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Objetivos e desafios da política exterior argentina
2 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
2
ESTRATÉGIA POLÍTICA
D E P
DIPLOMACIA
Editor
Carlos Henrique Cardim
Endereço para correspondência:
Revista DEP
Caixa Postal 2431
Brasília, DF – Brasil
CEP 70842-970
revistadep@yahoo.com.br
www.funag.gov.br/dep
A revista DEP – Diplomacia, Estratégia e Política é um periódico trimestral,
editado em português, espanhol e inglês, sobre temas sul-americanos, publicado no
âmbito do Projeto Raúl Prebisch, com o apoio do Ministério das Relações
Exteriores (MRE/Funag – Fundacão Alexandre de Gusmão), do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), da Eletrobrás, da Petrobrás,
da Construtora Norberto Odebrecht S. A. e da Andrade Gutierrez S. A.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
DEP: Diplomacia, Estratégia e Política / Projeto Raúl Prebisch
no. 4 (abril/junho 2006) – . Brasilia : Projeto Raúl Prebisch, 2006.
Trimestral
Editada em português, espanhol e inglês.
ISSN 1808-0480
1. América do Sul. 2. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela.
I. Projeto Raúl Prebisch.
CDU 327(05)
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DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Jorge Taiana
3
D E P
DIPLOMACIA ESTRATÉGIA POLÍTICA
Número 4 Abril / Junho 2006
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16
28
44
66
86
101
Sumário
Objetivos e desafios da política exterior argentina
Jorge Taiana
Bolívia, fator de integração
Evo Morales
Desafios e perspectivas da economia brasileira
Paulo Skaf
Programa de governo (2006-2010)
Michelle Bachelet
A armadilha do bilateralismo
Germán Umaña Mendoza
A Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (Otca): um desafio permanente
Rosalía Arteaga Serrano
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe:
um potencial que encontra a sua oportunidade
Peter R. Ramsaroop
Eric M. Phillips
Objetivos e desafios da política exterior argentina
4 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
4
120
134
155
169
206
232
A encruzilhada política paraguaia
Pedro Fadul
A grande transformação
Ollanta Humala
Suriname, uma visão macroeconômica:
desafios e perspectivas
André E. Telting
A inserção externa do Uruguai:
uma visão política e estratégica
Sergio Abreu
“Há um outro mundo, e está neste”
José Vicente Rangel
Pedro Lira
Milan Ivelic
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Jorge Taiana
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esde que assumiu a presidência da Nação, em 25 de maio de 2003, o
Presidente Kirchner promoveu a recuperação e reafirmação dos princípios sobre
os quais se fundamentou historicamente a política exterior argentina. Princípios por
vezes ignorados por alguns governos constitucionais e violados durante as ditaduras.
Esses princípios fundamentais são: o respeito, a promoção dos direitos
humanos, a democracia, a vigência do direito internacional, o multilateralismo,
a busca de consensos, a não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados
e a solução pacífica dos conflitos.
Com base nesses princípios, a República Argentina participa ativamente no
cenário internacional, com o objetivo de contribuir para a construção de um mundo
mais seguro, estável e eqüitativo, buscando consensos orientados para o fortalecimento
do direito internacional, da forma democrática de governo, da promoção dos valores
associados à paz internacional e do respeito pelos direitos humanos.
Objetivos e desafios
da política exterior
argentina
Jorge Taiana
*
* Ministro das Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto da República Argentina.
webmaster@mrecic.gov.ar
D
Objetivos e desafios da política exterior argentina
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6
Dentro desse quadro conceitual, a Argentina promove a sua inserção
internacional, centralizada em um projeto de país aberto para o mundo, embora
de forma realista – no contexto de políticas de preferência regional,
fundamentalmente por meio do Mercosul – e de políticas flexíveis ajustadas às
circunstâncias do ambiente internacional.
Nesse caminho, o aprofundamento da nossa aliança regional nos torna mais
fortes, permitindo-nos aprimorar a inserção da Argentina no mundo e ampliar
nossa voz nos diferentes foros multilaterais.
O multilateralismo é considerado pelo governo argentino como o
instrumento mais eficaz para alcançar a paz e a segurança internacionais, e para
enfrentar desafios, tais como: pobreza, terrorismo, corrupção, delinqüência
transnacional organizada e narcotráfico.
É assim que deve ser entendida a permanente intervenção argentina nos diversos
foros e organismos internacionais. É este o caso, entre muitos outros, da tradicional
participação no Conselho de Segurança, na condição de membro não-permanente
(que a Argentina exercerá, nesta oportunidade, até dezembro de 2006), com a
preocupação de contribuir para a construção de consensos regionais e globais.
Neste sentido, cabe assinalar que durante o mês de março a Argentina exerceu
a presidência daquele órgão, e promoveu um debate aberto sobre o Haiti, do
qual participaram numerosos atores empenhados em conseguir uma melhoria
da situação política e social daquele país. Nessa reunião ficou demonstrado uma
vez mais, o esforço ativo que temos desempenhado no processo de pacificação
e institucionalização, por meio da Missão das Nações Unidas no Haiti (Minustah),
um dos países do Caribe mais afetados pela pobreza.
Emanada do Conselho de Segurança, essa missão tem objetivos
humanitários e de estabilização social, com a finalidade de assegurar as condições
para que o Haiti possa retomar o caminho que leva à democracia. Argentina,
Brasil, Chile e Uruguai têm exercido um papel protagônico nessa missão,
testemunhando a livre e transparente manifestação eleitoral do povo haitiano.Vale
destacar que Préval, o Presidente eleito, solicitou à Argentina, ao Brasil e ao
Chile sua cooperação além da Minustah, em políticas tendentes a fortalecer a
governabilidade democrática, que permitam construir um caminho para o
desenvolvimento do seu país.
Em matéria de segurança internacional, a Argentina mantém seu trabalho
permanente em favor da não-proliferação e do desarmamento nuclear, nos foros
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e organismos internacionais especializados. Por outro lado, no que diz respeito
aos usos pacíficos da energia nuclear, aprofunda-se a promoção e o apoio às
atividades de exportação do setor nuclear argentino, que se encontra em pleno
processo de expansão.
A luta contra o terrorismo ocupa outro lugar destacado na política exterior
do nosso país, que reiterou sua firme posição diante desse flagelo, no âmbito
das Nações Unidas, qualificando as ações terroristas como criminosas e
injustificáveis. Não existem razoes raciais, ideológicas ou de qualquer outra
natureza que possam justificar o assassinato de civis inocentes. Para enfrentar o
terrorismo é fundamental contar com o compromisso e o apoio das nações, no
quadro do respeito do direito internacional e dos direitos humanos.
Para a Argentina, a promoção e a proteção dos direitos humanos se
converteu tanto em uma política de Estado, em nível interno, quanto em uma
constante da sua política exterior.
Nosso país é um ator ativo no debate e nos desenvolvimentos sucessivos
nesta matéria, nos diferentes foros internacionais. O Governo do Presidente
Kirchner está convencido de que o respeito irrestrito dos direitos humanos
garante a plena vigência das instituições democráticas e do estado de direito,
contribuindo assim para assegurar tanto a paz quanto a segurança internacionais.
Por outro lado, o nosso Governo considera de suma importância a luta contra
o narcotráfico e a prevenção do consumo de drogas, dando força a todas as ações
regionais e internacionais que contribuam para o combate, controle, eliminação do
tráfico de drogas e a prevenção de seu consumo, sob o princípio da responsabilidade
compartilhada entre os países produtores, consumidores e de trânsito.
Constitui um objetivo permanente e irrenunciável da nossa política exterior
o firme compromisso de trabalhar pela recuperação do pleno exercício da
soberania sobre as Ilhas Malvinas, Geórgias do Sul, Sandwich do Sul e os espaços
marítimos circundantes, por meio de uma solução pacífica, em conformidade
com o direito internacional e respeitando o modo de vida e os interesses dos
habitantes dessas ilhas. Esse objetivo permanente é na Argentina uma política
de Estado que responde ao desejo coletivo do povo argentino.
Com base na premissa de que a política exterior esta associada de forma
indissolúvel ao projeto de país que queremos construir, o Governo argentino
tem o compromisso de trabalhar, juntamente com outras nações, na luta contra
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a fome e a pobreza, na forma dos organismos internacionais de crédito, a
eliminação das barreiras aduaneiras e para-aduaneiras impostas aos produtos
dos países menos desenvolvidos, o perdão da dívida externa dos países mais
pobres ou sua troca pela educação, a luta contra o terrorismo e o tráfico ilegal
de bens e pessoas.
A Argentina pretende, assim, manter relações sérias, amplas e responsáveis
com os países integrantes do concerto mundial das nações, com base no
reconhecimento dos seus pontos comuns e o respeito às suas diferenças.
Em cada um dos foros internacionais reafirmamos a nossa determinação
de não renunciar, no campo de nossa política exterior, à autonomia das nossas
decisões e a participar de modo ativo e construtivo em favor de uma ordem
mundial mais democrática e eqüitativa.
Privilegiamos, particularmente, a construção e o fortalecimento de uma
América Latina integrada e consolidada com base na democracia e o pleno
respeito à defesa dos direitos humanos.
Essa posição se expressa na participação ativa demonstrada pela Argentina
e todos os foros que promovem uma ação comum frente à problemática própria
dos nossos países, como o Grupo do Rio, a Cúpula Iberoamericana, as
negociações da América Latina e do Caribe com a União Européia, entre outros.
A Argentina promove, além disso, a tendência a uma expressão unívoca da
América Latina naqueles âmbitos multilaterais onde seja possível modificar de
forma favorável a situação relativa dos nossos países, tais como: a Cúpula das
Américas, o G-20 e o Conselho de Segurança das Nações Unidas, para citar
alguns exemplos recentes.
Efetivamente, durante a década de 90, houve na região – em termos gerais e
reconhecendo as diferenças de cada país – uma fase de crescimento econômico
sustentado e de abertura comercial que não só não conseguiu sanar o grave e profundo
hiato social existente, mas que como no caso do nosso país, o agravou a níveis nunca
experimentados. Assim, a despeito dos progressos realizados em matéria de
pacificação, direitos humanos e vigência do estado de direito, a pobreza, a doença e
o analfabetismo de amplos setores de nossos povos, assim como as recorrentes
crises de governabilidade, continuaram a marcar a fisionomia da América Latina.
Com o início deste século, em vários âmbitos multilaterais se tornou explícito
o consenso regional a respeito de que, embora o crescimento econômico seja
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indispensável, por si só não é suficiente para resolver esses problemas. Ao mesmo
tempo se reconheceu que os progressos feitos em matéria de liberdades cívicas
e de vigência do estado de direito correm perigo quando não são acompanhados
com igual plenitude pelos direitos econômicos e sociais.
Dessa perspectiva, na última cúpula das Américas, realizada na cidade
argentina de Mar del Plata, o continente adotou como objetivo “Criar trabalho
decente para enfrentar a pobreza e fortalecer a governabilidade democrática”,
aludindo assim à convicção sobre o respeito à dignidade e advertindo que a
justiça social é o melhor sustentáculo da democracia.
Associado igualmente à exigência do direito ao desenvolvimento, um grupo
preeminente de países latinoamericanos, o qual inclui a Argentina com Bolívia,
Brasil, Chile, Cuba, México, Paraguai e Venezuela, além de países da Ásia e da
África, solidários com as mesmas demandas, que aturam na Organização Mundial
de Comércio em busca de uma melhor inserção dos seus produtos no mercado
dos países mais desenvolvidos.
De outro lado, no processo de aprofundamento da integração regional, o
Mercosul – bloco do qual a Argentina é um dos membros fundadores – avançou
em aspectos que excedem o meramente comercial. Chamado “Mercosul político”
experimentou uma evolução incessante, marcadamente positiva, ao mesmo
tempo em que o aspecto multidimensional do processo integrador ganha força.
O Protocolo de Ushuaia, de 1998, condiciona a participação de seus Estados-
membros à condição de plena vigência das instituições democráticas, e
ultimamente se avançou em uma cláusula complementar: o Protocolo de
Assunção, sobre o Compromisso com a Promoção de Proteção dos Direitos
Humanos do Mercosul.
O caráter multidimensional assinalado foi plasmado nos compromissos
emanados do Foro de Consulta e Concertação Política (Fccp), por meio de reuniões
de Ministros de Cultura, Desenvolvimento Social, Educação, Interior e Justiça,
assim como das reuniões especializadas sobre a Mulher, Municípios e Prefeituras,
autoridades de aplicação em matéria de droga e de reabilitação de dependentes.
A essas reuniões se juntam diversos Grupos de Trabalho que, devido à sua
temática estratégica para a região, demonstram a importância que o “Mercosul
político” – o Mercosul da cidadania – está assumindo na vida diária dos
habitantes da região. Até o momento esses Grupos tratam de assuntos consulares
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e jurídicos, registro comum de automóveis e seus condutores, armas ligeiras e
de pequeno porte, direitos humanos, defesa pública e auditoria interna.
Além disso, o Fccp tem como sua incumbência o Diálogo Político extra
Mercosul, que neste momento relaciona o nosso bloco com a União Européia e
com a Rússia, ao mesmo tempo em que são projetados outros níveis de
relacionamento com terceiros países ou blocos.
É necessário lembrar que, além da importância qualitativa do “Mercosul
político”, o bloco abrange não só os países fundadores – Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai, mas como os que são caracterizados como Membros
Associados, tais como: Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela,
este último em processo de incorporação como Membro Pleno.
Esta vocação argentina pela integração regional se formou em nível
constitucional a partir da Reforma de 1994. A adaptação jurídica e institucional
do nosso país aos compromissos assumidos no Mercosul nos permitiu atuar
com grande celeridade na internalização da normativa, com a sua integração a
nosso acervo legal.
Um bom exemplo é o Programa Pátria Grande de regularização da situação
migratória dos estrangeiros que são cidadãos dos Estados-membros do Mercosul
e dos seus Estados associados. O Governo argentino o executou unilateralmente,
de modo a facilitar a tramitação para obter residência legal no nosso país,
baseando-se no reconhecimento da nacionalidade de um dos países da região e
adotando a boa fé como princípio matriz do Programa.
Deste modo, a Argentina atualiza sua proverbial generosidade com relação
aos estrangeiros – que em 1853 já constava do Preâmbulo da Constituição
Nacional – firmando-se no seu principal âmbito regional.
Desta forma, a Argentina é uma promotora incansável dos projetos de
fortalecimento e atualização institucional que expressem a potencialidade do
Mercosul, além dos seus aspectos comerciais. O dinamismo demonstrado pelo
Fccp e o impacto que têm para os habitantes da região os compromissos
emanados do seu âmbito nos leva a equilibrar o claro traço mercantil que a
formalização institucional dos anos noventa imprimiu à estrutura do Bloco.
Hoje, os grandes espaços regionais que abarcam totalmente o território da
América do Sul – a Comunidade Andina de Nações e o Mercosul – se encontram
em um possível processo de convergência, com a tendência a fundir-se em uma
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Comunidade Sul-Americana de Nações. Não obstante, a Argentina observa com
prudência a eventual duplicação de funções e de reuniões com os blocos
preexistentes, assim como a divergência de compromissos com os Estados Sul-
Americanos signatários de tratados de livre comércio com terceiros países.
No plano da vocação irrecorrível do nosso país com respeito a uma
integração regional mais plena e profunda, o Governo do Presidente Kirchner
promove também o fortalecimento das relações bilaterais com países como o
Brasil, Chile, Bolívia, México e Venezuela.
A recente celebração do vigésimo aniversário da Declaração de Iguaçu,
assinada pelos presidente Alfonsín e Sarney em 30 de novembro de 1985,
proporcionou o cenário indicado para pôr em funcionamento mecanismos
destinados a revitalizar o relacionamento bilateral entre a Argentina e o Brasil.
Nessa oportunidade, os presidentes Kirchner e Lula assinaram o
Compromisso de Porto Iguaçu: Desenvolvimento, Justiça e Integração –
documento conceitual de forte conteúdo político que contextualizou os 23
protocolos e declarações que implicam o início de um novo ciclo na relação
bilateral, por representarem a concretização da vontade política de integração,
cooperação e coordenação bilateral, e também porque comprometem os dois
governos a promover um número significativo de trabalhos e projetos destinados
a aprofundar, atualizar e acelerar os vínculos entre os dois países.
Na há dúvida sobre a responsabilidade principal que têm esses países para
avançar no sentido da integração regional. As decisões e iniciativas que conduziram
à realização da Segunda Cúpula de Iguaçu, assim como os compromissos e ações
conjuntas dela resultantes aprofundam os âmbitos de integração e cooperação já
existentes e progridem no sentido do desenvolvimento de outros. O objetivo,
assim, não é apenas integrar nossas sociedades, mas também abrir novos caminhos
que sejam percorridos junto aos demais países da região.
Por outro lado, nossa consciência histórica nos leva reconhecer a
responsabilidade dos dois maiores Estados do Cone Sul não abrange apenas o
relacionamento bilateral. Como efeito, a integração entre a Argentina e o Brasil
é a base e o motor do processo de integração do Mercosul, que por sua vez, é a
sustentação e a energia da integração da América do Sul.
No que se refere à relação com a República do Chile, podemos afirmar que
desde a recuperação da democracia nos dois países, avançamos em muitos eixos
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12
de interesse. Nos últimos anos o vínculo bilateral evidenciou uma aproximação
e um aprofundamento sem antecedentes na sua história comum. A Argentina e
o Chile se reconhecem como aliados estratégicos e compartilham uma clara
vocação pela paz, amizade e promoção da democracia e dos direitos humanos.
As relações entre a Argentina e o Chile atravessam um dos melhores momentos
na sua história, sendo de esperar uma agenda cada vez mais rica e benéfica para
os dois povos.
Com relação à Bolívia, nos congratulamos por ver superada a crise
institucional que tanto preocupava a região e que punha em segundo plano o
habitual relacionamento bilateral. A Argentina e o Brasil em especial deram
mostras evidentes da sua solidariedade com o povo boliviano, assim como o
apoio e respeito pelo processo constitucional. A Argentina está trabalhando em
questões de interesse particular para o país do Altiplano, como por exemplo a
melhoria da situação atravessada pela numerosa comunidade boliviana existente
no nosso país. De outro lado, a Argentina e os outros Membros do Mercosul
sustentam que o ingresso da Bolívia como Membro Pleno do Bloco será
auspicioso.
Neste sentido, a Venezuela se encontra um passo adiante, já em processo
de adesão completa ao Mercosul. O que não faz senão aprofundar as
coincidências que no plano bilateral a Argentina alcançou no crescimento do
comércio e dos investimentos conjuntos com esse país – um dos primeiros a
confiar na nossa recuperação econômica.
Com respeito ao México, a distância geográfica não pode ocultar a estreita
identidade cultural que o une à Argentina. Sem precisar ir tão longe na história
para refletir a influência que teve na política argentina a Revolução desse país,
basta lembrar a generosidade do Estado e do povo mexicano com nossos asilados
e exilados políticos da última ditadura. Assim, o México foi não só uma terra de
paz, de estudo e de trabalho para muitos compatriotas como se transformou
em esperança de vida naqueles momentos difíceis. Essa relação profunda está
hoje refletida no Foro Argentina-México, cujo objetivo é entrelaçar nossas
comunidades em projetos vantajosos para os dois países.
Em matéria econômica e comercial, o principal objetivo da nossa política
exterior é conseguir uma inserção inteligente na economia internacional. É o
que esperamos alcançar com um projeto de país justo, de sociedade eqüitativa,
inclusiva, produtiva e moderna.
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A Argentina de hoje pode exibir uma recuperação econômica significativa
sustentada em quatro pilares: superávit na balança comercial, fiscal e de conta
corrente; tipo de câmbio flexível, embora estável; política monetária previsível
e diversificação comercial, em termos de produtos e mercados. Em 2005, o
superávit da balança comercial foi de aproximadamente 12 bilhões de dólares, a
despeito de uma situação de constante incremento das nossas compras externas,
devido à recuperação que mencionamos.
A abertura e o aproveitamento efetivo de novos mercados aparece como
um dos objetivos centrais. Para alcançá-lo, trabalha-se em duas frentes relacionadas
entre si: a negociação econômico-comercial e o desenvolvimento da inteligência
dos mercados, para concretizar efetivamente essas novas oportunidades negociadas.
Mas uma integração inteligente deve ter necessariamente como ponto de
partida a nossa região. Por isso, fortalecer o Mercosul é um objetivo prioritário
da política exterior argentina. Um dos seus desafios atuais é avançar na sua
consolidação com o um mercado único, dotado de estrutura institucional
funcional, em busca de uma integração produtiva efetiva das cadeias regionais,
capaz de garantir a segurança jurídica e de facilitar a sua ampliação.
Na busca de um crescimento equilibrado e vantajoso para os seus Membros,
tem-se enfatizado o trabalho em matéria de assimetrias, para encontrar fórmulas
de consenso que permitam equilibrar as condições de competição, promover
os investimentos e permitir uma distribuição mais eqüitativas das vantagens do
processo de integração, favorecendo o desenvolvimento dos países menores e
dos setores e regiões mais atrasados.
O Mercosul enfrenta uma ampla agenda de negociações, entre as quais podem
ser destacadas as que se desenvolvem com a União Européia, Israel, África do Sul,
Índia, Conselho de Cooperação do Golfo, Cuba, Paquistão, Coréia e Japão.
Por outro lado, na condição de país de múltiplos interesses, que não se
excluem, estamos comprometidos com o objetivo de consolidar e fortalecer o
relacionamento com os outros países de continente, revigorando em particular
os vínculos com a América do Sul, a partir de projetos comuns de integração
econômica, comercial e física.
No que diz respeito às relações comerciais com outros países e outras
regiões, a Argentina favorece todas as iniciativas que contribuam para a promoção
de um sistema de comércio equilibrado e eqüitativo.
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A integração ao mundo que perseguimos é pragmática, e resulta da aplicação
de critérios de negociação firmes, de acordo com os interesses do país e as
circunstâncias predominantes no contexto internacional, garantindo assim o atual
processo de restabelecimento da credibilidade e previsibilidade do Governo nacional.
Nesse sentido, durante os últimos anos foram intensificados os esforços de
aproximação com países com os quais mantínhamos um nível de intercâmbio
comercial que podia ser otimizado. Fortalecemos assim os laços de maior
entendimento com regiões como a Ásia, África e o Oriente Médio, que na década
passada tinham uma participação menor nas nossas exportações. Registrou-se
também uma maior aproximação com os países europeus não-membros da
Comunidade.
Essa política permitiu que no fim de 2005 as nossas vendas externas tenham
se elevado a 40 bilhões de dólares (60% mais do que no ano 2002), com um
ritmo anual de crescimento de 15%.
No âmbito das negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC),
concluir a Rodada de Doha passou a ser um desafio extraordinário, que vai exigir
uma dose importante de vontade política e de trabalho conjunto para corrigir as
principais distorções do comércio internacional, especialmente na agricultura.
A Argentina está plenamente envolvida nessas negociações, para obter em
um futuro próximo, um melhor acesso aos mercados internacionais, mediante a
redução das tarifas, das barreiras não-tarifárias e dos subsídios agrícolas. Nesse
processo de negociação a Argentina participa de diversos Grupos (G-15, G-77,
G-Rio e G-20 Financeiro). Trabalha-se a partir da busca de consensos em nível
regional, primeiramente no âmbito do Mercosul, para depois projetá-los em
nível multilateral, dando ênfase especial a evitar mudanças traumáticas que possam
afetar os processos de reindustrialização necessários para nossos setores
industriais mais sensíveis.
Com a adoção da Declaração do Milênio (2000) e o Consenso de Monterrey
(2002), deu-se impulso ao financiamento para o desenvolvimento, como aspecto
necessário da luta contra a pobreza. Nos foros internacionais a Argentina apóia
as ações que combatem a fome e a desnutrição, por meio da geração do progresso
auto-sustentável nos países em desenvolvimento.
Por outro lado, no âmbito dos organismos financeiros, a Argentina procura
influir para que a sua atividade leve em conta o financiamento de projetos que
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promovam o crescimento dos países em desenvolvimento. Nesse sentido apóia
a introdução de novos instrumentos financeiros internacionais, que cumpram
suas funções com mais eficiência na luta contra a pobreza. Nessa linha foram
propostas mudanças profundas, relacionadas com a globalização e a criação de
impostos ou taxas internacionais que não dependeriam da contribuição direta
dos Estados. A idéia é apoiar essas iniciativas e promover mudanças no sistema
financeiro internacional para favorecer os países em desenvolvimento.
Em todos os casos, temos a consciência de que nossa tarefa será fortalecida
na medida em que receba as contribuições da sociedade civil e dos setores
empresariais incumbidos de executar as ações concretas implícitas em todo
processo de integração econômica. É necessário um esforço conjunto dos setores
público e privado de cada um dos nossos países para que a integração se traduza
em benefícios concretos e mensuráveis para todos.
Nosso país continuará privilegiando a necessidade do diálogo e a
cooperação entre as nações, em busca de uma sociedade internacional cada vez
mais segura, estável e eqüitativa, capaz de promover de forma efetiva a paz, a
liberdade, a prosperidade e o bem comum dos nossos povos.
Tradução: Sérgio Bath.
Revisão: Regina Furquim.
DEP
Bolívia, fator de integração
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16
A
Bolívia, fator de
integração
Evo Morales
*
* Presidente da República da Bolívia.
despacho@presidencia.gov.bo
1
Em aimara, o sufixo suyu significa país. Qollasuyu seria, pois, o país dos collas, povo de língua aimara que
habita as mesetas andinas (N. T.).
Bolívia, este pequeno país encravado no meio da América do Sul, foi um
centro de integração nos velhos tempos da nossa história e ainda nos primeiros
anos da invasão européia. Foi também território de separação, como fronteira
espanhola contra o avanço português, e província disputada entre os vice-reinados
da época colonial. De uma ou de outra maneira, esta terra, que desce dos mais
altos cumes andinos e desliza até as proximidades do grande Amazonas, é a chave
indispensável de qualquer estratégia política que se desenvolva na região.
Talvez seja por isso mesmo que os acontecimentos que têm ou tiveram
lugar aqui apresentam um quadro de permanente conflito. Se a cultura tiwanacota
estendeu sua influência sobre um território tão amplo como o próprio
Tiwanatinsuyo dos incas, e o Qollasuyu
1
abrangeu as terras mais ricas do império
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Evo Morales
17
de Huayna Kapac, não é possível ignorar a vasta extensão que tinha a audiência
colonial de Charcas, orientadora do pensamento de toda essa região. Este quadro
de integração sempre esteve acompanhado, porém, de disputas internas que se
manifestavam nas rivalidades dos ayllus
2
e das markas
3
, bem como naquelas entre
as antigas corregedorias esquecidas ou deslocadas e os favorecidos e satisfeitos
da imensa auditoria espanhola. Foram esses desencontros e essas pequenas
rivalidades que prevaleceram no momento de fundar as repúblicas elitistas
impostas pelos grupos crioulos de poder; essas oligarquias nunca tiveram a
capacidade de enxergar além da sua satisfação imediata, condenando nossos
países a vegetar na miséria e no atraso.
Recuperar essa manifesta capacidade da Bolívia de contribuir para a
integração, superando as dissensões provincianas e as desinteligências de grupos,
é o projeto superior que rege nossa ação política, e que todos nós, homens e
mulheres que queremos e precisamos recuperar os altos valores da convivência
humana na nossa região e no mundo, devemos assumir.
Nossa história antiga
Por gravitação, as primeiras culturas assentadas em torno do lago Titicaca
tiveram influência decisiva sobre vastas áreas que se estendiam até a selva amazônica,
a leste, e até a costa do Pacífico, a oeste. É, porém, a civilização de Tiwanacu que
define claramente a característica integradora deste país. Suas ruínas encontram-se
nas vizinhanças do lago Titicaca, cujo domínio é compartilhado pelo Peru e pela
Bolívia; nos tempos de seu esplendor, esse centro religioso e político ficava às
margens do lago. Seus monumentos comprovam o grau de civilização que alcançou
e a ampla influência que, em conseqüência, teve na região. Descobriram-se utensílios
e ferramentas dessa cultura em pontos tão distantes como Santiago do Chile.
Contam as lendas que Manco Kapac e Mama Ocllo, os arquitetos do
império inca, saíram do lago Titicaca. Esta foi a civilização mais desenvolvida
da América do Sul; enfrentou os invasores europeus e, apesar de sua derrota
militar, manteve, durante os três séculos de colônia, o espírito de unidade dos
povos originários dessa vasta região.
2
Unidade social dos indígenas da região, composta de uma família ampliada ou um grupo de famílias (N. T.).
3
Outra unidade na organização social indígena da região, correspondente a dez ayllus (N. T.).
Bolívia, fator de integração
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A audiência de Charcas, embora dependesse formalmente do vice-reinado
de Lima, tinha autoridade própria, com a respeitada Universidade de Charcas
como centro cultural do continente e um longo alcance de seu poder jurídico,
até as possessões da coroa portuguesa.
Chegou até lá porque sua influência não podia ser desconhecida pelos
pioneiros espanhóis, de onde quer que viessem. Este é o caso da expedição que
fundou Buenos Aires e subiu o Rio da Prata até um ponto alto, onde nasceu
Assunção, hoje capital do Paraguai. Nessa expedição, militava Ñuflo de Chávez,
que, em busca das riquezas com que todos queriam voltar à Espanha, continuou
subindo até encontrar os primeiros contrafortes montanhosos, onde, por sua
vez, fundou Santa Cruz de la Sierra. Aqui, entendendo que não podia continuar
sob a dependência de Assunção, e ainda menos de Buenos Aires, optou por
dirigir-se ao Vice-Rei de Lima, pedindo a incorporação daquelas terras à
Audiência de Charcas.
A Audiência de Charcas foi a origem dos grandes pensadores da
independência. Belgrano, Pasos e o coronel Cornélio Saavedra, natural de Potosi,
que presidiu a primeira Junta de Defesa de Buenos Aires, saíram de Charcas,
onde se havia destituído o Presidente da Audiência, em 1809; eles fixaram a
data da proclamação de Buenos Aires em 1810, para celebrar o primeiro
aniversário do levante de Charcas.
Mesmo depois, quando se desencadeou a luta pela independência, aquela
força de integração, que se sentiu desde as primeiras culturas, teve indiscutível
influência sobre o pensamento dos libertadores, para sonhar com uma grande
nação composta por todos os nossos povos. Não se tratava apenas de uma
influência cultural, mas da luta heróica de homens e mulheres dos povos
autóctones, que, ao longo de toda a dominação européia, se rebelaram contra a
colonização. Tupac Amaru, no Baixo Peru, e Tupac Katari, no Alto Peru, por
volta de 1780, encabeçaram os levantes mais importantes dos povos autóctones.
Amaru, com Micaelas Bastidas, e Katari, com Bartolina Sisa, mostram a pujança
de uma cultura cujo núcleo é o casal; certamente, mulheres e homens lutaram
lado a lado neste vasto país, pela liberdade do continente.
A guerra da independência foi um mosaico de esforços que os historiadores
denominaram de “republiquetas” e que, de fato, foram guerrilhas sustentadas
por índios e mestiços, com um ou outro crioulo que assumiu a liberdade como
ideário. Entre os naturais dos vales de La Paz, o cura Muñecas e os irmãos
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Lanza; Sebastián Pagador, em Oruro, antes de qualquer outro; em Chuquisaca,
os esposos Padilla; Ibañez e os vicuñas
4
na Potosi imperial; em Santa Cruz, o
coronel Warnes e o cambeta Cañoto; em Tarija, o “Moto” Mendez e, em
Cochabamba, Esteban Arze e as heróicas mulheres que defenderam a Coronilla.
Mas não podemos esquecer que os povos da região de San Ignácio de Mojos se
sublevaram contra o abuso das autoridades espanholas e é importante ressaltar
o nome do cacique canichana
5
Juan Maraza.
Desse mosaico surgiu esta Pátria que nascia nas imensas planícies
amazônicas, subia até os altos cumes da cordilheira e se banhava nas costas do
oceano Pacífico.
A pátria de Bolívar
Esta terra, quando se criou a república, tomou o nome do Libertador e
foi por ele reconhecida como “filha predileta”. Os cronistas sustentam que foi
esta a maneira de contentar a quem, na época, podia criar países ou proibir a sua
formação. Acima desses fatos circunstanciais, entretanto, os fundadores tomaram
um nome, o único que tinha então o sentido da integração latino-americana, e
rebatizaram a sede da Audiência de Charcas com o nome do homem mais leal
ao Libertador: Sucre. Simbolicamente, a fundação da Bolívia é um apelo à
unidade dos povos do nosso continente; tem o mesmo sentido que se expressou
no Congresso Anfictiônico do Panamá.
Este país se assentava sobre um amplo território com mais de 3 milhões
de quilômetros quadrados. Eram os limites desse arranjo assumido pelos crioulos
e que se baseou no reconhecimento das divisões administrativas estabelecidas
para a colônia. Nessa extensão, era evidente que, mesmo no período colonial,
embora a Audiência de Charcas fizesse parte do Vice-Reino de Lima, havia um
acesso próprio ao oceano Pacífico, do mesmo modo que se marcava a extensa
fronteira com o Brasil; uma coisa não teria sido possível sem a outra.
De todo modo, nos primeiros anos da república, a vontade integracionista
foi a linha de conduta principal, concretizada na criação da Confederação Peru–
4
Referência à luta entre os crioulos (vicuñas) liderados por Alonso de Ibañez (1617) e bascos, em Potosi (N. T.).
5
Nome do povo indígena a que pertencia o cacique Juan Maraza (N. T.).
Bolívia, fator de integração
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20
Bolívia. Cabe ressaltar que o primeiro protagonista desse processo foi Andrés
de Santa Cruz Calahumana, um mestiço nascido em La Paz, presidente do Peru
(1826) e da Bolívia (1829), sucessivamente. Com ele compartilharam este ideal
políticos e militares de ambas as recém-nascidas repúblicas; solaparam, porém,
sua construção outros políticos e militares peruanos e bolivianos, que apoiaram
suas discrepâncias nos receios de um governo vizinho: o Chile, cujo principal
artífice, Diego Portales, mobilizou todas as forças de que podia dispor para
fazer fracassar o projeto de integração. Até consegui-lo, Portales várias vezes
enviou tropas para desagregar a Confederação. Conseguiu seu intento em 1839,
quando vários colaboradores do Protetor se voltaram contra ele.
A Bolívia estava gravemente ferida. O esforço titânico que implicou a
construção da confederação, que durante um breve espaço de tempo foi o Estado
mais forte e sólido da América do Sul, prejudicou suas possibilidades futuras.
