessoaes 43
§ 24. Concurso de obrigações pessoaes com os onus 46
§ 25 Os direitos e onus não são propriamente dos
predios, mas de seus proprietarios . . . 47
§ 26. enumeração dos direitos do titular das servi-
dões de caminho.................................. 48
§ 27. Enumeração dos onus do proprietario do predio
serviente, nas servidões de caminho . . 50
§ 28. Obrigações propter rem ........ 52
Capitulo "V
Da quasi-posse das servidões de caminho
§ 29 Noção da quasi-posse das servidões de caminho 53
§ 30. Princípios reguladores da quasi-posse das servi
dões de caminho. . . . 55
§ 31. Elementos da quasi posse das servidões de ca-
...................................., .56
§ 32. Protecção da quasi-posse, independente de direi
to preexistente . . , ... 58
§ 33. Direitos reaes susceptíveis de quasi-posse . . 59
CAPITULO VII
PAGINAS
§ 34. Acquisição e perda da quasi-posse das servi-
does de caminho. . . 59
§ 35. Effeitos da quasi-posse das servidões de cami-
nho................................................................... 61
Capitulo VI
Da constituição das servidões de caminho:
quem póde constituir e quem pôde
adquirir.
SECÇÃO I
Quem póde constituir servidão de caminho?
§ 36 O proprietario do predio semente ............................... 63
§ 37. O proprietario do domínio resoluvel. . 64
§ 38. O nú-proprietario. . ................................................. 64
§ 39. O proprietario do domínio util.................................... 65
§ 40 Os comproprietarios do predio indiviso . . 65
§ 41. O proprietario do predio já gravado de servidão 67
SECÇÃO II Quem p´pde adquirir
servidão de caminho ?
O proprietario do predio dominante .... 68
O proprietario do domínio resoluvel. ... 69
O proprietario do predio sujeito a usufructo 69
Servidão de caminho em favor de terceiro. . 70
Os comproprietarios de coisa indivisa . 70
O proprietario exclusivo e comproprietário 72
O proprietario de dois predios vendidos, um
entregue, outro não, póde adquirir servidão de
caminho sobre aquelle, em proveito deste . 73
Legado de servidão de caminho e de predio
Acquisição por mandatário 75
Direito patrio . 75
Capitulo VII
Da constituição das servidões de caminho.
Modos de constituição
SECÇÃO I
Modos de constituição por consentimento do
proprietario
§ 52. Divisão geral dos modos de constituição das
servidões de caminho ......................................
77
§ 53. Convenção e testamento..................................................
78
§
42
§
43
§
44
§
45
§
46
§
47
§
48
§
49
§
50
§
51
ÍNDICE ANALYTICO
PAGINAS
§ 54. Translatio e deductio. . ..........................78
§ 55. A) Constituição das servidões de caminho por
convenção ... ............................... 79
§ 56. B) Constituição das servidões de caminho por
testamento . . . . . . . . . . . . 87
SECÇÃO II
Modos de constituição sem consentimento do
proprietario
§ 57. Lei, adjudicação e prescripção acquisitiva . 93
§ 58. C) Constituição das servidões de caminho pela
lei: servidão legal de transito de predio en
cravado .... .................................................... 94
§ 59. D) Constituição das servidões de caminho pela
adjudicação.......................................................... 114
§ 60. Direito patrio . . .......................... 122
§ 61. E) Constituição das servidões de caminho pela
prescripção acquisitiva ........................................ 124
Capitulo VIII
Da extincção das servidões de caminho
§ 62 Causas extinctivas das servidões de caminho 139
§ 63. Remissão ou renuncia da servidão . 139
§ 64 Confusão . . . . . . . . . . . 142
§ 65 Destruição de um dos prédios em relação de
servidão. ... . ... 145
§ 66 Resolução do domínio do prédio serviente . 146
§ 67. Prescripção extinctiva .... . . 147
§ 68. Direito patrio ........................... . . . . 150