Nos anos seguintes, sua extensão até as costas do Pacífico foi constrangida pela
competição entre os portos de Valparaíso e do Callao pelo domínio desse
extenso litoral; Antofagasta foi apenas um porto médio, sem possibilidades de
desenvolvimento.
As cinco irmãs
Cerceado seu acesso ao mar, a Bolívia está rodeada por cinco países, entre
os quais se contam duas potências regionais.
Com o Peru, a noroeste, compartilhamos não apenas uma fronteira que se
estende por quase três graus de latitude, mas também o domínio do lago Titicaca,
cujo caudal é a mais importante reserva aqüífera desta zona. Se pela história e
pela cultura fazemos parte de uma só unidade, as relações modernas fazem que
os limites geográficos sejam diluídos pelo incessante trânsito de homens e
mulheres indistinguíveis em sua maneira de ser e com laços familiares muito
estreitos. Por isso, pareceu natural que Peru e Bolívia enfrentassem juntos a Guerra
do Pacífico, na qual os dois países perdemos partes de nossos territórios.
Entretanto, as disputas não-resolvidas que o Peru manteve com outros vizinhos
levaram, muitas vezes, a um distanciamento entre os governos de Lima e La Paz.
Com o Brasil, mantemos uma extensa fronteira que, como já dissemos,
foi, na realidade, uma linha defensiva em face da penetração lusitana. Hoje, ao
contrário, é um amplo convite ao diálogo e à integração. Não há um único núcleo,
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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ao longo desses limites constituídos por imensos rios, que se tenha desenvolvido
com suficiente dinâmica própria. Longe dos centros de atividade, as populações
ribeirinhas vegetam de um e outro lado dos leitos fluviais. No entanto, trata-se
de uma região muito rica em recursos naturais, que poderiam propiciar a criação
de centros de grande atividade. Uma ação concertada de toda a região
possibilitaria tal desenvolvimento.
Nos primeiros anos da república, o Marechal de Ayacucho enviou uma missão
para buscar contato com o Paraguai. José Gaspar Rodriguez de Francia, o Supremo,
zeloso em relação a intervenções externas, não permitiu que aquele primeiro
encontro se pudesse realizar. De algum modo, tinha razão: a Guerra da Tríplice
Aliança, atiçada pelas potências mundiais, pôs um fim doloroso à experiência de
desenvolvimento endógeno iniciado por Francia e continuado pelos Solano López.
Tivemos de enfrentar-nos em uma guerra fratricida, entre collas
6
e guaranis, para
entendermos a necessária comunidade de interesses nessa zona árida e despovoada
que conhecemos como o Chaco, mas cujo subsolo, dos dois lados da fronteira,
guarda imensas fontes de energia, de que precisamos em toda a região.
Ao sul, a Bolívia continua nas províncias do norte argentino. Jujuy, Salta,
Formosa e Chaco em nada se diferenciam de Potosi, a oeste, e de Tarija, ao
centro, no tocante a geografia e habitantes. A coca se masca nessas províncias da
mesma forma que aqui. O habitante do norte argentino se veste, fala e come da
mesma maneira que o do planalto de Tarija. E, ainda mais: a economia dessa
zona se desenvolve em função do intercâmbio entre os dois lados da fronteira.
A vitalidade da região depende de um relacionamento fluido entre os dois países.
O quinto vizinho é o Chile. Enfrentamo-nos – e sempre nos temos
enfrentado – em uma relação tortuosa, cujas agudas arestas se mantêm cortantes.
Os governantes de ambos os países devem colocar-se seriamente a
pergunta: quais são as causas dessa confrontação permanente? Podemos
facilmente sustentar que a política internacional do Chile se tem defrontado com
seus três vizinhos: Peru e Argentina, além da Bolívia. Também é certo, porém,
que, com os outros, aquele país resolveu de alguma forma suas diferenças, o que
não ocorre com o nosso. É sabido que o comércio boliviano está praticamente
acorrentado aos portos setentrionais do Chile: Antofagasta, Iquique e Arica. E
6
V. nota 1. (N. T.).
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22
mais: a atividade dessas cidades e de seus portos depende em grande medida de
que se mantenha esse comércio. Seu desenvolvimento chegou a um ponto que
exige melhores serviços, os quais, segundo toda evidência, só podem ser
assegurados por uma boa relação com a Bolívia. É óbvio que essa zona tem
necessidade crescente de água e de energia; de fato, os últimos desentendimentos
entre os dois Estados decorrem de tal situação. O desvio do rio Lauca, sem consulta
prévia, na década de 60 do século passado, a recusa em reconhecer o direito
boliviano sobre as águas do Silala (curso de água construído por uma empresa
ferroviária para abastecer suas máquinas a vapor, que se alimenta de áreas algadiças
situadas em território boliviano) e, na fase atual, a demanda chilena por energia
mostram que esses são os fatores que determinam o caráter das relações entre os
dois países. Durante quase dois séculos, o Estado chileno tem mantido inalterável
a linha política de suas relações com a Bolívia: identificar suas necessidades,
determinar as fontes em que pode satisfazê-las e assumir o seu controle. Tal política
assegurou-lhe grandes dividendos ao longo desse tempo. De fato, a quase totalidade
do comércio boliviano se realiza através de portos chilenos; há um forte intercâmbio
de produtos e também de recursos financeiros que, evidentemente, é muito
favorável ao Chile e desvantajoso para a Bolívia. No entanto, esse modelo
transformou-se agora em sério empecilho à manutenção de suas relações não apenas
conosco, mas também com seus outros vizinhos e com o resto do mundo.
Naturalmente, é complicado mudar uma linha de ação mantida durante tanto
tempo. O Chile tem, entretanto, a necessidade de fazê-lo, se não quiser ficar isolado
da comunidade internacional. A Bolívia sabe que o processo de integração regional
ficará incompleto sem o Chile, mas pode avançar, desde que os governantes do
Mapocho
7
estejam preparados para incorporar-se à comunidade sul-americana.
O concerto internacional
O Estado boliviano nunca desenvolveu uma política internacional coerente.
Com muito esforço, um governo, às vezes, consegue manter determinada linha
de ação, que se desenvolve com altos e baixos. O governo seguinte parte de zero
em seu relacionamento exterior, deixando de lado ou jogando fora – conforme
o caso – o que foi feito até então.
7
Rio do Chile, a cujas margens fica a capital do país, Santiago (N. T.).
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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23
Se o padrão de relacionamento com a Europa tem alguma explicação, ela
só pode ser encontrada no fato de que os grupos de poder que governam a Bolívia
continuam vendo naquele continente a potência dominante. A independência,
proclamada há 180 anos, não conseguiu sacudir a subordinação mental que
caracteriza nossas relações com o Velho Continente. Nesse contexto, não é estranho
que tenhamos vários embaixadores na Europa – inclusive dois na Itália – e apenas
um ou nenhum na África. A função desses diplomatas não tem outro propósito
que não o de manter um contato formal de amizade e condescendência em relação
ao nosso país, de modo que a Bolívia possa beneficiar-se de algum tipo de ajuda.
Que essa ajuda seja para a função produtiva, de serviços, para a infra-estrutura, na
área de saúde ou educação, sem esquecermos o aspecto cultural, parece ser
indiferente para os governos do nosso país.
Naturalmente, o Japão se enquadra no mesmo modelo e, embora esteja
no extremo oriental da Ásia, com cultura, características sociais e estrutura estatal
totalmente distintas, as expectativas do governo boliviano são iguais.
Acrescentemos as relações com a China, muito recentes, que tampouco têm
objetivos claros. De fato, nosso relacionamento com a Ásia resiste a qualquer
explicação. Não entendemos como mais de metade da população do mundo
pode interessar tão pouco a um país que, como é o nosso caso, precisa
imperativamente de relações orientadas de maneira adequada com as nações
que gravitam no sistema internacional.
O mesmo ocorre com a África. Esporadicamente contamos com uma
embaixada em todo esse continente. Nesse caso, é explicável, porquanto o Estado
boliviano nunca analisou qual seria o objetivo de desenvolver relações com os
países daquela área. Simplesmente se ignora sua existência e, evidentemente, ali
somos ignorados tanto quanto na maior parte do mundo.
Parece que a tendência de nossas relações exteriores é concentrar-se no
continente americano. O que deveria ser nosso principal foco de atenção mostra,
entretanto, vazios inexplicáveis. Ignora-se a diversidade centro-americana, onde
uma única missão diplomática não pode atender àquelas cinco repúblicas mais
Belize. Algo ainda pior ocorre em relação ao Caribe, onde os países de língua
espanhola ou os anglófonos ou o Haiti não figuram em nossa relação, um vazio
no qual temos ainda de incluir aqueles que integram a região das Guianas. Cuba
salva essa ausência apenas porque Havana faz um esforço para manter relações
com todo o continente.
Bolívia, fator de integração
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Pode justificar-se uma ampla representação diplomática nos Estados
Unidos da América, pelo tipo de relação que a Bolívia mantém com aquele país.
Ainda assim, dada a limitada estrutura diplomática do país, é um absurdo
mantermos lá três representações diplomáticas completas. Talvez este fato nos
possa dar uma visão de conjunto dos fatores que condicionam nossas relações
exteriores; sua orientação unilateral é o resultado da subordinação de que
padecem as políticas interna e externa da Bolívia.
Romper o círculo vicioso
Os povos originários deste continente fizeram ouvir sua voz em 1992,
quando se completaram quinhentos anos do desembarque de Cristóvão
Colombo em terras deste continente e do início da invasão do nosso solo. Essa
voz falou de unidade, de integração. Do Ártico à Terra do Fogo, os povos se
reconheceram como um só. Somos um no sentimento de pertencer à terra e de
ser parte dela. Um nos costumes, que se mantiveram iguais apesar das distâncias
e do longo tempo durante o qual nos isolaram uns irmãos dos outros. Somos
um na consciência de que arrebataram nossa terra, nossas formas de trabalho,
de governo e, em muitos casos, de vida. É por isso que as vozes que falaram
desde aquele ano dizem que a integração é uma aspiração e uma necessidade.
A América Latina teve a possibilidade de manter laços comuns além da
conquista e da colônia. Apropriamo-nos da língua que trouxeram os invasores.
É nossa porque a pagamos com nosso sangue, com a exploração e com a
humilhação. Fizemo-la nossa para dar os esplêndidos frutos dessa literatura que
tem calor, sabor e textura autóctones com forma e cor castelhanos.
O mesmo se passa com os povos que estão ao norte do rio Grande e que,
como nós, reclamam a terra que lhes tiraram, os costumes que lhes mudaram e
os irmãos que lhes mataram.
Integração, clamava Simon Bolívar. Seus inimigos, que não queriam
integração porque era contrária a seus interesses mesquinhos, tentaram assassiná-
lo quantas vezes puderam. Depois, ignorando os imensos serviços que prestou
a este continente, condenaram-no ao exílio, mas ele preferiu morrer a abandonar
a terra onde nasceu.
Cada vez que se faz necessário um discurso de circunstância, levanta-se a
idéia de Bolívar como reivindicação de nossos povos. Até agora, não houve,
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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25
porém, esforço algum para alcançar o ideal da grande pátria latino-americana.
Apesar disso, tudo indica que chegou o momento de realizar essa aspiração,
passando por cima desses interesses mesquinhos que dominaram estes países
durante dois séculos.
Em que se baseou Bolívar para defender o ideal de um só país, do México
à Patagônia?
Não era um mero sonho. Tinha visto a tragédia européia daqueles anos.
Países que se enfrentavam uns aos outros, inermes frente ao poderio dos reinos
mais ricos. A revolução francesa, propagando-se por toda a Europa, parecia
orientar-se no sentido da unificação que Napoleão Bonaparte quis impor pela
força de seus exércitos. A idéia foi, entretanto, derrotada pelos poderes
retrógrados, e a Europa voltou a ser um mosaico de reinos e principados. Bolívar
compreendeu que, em tal situação, os enfrentamentos não cessariam. A partir
de então, a Europa viu-se envolvida em uma sucessão de guerras que duraram
150 anos, até 1945. A aspiração bolivariana assentava-se nessa visão; não queria
um destino semelhante para a América Latina; via, além disso, que, no norte
deste continente, se formava um país ambicioso.
Interesses de grupos de poder ainda resistem à tendência para a integração,
mas há um imperativo político que se baseia em uma necessidade econômica.
A Bolívia, no centro desta região da América, deve contribuir decisivamente
para esse processo de unificação dos países sul-americanos.
Fator de integração
Nosso país foi um centro de irradiação em todas as etapas históricas desta
zona. Vimos isso em Tiwanacu e no Tawantinsuyu. Mesmo a colônia européia
não pôde furtar-se a essa força, e os patriotas que lutaram pela independência
batalharam para consolidá-la. Foi então que se impuseram os interesses de grupos
que ampliaram as riquezas circunstanciais de cada um, mantendo os métodos
espoliadores da época colonial.
Perdemos, assim, muitas possibilidades; não apenas aqui, mas também
em outros países. A Bolívia viu exaurirem-se suas jazidas de prata e de estanho;
suas plantações de borracha foram abandonadas; extraíram o petróleo de forma
irracional e insistem em fazer o mesmo com o gás natural. Dentro de uma visão
Bolívia, fator de integração
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simplista de mercado livre, o gás, transformado em uma mercadoria a mais,
corre o risco de ser outro recurso que desaparece, deixando somente pobreza.
O grande cronista da nossa América Latina, Eduardo Galeano, escreveu sobre
“a importância de não ser importante”, para ressaltar como aqueles países que
têm importantes recursos naturais são objeto de uma exploração selvagem, que
não deixa nenhum benefício, antes maior miséria e atraso.
Bastaria tal consideração para entender que a Bolívia, como país, e a América
do Sul, como região, devem ter uma concepção distinta das formas de exploração
de suas riquezas. No caso do gás, propomos que seja um fator de integração.
Vale a pena precisar essa idéia. O desenvolvimento da região, mesmo com
os baixos índices que o mundo globalizado nos impõe, provocou uma crise
energética. Tal situação exige que os hidrocarbonetos, especialmente o gás,
cubram essa necessidade. Não se trata, porém, de entrar em uma competição de
preços e privilégios. A comunidade das nações da região estabeleceria um preço
justo, que tornasse possível o desenvolvimento do país onde se explorasse este
recurso, permitisse sua industrialização e, em contrapartida, assegurasse a melhora
das condições de vida em toda a região. Satisfeitas essas exigências mínimas,
poderia chegar-se a um acordo sobre as vendas para fora da região. Insistindo
neste tema, é evidente que um processo de integração permitirá melhor
negociação com os países industrializados. Especificamente na questão dos
energéticos, há proposta para formar uma ampla associação de países produtores
de hidrocarbonetos na América Latina. Será importante que tal idéia comece a
concretizar-se no nível mais próximo.
Algo semelhante deve dar-se no tocante ao comércio em geral. As
negociações sobre a Alca, fracassadas pelas imposições que implicava, foram
substituídas por tratados de livre comércio (TLCs) mais limitados, que, embora
tenham tido êxito parcial na América Central, despertam forte suspicácia na
nossa área. Assim, o chamado TLC Andino está sofrendo os mesmos adiamentos
ocorridos com a Alca. A alternativa que os países da região devemos contrapor
a ela é a de um mecanismo próprio, o qual privilegie o desenvolvimento
econômico interno e resguarde nosso crescimento da avidez das potências
mundiais, que reclamam matérias-primas e produtos semimanufaturados, para
cujo intercâmbio querem generalizar a venda livre dos seus produtos: sementes
transgênicas, produtos virtuais e sistemas administrativos, que redundarão, em
médio prazo, em condições de maior dependência.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Evo Morales
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Em outras palavras, a integração regional tornou-se questão incontornável,
condição inquestionável e demanda indiscutível. A integração baseia-se,
entretanto, em entendimento adequado, e isso passa pela solução de um problema
essencial para o desenvolvimento da Bolívia: a reivindicação marítima.
Reparação de uma injustiça, restituição da integralidade
A Bolívia é uma unidade que nasce nas extensas planícies que se estendem
do sudeste ao noroeste do país, sobe até os mais altos picos dos Andes e desce
até as costas do oceano Pacífico. A amputação dessa totalidade, ocorrida há 125
anos, foi importante fator de atraso para o país e, em conseqüência, para as
regiões contíguas a suas extensas fronteiras.
Bastaria verificar que o movimento econômico do norte do Chile só é
possível em função das necessidades da Bolívia. A possibilidade de modificar
esse vínculo causa, compreensivelmente, grande preocupação nessa região.
Naturalmente, a restituição dessa zona à soberania da Bolívia elevaria
automaticamente o movimento comercial da região. Entretanto, os interesses
dos grupos de poder em Santiago do Chile têm impossibilitado essa reparação.
Encontrar um mecanismo que torne possível restabelecer uma
continuidade que se mantém desde a época chamada pré-histórica é um desafio
para o processo de integração. Sustentamos que deve haver um acordo entre os
três países diretamente envolvidos na questão, com a participação das nações da
região interessadas em uma solução que marque o início de um novo esquema
de relações entre os povos sul-americanos.
A integração é um processo que já deveria estar em andamento. Exigem-
no não só a realidade política do mundo atual, mas também as urgências de
nossos países. Devemos avançar a passos céleres. Propomos que o gás seja o
mais importante fator de integração e sustentamos que o restabelecimento da
integralidade da Bolívia é condição essencial dessa integração.
Tradução: Luiz A. P. Souto Maior
Revisão: Regina Furquim
DEP
Desafios e perspectivas da economia brasileira
28 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
28
Desafios e perspectivas
da economia brasileira
Paulo Skaf
*
T
* Presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
endo como base o índice de crescimento demográfico médio do País
nos últimos anos, de 1,5%, nascerão, em 2006, cerca de 2,8 milhões de brasileiros.
Caberá à Nação decidir o futuro de seus novos filhos, bem como das crianças e
dos adolescentes que estão nas escolas, dos jovens e adultos em busca de emprego,
dos habitantes ansiosos pela inclusão na sociedade do consumo, do parque
empresarial e dos trabalhadores, que vêm mantendo viva a economia num cenário
marcado há décadas por adversidades, em verdadeira saga de superação e
resistência. Considerando que, em 2020, segundo projeção do Ibge, (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) seremos 207 milhões de habitantes, ao
Brasil está vetada a hipótese de estagnação. Assim, qualquer ponto percentual
no PIB ganha importância extraordinária.
Superávit primário das contas públicas, controle da inflação e respeito ao
cronograma da dívida externa e interna e dos compromissos com os organismos
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Paulo Skaf
29
multilaterais de crédito? Claro que tudo isso é fundamental! No entanto, o país
detentor da quinta maior população do planeta não pode dar-se ao luxo de
analisar a performance da economia apenas sobre planilhas e números relativos à
dança dos índices. É preciso ir além, muito além, corrigindo, o mais rapidamente
possível, os equívocos do passado e alguns conceitos teimosos da política
econômica do atual governo e de seu antecessor. Além de promover um ciclo
duradouro de crescimento, é necessário que os benefícios dessa expansão sejam
sentidos de forma mais efetiva pelo povo. De nada adianta a economia ir bem
sob a ótica fria de alguns indicadores, se os brasileiros não desfrutam de
mensurável melhoria na qualidade de vida.
Ou seja, é imprescindível que o País cumpra agenda mínima, capaz de o
conduzir ao desenvolvimento, abrangendo quatro medidas estruturais inadiáveis:
reforma tributário-fiscal que viabilize a redução da dívida pública e desonere a
produção; política de crédito, incluindo a redução dos juros; avanço da infra-
estrutura; e política comercial capaz de ampliar e consolidar as exportações.
A primeira tarefa é estabelecer uma política tributária que seja indutora e
não empecilho ao crescimento econômico e às atividades produtivas. A verdadeira
e efetiva solução para a questão dos impostos é uma ampla reforma do sistema
tributário, incluindo a questão fiscal. As despesas do governo vêm aumentando
mais do que a receita. Precisamos definir o tamanho do Estado e o que queremos
que ele faça, para sabermos quanto ele custará e como o financiar.
Essa, ao nosso ver, é a questão crucial. A dívida pública, fruto de anos e
anos seguidos de desequilíbrio entre receita e despesa, tem sido o grande
obstáculo à adoção de política econômica mais voltada ao crescimento e menos
obsessiva quanto a medidas restritivas, de cunho monetarista, para garantir o
controle da inflação e o tênue equilíbrio do orçamento estatal, das reservas
estratégicas em dólar e da credibilidade da Nação. Estamos privilegiando uma
pretensa segurança em detrimento da criação de postos de trabalho em proporção
mais compatível com o passivo do desemprego e a expansão demográfica, da
inclusão social por meio da distribuição de renda e salários, da multiplicação de
empresas e do ingresso efetivo no círculo virtuoso do desenvolvimento.
Tal rotina de estagnação, que nos leva a crescer muito menos do que as
nações emergentes e abaixo até mesmo de nossos vizinhos do Mercosul, não
pode continuar. As conseqüências desse descompasso histórico têm sido graves.
Paulatinamente, vamos perdendo competitividade: em 1980, Brasil, China e Índia
Desafios e perspectivas da economia brasileira
30 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
30
tinham, cada qual, participação em torno de 3% no PIB planetário. Nosso país
recuou 25%, representando hoje 2,6%, enquanto a China avançou 325% e a
Índia, 81%. É preciso oferecer novos e mais amplos horizontes aos 190 milhões
de brasileiros, por meio de políticas públicas eficazes e comprometidas com o
presente e o destino das próximas gerações.
Estudo da Fiesp aponta caminhos para superávit
operacional e crescimento ininterrupto do PIB
Nossa grande preocupação com o problema da dívida pública e a questão
tributário-fiscal nos levou à produção de detalhado estudo na Fiesp, que
diagnostica a gravidade do problema e aponta soluções exeqüíveis. O advento
de tais sugestões quebraria rotina de décadas de gastos maiores do que a receita
fiscal, “façanha”, aliás, admirável numa Nação cujo Estado arrecada quase 40%
do que produz a sociedade! A cada governo, a justificativa é de insólita
redundância: “Estamos mantendo superávit primário”. Evita-se, porém, abordar
o déficit extraordinário e seus impactos negativos, demonstrados no recente
trabalho da Fiesp. O estudo evidencia, no período entre 1995 e 2004, em especial
a partir de 1998, a elevação da carga tributária e das despesas. A dívida pública
saltou de 30,5% do PIB para 51,8%. O crescimento da receita foi de 63,5%
(média anual de 5,6%) e a expansão média anual do PIB, de 2,2%, ou seja, menos
da metade do aumento da arrecadação. O mais grave é que o avanço acumulado
dos gastos foi de 61,5% (média anual de 5,5%).
A premência de se conquistar superávit operacional (que inclui o serviço da
dívida) torna-se ainda mais clara ante as projeções contidas no estudo: mantido o
nível médio anual de crescimento das despesas da União verificado no período, em
2015 o superávit primário (que exclui o pagamento de juros da dívida) declinaria
dos atuais R$ 52,3 bilhões para R$ 40,7 bilhões, a carga tributária permaneceria
elevada e as despesas passariam de 17,3% do PIB para 19,3%. Para inverter o quadro,
o trabalho propõe três providências: redução dos gastos em 2% ao ano, durante seis
exercícios consecutivos (2006 a 2011), seguida da manutenção da despesa real por
quatro anos (2012 a 2015); limite de crescimento da receita fiscal de 50% da taxa de
expansão do PIB, com teto de 2,75% ao ano; e, a partir da conquista de superávit
operacional, 90% do resultado auferido seriam destinados a investimentos no ano
posterior e 10%, à amortização da dívida, no exercício em curso.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Paulo Skaf
31
O governo teria, então, superávit operacional. O principal resultado seria
a forte elevação da taxa de crescimento do PIB, que passaria de 3,5%, em 2005,
para 6,8%, em 2015 (média anual de 5,7%). Isso é explicado pelo aumento dos
investimentos estatais e privados: em 2015, o primeiro atingiria 5% e o segundo
chegaria a 19,2% do PIB. Estaria quebrada a cruel equação dos gastos públicos,
que imobiliza o País e lhe impõe o controle inflacionário por meio de carga
tributária e juros elevados, câmbio sobrevalorizado, contingenciamento do
crédito e outras medidas monetaristas inimigas da prosperidade.
Às propostas de redução dos gastos contrapõe-se a alegação das
dificuldades de sempre, entre elas a vinculação constitucional das receitas. Ora,
em vários itens da planilha de despesas, como na educação, o governo já gasta
acima dos percentuais compulsórios. Nesses casos, que se aumentem a
produtividade e a qualidade, viabilizando o corte dos excedentes. Quanto à
deficitária previdência, o combate à corrupção no varejo e um recadastramento
sério, sem sacrifícios aos aposentados e pensionistas, proporcionariam a desejada
e necessária economia.
A segunda tarefa estrutural a ser cumprida na agenda do desenvolvimento
é estabelecer uma política eficiente de crédito — para financiamento empresarial
e do consumo. Esse é o principal combustível da economia. O Brasil, porém,
tem um péssimo indicador Crédito/PIB, algo em torno de 27%, ante 70% no
Chile, por exemplo.
Temos, também, uma das mais altas taxas de juros e o maior spread do
mundo, de quase 40% nas operações prefixadas. Em 2004, houve crescimento
do crédito, durante o período em que o Banco Central sinalizou a redução da
Selic, mas desde setembro do ano passado, com o início de um ciclo de aumento
mensal da taxa, verificou-se retrocesso. Outro estudo da Fiesp demonstra que
os brasileiros — pessoas físicas e jurídicas — gastam R$ 118 bilhões por ano
em juros, dos quais R$ 73 bilhões referem-se ao spread bancário. Se o nosso
spread fosse igual ao valor médio dos latino-americanos (Chile, Argentina, México,
Colômbia e Venezuela), o gasto com esse item seria de apenas R$ 16 bilhões.
Quanto à infra-estrutura, é, como todos sabem, um dos grandes gargalos
nacionais. Para se ter uma idéia da importância de melhorar sua eficiência, basta
verificar alguns números. O setor de logística movimenta algo em torno de US$
100 bilhões por ano, considerando toda a cadeia — fornecedores, armazenagem,
movimentação interna e distribuição. Somente em 2004, foram transportados
Desafios e perspectivas da economia brasileira
32 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
32
mais de 1,2 bilhão de toneladas de cargas no Brasil. Por meio de planejamento
logístico eficiente e matriz de transportes equilibrada, poderemos reduzir muito
os custos finais dos produtos, ampliando a competitividade.
Porém, o sistema de transporte de carga, tal como se encontra, acarreta
significativa perda econômica e de competitividade e, portanto, elevação do
Custo Brasil. Além disso, há outros prejuízos decorrentes do problema: tempo
excessivo no deslocamento dos produtos; redução de investimentos das
empresas em novos negócios ou na ampliação da atividade atual; perdas
verificadas na colheita da safra; e falta de armazenagem no campo. Tudo isso
provocado pela ineficiência na cadeia logística de transportes.
Assim, são fundamentais investimentos em portos, ferrovias e terminais,
reduzindo o custo operacional e melhorando a eficiência, para que os produtos
brasileiros ganhem mais competitividade no mercado externo e cheguem mais
baratos à mesa do consumidor. Ainda no campo dos transportes, é essencial
melhorar as estradas. Estudo da Fundação Getúlio Vargas, encomendado pelo
Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado de São Paulo, aponta
que a malha rodoviária brasileira, de 1,7 milhão de quilômetros, é muito pequena
para o tamanho do território nacional, além das grandes extensões sem asfalto
ou qualquer outro pavimento. Isso representa 202 quilômetros de estradas por
mil quilômetros quadrados. Em numerosos países — até mesmo da América
Latina — a média é bem superior. Por outro lado, a Confederação Nacional dos
Transportes (CNT) divulgou pesquisa mostrando que 74,7% dos 74.681
quilômetros de estradas asfaltadas do Brasil são ruins e/ou apresentam algum
tipo de deficiência e que 65,4% têm sinalização em estado inadequado.
Também são prioritários os investimentos no campo da energia elétrica.
O crescimento econômico que todos desejamos, pelo menos acima de 5% ao
ano, poderia estabelecer o risco de um novo “apagão”, sem o devido aporte de
capital em produção, transmissão e distribuição de energia elétrica. Segundo
estimativa da Fiesp, precisamos de 6% a 7% de energia adicional a cada ano
para poder crescer adequadamente.
Tomando os exemplos dos transportes e da energia, torna-se claríssimo o
significado das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Estas, além de preencherem
a falta de recursos para investimentos em infra-estrutura, corrigem uma antiga
distorção: os dois instrumentos legais até há pouco tempo disponíveis no País
para regular os investimentos em infra-estrutura eram a Lei de licitações, na qual
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Paulo Skaf
33
100% dos recursos são do Estado, e a Lei de Concessões, na qual os investimentos
são 100% da iniciativa privada. As PPPs estabelecem uma adequação de bom
senso, possibilitando o aporte conjunto de recursos das fontes pública e privada.
Por isso, é fundamental colocar em prática, com urgência, a Lei das PPPs,
aprovada há quase um ano, mais precisamente em dezembro de 2004. É
inadmissível continuar postergando a execução prática desse modelo de parceria,
que já demonstrou sua viabilidade em outras nações. Além de possibilitar soluções
no campo da infra-estrutura, impedindo que seus gargalos atravanquem o
crescimento econômico, as PPPs deverão estimular a indústria, abrindo
oportunidades de negócios para numerosos segmentos, da engenharia pesada
aos bens de capital, passando pela metalurgia e pelos setores de tecnologia de
ponta e de mão-de-obra intensiva.
Além da redução da dívida pública, sistema tributário adequado, crédito
com menos juros e avanço da infra-estrutura, o Brasil precisa de uma política
comercial eficaz. O País detinha 0,86% do mercado em 1999, subindo, em 2004,
para 1,11%. Esse é um feito significativo, mas precisamos crescer ainda mais. Para
termos economia forte, necessitamos exportar muito. A Fiesp é favorável ao
aumento do comércio com países em desenvolvimento, mas o Brasil não pode
prescindir de seus maiores parceiros, Estados Unidos, Europa e Japão. Com estes,
deve buscar aproximação privilegiada, em razão do volume de trocas comerciais.
A estruturação de uma política comercial tem dois eixos principais. O
primeiro é a solução dos gargalos logísticos e de infra-estrutura, conforme já
explicitamos anteriormente. Não podemos continuar perdendo R$ 1,2 bilhão/
ano em razão de atrasos nos embarques portuários. O segundo eixo é relativo
ao câmbio. O valor relativo ao dólar e a volatilidade do real são desestimulantes
às exportações. Há empresas pagando para honrar compromissos de vendas
externas efetuadas com dólar acima de três reais. Tal situação é inadmissível.
Quanto à volatilidade, estudo da Fiesp mostra com clareza que o real é a
moeda, entre todas as flutuantes, que mais varia em relação ao dólar. A maior
diferença entre o valor máximo e mínimo das moedas ao longo do ano de 2004
foi de 11%. No caso do real, foi de 22%. Isto também é péssimo para
exportadores, importadores e empresas em geral, considerando que sempre
existem máquinas e insumos importados e concorrentes estrangeiros.
Outro ponto decisivo da política comercial é balizar corretamente as
decisões da diplomacia econômica. Nesse aspecto, deve-se evitar cometer erros
Desafios e perspectivas da economia brasileira
34 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
34
como o recente reconhecimento oficial da China como economia de mercado.
Aliás, nem houve contrapartida de Pequim, que deu parecer contrário à pretensão
brasileira de integrar o Conselho Permanente de Segurança da Organização das
Nações Unidas e condenou a presença das forças de paz de nosso país no Haiti.
Assim, tem sido inglória a posição brasileira quanto à economia da nação asiática.
Em qualquer fórum nacional ou internacional, de empresários ou do setor
público, seria impossível convencer economistas e representantes oficiais de que
os preços chineses são determinados pelo mercado, e nem mesmo o mais ferrenho
crítico do liberalismo poderia aceitar a tese de dumping social como justificativa
para salários quase simbólicos...
O Brasil precisa vencer a luta contra a Pirataria, que
prejudica o mercado interno e as exportações
A importância de uma política comercial cada vez mais eficaz está
evidenciada na performance da economia brasileira em 2004, quando cerca de
56% do crescimento do PIB deveram-se às exportações. As vendas externas
expressam imenso esforço de superação das empresas, em especial as indústrias,
que têm conseguido produzir com padrão mundial de qualidade e preço FOB,
apesar dos obstáculos ao aporte tecnológico e ao financiamento, representados
por todos os problemas anteriormente explicitados.
Os empresários já estão fazendo o impossível para manter volumes
recordes na história das exportações brasileiras. Contudo, estavam diante do
desafio iminente de serem obrigados a ingressar no universo metafísico dos
milagres. Não restaria outra alternativa caso os Estados Unidos tivessem
cumprido a ameaça de excluir o Brasil dos benefícios tarifários do Sistema Geral
de Preferências e de adotar outras medidas restritivas, devido à escalada da
pirataria e da falsificação de produtos. Lembrando que os norte-americanos, a
despeito da diversificação dos mercados, continuam sendo os maiores
compradores de produtos brasileiros, o aumento de barreiras no comércio
bilateral seria um golpe contundente.
A decisão do governo norte-americano de postergar a exclusão do Brasil
de seu Sistema Geral de Preferências foi um voto de confiança ao compromisso
do País de lutar bravamente contra a pirataria, em ações que contaram com a
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Paulo Skaf
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decisiva participação do setor privado. No âmbito desse problema, infelizmente,
ostentamos estatísticas portentosas. Por isso, nessa missão não pode haver omissões.
Todos têm de se engajar. É o que está fazendo a Fiesp, que elegeu a defesa ao
direito de propriedade industrial, intelectual e de marcas e patentes, bem como o
combate à pirataria, como uma das prioridades. Esse crime causa grandes danos à
indústria e à economia em geral, com reflexos no nível de empregos, no desvio de
impostos, na segurança dos consumidores e do ambiente para investimentos.
Felizmente, as iniciativas da entidade foram reconhecidas internacionalmente e
contribuíram para a manutenção do Brasil no Sistema Geral de Preferências.
Representantes da Fiesp fizeram uma série de visitas a órgãos de governo
norte-americanos, dentre os quais o Departamento de Comércio e a
Representação Comercial dos Estados Unidos (United States Trade Representative
– USTR). Em março último, reuni-me, em Washington DC, com o embaixador
Peter Allgeier, ministro interino do USTR, e William Lash, secretário assistente
de Comércio. Também assinamos Memorando de Entendimento entre a Fiesp
e a Associação Nacional das Manufaturas (National Association of Manufacturers
NAM), dos Estados Unidos. Estamos intensificando a cooperação com a U.S.
Chamber of Commerce.
Realizamos, ainda, na própria Fiesp, em 29 de março, o seminário “O
Brasil Contra a Pirataria”, com a presença de diversas autoridades, incluindo o
senador Norm Coleman, presidente do Subcomitê para o Hemisfério Ocidental
da Comissão de Relações Exteriores do Senado norte-americano, e o embaixador
dos Estados Unidos no Brasil, John Danilovich. Em 16 de junho, promovemos
o Seminário “O Brasil contra a Pirataria: a luta continua”.
A entidade, primeira instituição nomeada para o Painel de Colaboradores
do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, também realizou numerosas
outras ações no enfrentamento ao problema: inauguração da Instalação Interativa
“O Brasil contra a Pirataria”, montada na Avenida Paulista, em São Paulo, na SP
Fashion Week, Praia Grande, Ministério da Justiça e Câmara dos Deputados;
relatório “Brasil: País Pirata?”, detalhando temas ligados à propriedade intelectual;
o estudo “Brasil e o Sistema Geral de Preferências Norte-Americano”; articulação
com outras entidades de classe e as áreas de Negociações Internacionais e Defesa
Comercial do Derex.
Além disso, realizamos, em setembro, o Summit on Intellectual Property Rights,
promoveremos o Programa de Treinamento de Agentes Públicos, em parceria
Desafios e perspectivas da economia brasileira
36 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
36
com o Ministério da Justiça, e enumeramos os parâmetros mínimos para alteração
da legislação brasileira e atuação das instituições ligadas à fiscalização, apreensão
e destinação de mercadorias pirateadas. Estamos criando, ainda, um portal digital
com informações sobre identificação de produtos e valoração aduaneira.
Toda essa mobilização, ações e estratégias são demonstrações muito claras
do empenho da Fiesp no enfrentamento do problema. A indústria paulista, ombro
a ombro com todos os setores de atividade, não dará trégua no combate a esse
mal, até que seja extirpado de nosso meio. A economia brasileira deve prosperar
num ambiente produtivo de respeito à qualidade, à ética, à transparência e à garantia
de origem e reconhecimento à propriedade industrial e intelectual.
Além desse eixo básico de soluções estruturais (dívida pública, sistema
tributário-fiscal, juros/crédito, gargalo da infra-estrutura e política comercial),
há várias outras medidas imprescindíveis constantes da pauta de desafios a serem
vencidos, entre as quais as mais importantes são as seguintes: o fortalecimento
das pequenas e microempresas, o avanço da inovação e da pesquisa e a melhoria
da qualidade do ensino, tudo com a participação da sociedade e dos setores
produtivos, no exercício da responsabilidade social. Todos esses itens, como
aqueles anteriormente enumerados, integram as bandeiras da Fiesp.
No tocante às micro e pequenas empresas, é interessante constatar que o
Brasil tem um empreendedor para cada oito habitantes, contra um para 10 nos
Estados Unidos. Aqui, o número de pessoas que abriram negócio próprio cresceu
de 18 milhões para 23 milhões, de 1999 e 2003, período no qual o volume de
assalariados ficou estabilizado em 18 milhões. Outro dado importante: a
participação das mulheres entre os empresários, de 30% na média mundial, aqui
é de 40%. Contraponto: pesquisa do Banco Mundial (BIRD) mostra os
empecilhos ao empreendedorismo no País, a começar pela burocracia. Aqui,
são necessários 152 dias para abrir uma empresa, ante 2 na Austrália e 4 nos
Estados Unidos. Nesse item, ocupamos a 73ª pior posição entre 78 países.
Quanto ao fechamento de empresas, são gastos, aqui, 10 anos para a
quitação, contra 6 meses no Japão e 18 na Rússia. As leis trabalhistas são outro
problema (observem aqui outra prioridade: a reforma legal das relações de
trabalho). Entre 133 nações, a nota brasileira é 78. Para comparar: Cingapura
tem o sistema mais flexível e adequado, com nota 20. Seguem-se Estados Unidos
(22) e Canadá (34). Neste cenário, não há dúvida de que, entre as prioridades a
serem atendidas, está a aprovação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas,
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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37
cujo anteprojeto — é importante lembrar — foi entregue ao presidente Luiz
Inácio Lula da Silva dia 8 de julho, em histórica marcha cívica a Brasília.
O processo de elaboração do anteprojeto, sem exagero algum, é um dos
mais fortes exemplos de democracia participativa. O trabalho iniciou-se em
outubro de 2003. Foi o resultado de amplas negociações, encontros e seminários,
em todas as regiões do País, com o envolvimento de seis mil representantes de
todos os setores de atividade. Coordenado pelo Sebrae, foi encampado pela
Frente Empresarial pela Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, lançada
oficialmente na sede da Fiesp, em São Paulo, em 12 de abril último.
É preciso romper o paradigma dos impostos e juros
exagerados e da burocracia excludente
O movimento é uma resposta a quem empreende e trabalha no Brasil.
Para estes, o anteprojeto representa o rompimento do paradigma dos impostos
escorchantes, juros estratosféricos e burocracia excludente. Somente no Estado
de São Paulo, há 4,5 milhões de empreendedores. As pequenas e micro são 99%
do total de empresas do País e respondem por 67% dos postos de trabalho.
Assim, é preciso apoiar, estimular e garantir sua longevidade. Nesse sentido,
entre outras medidas, como a desburocratização e ampliação dos limites de
faturamento para a sua caracterização jurídica, a Lei Geral contém três itens
capazes de melhorar e ampliar os financiamentos: não-incidência de tributos
sobre os empréstimos realizados por meio das Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor (SCM) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIP); criação de linhas de crédito específicas para o segmento; e
ampliação dos sistemas de garantias.
Quanto à pesquisa e inovação, é importante lembrar que, nos últimos cinco
anos, a produção científica nacional quintuplicou em relação à média da década
de 1980. Atualmente, o Brasil forma mais de seis mil doutores por ano. Isso é
muito positivo! Contudo, os indicadores não significam que atingimos o estágio
adequado. Ainda é preciso avançar, em especial no sentido de estabelecer maior
interação entre academia e produção. A iniciativa privada deve valorizar cada
vez mais os detentores do conhecimento. Nos Estados Unidos, há cerca de 800
Desafios e perspectivas da economia brasileira
38 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
38
mil cientistas fazendo pesquisas em empresas; na Coréia do Sul, são 75 mil; aqui,
menos de 10 mil. Resultado: a Coréia registra 3.500 patentes por ano nos Estados
Unidos, e o Brasil, apenas 100.
É exatamente o escopo de facilitar e ampliar o acesso das empresas ao
conhecimento, à pesquisa e à inovação que caracterizou protocolo de cooperação
que a Fiesp acaba de firmar com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária), organismo que estabelece parâmetros de excelência, com amplo
e merecido reconhecimento nacional e internacional.
O acordo atende aos objetivos do Comitê da Cadeia Produtiva do
Agronegócio/Agroindústria da Fiesp, instituído para responder à crescente
importância do Brasil como fornecedor de alimentos e insumos agropecuários —
vale lembrar que, em nossa gestão, criamos vários comitês de cadeias produtivas, de
forma que a Fiesp possa gerar informação e contribuir para as soluções e avanços
dos distintos segmentos da própria indústria e daqueles com os quais ela interage.
Nos entendimentos com a Embrapa, ficou claro nosso intuito de participar
dos esforços no sentido de que se cumpra o vaticínio de que esta Nação será o
grande celeiro da Terra, até mesmo na produção de energia renovável para
alimentar as fábricas e os automóveis. Para isso, no entanto, é necessário que o
agronegócio tenha crescente qualidade e custo competitivo, sendo potencializado
pelo adubo da ciência e do conhecimento. A conquista desses diferenciais está
contemplada no acordo, que alinhará a tecnologia agropecuária às necessidades
e demandas da indústria.
O protocolo firmado, responde, assim, ao antigo desafio brasileiro de
aproximar a academia, os institutos e as fontes da ciência e da pesquisa dos
setores de atividades. Trata-se de levar o conhecimento à prática da produção,
agregando-lhe o valor incomensurável do crescimento econômico. A
proximidade entre uma agência tecnológica de altíssimo nível e o setor
manufatureiro é essencial, pois só assim alcançaremos todos os elos da cadeia
produtiva, ampliando ainda mais as exportações, criando empregos, gerando e
distribuindo renda e oferecendo cada vez mais alternativas, qualidade e segurança
aos consumidores brasileiros.
O ingresso da Nação na chamada sociedade do conhecimento não se esgota,
contudo, no âmbito da pesquisa avançada, da ciência e da academia. Inicia-se, na
verdade, na democratização de oportunidades, não só no tocante ao ensino
Infantil, Fundamental e Médio, como num processo mais amplo de inclusão
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Paulo Skaf
39
social. O Brasil de amanhã — desenvolvido ou ainda emergente — será
exatamente a nação que tivermos a capacidade de edificar. Assim, é fundamental
entender que o caminho da prosperidade socioeconômica passa, necessariamente,
por uma série de políticas públicas articuladas. Temos de resgatar o passivo
social e transformar empregos, empreendedorismo e salários dignos nos
principais meios de inserção de milhões de habitantes nas prerrogativas da
cidadania e nos benefícios da economia. Isso significa garantir os direitos básicos
à saúde, educação, moradia, cultura e lazer.
A dimensão do desafio não deve ser motivo de desânimo, mas sim entendida
como oportunidade histórica de o País avançar na qualidade de vida. Enfrentar
com sucesso o problema exige ampla mobilização da comunidade, dos setores
produtivos e do voluntariado. O ânimo relativo à nossa capacidade de implementar
positiva transformação histórica renova-se plenamente no crescente engajamento
da sociedade civil na promoção do bem comum, conforme atesta o exemplo
bem-sucedido de atuação da Fiesp no âmbito do Terceiro Setor.
Na área do ensino, a entidade tem destacado trabalho. Com 700 mil
matrículas/ano, em 150 unidades, o Senai-SP oferece, gratuitamente, 45
habilitações de nível técnico e 31 em Aprendizagem Industrial. Mantém quatro
cursos superiores de tecnologia (gráfica, mecatrônica, vestuário e meio ambiente)
e formação continuada. A instituição forma profissionais qualificados para a
indústria contemporânea e cidadãos prontos a dar sua contribuição ao
aperfeiçoamento da sociedade.
O Sesi-SP, com 215 unidades escolares, registra 190 mil matrículas/ano em
Educação Infantil, Ensino Fundamental e de Jovens e Adultos. Também atua na
saúde, cultura, esportes/lazer e alimentação, atendendo industriários, seus filhos e
a comunidade. Promove, ainda, a Ação Global, em parceria com a Fundação
Roberto Marinho e a Rede Globo de Televisão. Exemplos de seu trabalho na área
cultural são o Teatro do Sesi, que apresenta peças de alta qualidade, a Galeria de
Arte e a Biblioteca Circulante Maria Braz. Outra importante iniciativa é o Prêmio
Fiesp/Sesi-SP do Cinema Paulista, que criamos em nossa gestão. Trata-se de
promoção conjunta com o Sindicato da Indústria Cinematográfica do Estado
de São Paulo (Sicesp), visando a incentivar a produção e divulgar o cinema
brasileiro, facilitar o acesso do público e formar novas platéias. O prêmio integra
as atividades do Comitê de Ação Cultural da Fiesp, também instituído em nossa
administração.
Desafios e perspectivas da economia brasileira
40 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
40
Os serviços prestados pelo Sesi-SP na área da saúde contam com
ambulatórios odontológicos, consultórios médicos, salas de enfermagem,
laboratórios e unidades móveis. A instituição mantém os programas Saúde Escolar
e Saúde da Empresa e atua nos segmentos da Reabilitação, Segurança e Saúde no
Trabalho, Odontologia e atendimento preventivo (posto Poupa Tempo Itaquera).
Quanto à alimentação, há o programa “Alimente-se Bem”, voltado à
orientação nutricional. O projeto, que inclui cursos gratuitos e palestras nas
dependências do próprio Sesi-SP, já capacitou cerca de 150 mil pessoas. Ainda
sob responsabilidade da equipe de alimentação da entidade, estão nove cozinhas
experimentais, responsáveis por mais de um milhão de refeições/ano. Há, ainda,
49 Centros de Atividades (CATs), oferecendo práticas esportivas, sociais e
recreativas, sempre com a intenção de melhorar a qualidade de vida dos usuários.
No campo da ecologia — outro segmento importante no contexto da
responsabilidade social —, fizemos absoluta questão de lançar na sede da Fiesp a
nova versão da Norma NBR ISO 14001: 2004 sobre Sistema de Gestão Ambiental,
disponibilizada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A meta
foi contribuir para a difusão da importância dessa normalização. A Fiesp coopera
na realização do trabalho e é responsável pelo subcomitê que dirigiu a elaboração
da versão brasileira do relatório técnico da ISO sobre Ecodesign.
A entidade, por meio do Departamento de Meio Ambiente, intensifica sua
atuação nessa área. Especialistas acompanham e desenvolvem ações em gestão e
licenciamento ambiental, prevenção e controle da poluição, recursos hídricos e
resíduos industriais. Todo empenho está sendo feito para que a indústria avance
sempre na prática ecológica, atendendo às exigências da cidadania, dos mercados
interno e externo e difundindo a consciência de que o homem é parte e não senhor
da natureza.
Portanto, ao chamado do País, a indústria de São Paulo, por meio da Fiesp,
diz “presente” no exercício da responsabilidade social. Esta mobilização
demonstra, de forma tácita, não ser utópico o país desenvolvido e socialmente
justo que tanto almejamos. Sua gênese está no espírito solidário e na consciência
cívica dos brasileiros. Em todos os setores observa-se, em maior ou menor
escala, a preocupação com o social. A multiplicação de exemplos positivos e
soluções eficazes será fundamental.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Paulo Skaf
41
O Brasil está a um passo do desenvolvimento. Basta fazer
as lições de casa com eficácia
Enfrentados de forma competente esses desafios que ainda se interpõem
entre o Brasil que temos e o Brasil que queremos, as perspectivas de prosperidade
e de ingresso num duradouro ciclo de crescimento são muito promissoras e, o
mais importante, viáveis. Temos a mais desenvolvida indústria da América Latina,
o que garante boa posição no mercado de bens com valor agregado, avançado
agronegócio, sistema financeiro bem estruturado e serviços cada vez melhores.
O Brasil é pluralista. Aqui, todas as etnias, religiões e ideologias, ao contrário
do que ocorre em outras nações e regiões, convivem em paz e harmonia. Depois de
21 anos da eleição de um presidente civil, Tancredo Neves, o País tem hoje democracia
consolidada e instituições fortes, que resistem com normalidade e consistência às
crises políticas. Possui imensos recursos naturais, a maior biodiversidade e reserva
de água do mundo (fator determinante neste século), quase auto-suficiência em
petróleo e produção superlativa de fontes de energia renovável, em especial a cana-
de-açúcar. Sua economia é a 12ª do planeta e sua população tem dado sucessivas
demonstrações de capacidade de enfrentar e superar obstáculos.
O Brasil está a um passo do desenvolvimento. Para isso, como vimos,
precisa vencer os desafios anteriormente apontados, além de realizar um grande
esforço para resgatar o passivo social — o novo ranking do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), que acaba de ser divulgado pelas Nações
Unidas, embora indique um pequeno avanço do País, demonstra que ainda há
muito o que caminhar. O 63º lugar é bastante desconfortável para o detentor de
uma das maiores economias do mundo.
Assim, é imprescindível executar as lições de casa com a devida
profundidade e competência, carimbando o passaporte para o primeiro mundo.
No âmbito dessa missão decisiva para o futuro da Pátria, que se chame o
Congresso Nacional e o Poder Executivo à sua responsabilidade perante os 190
milhões de brasileiros. Seria intolerável que o calendário eleitoral e as denúncias
de corrupção e CPIs, que devem mesmo ser levadas às últimas conseqüências,
prejudicassem a pauta de matérias prioritárias e adiassem mais uma vez a
concretização do projeto de desenvolvimento deste grande Brasil.
A Fiesp assume firme posição nesse sentido, com o justo respaldo de
representar o parque industrial paulista, que responde por 43% do PIB do Estado,
Desafios e perspectivas da economia brasileira
42 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
42
o qual, por sua vez, participa com aproximadamente 35% das riquezas nacionais.
O PIB da indústria de São Paulo abrange cerca de 45% do PIB industrial do Brasil.
De acordo com dados do IBGE, a produção industrial do Estado cresceu cerca de
11,7%, em 2004, quando comparada com 2003. Esta forte expansão representou
uma retomada após anos de baixo desempenho. Outro dado auspicioso: o setor
industrial do Estado de São Paulo respondeu por aproximadamente 0,313% das
exportações mundiais em 2004, 0,287% em 2003, e 0,297% em 2002.
Nossa entidade tem feito críticas, apresentado reivindicações e se engajado
com muita firmeza em toda a mobilização dos setores produtivos. No entanto,
de forma responsável, sempre apresenta soluções e diagnósticos, buscando
contribuir para que a Nação encontre alternativas de prosperidade e
desenvolvimento. Nesse sentido, temos realizado vários estudos e pesquisas de
consistente conteúdo, muitos deles resultando em conquistas efetivas.
Medida proposta pela Fiesp propiciará desoneração fiscal
de R$ 500 milhões no setor da construção civil
Entre os pontos do texto final da MP do Bem, cinco foram propostos
pela Fiesp — Isenção de ganho de capital na venda e compra de habitações,
com limite nas transações de imóveis de até 180 mil reais; fator de redução para
aquisição de imóvel, dentro de uma tabela progressiva, visando a fomentar a
comercialização; maior segurança para financiamentos imobiliários dentro do
princípio do patrimônio de afetação (ajuste na Lei 10.131 / 2004), cuja redução
é de 30% para 7% na tributação sobre o patrimônio de afetação; correção de
distorções do PIS/ Cofins nos contratos imobiliários dentro da sistemática da
cumulatividade (de 9,5% para 3,65%); e permissão para contabilizar a receita
financeira no princípio do lucro presumido. O mais importante é que essas
medidas propiciarão desoneração fiscal na indústria da construção civil de R$
250 milhões, em 2005, e de R$ 500 milhões, em 2006. Em tempo: o setor
imobiliário não estava contemplado na versão original da MP.
Outra medida importante foi a prorrogação pelo Bndes, de 30 de junho
para 31 de dezembro de 2005, da vigência do Programa de Geração de Emprego
e Renda (Progerem). A medida possibilita às micro, pequenas e médias empresas
melhores condições para acesso a crédito especial para capital de giro. O recente
anúncio do Bndes, de redução dos juros para créditos destinados a
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Paulo Skaf
43
financiamentos, tem sua essência expressa em estudo da Fiesp, que demonstrou:
a queda de apenas um ponto percentual na Tjlp (Taxa de Juros de Longo Prazo)
implicaria aumento de R$ 1,1 bilhão nos financiamentos, o equivalente a 3.754
operações de crédito do Bndes.
A isenção do Icms, no Estado de São Paulo, para farinha de trigo, pão
francês, macarrão e bolachas sem recheio também foi uma proposta da Fiesp
encampada pelo governo paulista. Outras sugestões dizem respeito a
providências de caráter burocrático e administrativo, cujas conseqüências para
as empresas nem sempre são percebidas pelos setores competentes do Estado.
Há dois exemplos dessa natureza, relativos a medidas adotadas pela Receita
Federal: prorrogação, de 31 de janeiro para 10 de fevereiro de 2005, do prazo
para o cumprimento das chamadas obrigações acessórias; e a autorização — às
empresas que ainda não haviam obtido certificação digital — para entrega,
diretamente em uma unidade daquele órgão, da Declaração (mensal) de Débitos
e Créditos Tributários Federais, em março último. Ou seja, duas questões
rotineiras, que em nada prejudicaram o governo, mas que, se não atendidas,
significariam imenso transtorno e onerosas multas para milhares de empresas.
Esses avanços demonstram o quanto é importante e necessário exercitar
o que chamo de autoridade produtiva, ou seja, a efetiva participação de
empresários e trabalhadores nas decisões relativas aos destinos do País. É com
este espírito que defendemos, como uma das bandeiras da Fiesp, a ampliação
do Conselho Monetário Nacional (CMN), incluindo-se nele representantes da
sociedade. É inadmissível continuar patinando na mesmice do olhar simplista e
na crença destrutiva de que somos incapazes de estruturar uma economia forte.
O Brasil, como vimos, precisa de um projeto consistente de país, com
ações planejadas, articuladas e eficazes. Esgotou-se o modelo de financiamento
da dívida pública com papéis escriturados por juros exorbitantes, que convertem
qualidade de vida, justiça social e pleno emprego em algo próximo da usura. É
preciso remover os obstáculos à conquista da prosperidade. Para cumprir seu
papel nesse processo, os empresários não querem benesses fiscais, subsídios ou
reservas de mercado. Desejam, apenas, melhores condições para trabalhar,
produzir, criar empregos e investir. A síntese de suas reivindicações traduz-se
no cumprimento de uma agenda orientada pelo “bom-senso” e pela visão realista
dos problemas e das potencialidades nacionais.
Revisão: Regina Furquim.
DEP
Programa de governo (2006-2010)
44 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
44
Programa de governo
(2006-2010)
Michelle Bachelet
*
* Presidenta da República do Chile.
arta aos Chilenos
Antes de começar a leitura deste Programa de Governo quero compartilhar
algumas coisas que aprendi nestes meses, ao ouvir os chilenos e conviver com
eles, levantando uma nova esperança.
Não fui criada para o Poder e nunca fiz nada para alcançá-lo. Não pertenço
a uma elite tradicional. Meu sobrenome não está entre os fundadores do Chile.
Fui educada em um liceu público e na Universidade do Chile. Estudei medicina
porque me maravilhava a possibilidade de curar um enfermo, de retirar a dor, a
angústia e trazer a alegria de volta ao lar de uma criança doente.
Como a maior parte dos chilenos, nada recebi de presente. Quase tudo o
que sei aprendi lutando, por amor aos meus filhos, à minha profissão, ao meu país.
A política penetrou na minha vida destruindo o que mais amava, porque
fui vítima do ódio; consagrei-a a reverter as suas garras e convertê-la em
compreensão, tolerância e – porque não o dizer – em amor.
C
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
45
Vivenciei perto demais a história do Chile para não reconhecer uma
oportunidade histórica quando a vejo – e esta é, sem dúvida, uma oportunidade
histórica: um momento sem precedentes para o país.
Hoje, graças ao esforço dos três governos da Concertação, os chilenos
podemos olhar para o céu com os pés bem postos sobre a terra. Sabemos que o
desenvolvimento com justiça e a paz com liberdade não são palavras vazias, mas
metas que podem ser alcançadas, e só dependem de sabermos trabalhar juntos.
Hoje sentimos como nunca que as divisões, o ódio e o medo são parte do
passado. Passado encarnado pelos que querem que o Chile mude sem que eles
também mudem. Os que não concebem abandonar suas lutas e os seus egos
pelo bem do país. Os que fazem da arrogância e do medo sua única bandeira.
Dezessete anos depois da volta da democracia, os chilenos atingimos a
maioridade. Somos autônomos, livres, responsáveis, estamos agora sem pais
protetores que nos digam o que devemos pensar, fazer ou sonhar. Estamos
preparados para alcançar com maturidade um país justo e próspero para todos.
Minha candidatura nasceu espontaneamente do apoio dos cidadãos. Não
surgiu de uma negociação por trás de portas fechadas, ou de um conclave
partidário. O presente programa reflete estas origens da minha candidatura:
centenas de pessoas contribuíram para ele, em diálogos cidadãos e em grupos
de trabalho.
É um programa pensado a partir das necessidades dos chilenos que não
opinam nos jornais ou na televisão, que não podem contratar uma banca influente
de advogados, que não dispõem de parentes ou cunhas na máquina pública, no
Congresso, nos sindicatos ou nos corredores do poder.
Meu empenho em consultar e incluir as pessoas tem sido criticado. Para as
elites, escutar é um sinal de debilidade. Estou convencida, porém, de que nele
reside a força do que estamos fazendo.
Porque a principal riqueza do Chile não é o seu cobre, as suas frutas ou a
madeira, mas a sua gente. Esta riqueza de engenhosidade, de vontade, de sonhos,
é que quero potencializar. Estou convencida de que as chilenas e os chilenos
podem ter: mais idéias, mais trabalho, mais força, mais riqueza.
Este Programa de Governo pretende estar à altura desse potencial, e por
isso é ao mesmo tempo ambicioso e realista. Sabemos todos que os problemas
que precisaremos abordar não são fáceis nem podem ser solucionados da noite
Programa de governo (2006-2010)
46 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
46
para o dia. Minha única promessa de governo é ajudar a criar, com a minha
capacidade e todas as minhas forças, uma sociedade na qual ninguém possa dizer
“não consegui”, ou “não me deixaram”.
Para alcançar esse objetivo central precisamos investir mais em educação
– da pré-escolar à universitária. Ao mesmo tempo devemos sujeitar-nos a padrões
de qualidade mais claros e exigentes na qualidade do ensino. Precisamos acabar
com os enclaves autoritários na escola, e aplicar planos e programas que
fortaleçam a pesquisa e a criatividade dos estudantes.
Necessitamos dar um salto gigantesco no campo da proteção social:
melhores aposentadorias, um seguro de desemprego mais generoso e padrões
mínimos de saúde para todos, porque é imoral que muitos chilenos não tenham
o direito de adoecer ou de envelhecer sem cair na pobreza.
É imoral que tantas famílias de classe média vivam sob o temor de que
algum acontecimento inesperado as fará perder o que conseguiram depois de
longos anos de esforços.
Precisamos continuar trilhando com segurança a senda do desenvolvimento
econômico, fundado na seriedade e no equilíbrio orçamentário, sem por isso deixar
de ajudar aos que ficam para trás e precisam do nosso auxílio.
Precisamos romper as fronteiras invisíveis que a deliqüência traça na cidade,
formar polícias melhores e mais numerosas, tanto Carabineiros como
Investigadores, e continuar aprofundando as reformas da Justiça e dos presídios.
Precisamos que o nosso Estado tenha melhor rendimento e trate melhor
as pessoas. Não é possível que um número excessivo de chilenos se sintam sós e
desprotegidos porque dependem de uma prefeitura, de uma agência dos correios
ou de um hospital, de uma escola ou um liceu, de qualquer repartição pública
que não os leva em conta e, muitas vezes, complica e posterga o atendimento
dos seus pleitos.
Precisamos que as mulheres tenhamos não só os mesmos direitos dos
homens mas também a possibilidade de exercer esses direitos, mediante uma
genuína política de apoio.
Que o fato de uma mulher ser Presidente não deve ser visto como uma
raridade, mas como um augúrio.
Precisamos criar novos espaços de liberdade para dar voz a um Chile plural
e diverso, em que todos nos sintamos à vontade, sem censuras e sem arrogâncias.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
47
Como conseguir tudo isso? Este programa está repleto de números, de
medidas concretas para alcançar o objetivo almejado. É ao mesmo tempo uma
bússola e uma carta de navegação que nos indica o caminho a seguir.
Enquanto volto a ler este Programa de Governo, vejo também rostos e
vozes de tantos chilenos com quem compartilhei estes meses. Chilenos que vivem
com muito esforço e dificuldade, trabalhando mais de doze horas por dia, sem
saber às vezes como chegar ao fim do mês, mas que de vez em quando me
dizem: “Acreditamos em você, doutora”.
Essa fé de tantas e de tantos me faz sentir responsável e humilde. Como
eles, eu acredito nas pessoas muito mais do que nos discursos, nas pesquisas ou
nos números. A fé nas pessoas tem sido o centro da minha vida e do meu trabalho,
e sei que será o motor desse novo Chile que entre todos vamos construir.
Minha tarefa não é senão dar aos chilenos as oportunidades para que o
Chile seja de todos, e para que todos sejamos o Chile. A chave do futuro não
está nas mãos de ninguém em particular, mas na de todos nós. Entre todos
podemos fazer a mudança e olhar de frente para um país melhor. Para mim é um
privilégio poder servir aos chilenos nesta nova e fértil primavera.
Introdução
O Programa de Governo é o resultado de um enorme esforço de reflexão
de que participaram, direta ou indiretamente, vários milhares de pessoas.
Teve início com os Diálogos Cidadãos que a candidata presidencial levou
a cabo ao longo de todo o país, nos últimos doze meses. Prosseguiu através de
uma centena de grupos de trabalho que elaboraram propostas para as então
duas candidatas da Concertação. A isso se somou a contribuição das comissões
técnicas dos partidos da Concertação, que elaboraram também um Manifesto
Programático unitário, cujos princípios foram incorporados neste documento.
Na etapa final, todos os partidos da Concertação, e centenas de contribuintes
independentes se integraram, através de técnicos e de profissionais, a cinqüenta
comissões, cujas conclusões iniciais foram consideradas no texto que segue.
Este Programa procura responder à demanda da cidadania, antes de entrar
em uma nova fase do nosso desenvolvimento.
Programa de governo (2006-2010)
48 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
48
Depois de quinze anos de bem sucedido processo de consolidação de
uma democracia sem qualificações, de um crescimento econômico cuja taxa anual
duplica a alcançada pelo governo de Pinochet, e de uma notável redução da
pobreza, faz-se necessário passar para uma nova etapa.
Nesta nova etapa devemos assegurar-nos de que a nossa economia continue a
crescer. Se o conseguirmos durante a próxima década, com as mesmas taxas que a
Concertação tornou possíveis desde 1990, alcançaremos o nível de renda de países
como Espanha ou Portugal. Essa prosperidade nos abrirá o caminho para deixar
para trás a pobreza e para melhorar de forma notável o nível de vida dos chilenos.
No entanto, este é apenas um dos desafios que enfrentamos.
No Chile, e em todos os países que se globalizam, as oportunidades se
multiplicam, mas aumentam ao mesmo tempo os riscos para o povo. Assim,
surge com força a demanda por um país mais acolhedor, capaz de reduzir os
riscos e a insegurança econômica que afetam amplos setores da população, não
só os pobres, mas também segmentos da classe média.
O Chile continua sendo um país inaceitavelmente desigual.
De fato, essa desigualdade é múltipla: são desigualdades entre homens e
mulheres, entre diferentes etnias, entre ricos e pobres, entre grandes e pequenas
empresas, entre os que tiveram e os que não tiveram acesso a uma educação de
qualidade, entre as regiões que se desenvolvem e as que permanecem em atraso.
Uma razão de ser dos governos da Concertação tem sido reduzir essa
desigualdade. Temos procurado corrigir o modelo de crescimento, humanizá-
lo e diminuir a incerteza que implica, procurando obter um melhor equilíbrio
entre a expansão econômica e a eqüidade social.
Além dos progressos, evidentes para qualquer observador, a tarefa ainda
está incompleta. À medida que temos aprofundado a plena integração do Chile
ao mundo, mais forte se tornou à urgência de reduzir as desigualdades e
resguardar nossa gente e nossa economia – com uma rede de proteção social –
dos choques da economia internacional.
A globalização dá mais vantagens e oportunidades às empresas de maior
tamanho, em comparação com as pequenas e médias. A face oculta deste processo
pode ser a concentração do mercado, que ameaça a livre competição e prejudica
os interesses de cidadãos e consumidores. Uma economia moderna combate e
pune as práticas anticompetitivas.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
49
Integração internacional não é sinônimo de perda de identidade. Os chilenos
e os cidadãos de muitos países aspiramos hoje a uma maior identidade regional
e local, maior descentralização do poder, maior proximidade da autoridade e
mais participação – e nada disso acontece automaticamente em uma economia
de mercado globalizada, modelo que é preciso corrigir.
A democracia e o crescimento econômico abrem oportunidades. Essas
oportunidades não devem ser negadas pelo preconceito e a discriminação. O Chile
somos todos nós: por isso queremos progresso para todos, não somente para alguns.
O êxito do projeto democrático do Chile tem sido reconhecido
internacionalmente, mas podemos torná-lo ainda maior. Devemos construir uma
sociedade mais democrática, mais participativa, menos desigual: um país com
mais liberdades, sem censuras e sem temores.
O Chile é o nosso lar. Por isso queremos que seja amável, integrador, acolhedor.
Os chilenos queremos também uma liderança nova e diferente. Queremos
um Estado mais transparente, no qual a informação esteja ao alcance de todos,
e não só dos que têm amizades entre os poderosos. Queremos um governo
diferente e paritário, que nos represente a todos.
Este Programa distingue cinco áreas temáticas que refletem as prioridades
do futuro governo: uma nova rede de proteção social, condições para um salto
rumo ao desenvolvimento, um programa para melhorar a qualidade de vida
dos chilenos, o combate contra a discriminação e a exclusão, e um novo
tratamento dos cidadãos em todos os aspectos da ação pública. O texto termina
com uma proposta sobre o lugar que o Chile deve ocupar no mundo durante
esta nova fase do nosso desenvolvimento.
Uma nova política de desenvolvimento
O Chile retomou com energia o caminho do crescimento, sustentando-se
sobre uma forte base institucional, política e econômica, combinada com os
preços elevados do cobre. Temos hoje a oportunidade de converter o que poderia
ser um impulso transitório em fator duradouro do desenvolvimento. O exemplo
dos países ricos em recursos naturais – como Finlândia, Suécia, Nova Zelândia
e Austrália – está à vista.
Programa de governo (2006-2010)
50 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
50
O país deve inovar em torno das suas vantagens comparativas, investindo
na ciência, na tecnologia aplicada e na formação de recursos humanos
especializados.
Como é natural devemos continuar exportando cobre, vinhos e salmão,
mas precisamos também chegar a exportar software para a mineração, técnicas
para melhorar o rendimento dos vinhedos e remédios para as enfermidades que
afetam o salmão – o que em alguns casos já está acontecendo.
Os governos da Concertação têm persistido na promoção da pesquisa
científica, do desenvolvimento tecnológico e da inovação produtiva. O governo do
Presidente Lagos deu início à Política Nacional para o Desenvolvimento da
Biotecnologia e da Agenda Digital. Nos últimos anos deste governo foram fortemente
ampliados os recursos públicos destinados a financiar a inovação e a tecnologia.
Não obstante, o sistema nacional de inovação do Chile ainda enfrenta
muitas deficiências no seu financiamento, que tornam necessárias soluções novas
e criativas. A despesa agregada em Pesquisa e Desenvolvimento é pequena, com
participação reduzida do setor empresarial e mecanismos insuficientes de
transferência e difusão tecnológica.
O país não conta com uma dotação suficiente de capacidade científica e
tecnológica, a qual dispersa seus esforços em numerosas iniciativas de pequena
envergadura. E no campo da Pesquisa e Desenvolvimento os resultados não são
adequadamente valorizados nem protegidos por meio de patentes e outros
mecanismos, o que reduz o potencial de negócios baseados em novos produtos
e processos tecnológicos.