Capitulo IX
Das acções relativas ás servidões de
caminho
SECÇÃO I
Das acções tendentes a constituir servidões de caminho
(acções pessoas)
§ 69 Classificação das acções relativas ás servidões
de caminho, . .............................. 151
§ 70. Quaes são essas acções ?....................................... 152
CAPITULO XI
SECÇÃO II
Das acções petitoras
§ 71. Acção confessoria. .....................................152
§ 72 Acção negatoria 158
§ 73. Acção negatoria no direito patrio . 163
§ 74. Acção publiciana ......................................164
SECÇÃO III
Das acções possessorias
75. Interdicto de itinere actuque privato .180
76. Interdicto de itinere actuque reficiendo ... 188
§
77
§
78
§
79
§
80
§
81
§
82
§
83
§
84
Capitulo X
Da servitus itineris
Noção da servitus itineris.......................................... 191
Natureza da servitus itineris...................................... 195
Largura da servitus itineris. 199
Logar serviente na servitus itineris . . 200
Extensão da servitus itineris .... 204
Confronto da servitus itineris com o actus e a
via............................................................................ 207
Applicação dos princípios geraes á servitus
itineris . ............................................................... 208
Modificações do direito patrio .................................. 208
Capitulo XI
Da servitus actus
§ 85 Noção da servitus actus..................................... 211
§ 86 Natureza da servitus actus........................... 215
§ 87 Largura da servitus actus............................. 216
§ 88 Logar serviente na servitus actus. 216
§ 89 Extensão da servitus actus. 217
§ 90 Confronto da servitus actus com o iter et via 218
§ 91 Applicação dos princípios geraes á servitus
actus. ...... ............................................................. 219
§ 92 Modificações do direito patrio.......................... 220
INDICE ANALYTICO
Capitulo XII
Da Servitus viae
PAGINAS
§ 93. Noção da servitus viae ............................................ 221
§ 94. Natureza da servitus viae ....... 223
§ 95. Largura da servitus viae. ....... 224
§ 96 Logar serviente na servitus viae ..... 225
§ 97. Extensão da servitus viae ....... 225
§ 98. Confronto da servitus viae com o iter e o actus 226
§ 99 Applicação dos princípios geraes á servitus viae 226
§ 100 Modificações do direito patrio ...... 226
242
ERRATAS
Pags.
Linhas
7 0
7
10
9
23
10
13 e 14
10
14 e 15
24
27
25
25
33
8
39
28
41
18
51
21 e 22
54
19
56
ia
72
2
72
23
80
33
86
6
10
11
10
22
11
29
12
10
13
14
14
7 e 8
14
30
14
28
15
14
15
12
15
22
16
25
18
5
18
5
18
15
19
31
19
17
19
9
20
4
20
22
20
5
20
33
20
7
21
35
22
4
22
13
22
22
22
11
22
7
Erros
abstractos
concretos, que
não consiste
positiva vel affirmativa
negativa vel prohibitiva
pastores
o nome
indistictamente
rustico
abertura
isto prejudicar
a propriedade
Podemos
nutilis
Pothier
129 31
(As
le
pagamemento
vedetur
aquaducto
v. g., se:
cesse, depois
dotati
supratrasncrípta.
contra quer
declare estar
Os termo, sem que
aité
possdietis
Quo etinere
violencia
Arno
liteira)
hautus
propriatarios
costumes patrio
que á servidão
e o § 55
contracto
servitutibus,
§ 94
§ 101
visinhod, o
fez que
Emendas
concretos
abstractos; aquelles a
servidão não consiste
negativa vel prohibitiva
positiva vel affirmativa
de pastores é
o nome
indistinctamente
rustico— a
abertura si isto
prejudicar
a propriedade ou a coisa
2. Podemos
inutilis
Pothier
129-31
As
liei
pagamento
videtur
aqueducto
I v.
g.:
cesse depois,
dotati
supratranscripta (252)
contra quem quer
declare esta
Os termos, em que
Traité
possidetis
Qui itinere
violencia
Arnò
(liteira)
haustos
proprietqrios
costumes pqtrios
que dá servidão
o § 55
contacto.
servitutibus
§ 93.
§'100.
visinho, do
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