Não há uma instância formal que coordene, atribua linhas gerais de ação,
avalie e zele pela consistência do Sistema Nacional de Inovação. A necessidade
de uma política pública neste campo é patente, dadas as externalidades, os
problemas potenciais de coordenação e outras falhas do mercado, há muito
tempo já identificadas pelos especialistas.
Em agosto de 2005 foi apresentado no Congresso Nacional um projeto
de reforma que cria o Fundo de Inovação para a Competitividade (FIC), que
confia a um Conselho de Inovação para a Competitividade a responsabilidade
de formular e sugerir ao Presidente da República uma estratégia de longo prazo,
assim como de propor anualmente a utilização desse Fundo.
Nosso governo tem diante de si o desafio de pôr em marcha esta nova
instituição, e de planejar uma política de ciência, tecnologia e inovação que gere
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
51
um regime institucional com incentivos econômicos claros, coerentes e estáveis,
um capital humano de qualidade e uma forte capacidade de inovação, orientada
para desenvolver encadeamentos produtivos em torno das vantagens
comparativas do nosso país. Não se trata de promover pequenas mudanças
marginais, mas de criar uma Nova Política de Desenvolvimento.
O conselho de inovação para a competitividade
Daremos forma ao Conselho de Inovação para a Competitividade, de
composição pública e privada, que assessore a Presidente da República nas
políticas relacionadas com a ciência, a formação de recursos humanos
especializados e o desenvolvimento, transferência e difusão de tecnologia. O
Conselho constituirá uma instância de coordenação e avaliação sistemática das
instituições e das políticas públicas de inovação para a competitividade.
Implementaremos a Estratégia Nacional de Inovação para a
Competitividade, elaborada pelo Conselho de Inovação, a qual levará em
consideração um horizonte de longo prazo, e cujo processo de elaboração será
amplamente participativo.
Nos primeiros seis meses de governo aperfeiçoaremos a institucionalidade
pública do Sistema Nacional de Inovação. Atribuiremos de forma clara a
responsabilidade pelo desenho e a coordenação das políticas pró-economia do
conhecimento, diferenciando-a da responsabilidade pela execução de programas
específicos.
Vamos pôr em marcha o Fundo de Inovação para a Competitividade,
com o objetivo de financiar iniciativas no campo da ciência, na formação de
recursos humanos especializados e do desenvolvimento, transferência e difusão
de tecnologias destinadas a aumentar a competitividade do país e das suas regiões.
Complementando esse fundo público com recursos adicionais, o setor público
aumentará em cerca de 50 por cento suas despesas em Pesquisa e
Desenvolvimento. Nossa meta é que ao completar o seu Bicentenário o país
destine à Pesquisa e Desenvolvimento mais de um por cento do Produto Interno
Bruto.
Fortaleceremos a ação notavelmente bem sucedida da Fundação Chile no
processo de inovação e introdução de novos produtos no cesto das nossas
exportações.
Programa de governo (2006-2010)
52 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
52
Transferiremos para as instituições executoras todos os recursos públicos
destinados a programas pró-inovação, mediante convênios que estabelecerão as
metas a alcançar de forma precisa.
Esses convênios estipularão mecanismos rigorosos de avaliação contínua,
assim como conseqüências concretas para as instituições executoras, com base
no seu desempenho. Os programas sem rendimento serão encerrados ou
reformulados, e os que apresentem bom rendimento serão fortalecidos com
recursos adicionais.
Exigiremos uma contribuição privada em todos os programas de
financiamento de pesquisa aplicada, para garantir a pertinência e relevância desse
esforço. Esta é a chave para fechar o hiato nas despesas em Pesquisa e
Desenvolvimento, que resulta não tanto de uma escassez de recursos públicos
como, principalmente, do reduzido custeio privado das pesquisas.
Obteremos melhores resultados dos gastos públicos para pesquisa nas
universidades. Com esse objetivo adotaremos metas em termos de
patenteamento para a pesquisa básica das universidades que receberam
transferências diretas dirigidas para a pesquisa produtiva. Essas metas serão
avaliadas e do seu cumprimento vai depender o futuro aporte estatal neste campo.
A Inovação Empresarial
Flexibilizaremos e ampliaremos os mecanismos destinados a apoiar
financeiramente projetos individuais de inovação, de modo a torná-los acessíveis
a um maior número de empresas e a estender o seu alcance a todas as etapas do
processo de inovação. Dar-se-á prioridade a novos produtos, atividades e
empresas – que são os que apresentam o maior crescimento potencial.
Manteremos e aprofundaremos os consórcios tecnológios empresariais
para a inovação.
Favoreceremos desta forma alianças perduráveis entre entidades de
pesquisa e o setor produtivo, para a execução de iniciativas de pesquisa,
desenvolvimento e inovação. Essas alianças permitirão abordar oportunidades
e problemas produtivos mediante instrumentos tecnológicos avançados.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
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Ciência, Tecnologia e Inovação
Desenvolveremos iniciativas que permitam ao país dispor das capacidades
humanas, técnicas e institucionais necessárias para empreender ações de grande
alcance no âmbito da inovação.
Promoveremos um grande investimento na formação de recursos
humanos, enfatizando a expansão da formação em pós-graduação para cientistas
e engenheiros, tanto no Chile como no exterior. Nossa meta é duplicar em quatro
anos o número de cientistas e engenheiros chilenos que recebem pós-graduação
no exterior. Reforçaremos os programas de inserção na empresa de profissionais
com títulos de magistério e doutorado.
Emprenderemos também ações orientadas para fortalecer o ensino da
matemática e das ciências nas escolas.
Melhoraremos a qualidade e a pertinência da pesquisa nacional,
fortalecendo e expandindo os centros de excelência que desenvolvam pesquisa
de alta qualidade em áreas temáticas de importância estratégica para o
desenvolvimento nacional. Daremos alta prioridade ao estabelecimento e
aprimoramento de redes internacionais de pesquisa cooperativa, que possibilitem
o acesso de pesquisadores chilenos a conhecimentos avançados nessas áreas.
Neste âmbito, destinaremos uma proporção importante dos recursos
públicos a estabelecer, ampliar e/ou fortalecer a capacidade regional de inovação
em áreas estratégicas, visando o seu próprio desenvolvimento.
As Pequenas e Médias Empresas e a Tecnologia
Incorporaremos às pequenas e médias empresas o esforço de inovação
mediante o desenvolvimento de uma rede de extensão tecnológica que
proporcione assistência a essas empresas, conforme explicado em detalhe mais
adiante, dentro do quadro do Programa Mais Empreendimento para o Chile.
Poremos em marcha uma política nacional de fomento da qualidade,
favorecendo a adoção de modelos de gestão de excelência, assim como a
certificação de acordo com normas internacionais de gestão de qualidade por
parte das pequenas e médias empresas.
Programa de governo (2006-2010)
54 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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Fortaleceremos a infra-estrutura normativa e tecnológica de apoio à gestão
de qualidade, ampliando e aperfeiçoando a disponibilidade de normas técnicas
e fortalecendo a rede metrológica nacional.
Fomento dos Empreendimentos Inovadores
O processo creativo não se detém com uma descoberta científica, o
desenvolvimento de um novo produto ou a formulação de uma nova técnica produtiva.
A culminação do processo de inovação tecnológica está na valorização
dos resultados mediante a sua comercialização no mercado. O apoio público a
esta etapa de novos empreendimentos é fundamental, especialmente quando
eles criam novos mercados.
Fortaleceremos os instrumentos públicos de apoio financeiro às etapas
iniciais dos empreendimentos inovadores, aprimorando e ampliando programas
de incubação de negócios tecnológicos, de capital semeador e de risco.
Apoiaremos a constituição e o funcionamento, em suas primeiras etapas,
de entidades de gestão e transferência tecnológica que desempenhem uma função
de nexo entre as instituições de pesquisa e o setor produtivo. Essas entidades
devem favorecer a materialização de empreendimentos baseados na tecnologia,
ao transferir para o mercado os resultados da Pesquisa e Desenvolvimento, e
devem imprimir uma maior relevância à pesquisa, orientando-a de acordo com
as exigências da demanda.
Promoveremos fortemente os negócios tecnológicos baseados em direitos
de propriedade intelectual, mediante o aperfeiçoamento da sua regulamentação
e o subsídio parcial das iniciativas de patenteamento, em especial no exterior.
Atração de Investimentos de Alta Tecnologia
O Chile deve aproveitar a tendência das empresas multinacionais para
localizar unidades de produção ou centros de desenvolvimento de produtos e
serviços em países de menor renda. O país poderá assim abreviar caminhos na
aquisição de competência própria das empresas e nos sistemas produtivos
altamente intensivos em inovação.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
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Incorporaremos os novos setores à promoção dos investimentos de alta
tecnologia, e criaremos uma rede externa de promoção. Flexibilizaremos as
modalidades de apoio de modo a tornar o nosso mercado mais atraente para as
empresas internacionais de inovação intensiva. Em associação com universidades
e juntamente com elas formaremos os recursos humanos especializados exigidos
por esses investimentos.
O Chile no Mundo
Desde que recuperamos a democracia, em 1990, os chilenos iniciamos um
processo bem sucedido de resinserção internacional. Avançamos muito em repor o
bom nome do Chile como uma nação democrática, republicana, promotora do
livre comércio, respeitosa do direito internacional e digna na defesa dos seus princípios
e interesses na ordem internacional. Os governos da Concertação projetaram o país
internacionalmente, e o colocaram em plena sintonia com o mundo.
Vivemos em uma época em que a globalização é o paradigma indiscutível
que vem condicionando a ordem mundial nos últimos anos. A lógica tradicional
de confronto de blocos geográficos ou de estados nacionais cedeu lugar à
diferenciação em torno de crenças em determinados valores. Essa mudança abre
novas oportunidades a países como o nosso, pequeno e afastado dos centros de
poder, mas comprometido com a integração internacional baseada nos princípios
da liberdade e da democracia.
Relações Internacionais
O Chile deve estabelecer as prioridades da sua política externa à luz das
realidades emergentes, as continuidades da sua inserção geográfica, seu entorno
histórico-cultural e o seu novo status internacional.
Devemos refletir o fenômeno da globalização na nossa política exterior,
através da integração regional e mundial, o multilateralismo e a cooperação
internacional.
Programa de governo (2006-2010)
56 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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Governar a Globalização
Reconhecemos a globalização, a interdependência crescente entre as nações
e as forças que buscam a integração regional como tendências próprias dos nossos
tempos. No entanto, enquanto o processo de globalização não promover bens
públicos universais, continuará carecendo de governabilidade e previsibilidade. E
sem governabilidade não há legitimidade possível para a globalização.
Apoiaremos decididamente uma política em favor da governabilidade da
globalização. Desenvolver institucionalidade e princípios comuns que facilitem
a governabilidade da globalização será o principal desafio a enfrentar pelo
conjunto da sociedade internacional. Promoveremos para isso a edificação de
uma ordem mundial inclusiva e transparente, em que todas as nações se regulem
por regras claras e igualmente válidas para todos.
Relações com os países vizinhos
Nossa política exterior terá como marca e centro de gravidade a promoção
de uma identidade regional comum na América Latina. Com a região
compartilhamos história, cultura, limitações, interesses e objetivos.
A dimensão de vizinhança da nossa política exterior terá um caráter
específico, dinamismo e significado estratégico prioritário. Promoveremos com
ênfase especial a cooperação em áreas estratégicas, como a promoção da
democracia, a integração comercial, a promoção da transparência e da probidade,
e a luta contra o narcotráfico.
A América do Sul é onde se registra o maior crescimento da exportação
de produtos chilenos de alto valor agregado, e onde é investida a maior parte
dos capitais privados nacionais. É onde existe o maior potencial para multiplicar
os laços turísticos, econômicos e culturais. Onde estão os sócios potenciais para
desenvolver projetos de energia, mineração ou infra-estrutura. Por isso
reafirmamos nosso compromisso com a Comunidade Sul-americana de Nações
e a Iniciativa para a Integração Regional Sul-americana, com o objetivo de
progredir no desenvolvimento da infra-estrutura regional.
Apoiamos resolutamente o desenvolvimento do Anel Energético com o
Peru, a Argentina, o Brasil e o Uruguai.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
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Com a Bolívia enfatizaremos um clima propício ao entendimento.
Estaremos sempre disponíveis para explorar um diálogo amplo e sem exclusões,
promovendo acordos econômicos assimétricos e incluindo facilidades de livre
trânsito, mas sempre sobre a base do respeito aos tratados limítrofes existentes.
Com o Peru reforçaremos a aliança de cooperação.
Continuaremos com a promoção das áreas de comércio, mediante a
ampliação e o aprofundamento do nosso acordo comercial, a facilitação do
movimento de pessoas e a geração de medidas de confiança no âmbito das
forças armadas.
Com a Argentina consolidaremos a auspiciosa associação política que
construímos. Continuaremos aprofundando um relacionamento bilateral que
abarca atualmente um número importante de assuntos principais, dentre os quais
serão prioritários os aspectos energéticos, de infra-estrutura, transporte, medidas
de confiança mútua entre as forças armadas e os aspectos econômico-comerciais.
Promover o Multilateralismo
O tamanho relativo do Chile condiciona a sua política internacional. Por
isso, promoveremos o multilateralismo, o respeito pelo direito internacional, a
solução pacífica de controvérsias, a intangibilidade dos tratados e a promoção
do direito internacional humanitário.
O multilateralismo é um compromisso estratégico da política exterior
chilena no plano sub-regional (Mercosul), regional (Grupo do Rio, OEA) e
especialmente global (ONU, OMC). Fortaleceremos o papel ativo do Chile nos
principais organismos das Nações Unidas e contribuiremos para o fortalecimento
dessa organização internacional. Buscaremos alianças com países com os quais
haja “critérios coincidentes”, que nos permitam maximizar a coexecução das
prncipais metas da nossa política exterior: a paz, os direitos humanos, a luta
contra a pobreza e o fim das barreiras discriminatórias no comércio mundial.
Mais Mercados e Melhores Regras de Comércio
O comércio internacional é hoje fundamental para o desenvolvimento do
Chile. Em matéria de integração econômica os avanços do Chile nos últimos
quinze anos não têm termo de comparação. A partir dos anos noventa, a
Concertação avançou na abertura negociada com os países da América Latina.
Programa de governo (2006-2010)
58 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
58
Desde o começo da presente década a prioridade negociadora do Chile se
concentrou nos tratados de livre comércio com os Estados Unidos, a União
Européia, a Efta, a Coréia e a Oceania. Simultaneamente, temos trabalhado e
estado presente em todas as iniciativas comerciais: Alca, Apec e OMC.
No plano multilateral, nossa prioridade será concluir as negociações da
Rodada de Doha, no quadro da Organização Mundial de Comércio, que
permitam contarmos com um sistema multilateral de comércio mais justo, com
regras claras, e que, em particular, reduza e elimine os subsídios à agricultura.
A sólida rede de acordos comerciais abriu novos caminhos de
desenvolvimento para as empresas e o país. Precisamos ainda de mais esforços
– tanto públicos como privados – para aproveitar plenamente essas
potencialidades. Por isso, a administração e gestão adequada dos acordos
assinados constituirão uma tarefa central no próximo período, e ela deve ser
cumprida em relação estreita com os operadores comerciais chilenos.
Objetivos Prioritários
Juntamente com o objetivo principal – fortalecer os vínculos com a
América Latina – vamos priorizar as relações internacionais com os países
emergentes da Ásia, com os países que compartilham nossos interesses e nosso
estágio de desenvolvimento, e com os Estados Unidos da América.
Olhar para o Oriente
A ascensão da Ásia é uma realidade. A China já se transformou no segundo
sócio comercial do Brasil, e é o segundo mercado para as exportações chilenas.
Por isso, investiremos mais tempo, recursos diplomáticos e atenção no
estreitamento de laços econômicos, políticos e culturais com esses sócios naturais,
no contexto da Apec e bilateralmente.
Maximizaremos o potencial do Chile como país-plataforma para os
investidores na região da Ásia-Pacífico. Se o nosso país materializar os acordos
comerciais que estão sendo negociados com a China, a Índia e eventualmente
com o Japão, o círculo virtuoso com a Ásia crescerá, podendo abarcar, ademais,
as dimensões político-diplomáticas e culturais.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
59
Países com Interesses Compartilhados
Certos países como a Nova Zelândia, a Irlanda, o Canadá, a Austrália, os
países da Efta, como a Suíça e a Noruega, estão distantes do Chile em termos
geográficos, mas compartilham conosco não só interesses comerciais e de
investimento como, além disso, valores humanitários e uma orientação política
democrática. A esses países daremos atenção especial no plano bilateral e multilateral.
Um caso chave é o da União Européia. O acordo de associação política já
rendeu frutos importantes. A ênfase européia na defesa e promoção da
democracia e dos direitos humanos, a rejeição da pena de morte, a primazia do
multilateralismo, o apego ao direito internacional, a vigência das políticas de
cooperação para o desenvolvimento são elementos fundamentais de interesse
mútuo tanto para os países da União Européia como para o Chile. Portanto,
ampliaremos nossa agenda de diálogo político com a UE, como estamos fazendo,
por exemplo, no contexto das operações de paz.
Relação com os Estados Unidos
Com os Estados Unidos temos em comum valores e objetivos centrais
em política exterior, como a democracia, a proteção dos direitos humanos e a
busca de um comércio internacional mais livre, embora possamos ter diferenças
políticas conjunturais. Continuaremos assim a consolidar nosso relacionamento
com esse país, utilizando para isso a Cúpula das Américas – baseada em valores
democráticos compartilhados – e o projeto de criação de uma Área de Livre
Comércio das Américas.
Promoveremos uma política exterior com valores democráticos
Nenhuma política exterior se resume a pragmatismo e cálculos de poder.
Para o Chile, a promoção e defesa da democracia e dos direitos humanos é um
assunto de interesse nacional. É um compromisso ético devido à nossa história,
mas também um compromisso emblemático que em anos recentes tem trazido
prestígio e respeito ao país.
Em direitos humanos, apoiaremos com energia a plena materialização do
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, criada na recente Cúpula
da ONU. Trata-se de contar, a serviço dos direitos humanos, com um órgão
mais crível e menos politizado do que a atual Comissão, sediada em Genebra.
Programa de governo (2006-2010)
60 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
60
Em nível regional e global continuaremos promovendo o direito à
democracia, e com esse fim privilegiaremos a participação ativa na Comunidade
das Democracias.
Em uma sociedade globalizada a Justiça Internacional é uma exigência.
Apoiaremos o conceito de “responsabilidade de proteger” por parte da
comunidade internacional, frente aos crimes de guerra e de lesa humanidade,
genocídio e limpeza étnica.
Promoveremos a ratificação do Estatuto de Roma, que criou a Corte Penal
Internacional.
A cooperação como instrumento de política exterior
A política de cooperação deve ser considerada como um componente
essencial da nossa política exterior, e como um instrumento eficaz para o
cumprimento dos seus objetivos. Reforçaremos nossa assistência àqueles países
da vizinhança regional que requeiram cooperação técnica e assistencial. Assim como
nos beneficiamos das oportunidades abertas pela globalização queremos também
assumir maiores responsabilidades diante dos desafios gerados por ela.
Os interesses mais permanentes do país
Os governos devem olhar para o futuro e focalizar a conjuntura
internacional, mas é importante não deixar de lado a continuuidade de áreas
chaves para o Chile: os temas relacionados com o direito do mar e seus recursos,
nossos interesses antárticos, nosso compromisso com o desenvolvimento
sustentável, como também a reafirmação da soberania sobre a Ilha de Páscoa –
uma ponte vital para a região da Ásia-Pacífico.
Como país essencialmente marítimo, o Chile deve continuar zelando pelos
seus interesses permanentes com relação ao mar e seus recursos. Deveremos
proteger os nossos limites marítimos, de acordo com o direito internacional.
Continuaremos resguardando os recursos pesqueiros no alto mar adjacente à
nossa zona econômica exclusiva. Através de medidas apropriadas urge continuar
combatendo a pesca ilícita, não declarada e não regulamentada. O Chile manterá
a política de consolidação e fortalecimento da sua presença no setor que se projeta
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
61
até o Pólo Sul, assim como a promoção dos propósitos e princípios do Tratado
Antártico e seus instrumentos complementares.
O compromisso com o desenvolvimento sustentável exigirá que o Chile
mantenha sua adesão aos Princípios do Rio de Janeiro, à plena implementação
da Agenda 21, à Declaração de Joanesburgo sobre o Desenvolvimento
Sustentável e ao Plano de Aplicação das Decisões da Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável.
Nova institucionalidade das relações exteriores
A política exterior é hoje mais determinante na política interna: deixou de
ser um assunto meramente diplomático ou de representação para converter-se
em um instrumento central da nossa estratégia de desenvolvimento. Para levar
adiante as tarefas a que nos propomos avançaremos na modernização da
Chancelaria, e proporemos que passe a se chamar Ministério de Relações
Exteriores e Comércio Internacional.
A internacionalização da economia e o planejamento de políticas públicas
em um mundo globalizado terminaram com o monopólio dos contatos
internacionais pelas chancelarias. Diante desta nova realidade, fortaleceremos a
Chancelaria para que proporcione institucionalmente uma visão transversal de
outros organismos do Estado, da sociedade civil e do setor privado.
Levando em conta a pluralidade temática e a simultaneidade do tratamento
dos temas nos foros e âmbitos de negociação multilaterais, precisamos de uma
entidade para cuja interlocução externa haja representantes dotados de hierarquia
formal adequada. Isto é evidente tanto em matéria de negociações comerciais
como no plano político. Por isso criaremos o cargo de Subsecretário de
Comércio Exterior, sem uma repartição correspondente.
Adequaremos também o conjunto de departamentos do Ministério à amplitude
das temáticas da agenda internacional. O surgimento da dimensão internacional em
áreas como o meio ambiente, a luta contra o crime organizado, o narcotráfico e
ciência e tecnologia indica a necessidade de adotar soluções orgânicas flexíveis.
Juntamente com as mudanças orgânicas, fortaleceremos o profissionalismo
do Serviço Exterior e promoveremos também um sólido apoio profissional
em Santiago. Modernizaremos a administração e a dotaremos de profissionais
Programa de governo (2006-2010)
62 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
62
não diplomáticos. Privilegiaremos os embaixadores qualificados, zelando para
que os representantes do Serviço Exterior tenham uma presença ativa, e que o
número de mulheres aumente de forma substancial.
Plano de cem dias
Emprego:
1. Aumentaremos para 25 anos a idade exigida para qualificar-se junto ao
programa de bonificação do contrato de aprendizagem, e aumentaremos o
subsídio para 50% do salário mínimo.
2. Vamos propor um projeto de Lei determinando que o Estado cobrirá
parte das despesas previdenciárias dos jovens de baixa renda que tenham um
contrato formal de trabalho.
3. Permitiremos os contratos de trabalho por hora para os jovens, de
modo que todos os jovens que estudam possam também trabalhar.
4. Seguridade social: com os 300 milhões de livre disponibilidade do
orçamento vamos reajustar o valor das pensões, beneficiando assim um milhão
de pensionistas.
5. Estabeleceremos o acesso automático à Pensão Assistencial por parte
dos adultos de mais idade. Essa pensão será um direito: não haverá mais listas
de espera.
6. Enviaremos ao Congresso um projeto de Lei para que os estipêndios
familiares e os subsídios únicos familiares sejam pagos à mãe. Por outro lado,
criaremos subsídios para os cuidados aos incapacitados e aos adultos de mais
idade e incapazes, que serão pagos aos que cuidem deles.
Educação:
7. daremos um subsídio para financiar a pré-escola para as crianças entre 0 e
3 anos de famílias pertencentes aos 40 por cento mais pobres da população.
8. Criaremos 20 mil novas vagas no pré-jardim da infância, beneficiando
vinte mil meninos e meninas.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
63
9. Atribuiremos grande urgência ao projeto de lei da subvenção
diferenciada, duplicando o respectivo valor. Com isso beneficiaremos mais de
400 mil crianças entre a pré-escola e a quarta série fundamental.
10. Ampliaremos de 110 para 160 mil o número de jovens beneficiados por
créditos e bolsas para a educação superior, garantindo assim cem por cento de
financiamento da matrícula para o grupo dos 60 por cento estudantes mais pobres.
11. Os diferentes programas de bolsas universitárias serão consolidados
em um sistema nacional de bolsas que contemple tanto o pagamento dos cursos
como a manutenção e alimentação do estudante.
12. Daremos aos estudantes a oportunidade de pagar parcial ou totalmente
a sua dívida mediante a prestação de serviços nas regiões do país.
13. A mulher: apresentaremos um Código de Boas Práticas Trabalhistas e
de Não Discriminação no Setor Público, que poderá ser adotado voluntariamente
pelas empresas privadas. Não queremos mais que as mulheres sejam discriminadas
no mundo do trabalho, como nenhum outro chileno.
14. Apresentaremos um projeto de Lei criando o direito a berçário para
os filhos de toda mãe trabalhadora.
Saúde:
15. Criaremos 60 Centros Comunitários de Atenção Familiar em todo o
Chile, dando preferência às localidades com maior aumento dos pedidos de
atenção.
16. Aumentaremos para 40 as patologias cobertas pelo Plano Auge.
17.Garantiremos o tratamento gratuito nos hospitais a todos os maiores
de sessenta anos.
Segurança dos cidadãos:
18. Criaremos um Ministério de Segurança Pública, que coordene todas
as agências do Estado e todas as políticas de prevenção e controle dos delitos.
19. Aumentaremos o número de Carabineiros nas ruas em 1.500 por ano,
designando-os para as comunidades onde sejam mais necessários.
Programa de governo (2006-2010)
64 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
64
20. Para estimular a contratação de jovens sob risco social criaremos um
subsídio para que o Estado financie até 50 por cento do salário mínimo, por um ano.
Empreendimento e competitividade:
21. Lançaremos um plano de apoio aos empreendedores que inclua um
único guichê para a tramitação, capacitação digital, assessoria contábil; com um
executivo financeiro personalizado no início das suas atividades e facilidades
para ter acesso a financiamento.
22. Enviaremos ao Congresso o plano de simplificação tributária para as
pequenas e medias empresas contempladas no Programa de Michelle Bachelet.
23. Daremos a garantia de que o Estado pagará os seus fornecedores dentro
de no máximo 30 dias.
24. Enviaremos ao Congresso um projeto de Lei que aumente as penas
aplicáveis aos delitos econômicos e que duplique os recursos destinados à
fiscalização desses delitos.
25. Criaremos um fundo para que os adultos com mais de 40 anos que
percam o seu emprego possam readaptar-se do ponto de vista profissional,
estudando para outro ofício ou dando início a uma pequena empresa.
O Chile se prepara para a globalização:
26. Exigiremos que todos os que se preparam para ser professores de inglês
cursem um semestre de estudo em um país de língua inglesa, com financiamento estatal.
27. Criaremos um sistema de intercâmbio para que mais professores de
países de língua inglesa venham exercer docência no Chile.
28. Aplicaremos um programa para que cada ano os dois mil melhores
estudantes formados nas universidades chilenas cursem programas de doutorado
nas melhores universidades do mundo.
Meio ambiente e cidade:
29. Pela primeira vez na história do Chile nomearemos um Ministro ou
Ministra do Meio Ambiente.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Michelle Bachelet
65
30. Iniciaremos um amplo programa de intervenção urbana, identificando
em todo o país duzentos bairros a melhorar. Esse programa beneficiará bairros
de Santiago como El Volcán (Puente Alto), Santa Adriana (La Florida) ou Villa
Portales (Quinta Normal); em Concepción, bairros como Boca Sur (Gran
Concepción) ou Pedro de Valdivia Bajo (Gran Concepción); em Valparaíso,
bairros como Placilla ou Rodelillo (Valparaíso).
As Regiões:
31. Implementaremos em Valparaíso o “Plano Mais Trabalho”, e planos
equivalentes em Talcahuano e San Antonio, com o objetivo de apoiar sua
transição produtiva.
32. Em cada região criaremos novas agências de Desenvolvimento
Regional, com escritórios provinciais.
Serviço Militar:
33. Começaremos a transição para um corpo armado profissional e
voluntário, aumentando para dois mil os soldados profissionais e para mil as
mulheres voluntárias.
34. Criaremos um programa de Serviço Cidadão como alternativa para o
serviço militar obrigatório. Esse programa vai gerar um espaço de interação
para jovens de diferente origem social, contribuindo para a comunidade com
serviços sociais de alto impacto.
Melhor democracia:
35. Substituiremos o atual sistema binominal por um sistema eleitoral que
garanta competitividade, governabilidade e representatividade.
36. Aplicaremos um sistema de registro eleitoral automático para cidadãos
e cidadãs com mais de dezoito anos.
Tradução: Sérgio Bath.
Revisão: Fernanda Fernandes.
DEP
A armadilha do bilateralismo
66 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
66
seguir é apresentada uma breve reflexão sobre o papel e a importância
da academia na tomada de decisões sobre política comercial. Especificamente,
sobre o que denominamos de engodo ou armadilha do bilateralismo,
freqüentemente confundido com o livre comércio, especialmente na Colômbia,
país que optou por esse caminho, na opinião do autor distanciando-se cada vez
mais de uma inserção equilibrada, eqüitativa e simétrica no ambiente internacional
e no contexto da globalização econômica.
1. A insuficiência da teoria para a tomada de decisões na
globalização comercial
Uma das preocupações principais dos professores universitários é ensinar
a seus alunos o comportamento, a teoria e a prática do comércio internacional.
A armadilha do
bilateralismo
Germán Umaña Mendoza
*
A
* Professor Associado da Universidade Nacional da Colômbia.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Germán Umaña Mendoza
67
Infelizmente, as ferramentas teóricas servem para explicar apenas parcialmente
a economia política das relações entre regiões e países.
Se bem que todos pareçam estar de acordo com esta caracterização,
ocasionalmente se constroem e difundem, com o apoio de grupos de acadêmicos,
teorias a respeito dos benefícios do livre comércio, a fim de justificar decisões
de política econômica, como se na realidade tivessem respaldo na teoria.
Analisemos muito sucintamente o que a este respeito é defendido nos
campos mais opostos. O argumento dominante é o de que todos ganham com o
livre comércio, porque, ainda que não se goze de nenhum tipo de vantagem
absoluta, sempre se conta com a possibilidade de possuir vantagens comparativas
que permitem que os países se especializem naquilo que fazem melhor e mais
competitivamente e, portanto, produzir-se-á um aumento do comércio mundial
e uma maximização dos benefícios do bem-estar em todos os países e regiões.
Os extremos da teoria postulam as tendências à convergência ou à
divergência na distribuição da renda mundial. Aqueles que argumentam pela
convergência partem do pressuposto da existência de rendimentos constantes
em escala, decrescentes em relação ao capital, o que implicaria quando certos
países e regiões ricas completem seus processos de acumulação, encontrem um
limite ao aumento dos lucros, e devido a que as funções de produção são iguais,
automaticamente se produzirá um deslocamento dos investimentos em direção
aos países e regiões em que as taxas de lucro sejam mais atraentes e os salários
mais baixos.
Portanto, os países e regiões mais pobres recebem novas inversões,
aceleram seu crescimento mais rapidamente que os países e regiões mais ricas,
diminuindo a clivagem e tendendo à convergência na distribuição do ingresso.
Os segundos postulam que os rendimentos são constantes em escala e
crescentes em relação ao capital, as funções de produção diferentes e, portanto,
não existem limites à acumulação de capital nas regiões, países e setores em que
isso ocorre, pelo que nada indica que se produzirá uma mudança na orientação
dos investimentos em direção aos países e regiões mais pobres, já que nos mais
ricos aumentam a produtividade e o desenvolvimento do capital humano mais
rapidamente que nos demais e, conseqüentemente, aumenta a disparidade no
desenvolvimento, provocando maior divergência na distribuição da renda antes
que convergência. Este é, em essência, o pensamento de Gunnar Myrdal,
economista sueco, prêmio Nobel de economia, que desde os anos 50 defendia a
A armadilha do bilateralismo
68 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
68
teoria dos círculos virtuosos, aos quais pertenciam os mais ricos, e os círculos
viciosos para os países e regiões mais pobres.
1
São muitos os desenvolvimentos teóricos e matemáticos alcançados na
teoria e na análise empírica da economia. Não obstante, os argumentos essenciais
movem-se nas linhas das tendências descritas, sem que nenhuma consiga
interpretar com certeza o que verdadeiramente acontece. Os pressupostos, como
sempre, servem para explicar parte do fenômeno e para inteirar-nos de sua
complexidade. A solução para alguns acadêmicos é fechar-se em sua torre de
marfim e aprofundar a investigação sem importar-se com o que na verdade
ocorre; algum dia encontrarão a pedra filosofal. Para outros, é necessário definir-
se por uma das duas interpretações e assim se convertem em defensores ferrenhos
de uma ou outra posição e em servidores da política. Os demais, felizmente,
desconcertam-se com a complexidade e entendem que o mundo se move entre
os extremos e que as decisões dos países e das regiões dependem dos homens
que, frente às imperfeições dos mercados, devem optar pela aplicação da
interpretação pertinente ou não à economia e à política. Sim, é a economia política.
O essencial é o fato de que no mundo de hoje é difícil encontrar um
acadêmico que se manifeste abertamente contra a globalização comercial, embora
a economia política da globalização comercial esteja marcada pela realidade da
limitação da liberalização dos fatores e dos limites da concorrência imperfeita.
Não obstante, a complexidade da situação – como nos demonstra Samuelson,
ao referir-se ao teorema básico de Hechkcher Ohlin: “Os países tendem a
exportar os bens que são intensivos nos fatores de que dispõem
abundantemente”. Consiste no seguinte: “na realidade, a equalização dos preços
dos fatores não se observa por causa das enormes diferenças em recursos,
barreiras comerciais e diferenças internacionais em tecnologia”. Neste ponto é
que reside o cerne do assunto.
Para os autores de política comprometidos, apoiados por certos grupos de
poder – que por sua vez se fortalecem com os dogmas que difundem certos
“supostos” representantes da academia –, pouco importa o fato de que existam
países que tenham desvantagens absolutas em tudo ou quase tudo, pois sempre se
terá em alguma coisa uma desvantagem menor que se converte automaticamente
1
Ver Myrdal, Gunnar, “Teoría Económica y Regiones Subdesarrolladas”. Fondo de Cultura Económica, 1959.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Germán Umaña Mendoza
69
em vantagem comparativa e baseiam-se na justificativa de sua tendência à
especialização, com o que se equilibram os preços relativos, se maximiza a produção
com os recursos existentes e estes são alocados da melhor maneira e, em conseqüência,
os países e as regiões melhorarão seu bem-estar e sua renda total.
Por isso, não existe uma via distinta à da aceitação do livre comércio, pois
em qualquer circunstância ele maximiza a renda mundial, a nacional e o bem-
estar dos países. O melhor não é só o livre comércio, mas também a desigualdade.
Constroem-se modelos matemáticos de tipos diversos para tentar
favorecer uma ou outra teoria mediante prova empírica, mas até agora tais
modelos só demonstraram suas limitações, chama-se de modelos de equilíbrio
geral com rendimentos crescentes ou decrescentes, de equilíbrios parciais, de
modelos gravitacionais que levam em consideração as distâncias e outros fatores.
A verdade é que apesar dos progressos na teoria e nos modelos
econômicos, continua a existir uma profunda brecha de conhecimento para
explicar integralmente o comportamento do comércio mundial.
Sei que isto interessa pouco aos teóricos da economia, que afirmam diariamente
ao público que seus modelos pretendem aproximar-se da realidade mas não a
explicam em seu conjunto, sendo necessário partir de uma série de pressupostos
para lograr uma melhor interpretação. Contudo, a verdade é que a economia política
do comércio internacional nos mostra a existência de uma complexidade maior na
análise, nas decisões de política econômica e nas conseqüências destas sobre os grandes
setores da população, criando-se no mundo novas categorias de cidadãos, divididos
entre excluídos e incluídos, países e regiões subnacionais pobres e ricas e blocos
regionais. Nesse contexto, para alguns as coisas vão bem, para outros vão melhor,
mas para a maioria, a situação na qual podem viver fica cada vez pior. São os
condenados da terra, de que nos falava Fannon.
2
Esta é a origem da preocupação de alguns estudiosos das ciências
econômicas referentes à economia política do comércio internacional e suas
conseqüências sobre os atores econômicos e sociais.
Aos fatores internos que explicam o comportamento econômico de uma
sociedade – como, por exemplo, seu sistema político, instituições, cultura,
2
Ver Fannon, Frantz, “Los condenados de la Tierra”. Fondo de Cultura Económica, 1961.
A armadilha do bilateralismo
70 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
70
distribuição da riqueza, dotação dos recursos, sustentabilidade do desenvolvimento
e tantas outras coisas mais – juntam-se aqueles que têm a ver com as condições da
internacionalização e a globalização. Não é verdade que somos necessariamente
atores globais, nem que não temos história, nem que tudo na vida é economia.
Portanto, as conseqüências das decisões serão diferentes entre diferentes grupos
sociais e também para os blocos de países, as nações e as regiões subnacionais.
A complexidade das relações sociais internacionais de produção levam à
seguinte reflexão: se o livre comércio é a circulação livre de fatores em
concorrência perfeita, com o equilíbrio como resultado final, e isto não se dá na
realidade, por que sempre nos afirmam que qualquer acordo comercial é o
caminho correto para nossa inserção no ambiente internacional?
Para alguns economistas ideologizados, tanto faz a multilateralização, o
plurilateralismo ou o bilateralismo; crêem que objetivos de integração como os das
uniões políticas, monetárias e mercados comuns são a mesma coisa que acordos de
simples liberalização de fatores, que o essencial é abrir-se ao mundo, não importa
como, e que ao seguir essa decisão econômica, esta se transformará em rios de leite
e mel. O que é grave dessa posição é que apenas alguns políticos do mundo em
desenvolvimento pensam assim, enquanto os demais pensam no jogo assimétrico
do comércio e tomam suas decisões em conformidade com seu pensamento.
São muitas as perguntas sobre o livre comércio: evoluímos, de verdade, em
direção à livre circulação de mercadorias, serviços, capitais e pessoas? Qual a influência
das políticas públicas? São adequados os mecanismos de segurança jurídica para a
solução de controvérsias? Como se controlam as práticas anticompetitivas e o abuso
das posições de domínio do mercado? Por que existe a privatização de propriedade
intelectual, patentes, marcas e direitos de autor? O que, na realidade, se chama de
livre comércio? A resposta é óbvia. Não existe. O multilateral, nesse ponto, é a
agora apenas uma falácia. Por isso, os graus de liberdade para tomar as decisões de
como inserir-nos na globalização são muitos e estão determinados pela economia e
pela política. É claro que a interpretação será complexa e eu não pretendo conhecer
a verdade. Permita-me somente fazer algumas considerações.
2. O que é globalização comercial no mundo real?
A lógica comercial está definida, no campo multilateral, pelos progressos
– ou retrocessos? – resultantes da Rodada do Uruguai no âmbito do Acordo
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Germán Umaña Mendoza
71
Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (Gatt), que terminou em 1994
seguido do nascimento institucional da Organização Mundial do Comércio, que
funciona desde janeiro de 1995.
Tal lógica comercial conseguiu dotar de um marco de referência às relações
multilaterais no que concerne à liberalização de fatores, disciplinas e “segurança
jurídica”. Também conseguiu aprofundar a brecha e as assimetrias entre os países
e regiões possuidores e não possuidores do conhecimento. Inclui tudo o que se
refere à circulação de bens e serviços, propriedade intelectual, políticas públicas
relacionadas com o Estado e solução de controvérsias.
O principal resultado é que se impuseram limites superiores (standstill)
multilaterais à liberdade das nações para restringir seu comércio, mas é indubitável
que ainda há muito por fazer. Também se legalizou a maior barreira à livre circulação
de fatores, convertendo o desenvolvimento científico e tecnológico numa propriedade
privada e criando normas para tudo quanto se conhece como propriedade intelectual.
É evidente que a liberalização do fator trabalho é praticamente inexistente.
Estes limites moldaram-se nos princípios contidos na aplicação das
cláusulas da nação mais favorecida, do tratamento nacional e na definição de
mecanismos de solução de controvérsias de caráter vinculante que se
estabeleceram para tudo quanto foi negociado. Strictu sensu, poderíamos dizer
que qualquer concessão adicional de negociação que se fizesse seria imediatamente
estendida a todos os países e regiões do mundo.
Mas não é certo que seja assim: imediatamente se criam e começam a
promover exceções a estes princípios com base no regionalismo. Em certo
momento, esta parece ser a tendência dominante. O sucesso da União Européia
– que consegue ao mesmo tempo combinar a definição de uma zona de livre
comércio com uma grande liberdade na circulação de bens, serviços e pessoas,
a definição de políticas externas comuns em relação a diversas matérias, os
indubitáveis progressos na harmonização macroeconômica, a definição de uma
política monetária única e a adoção de uma moeda comum – parecia facilitar a
ambicionada união política do velho continente e a consecução de uma política
externa comum. Hoje, muitos destes avanços se acham postos em dúvida ante
as dificuldades enfrentadas, quer pelos problemas suscitados pela ampliação aos
países ex-socialistas, a possível incorporação da Turquia e o ressurgimento da
xenofobia, quer pela aparente insustentabilidade do modelo de bem-estar em
face dos limitados níveis de crescimento e produtividade do velho continente.
A armadilha do bilateralismo
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72
Na América Latina, pretendeu-se seguir estas orientações: a criação da
Associação Latino-americana de Livre Comércio, com o objetivo de evolucionar
para um mercado comum. Vão intento. É substituída por novas associações
menores, nas quais se pretende o mesmo: Mercosul, a Comunidade Andina, o
Mercado Comum Centro-americano. Todos esses tentativas fracassadas, com
uma fraca consolidação.
Esta debilidade dos esquemas de integração, unida a um voluntarismo
político, é marcada por cimeiras presidenciais sem qualquer poder de decisão
sobre as tecnocracias que nunca, ou quase nunca, cumprem as decisões
presidenciais, posto que representam na maioria dos casos, os interesses de certos
grupos econômicos e não têm problemas para negar os mandatos políticos, já
que não existe nenhum poder nem uma influência determinante em nenhum dos
países que as conformam. Resultado: a falta de credibilidade das sociedades
dentro dos respectivos países, o que logicamente se manifesta na busca de novas
alternativas.
Por seu lado, os países desenvolvidos tinham baseado suas estratégias
comerciais em relação aos países em desenvolvimento no Sistema Geral de
Preferências (SGP), um esquema de baixo custo, pois é somente tarifário, ou em
preferências unilaterais produto de compromissos estranhos à normatividade
comercial, tais como os do cumprimento do princípio da Responsabilidade
Compartilhada na luta contra o flagelo universal das drogas. Estas últimas foram
a princípio, um aprofundamento dos benefícios tarifários outorgados pelo SGP,
mas na medida em que evoluíam converteram-se em modos de exigir e impor
condições crescentes (aos países que aparentemente beneficiavam) tanto no
político como no econômico e comercial, especialmente nos temas da
propriedade intelectual e das chamadas cláusulas sociais (trabalhistas e
ambientais), bem como nas compras do Estado, constituindo-se num modo
sub-reptício de comprometer a independência daqueles países nos foros
multilaterais.
A discricionariedade aplicada pelos países desenvolvidos não só cria novas
assimetrias entre os países em desenvolvimento como também uma espécie de
concorrência para aproximar-se do que se condicionava por parte dos que
aspiravam a receber as preferências. A evolução lógica é que são estes últimos
os que se denunciam mutuamente nas instâncias multilaterais. O resultado destas
questões é o debilitamento dos esquemas preferenciais descritos.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Germán Umaña Mendoza
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Basta recordar, a respeito, a denúncia ao SGP droga, quando a União
Européia incluiu nas preferências o Paquistão, em troca de sua intervenção a seu
favor na guerra do Afeganistão e, imediatamente, a Índia questiona o sistema, com
o apoio de outros países em desenvolvimento que não gozam das preferências.
Encaminha-se o SGP droga para o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC.
Imediatamente, a UE aproveita-se da circunstância a fim de reformular seu sistema
e exigir o cumprimento de novas condições para desfrutar de um SGP Especial
que substituirá o SGP droga e que poderia ser aplicado a todos os países que
cumpram com certos indicadores econômicos que os classifiquem como sendo
países em desenvolvimento desde que aqueles que desejem beneficiar-se se
comprometam a submeter-se às certificações bilaterais em diferentes matérias.
Notavelmente, destaca-se as matérias relacionadas às legislações e ao cumprimento
efetivo dos acordos internacionais ambientais e trabalhistas, introduzindo de modo
unilateral o tema relativo ao dumping social que até agora não tinha podido ser
incluído no âmbito dos propósitos de negociação na primeira Rodada, a do
Desenvolvimento (ainda não sei se seu nome é uma ironia ou um sarcasmo) da
Organização Mundial do Comércio.
Os Estados Unidos aplicam este mesmo conceito em esquemas como o
Atpdea, concedido aos países andinos, ou países centro-americanos ou africanos,
mas seus interesses quanto as condicionalidades impostas são mais variadas e
impostas à la carte. Em geral, visam a assegurar o apoio à política dos Estados
Unidos nos foros multilaterais e, particularmente, a impor novas e crescentes
condições em matéria de compras do Estado, propriedade intelectual e solução
de controvérsias sobre investimento estrangeiro.
É óbvio que, nas condições descritas (crise nos progressos multilaterais,
nas propostas de integração profunda como as da União Européia e as latino-
americanas, bem como nas das preferências, indevidamente chamadas de
unilaterais), o cenário está montado para o desenvolvimento do bilateralismo.
Ameaça-se eliminar as preferências unilaterais, em cujo contexto os países
receptores já tinham aceitado as condicionalidades descritas, e propõem-se
imediatamente negociações bilaterais que, em essência, incorporam os temas de
interesse dos países desenvolvidos no que se refere a segurança jurídica para
seus investimentos e seus investidores e, por outro lado, geralmente não se incluem
os aspectos fundamentais da maior liberalização do comércio de bens e serviços,
com a desculpa de que isto deve ser tratado num contexto geral e multilateral.
A armadilha do bilateralismo
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3. E chegamos à “Armadilha Bilateral”
Para analisar este tema, basta que examinemos em profundidade a
magnitude do multilateralismo naquilo que é conhecido como livre comércio
no arcabouço institucional e normativo da OMC.
3.1 O Investimento Estrangeiro Direto em Bens, Serviços e
Carteira de Títulos
Vejamos primeiramente os investimentos. Se perguntassem a um
professor universitário como este tema se divide, ele logo responderia: em
inversão estrangeira direta em bens e serviços, em capital investido em carteira
de títulos e ações e em capital de conhecimento. Se lhe perguntassem quais os
limites para que o livre fluxo de investimentos funcione corretamente, ele
responderia, com razão: deve existir segurança jurídica, evitando as práticas
de desapropriação ou de violação dos princípios do sistema nacional aos
investidores estrangeiros, assim como a aplicação da cláusula da nação mais
favorecida aos demais.
Contudo, alguns mestres mais perspicazes, especialmente os mais idosos,
lembrarão logo a existência da concorrência imperfeita e dirão: Não se pode
esquecer que deve também haver um papel muito importante do governo e das
normas multilaterais que leve a evitar o abuso das posições dominantes de
mercados, quando existam monopólios ou oligopólios. É a introdução da teoria
regulatória, as comissões de controle independentes. Em suma, uma
normatividade de concorrência desenvolvida e evoluída.
No contexto multilateral existe uma livre circulação de capitais. No entanto,
ante a ausência de uma norma multilateral coerente e forte, produzem-se práticas
de controle de capitais, exigências de requisitos de desempenho nos países para
o investimento estrangeiro e não se regulamentou e converteu em mandatória
uma legislação que ofereça real segurança jurídica aos investidores.
A Ocde pretendeu solucionar tudo isto, com a bem conhecida proposta
de acordo multilateral de investimentos (AMI), à qual se opuseram os países em
desenvolvimento. Como a proposta não pôde frutificar, passou-se aos Tratados
bilaterais de Proteção de Investimentos (TPI) e à criação do Centro Internacional
para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi), patrocinado pelo
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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Banco Mundial, com a finalidade de resolver as controvérsias que pudessem
surgir neste campo.
E... eureca! Estes tratados bilaterais alcançam dois objetivos: o fluxo livre
dos investimentos e a eliminação das restrições e o comprometimento jurídico
dos países, mediante mecanismos de solução de controvérsias de caráter
vinculativo e obrigatório. O único problema é que os exportadores de capitais
são quase exclusivamente os países desenvolvidos, e não os países em
desenvolvimento.
Nestes convênios renuncia-se, parcial ou totalmente, a exercer práticas de
controle de capitais, a discriminar entre os investidores nacionais e estrangeiros,
protege-se o investimento estrangeiro de futuras mudanças na legislação, fixam-
se regras a respeito da jurisdição para a solução de controvérsias (geralmente no
Ciadi), resguarda-se a possibilidade de realizar um investimento com o princípio
do pré-estabelecimento, no qual se protegem os investidores potenciais – que
visitam um país com a proposta de qualquer projeto espúrio – de mudanças nas
legislações nacionais.
No entanto, ocorre que: não há compromissos bilaterais conjuntos na
fixação de normas sobre concorrência que permitam frear os abusos por parte
dos que, em matéria de preços, possam manter comportamentos monopolistas
ou oligopolistas.
Além do mais, e habitualmente, substitui-se o poder político dos antigos
investidores nacionais pelo poder das multinacionais. As legislações nacionais
sobre concorrência são, para os países em desenvolvimento, ao início dos
Tratados, fracas, insuficientes e depois não podem ser modificadas porque se
estabelecem não apenas as normas de proteção mas também normas relativas
ao que os “técnicos da infâmia” denominam menoscabo nos benefícios e a
denominada expropriação indireta.
3.2 O investimento em capital de conhecimento
Por outro lado, e em relação à questão de capital de conhecimento, como
resultado da Rodada do Uruguai e da Organização Mundial do Comércio
elevaram-se à categoria de acordos comerciais muitas das normas dos Convênios
de Paris e de Berna sobre propriedade intelectual, adicionando-se aos direitos
A armadilha do bilateralismo
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de autor tudo o que se refere às bases de dados e ao software, bem como as
indústrias culturais. Estabeleceram-se prazos mínimos de proteção, inter alia,
para as patentes (20 anos) e os direitos de autor (50 anos); também se definiram
as normas para a solução das controvérsias que surgirem a respeito destes
acordos.
Não é preciso ser muito arguto para saber que estes prazos de monopólio
vão de encontro à livre circulação do capital de conhecimento. São os países
desenvolvidos que possuem mais de 95% das patentes e, no que tange às indústrias
culturais e da informação, não somente são as mais poderosas mas as que
atualmente apresentam o mais rápido crescimento.
Depois da Rodada do Uruguai, na Declaração de Doha fizeram-se
progressos a fim de esclarecer que as crises na saúde pública da população
colocam-se acima dos direitos de propriedade intelectual e propuseram-se
mecanismos para tal fim. Infelizmente, nos tratados bilaterais isto é negado e na
prática não só se ampliam os prazos para a patenteabilidade como também se
dá maior proteção às multinacionais farmacêuticas e agroquímicas no tocante a
dados de experimentação, permite-se patentear plantas e animais, ampliam-se
os direitos de autor em favor das indústrias culturais e de informação, outorga-
se propriedade intelectual à órbita geo-estacionária, ampliam-se os mecanismos
de reforço para o controle das normas que se estabeleçam nesta matéria, permite-
se patentear produtos obtidos a partir da biodiversidade, dentre tantas outras.
É evidente que temas como a proteção dos conhecimentos tradicionais e da
biodiversidade não se incluem na proteção aos países em desenvolvimento.
Dois exemplos recentes atestam o que afirmamos. No caso do Tratado de
Livre Comércio Chile-Estados Unidos subscreveram-se normas Adpic
3
plus.
As partes procuram fortalecer os níveis de proteção a partir das bases
estabelecidas pelos tratados internacionais, particularmente a partir dos padrões
ADPIC.
Nos Adpic plus do TLC Chile-Estados Unidos foram incluídas diversas
áreas. Em convênios internacionais que assinou, o Chile aceitou a obrigação de
ratificar vários acordos, como o da Ata da União Internacional para Proteção
das Obtenções Vegetais (Upov 1991), a Convenção de Bruxelas relacionada à
3
Adpic: Aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio. [Nota do tradutor]
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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distribuição de programas portadores de sinais de satélite e o controvertido
Acordo de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), e ainda aceitou a
ampliação de prazos de patentes, o estabelecimento de patentes para plantas e
as sanções dissuasivas contra a pirataria e a falsificação dolosa. Também cedeu
em aspectos relacionados com os direitos de autor
4
; aceitou pôr em execução
medidas que tornem efetivos os direitos na Internet, tais como o reconhecimento
dos direitos exclusivos de autores, escritores e compositores que põem suas
obras on-line, a ampliação dos prazos de proteção de obras e fonogramas a fim
de igualá-los aos padrões estado-unidenses e o compromisso governamental de
não utilizar software ilegal. Ademais, incluiu a concessão do tratamento nacional
sem exceção para produtos digitais, à definição de condições para assegurar a
resolução de disputas em matéria de nomes de domínio e impedir a pirataria de
marcas no ciberespaço.
Quanto a patentes, exigiu-se ampliar o prazo de proteção como
compensação para a demora administrativa injustificada para outorgar a patente,
situação que a lei chilena considera como simples ajuste de prazos, seguindo
deste modo os padrões estado-unidenses e excedendo os parâmetros Adpic.
Restringiu-se a concessão de licenças obrigatórias e estabeleceram-se
procedimentos que limitam a introdução de genéricos.
O Chile também aceitou limitar o uso de informação não divulgada acerca
de matérias farmacêuticas patenteáveis – por exemplo, a que se recebe quando
se outorgam registros sanitários. A proteção das informações não divulgadas é
muito rigorosa no caso de produtos farmacêuticos e agroquímicos.
O segundo exemplo refere-se ao Cafta, recentemente ratificado pelo
Congresso norte-americano; o emotivo pronunciamento do negociador estado-
unidense, Senhor Zoellick, sobre o resultado das negociações com a América
Central no relativo à propriedade intelectual diz tudo: proteção e tratamento
não-discriminatório para os produtos digitais dos Estados Unidos: software,
música, textos e vídeos; proteção aos produtos e marcas patenteadas e
fortalecimento dos segredos industriais. Na negociação acordou-se a inserção
progressiva dos países aos diversos acordos internacionais.
5
4
Núñez de H., V. 2002. “Cultura versus Propiedad”, El diario de hoy, www.elsalvador.com, 20 de dezembro.
5
Zoellick, R. B. Declaração do Office of the United States Trade Representative, Executive Office of the President,
Washington, D.C., 18 de novembro de 2003.
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Também houve acordo para ampliar a vigência das patentes
farmacêuticas além dos 20 anos, impedir o registro (ou autorização de
comercialização) dos remédios genéricos caso já esteja registrada uma versão
patenteada do produto no país. Ademais, os países centro-americanos
comprometem-se a outorgar direitos adicionais de exclusividade de mercado,
a proibir que as autoridades farmacêuticas usem os dados originais das
pesquisas farmacêuticas que são necessários para o registro de medicamentos
genéricos – é o que conhece como exclusividade de dados (Limit Data
Exclusivity) – e a limitar a entrada e a concorrência de genéricos.
As disposições relativas ao registro ou autorização de comercialização
são igualmente exigentes. Se um medicamento não está registrado em algum
dos países da região, pelas normas do Cafta o registro de genéricos será
proibido durante 5 anos, mesmo quando o medicamento não esteja
patenteado, e até o final da vigência da patente, caso esteja patenteado.
Diversamente do que sucede com as patentes, caso em que as autoridades
podem compensar mediante a emissão de licenças obrigatórias, não existe
qualquer mecanismo de salvaguarda para as disposições que limitam o registro
farmacêutico”.
6
Como se tudo quanto precede fosse pouco reforçam-se as normas
jurídicas internas e a solução internacional de controvérsias a fim de controlar
os acordos firmados bilateralmente e não se fortalecem as normas de
concorrência para evitar os abusos derivados de posição dominante, caso
fossem fortalecidas no futuro, isto poderia ser considerado um prejuízo para
as legítimas expectativas de lucro dos detentores da propriedade intelectual,
sujeito a sanções peremptórias segundo a normativa internacional.
3.3 Os serviços
“Os serviços não eram tema das negociações multilaterais até há pouco,
pois se considerava que não eram comercializáveis nos mercados internacionais.
Pela ausência de um arcabouço legal e pelo caráter regulador das barreiras ao
comércio de serviços pensava-se que os serviços eram de competência exclusiva
6
Umaña, Germán. “El Juego Asimétrico del Comercio”, Universidad Nacional, 2004.
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das nações e estavam fora do âmbito do Gatt.
7
Esta noção começou a transformar-
se nos anos setenta, quando ficou evidente que a diversidade de quadros reguladores
nacionais aumentava os custos de transação das empresas multinacionais e que as
limitações às transações internacionais de serviços financeiros e de telecomunicações
reduziam suas margens de lucros. Isto levou os Estados Unidos e países europeus
a proporem a inclusão dos serviços nas negociações da Rodada do Uruguai.
8
E
evidentemente assim se fez, ainda que com progressos relativamente pobres de
liberalização e determinação de regras e padrões.
Nos acordos bilaterais, no tocante aos serviços – quer nas compras do
setor público como em serviços – o ponto essencial da liberalização seria o de
obter um acesso real e sem qualquer restrição aos mercados. Todavia, o resultado
foi que para os Estados Unidos aceitam-se múltiplas exceções geográficas e
administrativas, sem que o mesmo ocorra para seus parceiros. Em matéria de
compras do Estado e nos diversos acordos bilaterais, permite-se que os Estados
Unidos mantenham fora do tratado os Estados da União e suas exceções,
enquanto seus sócios no tratado negociam como Estado unitário, o que
evidentemente resulta assimétrico em favor do mais poderoso.
Além do mais, fica estabelecido que os investimentos em serviços não
têm um capítulo especial, mas são deslocados para o tratamento normativo
geral, pelo que se renuncia à aplicação de políticas públicas em tudo quanto se
encontra estabelecido na normatividade multilateral.
No tocante a serviços financeiros e de telecomunicações, aprofunda-se o
que foi estabelecido multilateralmente: permite-se o acesso às redes públicas
com base somente em critérios técnicos, e não econômicos, bem como a possível
liberdade de prestar serviços por parte de redes privadas, o que põe em dúvida
a própria viabilidade financeira das empresas públicas de telecomunicações.
Não se liberaliza o modo 4
9
de prestação de serviços, não se esclarecem às
políticas de migrações, pouco ou nada é negociado quanto a reconhecimento de
7
Os serviços foram considerados não-comercializáveis até serem incluídos no sistema multilateral de comércio,
no contexto da Rodada do Uruguai. É este o motivo pelo qual os acordos que já existiam sobre serviços, como
transporte aéreo e marítimo, tinham caráter bilateral ou eram regidos pelo direito privado como resultado de
acordos de auto-regulação das indústrias respectivas.
8
Umaña, Germán, 2006, ibid.
9
O comércio de serviços é definido pelo Gatt em termos de 4 modos de prestação; o modo 4 é o movimento
temporário de pessoas físicas. [Nota do tradutor]
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diplomas ou concessão de vistos para prestação de serviços profissionais, e
tampouco se estabelece um mecanismo para a solução de controvérsias a respeito.
Em síntese, negocia-se nos acordos bilaterais a abertura dos serviços no
que se refere a investimento das multinacionais em telecomunicações e serviços
financeiros. O que não se inclui é as livres circulações das pessoas, o que limita os
deveres aos países em desenvolvimento, mantêm as medidas discordantes dos
Estados da União norte-americana e, no caso de suas políticas públicas de
compras, mais de 90% deles sequer participam da negociação.
3.4 Liberalização de mercadorias
Enquanto isso, em matéria de bens é mantida, tanto no multilateral como
no bilateral, exceção feita às tarifas aduaneiras, a eliminação dos mecanismos de
faixas de preços como proteção ao setor agropecuário dos países em
desenvolvimento e outras questões menores; tudo igual para os países
desenvolvidos.
“O Gatt de 1947 e as sucessivas rodadas de negociação puseram ênfase
nos temas aduaneiros. Seu resultado, essencialmente, foi uma grande redução
dos níveis tarifários, e todos os países-membros definiram os níveis de
consolidação para quase todo o universo tarifário, níveis que fixam um máximo
que os países-membros se comprometem a não ultrapassar (standstill). Estes níveis
tarifários constituem a base dos programas de liberalização nos acordos regionais
ou bilaterais. Os resultados das negociações desses acordos não devem estender-
se aos demais países-membros da OMC, uma vez que o artigo XXIV e a cláusula
de habilitação para os países em desenvolvimento estipulam a exceção à cláusula
da nação mais favorecida”.
Nas negociações da Rodada do Uruguai sobre o setor agropecuário logrou-
se ‘tarifar’ a maioria das barreiras não-tarifárias às importações, ainda que em
alguns casos fixaram-se níveis demasiadamente elevados que não permitiam
manter os fluxos históricos de comércio, pelo que se decidiu estabelecer cotas
em níveis que os preservassem, ou seja, em níveis inferiores ou nulos.
Não obstante, o comércio internacional de produtos agropecuários continua
distorcido pelos subsídios à exportação, a ajuda interna e outras medidas de efeito
equivalente que montam a aproximadamente um bilhão de dólares diários.
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Embora na Rodada do Uruguai se acordassem algumas reduções nessas
medidas, elas foram insuficientes. Assim, decidiu-se continuar as negociações a
respeito, que progridem lentamente. Em Cancún produziu-se uma grave crise
que põe pelo menos em dúvida a finalização com êxito da Rodada de Doha e os
progressos no sistema multilateral.
Neste setor, acha-se também em vigência o Acordo sobre Normas
Sanitárias e Fitossanitárias, que em muitos casos permite um tratamento científico
e coerente na proteção da saúde e das espécies vegetais, mas em outros, devido
à sua frouxidão, pode dar margem ao surgimento de obstáculos técnicos e de
barreiras não-tarifárias sem clara justificação. Pouco se progrediu nos estatutos
anti-dumping e em normas multilaterais de concorrência que permitam controlar
os abusos da posição dominante.
Em resumo, a OMC fixou os níveis máximos de tarifas que os países podem
aplicar e uma exceção aos princípios da cláusula da nação mais favorecida e do
tratamento nacional para os acordos de integração, que permite liberalizar as
mercadorias; transformou em níveis tarifários as barreiras quantitativas ao
comércio mundial de produtos agropecuários, reduziu os subsídios e a ajuda
interna, ainda que se mantenham em níveis muito elevados; e avançou muito
pouco no que se refere a disciplinas. Também estabeleceu um sistema de solução
de controvérsias para os acordos que já tinham sido aprovados”
10
. No campo
bilateral, tudo isto é mantido, exceto os mecanismos de proteção dos países em
desenvolvimento.
O engodo da bilateralização é evidente: progride-se em tudo que é de
interesse dos países desenvolvidos, enquanto o que se constitui em abertura dos
mercados para os bens e serviços de interesse dos países em desenvolvimento
permanece parado. Aumenta-se a assimetria e, em temas como os relativos à
propriedade intelectual, afastamo-nos cada vez mais. São, então, tratados de
proteção de investimentos e não precisamente de livre comércio. Neste ponto
que é possível afirmar que reside a real falácia.
10
Umaña, Germán, 2004, ibid.
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4. Colômbia: um mau exemplo para os demais países em
desenvolvimento
A Colômbia faz parte da OMC. Como resultado da Rodada do Uruguai
no âmbito do Gatt, cumpre com as disposições ali estabelecidas em matéria de
bens industriais e agropecuários, serviços, propriedade intelectual, investimentos,
solução de controvérsias, etc.. No âmbito plurilateral, participa das negociações
da Alca, atualmente em recesso, é membro ativo da Comunidade Andina (CAN)
e da Aladi, e é neste quadro que adiantou diversas negociações, como as realizadas
pela CAN com o Mercosul e com o Chile. O país é parte do Grupo dos três (G-
3), tem acordos de alcance parcial com países centro-americanos, com os
membros do Caricom e recebe preferências, ditas unilaterais, enquadradas no
princípio da Responsabilidade Compartilhada na luta contra as drogas dos
Estados Unidos (Atpdea) e um SGP especial com a União Européia que
substituirá o SGP droga, levantado pela Índia no foro da OMC, como
mencionado acima, e modificado por mandado da OMC.
Atualmente, está negociando, juntamente com Peru e Equador, um TLC
com os Estados Unidos, que se espera que seja assinado no último trimestre de
2005, a fim de iniciar o respectivo processo de ratificação por parte dos órgãos
legislativos e, na Colômbia, a aprovação de constitucionalidade. Também no
quadro da CAN desenvolvem-se os estudos e análises com a União Européia,
visando a iniciar negociações para a constituição de um Acordo de Associação
com a UE e uma Zona de Livre Comércio em 2006. Esta estratégia faz parte do
que tem sido chamado de integração aberta.
São importantes os progressos que se produziram para a consolidação
definitiva da união aduaneira na Comunidade Andina, não apenas no tocante à
definição de uma tarifa externa comum, mas também na coerência entre este
tópico e as normas internacionais, ao reconhecer as diferenças nos graus e níveis
de desenvolvimento entre os países-membros do Acordo. Entre quatro países-
membros existe um compromisso para não modificar unilateralmente as alíquotas
aduaneiras; os dois países mais desenvolvidos da região têm alíquotas na prática
idênticas e o comércio dentro da Comunidade é substancial, mostrando
especialmente o comércio em manufaturas e em produtos com valor agregado.
O progresso também foi significativo em termos de harmonização das
legislações aduaneiras, comerciais e da liberalização do comércio de serviços e
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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mercadorias. Definiram-se, ainda, políticas comuns sobre propriedade intelectual
e investimentos; e mais: existe uma política comum entre Colômbia, Equador e
Venezuela sobre mecanismos de estabilização de faixas de preços. Acresce que
são reais os progressos feitos no sentido de liberalizar o fluxo de pessoas e dotar
a integração de uma dimensão social. Se ao que precede somarmos o robusto
desenvolvimento institucional, como a existência de uma ampla organização
interestatal (Comissão, Conselho Andino de Ministros das Relações Exteriores,
Secretaria Geral, Tribunal Andino de Justiça, Parlamento Andino, Corporação
Andina de Fomento, Convênios sobre Educação, Saúde, Conselhos Trabalhista
e Empresarial, etc.), não pareceria haver dúvida quanto à solidez de um processo
de integração que, apesar de suas vicissitudes, parece ser compatível com um
aprofundamento relativamente simples no longo prazo. Não obstante, o que
pareceria evidente deve ser encarado do ponto de vista das definições da política
comercial dos países-membros do acordo de integração, já que é real a existência
de fatores internos e externos que afetam a possível consolidação.
Em primeiro lugar, a negociação CAN-Mercosul é, em essência, um acordo
de liberalização do comércio de mercadorias. Se bem que os programas de
desgravação tarifária sejam diferentes para cada país, é de supor-se que ao final do
período de desgravação haja uma convergência. Também é objetivo afirmar que o
que foi decidido não atenta contra processos de harmonização de disciplinas ou
contra o fortalecimento da institucionalidade. Ademais, a integração sul-americana
reúne cada vez mais propostas de caráter político que fortalecem sua identidade
como processo – por exemplo, a da criação da Comunidade Sul-americana.
Um segundo tipo de acordo está determinado pelas negociações que se
adiantam com os Estados Unidos, pelo que as principais variáveis a analisar
teriam a ver com os efeitos que esta zona de livre comércio terá sobre a
Comunidade Andina, com a primazia ou não dos resultados da negociação tanto
sobre a normatividade e a institucionalidade como sobre a liberalização a que
nela se chegue.
Em suma, o escopo da análise sobre política comercial deverá contemplar
que este será um acordo de nova geração, que incluiria liberalização de fatores
(bens, serviços, investimentos, compras do setor público), estabelecimento de
disciplinas e limites às políticas públicas e de integração, mecanismos gerais e
particulares sobre solução de controvérsias no tocante a investimentos em bens,
serviços financeiros e de telecomunicações, bem como propriedade intelectual
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em tudo quanto não esteja normatizado pela OMC. Resta definir se o TLC irá
além do Adpic subscrito na OMC, quer em patenteabilidade e direitos de autor,
quer em observação e relação com os progressos que se façam na Ompi. Tais
aspectos necessariamente deverão ser analisados em relação com as decisões
que a respeito se tomem na CAN.
Sobre a União Aduaneira e os serviços, os TLC com os Estados Unidos
diferenciam-se dos acordos subscritos com o Mercosul e com outros países
latino-americanos não só em sua cobertura como no fato de que um dos sócios
(Venezuela) não se acha, em princípio, interessado em participar do acordo
bilateral com os Estados Unidos, e, por outro lado, a Bolívia participa na
qualidade de observador. Em tal contexto, caso se definisse um quadro jurídico
bilateral e não plurilateral, como já foi sugerido pelos norte-americanos, poderiam
ser diferentes as velocidades de negociação e a própria assinatura simultânea
dos mesmos com Colômbia, Equador e Peru.
Como resultado, não se teria claramente definido um período de
convergência para a abertura comercial, nem para a harmonização de disciplinas
e solução de controvérsias, o que poderia futuramente dificultar um possível
plano de trabalho que fosse definido para o aperfeiçoamento da união aduaneira
e do mercado comum, especialmente em matéria de serviços e compras do
setor público. Estes acordos poderiam enfraquecer a decisão política sobre a
necessidade ou não de avançar em direção a um mercado comum e fortalecer as
sugestões de conservar apenas uma zona de livre comércio, com mecanismos
corretivos em face das imperfeições de mercado derivadas de diferenças tarifárias,
das normas aduaneiras e um menor grau de harmonização das políticas comuns.
Por outro lado, a CAN caminha para o início de negociações de um Acordo
de Associação com a União Européia, cuja exigência para a abertura das
negociações tem sido, até o momento, o fortalecimento da união aduaneira e,
em geral, da integração econômica no caminho para o mercado comum. Pareceria
que os resultados do TLC com os Estados Unidos poderiam ser conhecidos
durante o último trimestre de 2005, o que permitiria identificar os limites ou
vantagens para o aperfeiçoamento do mercado comum. Por outro lado, o
possível resultado das rodadas de consulta para o lançamento das negociações
com a União Européia poderia tornar necessária a aceleração do cronograma e
dos compromissos de aperfeiçoamento da integração, como condição para uma
negociação conjunta do referido esquema de integração pelos cinco países.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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Portanto, e em síntese, é objetivo dizer que os resultados da negociação
com os Estados Unidos por parte de três dos cinco países andinos constituirão
uma força centrífuga, que deve ser avaliada em sua verdadeira importância para
a aplicação dos corretivos necessários, enquanto que a negociação com a União
Européia poderia ser a força centrípeta equilibradora para ratificar politicamente
os objetivos da integração, os quais, no que se refere ao tema do comércio,
foram até agora sustentados pelo Conselho Presidencial Andino e se reforçariam
com a proposta criação da zona sul-americana no ano corrente.
Como se pode observar no contexto examinado, no futuro imediato e
conforme os resultados das negociações em curso, a Colômbia deverá
necessariamente efetuar uma profunda análise de sua participação nos múltiplos
cenários de integração de que é parte e dos resultados derivados dos diferentes
acordos, uma vez que parece complexo pretender ao mesmo tempo aprofundar
uma abertura comercial como a que se assinaria com os Estados Unidos e alcançar
o objetivo do mercado comum previsto na CAN.
No TLC, renunciar-se-ia à soberania sem que isto haja sido resultado da
autodeterminação e da participação da cidadania. Conduzir-nos-ia à armadilha
bilateral que nos afastará da globalização, da América Latina, das posições conjuntas
dos países em desenvolvimento nos foros multilaterais. É precisamente o contrário
do que se apregoa: condena-nos ao isolacionismo, onde o único sócio nos vê mais
como uma colônia que como uma nação soberana. Será um tratado de proteção
de investimentos, não de livre comércio. É aí que se acha a verdadeira falácia. Seria
transparente, legítimo, legal ou constitucional aprová-lo?
Tradução: Marcelo Rafaelli
Revisão: Fernanda Fernandes
DEP
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca): um desafio permanente
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necessidade de proteger a Amazônia, o exercício de soberania, bem como,
ainda, as tarefas ineludíveis da luta contra a pobreza, a melhoria da qualidade de
vida e, evidentemente, o que se podia considerar como uma espécie de apelo ao
desenvolvimento sustentável foram as considerações constantes da agenda dos
chanceleres dos oito países com soberania sobre a Bacia Amazônica, quando
assinaram o Tratado de Cooperação Amazônica, pelos idos de 1978; com uma
atitude que poderíamos qualificar como visionária para a época e que, de certo
modo, representava um grau de preocupação – para os Governos da Bolívia, do
Brasil, da Colômbia, do Equador, da Guiana, do Peru, do Suriname e da Venezuela
– por este segmento de seus territórios que significa, mesmo em termos percentuais,
mais do que costumam pensar muitos dos nacionais daqueles países.
A Organização do
Tratado de Cooperação
Amazônica (Otca): um
desafio permanente
Rosalía Arteaga Serrano
*
A
* Secretária Geral da Otca
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Rosalía Arteaga Serrano
87
Assim, as porcentagens de Amazônia (Quadro 1) que cada país possui em
relação à totalidade de seu território, segundo dados proporcionados pelos
próprios países, são as seguintes:
1
1
Fonte: “Amazônia sem mitos” (Tratado de Cooperação Amazônica – TCA)
Após 25 anos de vigência, durante os quais o Tratado funcionou por meio
de Secretarias Pro-Tempore, exercidas pelas chancelarias dos países em que lhes
cabia atuar, os chanceleres e os governos decidiram criar a Organização do
Tratado de Cooperação Amazônica, aceitando a gentil oferta do governo
brasileiro de que Brasília fosse a sede desta nova organização que, pela própria
concepção e pelos passos iniciais já dados, está destinada a representar papel de
importância ímpar na região, neste continente sul-americano e no mundo inteiro,
dada a envergadura dos desafios propostos e a temática, os quais têm que ver
com aspectos que são vitais para a sobrevivência da própria espécie humana no
planeta.
Dizer Amazônia é falar sobre potencialidades diversas, entre as quais se
mencionam as riquezas que contém, tanto aquelas que abundam em seu solo
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca): um desafio permanente
88 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
88
como a qualidade de seu ar, o verdor da floresta, que quase parece infinita, mas
que sabemos frágil, ante o mau uso que costumamos dar-lhe. Quando se fala de
Amazônia, contam-se as espécies, fala-se muito da diversidade biológica, mas
pouco se mencionam os elementos demográficos e culturais, em quase nada se
levam em consideração as populações que moram nesta região, e aqui nos
referimos tanto aos povoadores originais como aos outros, os que chegaram
depois, mas também se sentem parte da Amazônia, também se sentem
amazônidos.
Temos dito, em várias oportunidades, que a Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica é uma espécie de “antiga novidade”, já que deita suas
raízes nos 25 anos de vigência que tem o tratado, mas certamente é nova se
considerarmos estes dois anos e meio decorridos desde a instalação da Secretaria
Permanente da organização (SP/Otca).
A Otca é a única organização regional amazônica que conta com a presença
dos oito governos dos países amazônicos, razão pela qual seu papel nos processos
de integração é evidentemente vital e merece o apoio permanente dos que a
formam. Os mais diversos interesses, todos inerentes a sua personalidade
amazônica, a sua preocupação com os elementos que a compõem, a sua qualidade
matriz e geradora, confluem em seu mandato.
O que quer que façamos com a região amazônica é importante para toda
a humanidade, e, se me atrevo a dizer humanidade, é porque as reservas de água
doce que a bacia amazônica possui, a biodiversidade que encerra, as
extraordinárias possibilidades que guarda em seu seio, a diversidade cultural
que abriga, os benefícios de uma comunicação que se desprende dos interesses
dos países, bem como a luta contra a pobreza, o sucesso nas políticas de saúde,
educação, gênero, cultura, saneamento – tudo isto resumido na busca e
consolidação de um desenvolvimento sustentável e sustentado – fazem pensar
que boa parte do futuro da humanidade está em nossas mãos.
Quando escrevo sobre a organização que me cabe dirigir, quando falo a
seu respeito ou trabalho intensamente para colocá-la no espaço de liderança em
que já começa a desenvolver-se, não posso evitar fazê-lo com paixão: sinto que
a região amazônica deve transformar-se, com a vontade política dos presidentes
das oito repúblicas, no melhor espaço, no mais idôneo, para a integração de
nossos países, para a integração da América, com base nos ideais e sonhos de
visionários da unidade sul-americana e também na busca de condições de vida
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Rosalía Arteaga Serrano
89
mais eqüitativas; por isso, temo-nos empenhado em ser parte da construção da
Comunidade Sul-Americana de Nações, pois não é possível que esta se construa
deixando de lado 40% de seu território, que é a quanto monta o espaço no qual
a Otca tem seu mandato. Talvez por não a considerar parte destas iniciativas é
que têm tido tão pouco sucesso os processos de integração sub-regional, regional
ou continental; o pouco sucesso – é claro – não se pode atribuir somente a isto,
mas tem que ver com o assunto.
Para a Secretaria Permanente da Otca, no atinente à Amazônia, chegou a
hora de negociações conjuntas, de não enfrentar os desafios de maneira isolada
e, sim, de nos darmos esse espaço de trabalho em equipe como países
Amazônicos, para afirmar nossas forças e conseguir nossos objetivos comuns,
como, de algum modo, o estamos fazendo no que se refere a posições conjuntas
sobre florestas, contaminação por mercúrio e – oxalá! – possamos fazer em
aspectos tão relevantes como água, biodiversidade e propriedade intelectual e
industrial.
Por tal motivo, estamos interessados na reativação do Parlamento
Amazônico, que permita que os países integrantes da Otca harmonizem suas
legislações em diversas áreas relacionadas com os principais desafios do
desenvolvimento amazônico sustentável, como os já mencionados, e com outros
que se referem à proteção dos povoadores tradicionais e suas até hoje
desconhecidas para nós – culturas e conhecimentos científicos, tecnológicos e
de inovação e que têm relação com a necessidade indiscutível e imperativa de
proteger a Amazônia como fonte estratégica da vida.
Quando, no mês de maio de 2004, tomei posse como Secretária-Geral da
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, propus aos oito governos
da região o estabelecimento de uma agenda comum para a Amazônia, que, em
certa medida, registra progressos importantes, como o desenvolvimento de um
plano estratégico 2004–2012, apoiado em planos de ação bienais, o que obteve
a aprovação dos governos durante a VIII Reunião de Chanceleres, realizada em
Manaus em setembro de 2004, e que já começamos a levar adiante, com uma
grande dose de coragem, de trabalho, de paixão.
Por isso, levou-se em consideração a missão de construir mecanismos
técnicos e financeiros, bem como políticas conjuntas e complementares, para o
estabelecimento efetivo de um processo de integração regional e desenvolvimento
sustentável, o que vem promovendo a participação ativa dos países-membros e
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca): um desafio permanente
90 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
90
dos atores regionais e locais no preparo e na execução dos planos, programas e
projetos, de modo que se aumente a capacidade de ação conjunta em nível global
nos assuntos de interesse para a região.
Uma análise realista das potencialidades da Otca e do valor que esta
organização acrescenta ao trabalho que cada país pode realizar individualmente
concluirá por sua capacidade de olhar a bacia em seu conjunto, como um bioma
único, extraordinário, com uma interdependência evidente – sobretudo quando
falamos de um sistema hidrográfico que se nutre, em grande parte, da água que
provém das alturas andinas – com os mais altos vulcões do planeta, e que serve
para regar extensas planícies, como as amazônicas propriamente ditas, e que
também deve boa parte de sua biodiversidade ao limo arrastado do alto; por
isso, a visão de uma organização regional como a Otca é indispensável no
momento de trabalhar, proteger, usar de modo sustentável esta bacia hidrográfica
que é a maior do planeta, com 7.500.000 quilômetros quadrados de extensão,
20% da água doce de que dispõe a terra e uma biodiversidade tão maravilhosa
que, se, por exemplo, compararmos um hectare médio de qualquer das áreas
amazônicas de nossos países, este único hectare provavelmente, segundo alguns
estudiosos, reúne mais biodiversidade que todo o continente europeu, com tudo
o que esta biodiversidade acarreta; por exemplo, na área da saúde, talvez
venhamos a encontrar na Amazônia as reservas que contenham os remédios
para enfermidades que ainda não apareceram sobre a face da terra (e isto, que
pode parecer exagerado, entende-se melhor quando pensamos em doenças como
a da vaca louca, a febre aviária e até a própria Aids, moléstias aparentemente
recentes no planeta); reservas que muito se aliam aos conhecimentos tradicionais
das comunidades que ancestralmente ali desenvolveram suas vidas.
O caudal das águas do Amazonas, em sua desembocadura, representa
volume maior que o volume conjunto dos outros nove rios mais caudolosos do
mundo.
E, se meditamos sobre a importância crescente deste líqüido vital, em
face da escassez já existente em algumas regiões do planeta e da que se vislumbra
em futuro não muito distante, seja pela pressão demográfica, seja pelo mau uso
que fazemos dos recursos naturais em geral, dar-nos-emos conta, mais uma vez,
da dimensão do que estamos tratando.
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica está destinada a
intervir, como de fato o faz, em diversos temas que se relacionam com o diálogo
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Rosalía Arteaga Serrano
91
político, as estratégias e programas regionais e algumas iniciativas e projetos de
caráter supranacional, no contexto de um enfoque estratégico.
Dentro do Plano Estratégico já mencionado, aquele relativo ao período
2004–2012, falamos de quatro áreas programáticas e de alguns elementos
transversais, cuja enumeração não é exaustiva, pois podem ir-se ampliando de
acordo com as necessidades dos países, tanto por meio de suas autoridades
como ainda por parte de seus cidadãos, da chamada sociedade civil, com base
em mecanismos de consulta que estamos construindo.
Destarte, as áreas programáticas a que nos referimos são:
1) A Conservação e a Utilização Sustentável dos Recursos Naturais,
mandato concomitante e específico ao tratar-se de uma área extremamente rica
e frágil no tocante a sua conservação.
2) Gestão do Conhecimento e Intercâmbio Tecnológico, que vise a uma
cooperação sul-sul, privilegiando-a, mas sem deixar de lado, é claro, os
progressos que, nestas áreas, venham de outras regiões e coadjuvem seu
desenvolvimento. Baseados nos princípios da sustentabilidade, a maneira mais
adequada de salvar a Amazônia, em termos gerais, é pelo emprego da ciência,
cujos progressos até há pouco eram inimagináveis, mas agora transformam o
mundo, sobretudo por meio das chamadas revoluções nas áreas da biotecnologia
e dos avanços nas comunicações: nos dois casos, a Amazônia pode ser beneficiada
por seu uso adequado.
3) Integração e competitividade regional, levando em conta que os
territórios amazônicos têm estado em atraso em cada um de nossos respectivos
países; observando-se serem territórios vazios, portanto suscetíveis de
colonização, e representantes de mais de 40% do território sul-americano,
nenhum processo de integração poderá ser bem sucedido se não considerarmos
parte dele a vasta região amazônica. E, ainda que existam assimetrias entre os
países que a compõem, também há coincidências que derivam dos aspectos
geográficos; compartilhamos uma bacia hidrográfica, um bioma, povos
originários, culturas que, embora diversas, poderiam desenvolver um processo
identitário amazônico – elemento relevante a levar em conta na construção da
mencionada integração, que desembocasse também na possibilidade conjunta
de competir nos mercados globais, os quais deveriam, no caso amazônico, tender
ao pagamento do preço justo, considerando-se as dificuldades na produção, os
problemas logísticos, entre outros que encarecem os processos produtivos.
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca): um desafio permanente
92 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
92
4) A quarta área estratégica refere-se ao fortalecimento institucional, meta
absolutamente plausível quando se considera a juventude desta organização, que,
neste momento, tem menos de três anos de vida.
Contudo, ao mesmo tempo em que no Plano Estratégico se estabelecem
as áreas programáticas, existem também os elementos transversais que foram
enumerados, mas que tampouco excluem outras possibilidades de priorização e
de trabalho.
Os elementos transversais são:
1) Água: levando em conta que a Amazônia possui as maiores reservas de
água doce do planeta e que esta, considerada um elemento infinito, pode esgotar-
se e que já, em certos lugares, sua escassez significa uma queda notável na
qualidade de vida, a Amazônia deve cuidar deste recurso vital, de modo
responsável.
2) Florestas, solos e áreas naturais: que devem receber proteção, como
mecanismo que ajude a preservar a sustentabilidade; a Amazônia dá colorido
ao planeta quando, vista de um satélite, apresenta uma mancha verde no espaço
correspondente. Sua conservação é, portanto, mandato superlativo, já que é a
maior floresta tropical úmida da terra.
3) Biodiversidade, biotecnologia e biocomércio: cada um, com sua
especificidade, deve atender a conceitos já enunciados sobre a extraordinária
diversidade biológica que a região possui e que, precisamente para sua
preservação, se vale de mecanismos alternativos para usar de maneira adequada
seus recursos, como as já mencionadas biotecnologia e biocomércio, na procura
de possibilidades de geração de emprego para seus habitantes, do uso adequado
dos recursos da floresta – tais como utilização de óleos essenciais, polpas de
frutas, processos artesanais com fragmentos de madeira, sementes e outros –,
nos quais estão empenhadas diversas iniciativas, como a Bolsa Amazônica, iniciada
em Belém do Pará, e que se estende a outros países da área, num âmbito em que
a Otca já começou, como é seu costume, a trabalhar responsavelmente, graças
ao apoio da Unctad e da Fundação das Nações Unidas, ao qual provavelmente
se somará o apoio do governo dos Países Baixos.
4) Ordenamento territorial, assentamentos humanos e assuntos indígenas:
reconhecendo, pelo enunciado destes temas, a importância que têm para a Otca
como mecanismos por meio dos quais se deve buscar a eqüidade no tocante à
posse da terra, a fim de evitar os abusos que tradicionalmente primaram nas
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Rosalía Arteaga Serrano
93
relações entre os que têm muito e os que nada possuem. O tratamento dos
temas das comunidades originais cabe a elas mesmas, mas, por meio de acordos
que a Otca concluiu com organizações, tais como a Coica, e de seu contato com
outros setores, podemos colaborar para a consecução dessas metas. As assimetrias
nesta área também são evidentes, motivo pelo qual outorgar à Otca competências
que lhe permitam trabalhar com esses diversos setores poderia ser uma alternativa
válida para os próprios países signatários do Tratado e integrantes da organização.
5) Infra-estrutura Social, com referência a saúde e educação: como acontece
com todas as regiões às quais não se tem dado a atenção devida, os índices em
que mais se notam a iniqüidade e a pobreza são os relativos a saúde e educação,
e, neste caso, a Amazônia não é a exceção.
Diz-se que as províncias ou estados amazônicos registram os mais baixos
índices nestas áreas, que já contam com importantes centros de população,
sobretudo nos casos brasileiro e boliviano, e que elas, cada vez mais, se estão
convertendo em pólos de migração devido aos diferentes conceitos, muitas vezes
equivocados, que levam setores diversos a trasladar-se para estas terras,
geralmente tidas como promissoras. A Otca já tem um acordo relativo à área da
saúde, em especial nas áreas de luta contra a malária e controle epidemiológico
nas fronteiras, com a Organização Pan-Americana da Saúde; acordo que se espera
pôr em operação brevemente; também se fizeram contatos com o convênio
Hipólito Unanue da Comunidade Andina de Nações e com a Fiocruz, do Brasil.
6) Infra-estrutura de transportes, energia e comunicações: por um lado,
implica relacionamento tendo em vista a construção da infra-estrutura da Iirsa e
busca alternativas que minimizem os impactos negativos dessa construção; por
outro lado, procura potencializar os benefícios, em relação direta com as
povoações, e as políticas relativas ao meio ambiente. Nesse sentido, pretende-se
reativar uma antiga iniciativa de navegação que utilizaria o sistema fluvial
amazônico.
Durante os últimos 16 meses, a Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica tratou de estabelecer uma série de alianças estratégicas (Quadro 2)
que lhe permitam cumprir os objetivos e as metas propostas e se posicionar
dentro do contexto latino-americano e global como um mecanismo integrador,
que a ajude a conseguir o tão almejado desenvolvimento sustentável na região,
transformando-a, assim, num ente paradigmático, graças à sua filosofia e aos
seus êxitos.
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca): um desafio permanente
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94
Áreas de Intervenção 2005–2006
Nas linhas acima, mencionamos que o mecanismo de trabalho empregado
na organização, além do Plano Estratégico 2004–2012 aprovado em Manaus, é
a elaboração e o seguimento de planos bienais de ação. Estamos, neste momento,
em pleno desenvolvimento daquele compreendido no biênio 2005–2006, que
deu prioridade às seguintes áreas:
a) Políticas sobre conservação e desenvolvimento sustentável.
Estas têm como prioridade a meta de conservação e, concomitantemente, de
utilização dos recursos florestais de forma apropriada, tal como já, de certo modo,
o estabelecia o Tratado, em 1978. Nesta área, a Secretaria Permanente da Otca está
empenhada em reforçar o diálogo regional e a interlocução política, por meio seja
da participação e liderança nas reuniões realizadas sob a égide da organização, como
as reuniões de Chanceleres e outras de ordem temática – por exemplo, as já realizadas
sobre Propriedade Intelectual e Industrial, Ciência e Tecnologia e outras em
preparação –, seja da participação nas reuniões convocadas pela Comunidade Sul-
Americana de Nações, pela CAN, pelas Nações Unidas e por outras.
Outros aspectos que estão requerendo trabalho imediato e contínuo são a
harmonização de posições em foros internacionais, como já ocorreu na reunião
mundial sobre florestas, em Nova York, e algumas iniciativas nas áreas de propriedade
intelectual e contaminação por mercúrio, e também o trabalho efetuado para entregar
instrumentos próprios, mas decididos por consenso com os outros países da região,
sobre a validação dos critérios de indicadores de sustentabilidade das florestas
amazônicas, conhecido como Processo de Tarapoto. Ainda dentro desta mesma
área, a Otca empenha-se na construção de mecanismos de diálogo e de consulta
com a sociedade civil, tarefa nada fácil, mas indispensável, se tomarmos em
consideração que a Otca representa os governos, mas trabalha com os povos.
b) Reforço da base política e institucional do TCA.
Isto significa trabalho ininterrupto com diversas instâncias; assim, faz-se
necessário reforçar as comissões nacionais permanentes dos países-membros, o
que requer trabalho interno por parte de cada país; algo que nós, como Secretaria
Permanente, podemos ajudar a elaborar.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Rosalía Arteaga Serrano
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A esta altura, faz-se também necessário dar ênfase à importância que, no
dia de hoje, ganham certas instâncias que foram criadas quase paralelamente ou
em estreita relação com o tratado e com as quais a Otca precisa contar, para
cumprir seus objetivos; referimo-nos aqui, em primeiro lugar, ao Parlamento
Memorandum de Entendimento Otca - Unctad, para
impulsionar o comércio sustentável e os investimentos em
produtos e serviços da biodiversidade na região amazônica
Carta de Entendimento Otca - Comitê Intergovernamental
Coordenador dos Países da Bacia do Prata (CIC)
, para intercâmbio
de informações e cooperação em atividades de interesse comum
Convênio de Cooperação Otca - Unamaz, reforço
da rede de Universidades Amazônicas
Memorandum de Entendimento Otca - CAN
Carta de Entendimento Otca - Ambi
, sobre
colaboração na realização da Expedição Andes-Amazonas
Memorandum de Entendimento Otca - Coica
Convênio de Cooperação Otca - CAF.
Elaboração
de proposta de Fundo de Desenvolvimento Solidário
Acordo de Cooperação Otca - OEA
Acordo Quadro Otca - OPS/OMS.
Endemias. Vigilância Epidemiológica
Acordo de Cooperação Otca - OEA, para execução dos recursos
provenientes do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (Fmam/GEF),
destinados a preparar e executar o projeto "Gestão Integrada e Sustentável
dos Recursos Hídricos Transfronteiriços na bacia do Rio Amazonas"
Convênio Otca - BID, para promover a conservação e o
aproveitamento sustentável da biodiversidade amazônica
Plano de ação regional para a biodiversidade
Cooperação Internacional: BMZ/GTZ, Usaid, Cyted
São Paulo, 15 de junho de 2004
Brasília, 30 de agosto de 2004
Sta. Cruz de la Sierra, 21 de setembro de 2004
setembro de 2004Lima, 29 de
Brasília, 15 de outubro de 2005
Quito, 25 de outubro de 2004
Caracas, 17 de janeiro de 2005
Washington, 27 de janeiro de 2005
Washington, 3 de fevereiro de 2005
Bahia, 25 de junho de 2005
Washington, 25 de julho de 2005
Quadro 2. Quadro de alianças entre a Secretaria Permanente
da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
e os organismos cooperantes (anos 2004 e 2005)
Acordo Otca - FAO. Gestão florestal integral, critérios
e indicadores de sustentabilidade da Floresta Amazônica,
"Processo de Tarapoto"
Brasília, 25 de maio de 2004
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca): um desafio permanente
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96
Amazônico, cuja institucionalização ainda depende da decisão política dos
governos e cuja reativação é fundamental, caso esposemos o princípio de que
qualquer processo de desenvolvimento precisa da participação ativa dos
mecanismos de decisão nacional e de que o poder legislativo é a instância que,
por representar as aspirações da sociedade, pode contribuir nas reflexões e na
busca de soluções para o desenvolvimento sustentável da região e, também,
apoiar a consolidação das políticas de integração e desenvolvimento regional.
Por tal motivo, o Parlamento Amazônico, espaço no qual converge o
acionar dos parlamentares que são especificamente da região, é mecanismo-chave
para uma harmonização das leis dos diversos países que facilite o intercâmbio
econômico e cultural e as ações de cooperação para o desenvolvimento
sustentável. A interação dos congressos da região é um dos passos substantivos
para o mútuo conhecimento de nossas particularidades e para a efetiva integração
de nossos povos.
Outra instância que precisa ser reforçada e que foi criada quase
paralelamente à Otac é a Unamaz, a Rede das Universidades Amazônicas, que
conta com a tarefa de articular o trabalho dos centros de estudos superiores da
região.
Finalmente, a Coica, organização que agrupa as comunidades indígenas
amazônicas, também faz parte deste grupo de organizações que surgiram ao
abrigo do TCA.
No âmbito desse reforço da base política institucional, inscreve-se a
necessidade de convocar e realizar encontros das instâncias decisórias da Otca,
a partir da Comissão de Coordenação, integrada pelos Embaixadores dos países-
membros acreditados em Brasília (Ccoor), a ser seguida, sucessivamente, do
Conselho de Cooperação Amazônica (CCA), das reuniões de Chanceleres e das
Cúpulas Presidenciais.
Uma aspiração que ainda está em fase de preparação por parte da Secretaria
Permanente, o órgão executivo da Otca, é a de criar e reforçar a base política
local, municipal e sub-regional.
c) Influência na formulação e compatibilização de políticas.
Para tanto, identificam-se as prioridades de compatibilização e de ação
regional, com base nas cúpulas presidenciais e ministeriais. Exemplo disso é o
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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que ocorreu em Manaus, reunião em que foi decidido, por resolução, o trabalho
em áreas como: Defesa e Segurança Integral da Amazônia, Desenvolvimento
Social, Infra-estrutura e Integração Física, Comércio e Integração, Ciência e
Tecnologia, Biodiversidade e Propriedade Intelectual.
Com tal finalidade se estão construindo certas ferramentas que servem
para a tomada de decisões: elaboração de mapas com apoio da GTZ
(Cooperação Alemã), Inpe, Sivan, bem como preparação de propostas para
rever as diversas definições amazônicas, com apoio da Comunidade Européia,
por meio do Joint Research Center.
Estamos participando de eventos estratégicos com a CAN, o Cyted, a
Zona Franca de Manaus e aspiramos a fazê-lo com base em contatos já
preestabelecidos com o Mercosul, por meio do Comitê Intergovernamental da
Bacia do Prata (CIC), do Sipam, do Iirsa, do Caricom, etc.
Essas sinergias e trabalhos conjuntos no âmbito da Bacia Amazônica
levam-nos a harmonizar critérios, a trocar informações, como já o estamos
fazendo a respeito de questões, como contaminação por mercúrio, temas
florestais, propriedade intelectual e industrial, entre outras.
d) Gestão do conhecimento e diálogo político local para o
desenvolvimento sustentável.
Em primeiro lugar, interação com outra instância que surgiu há alguns
anos, juntamente com o TCA; referimo-nos à Unamaz, rede de universidades
amazônicas, instância extremamente importante para a construção do
pensamento científico, tecnológico, de inovação da região, mas que ainda
não alcança as esperadas maturidade e concretizações. Devemos destacar
que, na Amazônia, existem centros de estudo e investigação, além das
universidades, que gozam de reconhecido prestígio internacional, como o
Museu Goeldi, o Instituto Nacional de Investigações da Amazônia Peruana
(Iiap), o Centro de Biotecnologia do Amazonas (CBA), o Sinchi, o Instituto
Humboldt.
A Otca começou a interagir também com o Cyted, os conselhos de ciência
e tecnologia similares em cada um dos países-membros e com outras iniciativas
comuns, como a chamada Iniciativa Amazônica, da qual faz parte desde seu
nascimento.
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A Otca vem colaborando com certas redes multinstitucionais que atuam
em nível regional, como, entre outros, a já citada Iniciativa Amazônica e o projeto
MAP (Madre de Dios, Acre, Pando), instância da sociedade civil.
Tudo isso lhe permite promover e intercambiar conhecimento, no âmbito
de uma política de realçar as melhores práticas.
e) Financiamento de projetos e utilização de recursos.
A organização funciona como uma pequena central diretora de técnicos,
peritos e funcionários, financiada pelas quotas que cada um dos países lhe paga
com tal finalidade, gere outros recursos provenientes da cooperação internacional
de organismos internacionais, países cooperantes, setor privado, etc., e aspira a
criar, com a ajuda dos governos dos países e das instâncias cooperantes, um
fundo de desenvolvimento solidário para a Amazônia e, para isso, iniciou
processo de consulta com a CAF.
A seguir, nos Quadros 3 e 4, detalham-se quer os projetos atualmente em
execução pela Secretaria Permanente da Otca, quer os que se encontram em fase
de preparação.
1. Projeto de Gestão Regional de Biodiversidade - BID.
2. Projeto de Uso Integrado e Sustentado dos Recursos Hídricos GEF/Pnuma - OEA.
3. Projeto de Uso Econômico da Biodiversidade - Unctad/Governo neerlandês/GTZ/UNF.
4. Proposta de projeto de Conservação da Floresta Tropical Amazônica II - GTZ/BMZ.
5. Projetos Culturais "Prêmio Otca" e "Descobrindo a Amazônia: A Otca
e os Jovens Caminhos de Orellana" - Governos/Setor privado.
6. Validação de Indicadores de Sustentabilidade da Floresta Amazônica FAO.
7. Proposta de participação da sociedade civil na : Uicn/FLA BID.
8. Prevenção e combate à contaminação por mercúrio Governo dos EUA.
9. Proposta de delimitação da região amazônica (IES EU).
Otca
-
-
Quadro 1. Amazônia Continental
Países da Bacia Hidrográfica
Quadro 3. Projetos da SP/OTCA em execução
Projetos em Execução
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Cada um destes projetos exigiria pelo menos um resumo para explicá-los
e deles falar, o que não é possível fazer nestas páginas que nos foram atribuídas
em tão prestigiosa publicação. Apenas quero chamar a atenção no sentido de
que – embora no Plano Estratégico da Otca não se mencionem especificamente
certos campos de trabalho, como os relativos às questões de gênero e aos
assuntos culturais – estamos trabalhando neles, por meio de, por exemplo,
seminários em que se desperta a consciência sobre o tema, como o Seminário
de Gênero e Amazônia, que se realizará na Amazônia peruana, e dos seguintes
projetos culturais e científicos: a Expedição “Descobrindo a Amazônia”, a
Otca e os jovens, os Caminhos de Orellana – que prepara a viagem de
conhecimento da Amazônia, com roteiros anuais, para jovens destacados dos
países-membros –, assim como os prêmios Otca destinados a ressaltar e
estimular ações relevantes na região.
A realidade da região amazônica diz-nos que possui enorme potencial
florestal, rico em biodiversidade; que tem sido ocupada por ciclos de exploração
dos recursos naturais, sem maiores preocupações por sua conservação; que
existem na zona dificuldades logísticas reconhecidas, elevados custos de produção
– se nos atemos às regras do mercado tradicional – e uma dispersão de espécies,
fruto de sua extraordinária biodiversidade.
A isso se somam a baixa capacidade tecnológica, a pouca informação
disponível e acessível, não obstante os inúmeros estudos realizados a respeito
Quadro 4. Projetos da SP/OTCA em fase de preparação
Projetos em fase de preparação
* Prevenção e combate à contaminação por mercúrio - Governo dos EUA - EPA - UNEP - MMA/Brasil.
* Estudo de viabilidade técnica, financeira e política para a constituição
Fundo Solidário de Desenvolvimento - CAF.
* Proposta de projeto na área da saúde - Opas.
* Projeto Amazônia - Fundação Moore.
* Projeto Regional para OIMT - Governance, monitoramento de cobertura florestal.
* Programa de Áreas Protegidas; WWF - Cirad.
* Programa Andes Amazônia - GTZ/Icraf.
* Parques Transfronteiriços - KFW.
* Aspectos econômicos para desenvolvimento sustentável e gerenciamento de terras indígenas -
Governo dos Países Baixos.
de um
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca): um desafio permanente
100 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
100
de tudo por peritos e cientistas de fora da região, uma grande heterogeneidade
social e a diversidade étnica.
Devemos ressaltar também certas particularidades microrregionais, tais
como baixa estabilidade política e econômica, capacidade institucional não muito
forte, além de baixos níveis de participação e descentralização, e, ainda, as
assimetrias assinaladas.
A Amazônia continua a aparecer como uma terra de oportunidades, os
desafios se deduzem dos fatos assinalados; assim, para superar o mito de que
esta é uma região rica, mas vazia, devemos compreender sua complexidade e
particularidades e transformar seus ativos em oportunidades para a população,
bem como reconhecer a função regularizadora do Estado no acesso aos recursos
naturais e de gestão do território.
A conservação dos recursos naturais para as gerações presentes e futuras
é um imperativo, do mesmo modo que é imperativo não repetir os erros do
passado e intensificar os sucessos que se obtenham.
Confrontamos o desafio de incorporar à prática o planejamento
sustentável, reunindo os atores locais, municipais, estaduais, nacionais que
permitam ampliação da base social – objetivo do Tratado de Cooperação
Amazônica.
Como vemos, o desafio é enorme, a Otca tem uma visão larga, que até se
poderia assimilar à metáfora do guarda-chuva: dá abrigo em seu seio a
inquietudes, sugestões e propostas, mas também atua como antena para atrair
cooperação internacional e projetos pertinentes, ao mesmo tempo em que aspira
a converter-se numa espécie de farol que oriente a mobilização da região.
Tradução: Marcelo Rafaelli
Revisão: Regina Furquim
DEP
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Peter R. Ramsaroop, MBA - Eric M. Phillips, MBA
101
endo em vista a decisão da União Européia (EU) de terminar com o
preço preferencial pago pelo açúcar importado dos países da África, do Caribe
e do Pacífico (ACP), dentro do protocolo ACP–UE sobre o Açúcar, a Guiana
enfrenta uma séria ameaça à sua já anêmica economia, assim como à sua
estabilidade social.
Como as outras nações do Caribe produtoras de açúcar, Jamaica e Belize,
por exemplo, a Guiana ainda espera uma mudança na política da União Européia,
mas a recente decisão da Organização Mundial do Comércio (OMC) em favor da
Austrália, do Brasil e da Tailândia – determinando que os acordos preferenciais
A Guiana – vinculando
o Brasil ao Caribe: um
potencial que encontra
a sua oportunidade
Peter R. Ramsaroop
, MBA
*
Eric M. Phillips, MBA
**
T
* Presidente do Grupo Roop.
** Presidente do Grupo Essequibo.
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
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102
de comércio da UE com os países da ACP violavam os esquemas de redução de
subsídios à exportação – vai gerar perdas significativas para aqueles países,
particularmente depois da rejeição do recurso interposto à UE, em abril de 2005.
O açúcar é a coluna dorsal da economia guianense. Em 2004, a receita das
exportações desse produto foi de US$121 milhões. A indústria açucareira
emprega 27.000 pessoas e ampara outras 97.000. Os cortes propostos poderiam
representar para o país uma queda de pelo menos US$50 milhões em receita de
exportação, o que significa mais de quatro vezes a estimativa de US$8 milhões
da iniciativa para o alívio do endividamento dos países pobres, prometida na
recente cúpula dos G8 (Financial Times, 24 de junho de 2005). O pacote de
assistência de 40 milhões de euros proposto pela UE não leva em conta o fato
de que o açúcar constitui uma parte importante do PNB de muitos países do
ACP; na verdade, seria mais apropriada uma assistência superior a 500 milhões
de euros.
Tendo em vista a crise surgida com o colapso do seu mercado histórico
de açúcar, a perda potencial de postos de trabalho de, literalmente, milhares de
trabalhadores do setor, assim como com uma crise do petróleo que coloca o
país em situação de extremo risco econômico, a Guiana necessita implementar
sua Estratégia Nacional de Desenvolvimento para alcançar um crescimento
econômico sustentável e cumprir, em 2015, as Metas de Desenvolvimento do
Milênio.
Unir a Guiana ao Brasil, com a construção da rodovia há muito esperada,
poderia representar o primeiro passo de uma série de eventos dramáticos, que
incluem a construção de um porto de águas profundas, uma zona franca e outros
elementos da infra-estrutura necessária para transformar o panorama econômico
da Guiana.
A firma de consultoria A.T. Kearney, de âmbito mundial, observou
recentemente que as economias sul-americanas estavam atrasadas em relação a
outros mercados emergentes mais interessantes, como os da Europa Central e
da Ásia. Com efeito, o nosso vizinho Brasil deixou de ocupar a nona melhor
posição para investir, entre as economias emergentes, na décima sétima – sua
posição menos brilhante, em dez anos, no Índice de Confiança para o
Investimento Direto Estrangeiro (FDI). Não só isso, mas a mudança do enfoque
empresarial, devido à expansão da economia chinesa, pode limitar o FDI em
outros mercados emergentes, especialmente na América do Sul.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Peter R. Ramsaroop, MBA - Eric M. Phillips, MBA
103
Nestas condições, qual o lugar da Guiana na busca do capital global e dos
empregos conseqüentes, e como pode a Guiana se tornar competitiva na disputa
cada vez mais feroz pelos investimentos estrangeiros? Com todos os recursos
do país, quais são os pré-requisitos necessários para a erradicação da pobreza,
diante de tão grande ‘potencial’?
Tradicionalmente, o investimento direto estrangeiro também se baseou em
um grande número de fatores puramente econômicos, tais como a disponibilidade
de matéria-prima, o baixo custo da mão-de- obra e a capacidade da infra-estrutura
física de levar as mercadorias até o mercado. Outros fatores, como as dimensões
do mercado, a integração regional e o crescimento local desempenham um papel
na determinação do apelo feito aos investidores estrangeiros. Devem também ser
considerados os fatores de eficiência, tais como a produtividade do trabalho, o
tamanho e a disponibilidade de mão-de-obra qualificada, a capacidade do setor
de serviços, a sofisticação dos mercados financeiros locais e a adequação da política
comercial ao mercado (FDI in Developing Countries, Nunnekamp, 2002).
Dessa discussão, fica claro que a Guiana tem diante de si tanto
oportunidades como obstáculos. A disponibilidade de matérias-primas e de
mão-de-obra e a possibilidade da integração regional são nitidamente algumas
dessas oportunidades. É triste dizer, mas a estabilidade política e as políticas
destinadas a criar um clima que conduza ao investimento são, na atualidade,
menos claramente positivas.
O setor privado da Guiana precisa continuar a cooperar com o Governo para
criar um ambiente favorável ao investimento estrangeiro direito e a parcerias regionais.
A solução prática
O Brasil é o maior produtor mundial de cinco produtos importantes,
inclusive café e suco de laranja. É também o segundo maior produtor de soja e
feijão, e o terceiro de milho, assim como o quarto de cacau. É o segundo maior
produtor de carne e tem o segundo maior rebanho de todo o mundo. O Brasil
produz mais de 32% das laranjas de todo o mundo e é o maior exportador de
suco concentrado dessa fruta, do qual produz 90%.
Pavimentar a estrada entre a Guiana e o Brasil abriria aos dois países um
extraordinário leque de oportunidades para gerar atividades econômicas
significativas, com a criação de riqueza interna.
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
104 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
104
A riqueza compartilhada
Leia-se este trecho de artigo recente do New York Times, escrito pelo
colunista Larry Rohter e intitulado “A América do Sul procura suprir Alimentos
para a Mesa do Mundo”:
“Quase da noite para o dia, a América do Sul promoveu uma histórica
mudança global na produção de alimentos, que está transformando o
centro do continente, em grande parte inexplorado, na nova fonte de
alimentos para o mundo. Uma das últimas regiões da terra com grandes
áreas ainda disponíveis para a agricultura, a região, liderada pelo Brasil,
passou por uma explosão de exportações agrícolas na última década.
Esse crescimento foi alimentado por uma combinação de políticas
econômicas voltadas para o mercado e de progresso agronômico, que
viabilizou a produção em terras tropicais até então inutilizáveis, levando-
as a alcançar níveis de produtividade superiores aos dos Estados Unidos
e da Europa e a desafiar o seu predomínio natural no comércio agrícola
global. O Brasil, que, durante uma visita em outubro, o ex-Secretário
de Estado Colin L. Powell descreveu como ‘uma superpotência
agrícola’, espera ultrapassar os Estados Unidos, na próxima década,
como maior produtor agrícola do mundo.
Se for construída uma estrada ligando o Brasil à Guiana, e se for instalada
uma infra-estrutura adicional, como um porto de águas profundas e uma zona
franca, as empresas brasileiras poderiam utilizar a Guiana como um núcleo de
transferência de carga despachada para a América do Norte e os países do
Mercado Comum e Comunidade do Caribe (Caricom).
Isso teria também um impacto tremendamente positivo no setor agrícola
guianense, criaria a oportunidade para a Guiana abrir seu amplo território rural
e expandir as suas exportações para mercados que o Brasil já criou.
Estimulados por organizações de pesquisa e financiamento, como a US
Agency for International Development (Usaid) e a Organização para a Alimentação e
Agricultura das Nações Unidas (FAO), nos últimos dezoito meses, várias
entidades guianenses e investidores baseados nos Estados Unidos tomaram
medidas exploratórias para determinar a capacidade dos produtores e da infra-
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Peter R. Ramsaroop, MBA - Eric M. Phillips, MBA
105
estrutura do mercado na Guiana para apoiar essa transição rumo à produção
agrícola não-tradicional, dirigida especificamente para a exportação. Apoiados
inicialmente pelo Go-Invest, órgão criado pelo governo da Guiana para facilitar
o investimento no país, esses programas, de modo geral, amadureceram
exclusivamente com investimentos estrangeiros diretos, sem a assistência do setor
público ou privado.
Além disso, pavimentar os quase 500 km de estrada até o Brasil, com a
construção de uma ponte através do rio Takutu – projeto que é um compromisso
do Governo brasileiro, reiterado durante a visita do Presidente Lula à Guiana –
, criaria no país um grande número de postos de trabalho qualificados e não-
qualificados. A idéia não é nova, foi proposta pela primeira vez no Plano Guiana
21. Ademais, à medida que, ao longo dos anos, a atividade econômica cresce no
país, e novas vilas são formadas, vão surgir naturalmente outras oportunidades
financeiras.
Os empregos criados de imediato por esse projeto incluiriam o trabalho
de construção de duas importantes rodovias, assim como o dos motoristas de
grandes caminhões de carga de 24 rodas. Caminhões que transportariam
mercadorias a serem embarcadas nos nossos portos ou em zonas francas, isentas
de tributos – outro aspecto que precisa ser parte dessa iniciativa –, e retornariam
com nossos produtos para serem vendidos no resto do continente.
Dentro desse plano, seriam criados também empregos nos setores
aduaneiro e de imigração, para administrar o tráfego fronteiriço e receber as
taxas apropriadas pagas pelos veículos. Ao abrir o país, haveria também
empregos para o gerenciamento das fronteiras, diante da necessidade de manter
a segurança estratégica das fronteiras da Guiana contra o contrabando e o tráfico
de drogas.
Cidadãos guianenses poderiam ser donos de empresas de transporte, em
lugar de dirigir pequenos ônibus. Empregos no setor da informática constituiriam
a base de uma indústria sofisticada e bem dirigida de logística e transporte de
carga. Seria necessário também criar empregos na administração de hotéis e
serviços associados com o aumento da atividade econômica ao longo das estradas,
como postos de gasolina, motéis, restaurantes, locais de entretenimento, etc.
Nas margens das duas estradas surgiriam novas vilas, com a criação de
mais serviços comunitários que explorassem oportunidades na agricultura e no
turismo. Haveria um rápido desenvolvimento do mercado de turismo e
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
106 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
106
ecoturismo, com a criação de outros empregos, já que o país estaria aberto e
seria mais fácil atrair o turismo internacional para apreciar os sítios turísticos e a
biodiversidade guianenses.
Eis um exemplo: atualmente os brasileiros compram 50.000 cocos por
semana da Guiana, para a fabricação de doces, que são transportados em estradas
de terra. Com uma estrada pavimentada, esses doces poderiam ser fabricados
na Guiana e vendidos como produto acabado, a preços competitivos.
Ao construir essa nova ligação rodoviária com o Brasil, poderíamos criar
um novo caminho para a economia guianense, que talvez significasse o fim do
estado de pobreza e carência esmagadoras que tem prejudicado a nação. Na
busca de decisões econômicas sãs, faz sentido focalizar nossa energia e nossos
recursos nesse projeto, que promete um futuro brilhante para o país.
Um potencial não aproveitado
É enorme o valor da Guiana para a América do Sul e o Caricom. A Guiana
possui seis atributos fundamentais que, se explorados corretamente, garantiriam
uma economia exitosa e uma sociedade florescente, com a implementação da
Estratégia de Desenvolvimento Nacional. Esses atributos são:
• A localização estratégica do país
• A abundância de recursos naturais
• Recursos humanos altamente qualificados
• O potencial petrolífero
• A incrível biodiversidade
• O amplo território
A localização estratégica do país
A Guiana é também o único país de língua inglesa da América do Sul. Sua
localização estratégica e o vasto delta do rio Essequibo fazem dela o perfeito
canal para transportar bens e serviços até as regiões interiores do Brasil
setentrional e as áreas ocidentais da Venezuela, e delas para o exterior. Os portos
do Suriname e da Guiana francesa estão sujeitos a forte assoreamento, o que
abre para a Guiana a oportunidade de servir como porto para essas regiões.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Peter R. Ramsaroop, MBA - Eric M. Phillips, MBA
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Em todo o mundo, economistas e especialistas no desenvolvimento estão
familiarizados com as estratégias de crescimento baseadas na exportação, mas
ao governo da Guiana tem custado aceitar essa idéia. A criação de zonas francas
isentas de tributos nos portos existentes e o desenvolvimento da Zona Livre de
Exportação na ilha Hogg são componentes vitais de uma estratégia de
crescimento que pode ser um motor econômico mais importante do que qualquer
outro estímulo já recebido pelo país nos últimos cinqüenta anos.
A Guiana é o único país de língua inglesa da América do Sul e tem limites
com o Brasil, a Venezuela e o Suriname. É virtualmente uma ilha da Comunidade
caribenha pousada na margem da América do Sul. O Brasil é um gigante do ponto
de vista do comércio, e a Venezuela tem petróleo. Está também perto do Equador
e goza, assim, de um clima tropical, sem estar sujeita a furacões e terremotos. A
posição estratégica do país e o vasto delta do rio Essequibo criam um canal perfeito
para transportar bens e serviços para as regiões interiores do Brasil setentrional e
das áreas ocidentais da Venezuela. O pesado assoreamento dos portos do Suriname
e da Guiana francesa abre para a Guiana a oportunidade de servir como seu porto
de exportação. Do ponto de vista puramente competitivo, com ou sem zonas
francas, em algum momento do futuro, o Brasil precisará recorrer à Guiana como
um ponto de transferência de carga para as exportações.
A abundância de recursos naturais
A Guiana é abençoada com uma grande abundância de recursos naturais,
inclusive terras agrícolas muito férteis, com mais de duzentos tipos de frutas e
hortaliças, muitos rios e grandes corpos d’água, vastas áreas de florestas tropicais,
com madeiras de lei e mais de 1.200 espécies, abundantes reservas de peixe e
camarão e ampla variedade de minérios em quantidades economicamente viáveis,
que inclui ouro, diamantes, bauxita, manganês, urânio e mica.
O país tem muitos rios, corpos d’água, flora e fauna e florestas tropicais.
Graças ao Protocolo de Quioto, a Guiana pode potencialmente oferecer créditos
de carbono a outros países.
O potencial petrolífero
Estima-se que na Guiana haja jazidas de petróleo e gás que se acredita
serem maiores do que as de Trinidad e Tobago. É grande esta possibilidade,
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
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108
dadas a geografia e a proximidade com a Venezuela e Trinidad – dois países
produtores de petróleo. A exploração tem sido esporádica, embora a descoberta
de petróleo representasse impulso significativo para o desenvolvimento do país.
Recursos humanos altamente qualificados
Com base na herança de um sistema educacional de qualidade muito elevada,
que esteve no seu auge nas décadas de 1960 e 1970, a diáspora guianense
representa uma força de trabalho baseada no exterior, de excepcional qualificação,
simpática ao desenvolvimento do país. Muitos guianenses anseiam por voltar ao
seu país e estão prontos a fazê-lo logo que possam ter, em grau razoável, boa
moradia, boa educação para os filhos, uma rede de saúde confiável e diversidade
de recreação.
A sociedade guianense é multirracial (ameríndia, africana, chinesa, européia,
indiana e portuguesa) e multirreligiosa (Cristianismo, Hinduísmo e Islamismo).
A Guiana possui também um recurso raro – seus povos ameríndios e sua cultura.
Uma incrível biodiversidade
A incrível biodiversidade da Guiana e a vasta extensão da floresta equatorial
primitiva representam importante tesouro natural dentro do Hemisfério
Ocidental, que poderia ser usado de forma sustentável, respeitando o ambiente,
em benefício dos guianenses e também da comunidade global.
Um amplo território
A Guiana tem 215.000 quilômetros quadrados (83.000 milhas quadradas).
A densidade demográfica é de 3 habitantes por milha quadrada, e 75% do
território é desabitado. Com a perspectiva de um Caricom que funcione
adequadamente, para que os pequenos países do Caribe sobrevivam no futuro,
o território da Guiana pode ser um dos principais fatores de sustentação agrícola
daquela comunidade.
Conforme já sugerimos, seria vantajoso que a Guiana atraísse ativamente
atores econômicos globais para adquirir ou associar-se a interesses nacionais.
Um mercado livre proporciona as melhores oportunidades para mineração,
turismo, transporte e agronegócios, integrados com os mercados globais mais
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Peter R. Ramsaroop, MBA - Eric M. Phillips, MBA
109
amplos, a fim de criar localmente empregos e novas relações comerciais. Seria
prudente também que a Guiana buscasse ativamente o investimento ou a venda
de direitos de prospecção. Se os recursos e as empresas estão prontos, essas
modalidades de relacionamento não precisam ser temidas, mas, ao contrário,
devem ser bem recebidas como reconhecimento da nossa vitalidade e capacidade.
A Guiana e o mundo
Nos próximos anos, a Guiana vai-se tornar um país cada vez mais
importante, à medida que vários temas de importância global e regional passem
a ocupar o centro do palco. Essa temática inclui:
• A Área de Livre Comércio das Américas (Alca)
• A geopolítica do petróleo
• A geopolítica da água
Esses fatores poderão ser vitais em um futuro muito próximo, à medida
que as paisagens políticas mudem e a demanda por recursos naturais cada vez
mais escassos impulsione países do Ocidente e do Oriente a se voltar para a
América do Sul.
Com um plano estratégico disponível e pronta a responder ao chamado
do mundo, a Guiana finalmente verá o seu potencial transformado em realidade.
Investindo no futuro
O Plano Guiana 21 é uma proposta em profundidade para aprimorar a
situação econômica do país, sua infra-estrutura e os problemas sociais que o
afetam. Guiana 21 aborda muitos dos problemas que, durante décadas, têm
prejudicado a nação e propõe um esboço de ações possíveis como técnica
potencial para aliviar esses males nacionais.
O desenvolvimento do Plano Guiana 21 fez-se com base em premissas
filosóficas, práticas e teóricas, que implicaram grandes debates, até mesmo com
membros da equipe responsável, tais como Bert Carter, que conhece a Guiana
melhor do que ninguém.
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
110 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
110
As palavras “Renascimento e Renovação” foram usadas como tema de
lançamento do plano e esse era o tema de muitas pessoas envolvidas no seu
preparo.
Nos últimos 40 anos, a Guiana teve pouco progresso político, social ou
econômico. Depois de seguir políticas vãs durante anos, o país caracterizava-se
pela segmentação racial, pela pouca governança, por uma visão inconsistente
com as tendências globais das economias de mercado e das democracias
participativas. Sua força de trabalho estava também exaurida. Na fase de sua
história em que se encontra hoje, o país é um ator global política e
economicamente irrelevante, estando perto da marginalização econômica.
O Plano Guiana 21 reconhece que, por si mesma, a Guiana é um país com
oportunidades comerciais significativas. No entanto, para começar a sair dessa
situação, 16 elementos de “hardware” precisariam ser implantados, ao custo de
dez bilhões de dólares de investimento.
Esses 16 elementos são:
1. Uma ponte elevada sobre o rio Berbice, com o desenvolvimento
associado de uma área comercial.
2. Uma rodovia de quatro pistas que ligue Georgetown à rodovia entre
Soesdyke e Linden.
3. Uma ponte elevada sobre o rio Demerara.
4. Uma rodovia entre Soesdyke e Wales, na margem esquerda do rio
Demerara.
5. Uma rodovia entre Panka e Monkey-Jump, na margem oriental do rio
Essequibo.
6. Um novo aeroporto internacional capaz de receber aeronaves de grande
porte.
7. Uma série de pontes e estradas que liguem as ilhas do delta do rio
Essequibo com Morasi e Supemaam.
8. Uma ponte elevada sobre o rio Essequibo em Monkey-Jump.
9. Uma rodovia entre o novo aeroporto internacional e Makouria, na
margem oriental do rio Essequibo.
10. Um porto de águas profundas e uma zona franca de exportação na
foz do rio Essequibo (ilha Hogg).
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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11. Uma rodovia ligando o novo aeroporto internacional a Morasi, na
margem oriental do rio Essequibo.
12. Uma rodovia entre Yimbri e Berbice, via St. Culbert’s Mission.
13. Uma rodovia de alta velocidade entre Monkey Jump e Lethem, na fronteira
do Brasil, via Linden, com a possibilidade de uma ferrovia paralela.
14. Uma rodovia entre Monkey Jump e Bartica.
15. Uma rodovia entre Supermaam e Kamaria, no rio Cuyuni.
16. Uma rodovia de Charity, Pomeroon, até a fronteira da Venezuela.
Dadas as conseqüências políticas de longo prazo para a propriedade dessa infra-
estrutura, são óbvias as oportunidades que se abrem para as companhias estrangeiras.
Desenvolver uma forma guianense de livre mercado é um aspecto essencial
do processo destinado a criar uma base sólida para as oportunidades potenciais
de investimento. Propor a Guiana como “Aberta para Negócios” é crucial para
o nosso êxito em expandir as oportunidades econômicas. Precisamos de empresas
voltadas para os mercados globais que adquiram nossas companhias e nossos
produtos, e precisamos dos postos de trabalho criados em conseqüência disso.
Os elementos de “hardware” do Plano Guiana 21 têm igualmente um
conjunto de “softwares”, que é sinergístico e necessário para o sucesso. Sucesso
definido como a capacidade de atrair capital humano guianense do exterior, de
administrar esses projetos de larga escala, de acrescentar valor significativo às
economias das vilas, de fazer crescer a economia do país e de criar sólidas parcerias
comerciais com o Brasil e a Venezuela – países que se beneficiariam de forma
significativa com o uso do nosso porto de águas profundas.
Há sete elementos de “software” associados com esse plano:
1. Políticas macroeconômicas destinadas a transformar, modernizar e
diversificar a economia nacional, para torná-la relevante e globalmente
competitiva.
2. Políticas de desenvolvimento da nação nos campos da saúde, educação
e moradia.
3. Estruturas que respeitem o meio ambiente, para proteger a rica
biodiversidade do país no desenvolvimento sustentável.
4. Gerenciamento do conhecimento e um cerne de tecnocratas altamente
qualificados.
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
112 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
112
5. Governança tendente a facilitar a inclusão no nível político e a
integridade financeira no nível comercial.
6. Forte relacionamento internacional com os principais parceiros na
América do Sul, do Norte, da Europa e da Ásia.
7. Liderança estratégica competente, com visão do futuro, de mente
aberta, não-racista e incorruptível.
Acima de tudo, a implementação dos elementos de “hardware” e “software
do Plano Guiana 21 produziria a vontade política de abrir a economia ao comércio
e ao investimento internacional e garantiria, ao mesmo tempo, a propriedade
guianense por meio de swaps de ações, conversão de dividendos em eqüidade,
empréstimos suaves, contribuição em espécie de terra e direitos de exploração
mineral, etc.
De modo geral, são os seguintes os objetivos do Plano
Guiana 21:
• Alcançar uma taxa de crescimento econômico anual da ordem de 10 a 12%;
• Criar cerca de 100.000 empregos em um período de cinco anos;
• Atrair investimentos da ordem de US$300 a US$500 milhões, anualmente;
• Criar propriedade guianense mediante parcerias público-privadas;
• Converter os recursos minerais da Guiana em exportações;
• Fazer da Guiana um centro de transferência de carga para o Brasil, o
Suriname e a Venezuela;
• Criar uma economia dirigida para as exportações e, ao mesmo tempo,
estimular a suficiência na produção de alimentos.
Além disso, com a implementação desse Plano, a transformação social do
país seria acelerada, pois uma economia vigorosa iria melhorar regularmente a
qualidade de vida de todos os grupos raciais e econômicos, promovendo a
atividade econômica vital, tão necessária para a segurança social da Guiana;
aprimoraria dramaticamente a infra-estrutura tanto física (estradas, energia,
aeroportos, portos, pontes) como social (educação, saúde, recreação), atraindo
os guianenses emigrados para que retornassem ao país e trouxessem sua
capacitação (capital, tecnologia e empresas); e garantindo tratamento de melhor
qualidade para as crianças e os idosos.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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113
É importante entender o papel que a Guiana pode desempenhar no plano
regional e internacional, e o Plano Guiana 21 demonstra claramente como o país
está pronto a trabalhar com esse objetivo.
Investindo no futuro da América do Sul
Para que a Guiana transforme a sua economia, precisa tornar-se um ponto
de transferência de carga para o Brasil e a Venezuela ocidental. Da perspectiva
de relações internacionais, isso significa estabelecer relações especiais com o
Brasil, a Venezuela, o Suriname e a Guiana francesa. O desenvolvimento de
relações através das suas fronteiras é vital para o crescimento e a futura expansão
econômica do país.
Na Guiana, as políticas governamentais e o clima predominante na
sociedade civil podem colaborar na atração de investidores, atuando como bons
parceiros de investimento, pela promoção internacional e pelo desenvolvimento
da capacitação das pessoas por meio de treinamento adequado. Por muito tempo,
a Guiana tem sido vítima de um sistema econômico atrofiado, devido, em grande
parte, aos vários tipos de conduta com relação aos bancos. O protecionismo
não contribuirá para fortalecer a economia deficiente do país e só continuaria
inibindo o desenvolvimento. Uma política econômica aberta poderia dar à
Guiana uma posição para competir em escala global e, no processo, para retirar
o país desta pobreza desastrosa.
Imagine as possibilidades
Que tem a Guiana a oferecer ao mundo? Muito. É uma visão evocada por
estas palavras: Imagine a Guiana dentro de cinco anos...
• Com uma população de 1,5 milhões;
• Todas as raças florescendo juntas, em harmonia...
Pense na Guiana como um centro importante de transferência
de carga, a serviço do Brasil, da Venezuela e do Suriname...
• Explodindo de atividade econômica como centro de uma Meca de
exportação;
• Com um importante aeroporto de múltipla finalidade;
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
114 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
114
• Um porto de águas profundas que poderia receber até mesmo os maiores
navios;
• Uma rede de estradas e pontes cruzando a nação;
• Uma zona franca de exportação na ilha Hogg;
• Grandes extensões de terra disponíveis para moradia ou lavoura...
Imagine uma nova economia com cem mil empregos nos
próximos cinco anos...
• Uma vigorosa indústria de construção de moradias, com milhares de
vagas para carpinteiros;
• Uma abundância de empregos para eletricistas, pedreiros e bombeiros
guianenses;
• Uma florescente indústria de ecoturismo;
• Uma indústria de aquacultura criando postos de trabalho;
• Empregos em uma indústria agrícola em rápida expansão;
• Empregos no processamento de alimentos;
• Empregos com base na tecnologia...
Imagine novas cidades, vilas, aldeias nascendo ao longo da
estrada para o Brasil...
• Empregos na construção de hotéis, casas, pontes e estradas;
• Empregos em empresas de transporte: aviação, navegação, frete rodoviário;
• Empregos no setor de serviços;
• Empregos na área de importação e exportação, gerados pela zona franca;
• Postos de trabalho em serviços financeiros no setor bancário e comercial;
• Empregos em telecomunicações em todos os setores da economia;
• Empregos para professores, enfermeiros, médicos e advogados;
• Empregos profissionais e técnicos;
• Empregos para todos os guianenses, jovens e velhos, qualificados ou não...
Imagine os milhares de empregos criados pelo programa
de infra-estrutura Guiana 21...
• Na zona franca de exportação da Ilha Hogg;
• No porto de águas profundas;
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Peter R. Ramsaroop, MBA - Eric M. Phillips, MBA
115
• No novo aeroporto, especialmente nos setores de depósito e carga;
• Em Berbice, Demerara e Essequibo...
Imagine um sistema educacional gerando estudantes com
capacitação para o mercado internacional ...
• Com os professores da diáspora guianense regressando ao país;
• Com o florescimento da ciência e da tecnologia;
• Toda escola com um laboratório de computação;
• A internet tornando-se tão comum como uma calculadora;
• Onde nenhuma criança é abandonada...
Testemunhe o tratamento dos nossos ameríndios como um
tesouro nacional...
• Florescendo nas suas comunidades naturais;
• Cultivando suas próprias terras;
• Constituindo o centro da nossa indústria do ecoturismo;
• Dotados de sistemas de educação, de saúde e social de alta qualidade;
• Altamente educados e sustentando sua herança tradicional;
• Vivendo em paz com a natureza...
Imagine os idosos da Guiana sendo bem cuidados, assim
como o restante do país...
• Excelente serviço de saúde;
• Moradia a um custo aceitável;
• Alimentos abundantes;
• Vivendo em paz e tranqüilidade nossos anos de ouro;
• Com atividades de recreação para atender às necessidades;
• O arcabouço de uma nova Guiana...
Visualize a juventude guianense tendo incríveis oportunidades,
em uma nação promissora...
• Com empregos expressivos;
• Com terra para construir suas casas;
• Trabalhando por conta própria;
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
116 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
116
• Bem instruídos nas tecnologias de ponta;
• Empenhados em promover no país o esporte e a cultura;
• Desenvolvendo famílias e comunidades saudáveis;
• Inteiramente envolvidos na promoção de uma sociedade civil vigorosa...
Testemunhe um setor açucareiro de grande sucesso...
Com novas técnicas de gerenciamento, assegurando melhor apoio financeiro;
• Com uma indústria mais racionalizada;
• Com novas usinas de tecnologia atualizada;
• Com novas terras abertas ao cultivo;
• Com vários novos produtos de valor acrescentado;
• Com a co-geração de energia para melhorar a lucratividade...
Imagine um setor arrozeiro globalmente competitivo...
• Com maior produtividade, graças a uma lavoura mais eficiente;
• Com o emprego de variedades genéticas aprimoradas;
• Com maior acesso ao crédito e com incentivos tributários liberais;
• Com melhores processos administrativos...
Imagine um setor de bauxita revitalizado, em uma indústria
de mineração bem desenvolvida...
• Ouro;
• Diamantes;
• Manganês;
• Cobre;
• Níquel;
• Urânio;
• Ametista, quartzo verde e pérolas negras;
• Com a descoberta de petróleo e gás...
Imagine um setor agrícola revitalizado, tornando a Guiana
auto-suficiente em alimentos...
• Cultivo de muitas colheitas para consumo interno e exportação;
• Com grandes rebanhos, sadios;
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Peter R. Ramsaroop, MBA - Eric M. Phillips, MBA
117
• Frutas e legumes exportados para o mercado turístico do Caribe;
• Novas áreas em desenvolvimento;
• Auto-suficiência em carne, leite, ovos e queijo...
Imagine a produção de energia hidrelétrica barata no
coração do nosso desenvolvimento...
• Empregos na produção de água potável;
• Empregos na aquacultura;
• Muitos empregos em um setor de entretenimento em rápida expansão;
• Empregos criados por um setor de energia em rápido crescimento;
• Empregos no ecoturismo e na preservação da floresta...
Imagine uma variedade de atividades de recreação...
• Cerca de 50 quilômetros de praias ao longo do rio Essequibo;
• Quedas d’água e corredeiras;
• Ecoturismo com uma variedade de fauna e flora;
• A regata de Bartica;
• Excursões pelo belo e luxurioso interior do país;
• Cruzeiros à meia-noite;
• Caça, pesca, excursionismo...
Imagine uma comunidade de aposentados de dez mil
pessoas nos rios Essequibo ou Berbice...
• Aposentados guianenses, das Índias Ocidentais, da Flórida e de Nova
York escapando do inverno, de terremotos, furacões e vulcões na
tranqüilidade da nossa paisagem;
• Alimentos, particularmente frutas e legumes frescos em abundância,
cultivados nas cercanias;
• Com enfermeiros guianenses a seu serviço;
• Todos se sentindo bem física e psicologicamente...
Imagine uma sociedade de empreendedores...
• Com terra disponível para oportunidades de negócios;
• Com facilidade de crédito para apoio de novas empresas;
A Guiana – vinculando o Brasil ao Caribe: um potencial que encontra a sua oportunidade
118 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
118
• Com contratos governamentais de obras públicas oferecidos a pequenas empresas;
• Com múltiplas oportunidades em um programa de infra-estrutura...
Imagine uma florescente sociedade civil democrática...
• Com diversidade racial, étnica e cultural;
• Todos seguros em suas casas, seus negócios ou nas ruas;
• Uma constituição justa e eqüitativa;
• Um Código de Direitos protegendo os valores humanos fundamentais;
• O respeito à lei;
• Políticos fazendo campanha eleitoral com base em temas...
Imagine essas possibilidades! Este é o futuro tomando forma na Guiana,
no coração das pessoas. Este é o momento para começar o movimento rumo a
esse futuro, redefinindo a forma como a Guiana é encarada pela região, pelo
continente e pelo mundo.
Dando forma ao futuro
A Guiana tem consciência da sua atual falta de desenvolvimento,
especialmente em contraste com o resto da região. O povo guianense sabe
também que as parcerias estratégicas são cruciais para o seu desenvolvimento
sustentável, e que o Brasil é um desses parceiros potenciais.
Como um país em desenvolvimento relativamente pequeno, a Guiana
reconhece que há medidas práticas que precisam ser tomadas para transformar
a nação em um membro produtivo da comunidade global.
Essas medidas práticas podem conduzir ao desenvolvimento sustentável
e criar postos de trabalho que são desesperadamente necessários. À medida que
os acordos comerciais globais se tornam mais complexos, e os países se guiam
pela própria segurança física e econômica, nações como a Guiana têm menos
acesso às doações e aos empréstimos tradicionais.
Se não desapareceu inteiramente, a fonte de empréstimos internacionais
tem tido um impacto limitado na vida do cidadão guianense comum em termos
de empregos. Projetos de infra-estrutura podem fazer diferença temporária para
alguns, mas não apóiam necessariamente o desenvolvimento sustentável. Nestas
condições, o que pode funcionar em benefício da Guiana?
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Peter R. Ramsaroop, MBA - Eric M. Phillips, MBA
119
Uma relação econômica estratégica vigorosa entre a Guiana e o Brasil
pode ser vantajosa para os dois países e beneficiaria também outros membros
do Caricom, dentro do Mercado e Economia Unificado do Caribe, em vigor
desde primeiro de janeiro. No caso do Estado de Roraima, sem acesso ao mar,
a estrada para o Brasil, o porto de águas profundas, a zona franca e a distância
significativamente menor até o mercado importador (cerca de 500 quilômetros,
em vez de 1.600) beneficiaria dramaticamente as duas economias.
Uma ferrovia para o transporte de carga criaria adicionalmente uma
sinergia comercial, com acréscimo de eficiência e lucros.
O comércio global parece seguir a tendência de criar comércio entre blocos
regionais. Ora, o Brasil é a principal economia da América do Sul: o motor
representado pela sua vigorosa economia poderia agir como impulsionador do
desenvolvimento sustentável da Guiana e do Caricom, assim como de outros países
sul-americanos, desta forma, facilmente posicionando o continente, nos próximos
cem anos, como região atraente pela agricultura, pelo petróleo e muito mais.
Para plena realização das ricas possibilidades que temos diante de nós,
chegou o momento de ligar a Guiana e o Brasil, e de trabalharmos em conjunto,
a fim de garantir o melhor retorno possível para a potencialidade deste continente.
A Guiana e o Brasil... Eis um Potencial que encontra a sua Oportunidade.
Tradução: Sérgio Bath.
Revisão: Regina Furquim
DEP
A encruzilhada política paraguaia
120 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
120
ntecedentes
“O período ditatorial do General Stroessner chegou a seu término em 1989, como
conseqüência de desavenças internas no âmbito das Forças Armadas e do Partido
Colorado, e hoje integrantes dos dois grupos, transformados em democratas convictos,
disputam entre si a responsabilidade pelo fim da ditadura que, durante mais de trinta
anos, sustentaram com plena convicção em troca de generosos benefícios.”
Dentre a maioria dos países latino-americanos, o Paraguai não foi uma
exceção no tocante à vigência de ditaduras militares durante grande parte do
último meio século da sua história. A partir do ano de 1954, consolidou-se o
governo autoritário do General Alfredo Stroessner, que conseguiu formar e
manter, durante mais de três décadas, um governo de características ditatoriais,
enfeitado com alguns formalismos democráticos que, naquela época, eram
suficientes para obter carta de apresentação internacional.
A encruzilhada política
paraguaia
Pedro Fadul
*
A
* Presidente do Partido Pátria Querida (PPQ)
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Pedro Fadul
121
O tripé do poder era formado pelas Forças Armadas, pelo Partido
Colorado e pelo governo, que agiam sob o comando do líder único, sem
possibilidade alguma de dissidência no seio dessa denominada unidade granítica.
Foi sob esse longo governo ditatorial que se consolidou o sistema político
paraguaio que sobrevive até hoje e se desenvolveu uma nova cultura política
que obrigou cada cidadão a definir de maneira unívoca sua relação com o poder
absoluto. A exigência inapelável de pertencer ao Partido Colorado para aceder
a cargos na administração pública, desde posições de alto nível até nomeações
de professores de escola nos lugares mais afastados do país, passando pelo acesso
às Forças Armadas e à Polícia e pela progressão dentro delas, bem como a
generosa distribuição de contratos a fornecedores e prestadores de serviços do
Estado, o que, nos casos menos exigentes, requeria um apadrinhamento adequado
por parte dos detentores do poder.
Nesse período, os partidos de oposição que pretendessem sobreviver
podiam desenvolver suas atividades até o limite da tolerância do sistema, definido
segundo a própria conveniência do partido oficial, que soube dosar tal participação
tirando proveito da parcela de legitimidade que a atuação daqueles partidos lhe
outorgava, sem a necessidade de nenhuma forma de concessão relevante.
Neste ambiente de “paz e progresso”, e com um sistema político de
“democracia sem comunismo”, como era então oficialmente denominado, a vida
política paraguaia desenvolveu-se durante um período de três décadas e meia.
Mais de uma geração de paraguaios foi criada sob essa tutela, assimilando um
comportamento estimulado por prêmios e castigos em todos os níveis da vida
pública nacional e em todo o território da república. As sedes regionais coloradas
eram os verdadeiros centros de poder em cada uma das mais remotas localidades
do país. As instituições oficiais e suas autoridades estavam subordinadas a esse
poder real, que além de exercê-lo em função dos seus interesses, soube criar uma
rede de simpatias e lealdades que, embora em decadência, subsiste até hoje, em
função de benefícios efetivos ou esperados, motivada, na maior parte das vezes,
pelas ingentes necessidades de sobrevivência de cada cidadão e pela falta de opções
que permitam desenvolver uma existência digna fora do sistema imposto pelo
partido do governo. Essa cultura política permitiu assimilar o Estado ao partido
governamental, sem possibilidade de distinção, e consolidou a posição das
autoridades estatais como os verdadeiros donos do poder.
O fim do período ditatorial do General Stroessner foi motivado por
desavenças no seio das Forças Armadas e do Partido Colorado, e, hoje,
A encruzilhada política paraguaia
122 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
122
integrantes dos dois grupos, transformados em democratas convictos, disputam
entre si o mérito de terem acabado com a ditadura que, em troca de generosos
benefícios, sustentaram com plena convicção durante mais de trinta anos. A
oposição ao regime, desde suas formas políticas abertas até os grupos armados
que tentaram derrubar o ditador por meios violentos, não conseguiu alcançar
plenamente seu objetivo naquela época, mas, apesar disso, deixou seu legado de
dignidade às gerações presentes e sua seqüela de vítimas que até hoje não
receberam reconhecimento pleno nem compensação justa.
O sistema político paraguaio criado e assimilado durante o período ditatorial
subsiste ainda hoje, mais de quinze anos depois de terminado o período de governo
autoritário do General Stroessner. A co-participação plena de um partido político
de massas no processo ditatorial foi uma nota singular da vida política; co-
participação que não foi gratuita, senão o contrário, já que permitiu consolidar um
partido e uma cultura política sustentada no clientelismo e subvencionada
generosamente com recursos do Estado. Hoje, já terminado o período de franco
autoritarismo, não houve uma autocrítica daqueles que o criaram e sustentaram;
muito menos uma tentativa de modificar o sistema político, nem sequer daqueles
atores pertencentes ao partido que avalizou a ditadura, mas que se opuseram a ela,
e que hoje usufruem, sem remorsos, os benefícios ilegítimos que ela conseguiu
consolidar em favor dessa força política. Tampouco houve uma crítica serena,
mas contundente, daqueles que, sem pertencer ao sistema, opuseram-se ao regime,
estimulados pela percepção de que agir assim lhes diminuiria o apoio popular,
aceitando resignadamente e sem muita convicção a nova versão oficial de que o
Partido Colorado foi mais um prisioneiro da ditadura. O processo de
transformação dessa cultura política e sua substituição por outra que efetivamente
incorpore os princípios da vida democrática está se dando de maneira lenta, que,
às vezes, parece estar paralisada, ou mesmo, sofrer retrocessos. O desencanto e as
repetidas frustrações são a tônica durante este breve período democrático.
Durante o tempo de governo democrático decorrido desde 1989, a
pobreza chegou a níveis alarmantes, alcançando quase a metade da população; a
segurança do cidadão, refletida na possibilidade de livre trânsito das pessoas e
na proteção de seus bens, degradou-se a um ponto nunca antes conhecido; o
desemprego rural aumentou consideravelmente com o avanço da produção
agropecuária baseada em mão-de-obra pouco qualificada e as zonas marginais
das cidades vão crescendo a um alto ritmo. Ao mesmo tempo, a pequena classe
média sofre os choques de uma severa crise econômica que obrigou muitos a
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Pedro Fadul
123
reduzirem substancialmente sua qualidade de vida e levou outros a deixarem o
país. O sistema de produção primária no Paraguai dividiu-se nitidamente em
dois: um modelo agrícola primitivo de baixa produtividade, que oferece aos
produtores que o integram uma renda muito baixa, sem possibilidade de acesso
aos mercados e ao capital; por outro lado, um sistema pecuário e agrícola
altamente especializado, com uma competitividade de nível internacional. Os
outros dois terços da economia são movidos pelo Estado, de um lado, e pelo
comércio informal e ilegal, fundamentalmente de triangulação, de outro.
No ano de 1992, promulgou-se uma nova Constituição Nacional, que
estabeleceu uma nova estrutura institucional e que, hoje, mais de treze anos depois
de sua promulgação, já demonstrou aspectos luminosos e sombrios. Uma das
maiores deficiências foi, sem dúvida, a administração da Justiça, que longe de
constituir-se no árbitro imparcial da sociedade, converteu-se num tumultuoso
labirinto de sentenças negociadas que não inspiram confiança nem ao cidadão
mais otimista. Outra deficiência tem sido a qualidade das autoridades eleitas pelo
voto popular, sobretudo as parlamentares, cujos antecedentes e idoneidade têm
pouco que ver com suas possibilidades de eleição e mesmo de reeleição. Alguns
analistas atribuem ao inadequado arcabouço institucional criado pela Constituição
de 1992 a responsabilidade pelo fraco desempenho das novas instituições e práticas
democráticas, aduzindo que o poder real, longe de derivar do debate entre os
partidos políticos e, menos ainda, entre os cidadãos, é exercido por grupos de
poder que utilizam as estruturas formais como canal para os próprios interesses.
A deterioração de grande parte do sistema público – e também do privado –
chegou, nesta última década, a extremos que põem à prova a própria continuidade.
O sistema funciona como uma mescla de legalidade e ilegalidade, uma mescla que
não apenas lhe dá dinamismo, mas lhe assegura a sobrevivência. A situação atual é tal
que uma pessoa disposta a combater o sistema se converte, tão pronto assuma funções
públicas, em cúmplice do sistema corrupto e se vê diante da disjuntiva de tolerar a
irregularidade “por algum tempo”, na esperança de poder modificá-la, ou assumir
uma posição extremamente legalista, cujas implicações ocasionariam, em curto prazo,
sérias conseqüências econômicas para as já combalidas finanças públicas e para as
fontes de trabalho, tanto legais como ilegais.
Sem perceber esse sistema em sua totalidade ou fechando os olhos à
realidade, a crítica social é implacável, instigada por uma imprensa incapaz de
apresentar mais do que os aspectos que acrescentam a dramaticidade aos fatos.
A encruzilhada política paraguaia
124 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
124
O rigor e o equilíbrio na apreciação dos acontecimentos são a exceção. Ao
mesmo tempo, não se percebe uma vontade coletiva mínima de combater esse
sistema de ilegalidade e informalidade, que é simultaneamente criticado com
azedume e generosamente praticado. E este duplo padrão de moralidade pública,
com perdão da redundância, não se limita ao âmbito político, recipiente habitual
de uma miríade de vícios, mas se desenvolve sem complexos em meios tão
exigentes como as universidades, as corporações, a imprensa, os sindicatos e até
as igrejas. Essas críticas não são, porém, bem recebidas, e os que as veiculam se
vêem obrigados a atenuá-las, já que o conjunto da sociedade não aceita que se
ataquem suas “mentiras vitais” e aqueles que as expõem publicamente são
colocados na incômoda categoria de indesejáveis.
Acostumada a repetidas decepções e incapaz de reconhecer as causas da
grave situação de que padece, a sociedade, em seu conjunto, reage com atitudes
extremas, que até desqualificam as iniciativas tendentes a tirar o país da prostração
em que se encontra. Assim, aponta-se o dedo acusador, com rispidez e rancor,
não àqueles que são identificados como responsáveis por essa situação, mas,
sim, àqueles que se estima poderem tirar dela a cidadania e o país.
O desafio do desenvolvimento
A adesão aos valores democráticos sempre foi frágil no país; e essa
fragilidade se exacerba quando os atores políticos dentro do sistema
democrático se mostram incapazes de criar melhores condições de vida
para todos.”
O desafio do momento é o desenvolvimento. A sociedade percebe que a
democracia tem uma dívida com o país que optou por ela há pouco tempo; e a
prova incontestável de seus méritos deve ser dada pela sua capacidade de criar
bem-estar. E essa prova deve ser apresentada dentro de um prazo cada vez mais
premente. A adesão aos valores democráticos sempre foi frágil no país; e essa
fragilidade aumenta quando os atores políticos do sistema democrático se
mostram incapazes de criar melhores condições de vida para todos. Para renunciar
aos princípios democráticos, precisa-se, hoje, de pouco estímulo; basta a promessa
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Pedro Fadul
125
razoavelmente confiável de que – mediante o abandono de uma parte, ainda
que importante, das liberdades que a democracia oferece – as condições materiais
de vida podem ser melhores do que as atuais. Este é o desafio que o Paraguai
deve enfrentar. E, se as condições de vida não se modificarem favoravelmente
num lapso de tempo que cada vez parece mais exíguo, a adesão ao sistema
democrático se tornará cada vez mais frágil.
Depois de décadas de governos autoritários e ditatoriais, a urgência de
uma vida com liberdade levou toda a sociedade a buscar seus direitos, pisoteados
durante esse longo período de tempo. O foco de atenção foi posto sobre a
democracia, imaginando-se que bastaria consolidá-la para que se produzisse uma
substancial melhora na qualidade de vida de todos os cidadãos.
Isso não foi o que ocorreu. Ainda não se conseguiu consolidar a convivência
democrática, mas muito menos se chegou a estabelecer um processo de
desenvolvimento integral, que convença e convoque os distintos setores ativos
do país. E, se, no tocante à democracia, sente-se que o progresso foi insuficiente,
no tocante ao desenvolvimento, podemos dizer que esteve simplesmente ausente
ou mesmo em retrocesso.
Apesar da concentração quase exclusiva na construção da democracia, o
país enfrenta diariamente a fragilidade das suas instituições e a carência dos bens
públicos que elas devem assegurar. E essas carências penosas, além de produzirem
sua quota de miséria, terminam por converter-se em elementos de dissuasão,
em desculpas para não enfrentar o desafio do desenvolvimento. Então, em vez
de assumir a quota de responsabilidade que cabe a cada um, continua-se à espera
de condições institucionais ideais que, paradoxalmente, só poderão ser alcançadas
por meio do próprio desenvolvimento.
Talvez seja o momento de considerar que o tão falado processo de
“Transição para a Democracia”, embora incompleto, alcançou seu auge, e
concentrar-nos em um novo desafio, a “Construção do Desenvolvimento na
Democracia”. É preciso que os cidadãos do país se concentrem no trabalho de
“construção” do próprio futuro e ataquem com dedicação e eficiência as tarefas
que levem a tal construção. Essa será a única maneira pela qual se poderá manter
unido por longo prazo o casamento instável entre democracia e desenvolvimento,
já que os dois têm hoje destinos comuns.
A democracia que o Paraguai vive hoje é qualificada, por alguns, de democracia
plena, visto que se dispõe de uma estrutura institucional mínima e se cumprem os
A encruzilhada política paraguaia
126 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
126
ritos democráticos de eleições periódicas de autoridades. Outros a qualificam apenas
como formal, que se limita a cumprir os procedimentos democráticos formais, mas
ainda está longe de conter os ingredientes necessários para qualificar-se como uma
democracia. E há ainda aqueles que atribuem a essa democracia o caráter de uma
máscara perversa, que apenas oculta os verdadeiros detentores do poder e a maneira
como se servem dele em benefício de seus interesses sectários.
Seja qual for a percepção a respeito, o caminho percorrido nesses quinze anos
de vida democrática foi da expectativa exaltada à indignação, passando pela decepção
ocasionada por repetidas frustrações e pela apatia, que só encontra voz nas
manifestações explosivas que as desqualificam. Nesse ambiente, interagem cidadãos,
instituições e atores políticos atuais, entre um acúmulo de expectativas exageradas,
estimuladas por necessidades urgentes, e um conjunto de recursos humanos e materiais
que, em seu estado atual, são insuficientes para oferecer sequer consolo passageiro a
uma sociedade pouco disposta a tolerar demoras e, ao mesmo tempo, incapaz de
produzir respostas alternativas. A sociedade percebe que o modelo político que
restou da ditadura se vai extinguindo e tende a desaparecer, mas que ainda não existe
outro que o substitua. Continua-se tolerando um sistema político apoiado em favores
e no clientelismo, que, apesar de sua perversidade, é um modelo familiar e previsível,
desistindo-se de aplicar o castigo democrático que, se refletisse o verdadeiro estado
de ânimo coletivo, seria contundente e inapelável.
A reação dos cidadãos e dos setores opostos ao sistema atual não conseguiu,
porém, ir além das reclamações azedas e da indignação. Presos em uma rede de
interesses sectários, atuando em um ambiente cívico, mediático e político
primitivo, não encontraram maneiras de articular eficientemente uma opção
substitutiva que congregasse amplos setores da sociedade. Quando isso foi
tentado, a vontade foi derrotada pelo voluntarismo e pela inabilidade, frutos de
uma classe política medíocre, que não soube crescer na razão das necessidades
dos novos tempos democráticos. Certamente os estímulos para a tarefa não são
muitos, já que se percebe que os êxitos são remotos e que a incapacidade de
engajar-se em compromissos e processos de médio prazo e a tentação populista
atentam diariamente contra essas tímidas iniciativas.
Com relação ao modelo político atual, encabeçado pelo Partido Colorado
– e ao qual se juntam elementos desiludidos de outros setores políticos que
parecem ter-se dado por satisfeitos com a busca, até agora esquiva, de um modelo
alternativo – cabe dizer que a experiência destes quinze anos de democracia
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Pedro Fadul
127
demonstrou que dificilmente poderá – ou deseja – converter-se no protagonista
de uma mudança do perverso sistema político atual. E isso pode ser atribuído à
falta de vontade daqueles que percebem ter pouco a ganhar e muito a perder se
embarcarem em tal aventura; ou suspeitam que um novo modelo, apoiado em
bases distintas do atual, terá como primeiras vítimas os próprios promotores,
caso eles venham do âmago do sistema atual. Para quem deseje enfrentar esse
desafio de dentro do sistema atual, a pergunta pendente deve ser se é possível
manter um grupo humano coeso e motivado para a ação, quando aquilo que
deve unir o grupo é justamente o obstáculo a ser eliminado. Responder com
fatos a essa interrogação é o desafio de quem se decida a enfrentar o sistema de
dentro de suas entranhas, e é uma tarefa inevitável se se pretende dar apoio a um
novo modelo de país, que deixe de lado o partido-Estado atual, cuja desaparição
é o primeiro requisito de um modelo renovador. Se assim não for, continuarão
– como ocorre até hoje – com mais do mesmo, apenas com matizes inovadores
que podem distrair e enganar a sociedade por um curto período de tempo.
Além da indignação
A rota democrática trouxe-nos até aqui. Até a desesperança agressiva
que rejeita toda iniciativa; até a renúncia ao otimismo diante da
possibilidade de uma nova decepção.”
Que tal estado de coisas nos satisfaça ou não, convenhamos que essa é a
situação em que se encontra o país, portanto é a partir daqui que devemos iniciar
nosso roteiro.
Até aqui chegaram todos, até a indignação produzida por uma realidade
que se considera injusta; até a atribuição de responsabilidade por essa situação
fora de nossa casa e de nossa vizinhança; até a atribuição da causa das misérias
coletivas – inclusive as individuais – aos atores públicos da vez; até a impaciência
paralisante que já não encontra meios de expressão que não sejam a reclamação
azeda, quando não a apatia resignada; até a desqualificação generalizante, que
elimina pela raiz as mais incipientes, porém ainda tímidas, tentativas de mudança;
até a desesperança agressiva que rejeita toda iniciativa; até a renúncia ao otimismo,
A encruzilhada política paraguaia
128 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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diante da possibilidade de uma nova decepção. Até aqui chegaram todos; até
aqui os levou a rota democrática; esta é a curva do caminho em que se encontra
o país. Por isso, é pertinente expor o que existe além desse estado de ânimo
coletivo e como percorrer o caminho que nos levará para além da indignação.
Um novo paradigma do poder
“Todo processo de harmonização política e social é complexo. As
harmonizações que pretendem durar e alcançar resultados relevantes não
são fruto do acaso ou da improvisação.”
Imaginemos o seguinte enfoque sobre o tema do Poder Público. O país
precisa, hoje, de dois elementos básicos:
1. Um programa de transformação que, implantado de maneira adequada,
permita alcançar o desejado desenvolvimento integral da nação, até
hoje ausente ao longo de quase dois séculos de história, e
2. O país precisa imperiosamente de um bom governo. Um governo capaz
de pôr em prática esse processo de transformação e de sustentá-lo até
que se converta numa nova cultura política nacional.
Diante desses dois elementos, a lógica do acesso ao poder modifica-se
substancialmente. Um partido político deixa de se obsedar com o acesso ao
poder como objetivo supremo e como fim em si mesmo, ocupando-se em
construir as bases para instalar governos capazes de pôr em marcha um processo
de transformação nacional. O objetivo de um bom governo não elimina nem se
contrapõe ao do acesso ao poder, antes o contém.
O acesso ao poder converte-se então em um meio necessário, mas apenas
em um meio, para a consecução de objetivos superiores. Por isso, se só se alcança
essa meta – o acesso ao poder –, o objetivo de um bom governo ainda fica
relegado. Se esse novo objetivo é considerado como superior, as condições
necessárias para fazer um bom governo, em termos programáticos e de
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Pedro Fadul
129
governabilidade, convertem-se no novo eixo que mobiliza a ação dos partidos
políticos e grupos sociais que buscam um novo modelo de atuação política.
Alguns poderão ver nessas afirmações apenas a expressão de conceitos
óbvios. No entanto, a práxis política quotidiana que hoje vivemos no Paraguai
nos diz que esse não é o caso. Tanto no nível dos partidos políticos como no das
organizações sociais e dos cidadãos individualmente, o acesso ao poder continua
a ser visto como um mérito e um valor em si mesmo, e apenas se aprofunda com
o uso que dele se faz.
É por isso que mesmo adversários do partido governista e analistas
políticos independentes não lhe poupam elogios quando se referem a sua
capacidade de manter o poder por tanto tempo, fazendo abstração da maneira
como o conseguiu, de como o consolidou e como o manteve; e sem considerar
o uso que faz dele. Esquecem que, durante trinta e cinco anos, o poder foi
convenientemente dividido entre um ditador e um partido político; período
durante o qual o partido não desperdiçou a oportunidade de consolidar o seu
poder por meio da criação de uma extensa rede de fidelidades, incentivadas
tanto por um legítimo sentimento de lealdade como – e sobretudo – pela
concessão de prebendas e pela ameaça de punições.
Em tal contexto, é válido expor qual deve ser o papel das forças
renovadoras que não integram esse sistema político e social em decadência, que
procura assumir uma aparência reformista para atrair, para suas fileiras, políticos
incautos; e com isso tenta apresentar uma nova face para evitar a queda final.
Qual deve ser o papel dos construtores de uma alternativa real de poder, que
não vise apenas a mudar as cores e símbolos políticos, mas, sobretudo, a maneira
como se exerce o poder e os objetivos que com ele se perseguem?
A existência de diferentes partidos e a criação de novos movimentos políticos
no cenário nacional não é uma casualidade; responde às distintas simpatias e adesões
dos diversos setores da sociedade. Também pulularam, nesta última década, as
organizações sociais que buscam os mais diferentes objetivos setoriais. A atual
conformação do cenário político-partidário responde a expectativas de diversos
conjuntos de cidadãos, talvez menos motivados por convicções ideológicas do
que agrupados ainda por simpatias pessoais seguidoras do modelo caudilhista
que continua vigente e vigoroso em nosso ambiente político.
Nesse cenário, a pergunta pertinente a responder seria: os diferentes setores
políticos e sociais são capazes de superar suas diferenças e elaborar um projeto
A encruzilhada política paraguaia
130 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
130
político alternativo conjunto? E, se assim for, quais são os requisitos para que
essa conjugação de forças renovadoras proponha uma ação conjunta com
possibilidade de êxito?
Todo processo de harmonização política e social é complexo. As
harmonizações que pretendem perdurar e alcançar resultados relevantes não
são fruto do acaso nem da improvisação. É preciso que respondam a um conjunto
de princípios e regras que se devem adequar à realidade de cada momento e de
cada país. É um processo longo e complexo, que exige perseverança e paciência,
já que se deve criar uma complexa rede de grupos, pessoas e sistemas.
A construção da unidade é um delicado trabalho de ourivesaria. É preciso
um espírito amplo e generoso, lembrando-se que a política se faz entre homens
com interesses e com idéias, mas também com sentimentos. As lideranças são
vitais nesses processos; lideranças baseadas no apoio popular e nos mecanismos
democráticos; bem como a aproximação e a integração entre os líderes, que
consolidem uma relação de respeito, confiança e mesmo de apreço entre figuras
relevantes dos setores renovadores.
Nesse roteiro, imaginamos pelo menos três etapas a serem percorridas.
A primeira deve ser uma fase de retrospecção. Cada grupo político e social
deve observar-se a si mesmo, avaliar seu desempenho, identificar seus pontos
fortes e suas debilidades, e propor-se construir ou corrigir as deficiências, de
modo que se converta num espaço cívico maduro, confiável, previsível e
autogerenciado democrática e eficientemente. Essa é uma tarefa interna, e cada
grupo deve saber o que fazer a respeito. Exige muita maturidade e coragem
políticas, que devem servir de base para os ajustes que tenham de ser feitos no
âmbito da sua organização, os quais nem sempre serão fáceis de realizar.
Numa segunda etapa, devem-se expor as bases ideológicas, programáticas
e operacionais sobre as quais se apoiará uma eventual coalizão renovadora. Esta
etapa vital não pode ser iniciada sem que se tenha completado com êxito a
primeira, já que agir assim seria uma forma de assegurar o fracasso, seja em
termos eleitorais – o que seria um dano menor – seja em termos de governança,
o que seria, sem dúvida, um dano imperdoável para a república.
Finalmente, a terceira etapa é a do comprometimento definitivo. A
harmonização de forças políticas e sociais é uma iniciativa de médio e longo prazos
que, pelas características complexas e de interesses – às vezes difusos, às vezes
opostos – que se apresentam em seu âmago, terá inevitavelmente seus momentos
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Pedro Fadul
131
de dificuldades e de crises, muitas vezes severas. Estas só poderão ser resolvidas
se, acima dos interesses conjunturais, se mantiver incólume, como farol-piloto, a
firme decisão original e a dedicação imutável a um objetivo comum, assumido
por todos com absoluta convicção; e tal compromisso deve ser das cúpulas,
mas, sobretudo, das bases. Até hoje, as iniciativas desse tipo têm fracassado ao
deparar-se com suas primeiras diferenças internas, que não puderam ser superadas.
Com esse roteiro em mente, é necessário concentrar a atenção em alguns
aspectos centrais, cuja relevância já foi demonstrada pela experiência de outros
países, para que uma harmonização renovadora possa ter possibilidade razoável
de alcançar seus objetivos:
Objetivo funcional: Fazer um bom governo. Uma iniciativa renovadora
deve ter como objetivo estabelecer “bons governos”, que constituam alternativa
confiável de manejo do poder. Esse objetivo funcional deve converter-se numa
meta superior, que não se limite ao visceral “expulsemos o partido oficial do
poder” ou à ambição de poder e de cargos para aqueles que se associem à
empreitada.
O novo governo renovador deve ser capaz de pôr em andamento um
processo de transformação política que deixe definitivamente de lado os
princípios sobre os quais se apóia o atual: a concessão de favores, o clientelismo,
a obsequiosidade, as lideranças messiânicas e onipotentes, o desprezo pela
institucionalidade e o apego a mecanismos populistas, que prometem soluções
radicais ou quase mágicas em curtos períodos de tempo.
Compromisso firme e disciplina democrática. A vocação para criar um
projeto alternativo deve apoiar-se num compromisso imutável e de longo prazo,
que incorpore à atual vontade tíbia e errática a efetiva vocação de co-administrar
o governo, o que exige – de cada grupo e do conjunto deles – um alto grau de
comprometimento e de disciplina democrática, além da capacidade de chegar a
acordos e de cumpri-los ao longo do tempo, sem que a dinâmica interna dos
partidos ponha em risco tais compromissos. Deixar-se levar por um entusiasmo
eleitoral sem as bases sólidas que assegurem um bom relacionamento é garantia
de fracasso.
Sólidas bases programáticas. Um projeto renovador não deve reduzir seus
objetivos aos meramente eleitorais. Para isso, é preciso que se estabeleçam e se
assumam sólidas bases programáticas, elaboradas de maneira rigorosa e
participativa, que comprometam igualmente a direção e as bases.
A encruzilhada política paraguaia
132 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
132
Processo de médio e longo prazos. Modificar um sistema político não é
uma tarefa simples nem que se possa realizar em tempo breve. Deve ter os olhos
postos, pelo menos, nas duas próximas décadas, para permitir que se incorporem
novos paradigmas de relacionamento político e se ponham em prática políticas
de Estado, que só darão resultado em médio e longo prazos.
Capacidade de resolver conflitos. A experiência nos diz que as iniciativas
que têm reunido grupos de poder distintos só sobreviveram até as suas primeiras
dissidências. Deve-se estar consciente de que elas sempre existirão,
independentemente da vontade dos participantes e da delicadeza com que se
conduzam os relacionamentos entre eles. É preciso estabelecer mecanismos de
decisão e de solução de divergências e conflitos, e mesmo procedimentos de
saída, para o caso de um eventual rompimento irreconciliável.
É necessário, sobretudo, criar as condições iniciais para um projeto político
renovador. Um processo só pode ser bem sucedido se, desde o início, se criam
as condições para que possa ter êxito. Lançar-se a um projeto complexo com
objetivos pouco claros, com decisão insuficiente, sem a convicção e o
comprometimento necessários, com empenho meramente eleitoral, com forças
políticas e sociais anárquicas e sem vocação de poder, é lançar-se a um processo
sem possibilidade de êxito.
O êxito é uma necessidade. Um projeto que vise a criar uma nova cultura
política, um novo modelo de gestão política, não deve terminar em fracasso. Se
essa iniciativa renovadora terminar em fracasso no exercício do poder, o país
ficará sem opções por longo período de tempo.
Definitivamente, o Paraguai do começo do século XXI encontra-se diante
de uma encruzilhada: continuar com o modelo político atual ou criar um novo,
sustentado por valores e princípios democráticos, que vão muito além da insuficiente
democracia formal que até hoje temos sido capazes de produzir. A adesão real e
ativa ao conceito do uso do poder em benefício do povo e o respeito – além dos
aspectos formais – pela institucionalidade da república devem ser as bases dessa
nova cultura política, que terá de se inserir num povo que, até hoje, não conheceu
muito mais que caudilhos que ordenam e vassalos que obedecem.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Pedro Fadul
133
Conclusão
“O atual modelo político paraguaio está agonizando, mas o novo modelo
e aqueles que liderarão esse processo ainda não acabaram de surgir”
A construção de um novo modelo político paraguaio por meio da criação
de uma verdadeira alternativa “de poder”, e não apenas de uma alternativa “para
o poder” atual, é o desafio do presente para aqueles que estão convencidos da
caducidade do perverso modelo atual – um modelo sustentado por um partido
que absorveu o Estado e o colocou a seu serviço, utilizando como instrumentos
as prebendas, a corrupção e o clientelismo políticos. Esse modelo está
agonizando, mas aquele que deverá substituí-lo ainda não está pronto. Até hoje
a tarefa de construção de uma alternativa para o modelo atual continua pendente,
apesar da longa ansiedade por mudar este degradante estado de coisas que o
país vive – um estado de coisas hoje consolidado, depois de meio século de
nefastos governos de um único signo.
A constatação dessa situação, entretanto, não permitiu, até hoje, construir
as bases suscetíveis de dar alguma possibilidade de êxito a um projeto alternativo.
Cair na armadilha de buscar o poder por meio de um projeto cujo único objetivo
seja meramente eleitoral é expor-se a repetir as experiências de maus governos
no país e na região ou os fracassos eleitorais que apenas conseguiram afastar as
expectativas da possibilidade de sua realização.
A tarefa de construir a “Alternativa de Poder”, tantas vezes declamada,
que possa instalar um novo “Modelo Político”, continua pendente. Os conteúdos
dos dois conceitos até hoje não foram definidos com clareza bastante e, por
isso, deve-se iniciar a tarefa com sua definição clara. Uma iniciativa conjunta
pode encurtar o caminho para esse desafio, desde que se lhe dêem as bases
expostas acima. Enquanto isso não se der, a construção da Alternativa de Poder
ficará nas mãos de cada grupo ou partido político de maneira individual, situação
que lhe diminuirá, sem dúvida, as possibilidades de êxito.
Tradução: Luiz A. P. Souto Maior
Revisão: Regina Furquim
DEP
A grande transformação
134 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
134
A grande transformação
Ollanta Humala
*
A
* Candidato à Presidência da República do Peru.
mandatosdelpueblo@yahoo.com
1
Seleção de tópicos do “Plano de Governo 2006-2011”.
presentação
Quem somos
Somos cidadãs e cidadãos, trabalhadores do campo e da cidade, que vivem
do seu esforço diário para ganhar com decência e dignidade o pão para os
filhos; profissionais esforçados, professores e trabalhadores da saúde, educação,
cultura, ciência e tecnologia, dos serviços básicos; somos jovens, mulheres, idosos,
intelectuais e pensadores, empreendedores emergentes que queremos promover
uma grande transformação desta terra peruana para reivindicar as riquezas e
possibilidades da nossa pátria, para forjar um grande projeto nacional e de
integração latino-americana que tenha em sua essência as melhores virtudes éticas
e morais das mulheres e dos homens da nossa pátria.
“... considerar sempre o Peru como uma fonte infinita de criação...”
(J.M. Arguedas)
1
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
135
O que queremos
Nossas propostas nacionalistas e populares voltam-se para um programa
de alcance histórico que transforme a vida peruana e a de nossos povos, com
justiça e liberdade.
Diferentemente do nacionalismo exultante e combativo dos grandes países
imperialistas que marcaram parte da história moderna recente, o nosso é um
nacionalismo anti-imperialista, defensivo e redentor, inspirado no legado de José
Carlos Mariátegui e Victor Haya de la Torre.
Afirmamos a unidade do nosso povo e dos compatriotas de toda a
América Latina para construir a casa sul-americana, para fortalecer a formosa
comunidade andina; para defender o espaço e o meio ambiente amazônicos; e
nos aproximarmos dos nossos irmãos do Cone Sul.
Queremos que nossas riquezas naturais (terras, mares e bosques) e nossas
forças produtivas estejam a serviço de nossas nações e de nossos povos costeiros,
andinos e amazônicos.
Queremos um regionalismo e um nacionalismo continental que se insira
nas grandes correntes mundiais, porque pretendemos uma globalização solidária,
multilateral e eqüitativa, para formar parte de uma humanidade compartilhada.
Queremos desterrar a corrupção abrigada pelo neoliberalismo de Fujimori,
porque queremos um Estado livre, independente e soberano, respeitoso dos
direitos humanos.
Quem representamos
Representamos o vasto movimento histórico nacionalista, que luta por
uma Nação com justiça e liberdade, que aspira a uma globalização solidária, que
enfrenta a política e o poder transnacional do Consenso de Washington, o qual
pretende manter o controle imperial da nossa América Latina e do Peru.
Representamos um histórico movimento multicultural e civilizatório que
busca promover uma grande transformação no Peru e na América Latina. Somos
parte de um vasto movimento mundial que luta contra os grandes poderes
econômicos e políticos do neoliberalismo imperial.
Somos a força tranqüila que se levanta no Peru, portadora de um projeto
nacional, produtivo e emergente, que reivindica os direitos das maiorias excluídas
A grande transformação
136 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
136
das liberdades fundamentais da vida, do acesso à cultura, alimentação, educação
de qualidade, saúde e justiça.
Representamos também os concidadãos agredidos pelo racismo de uma
minoria ensimesmada e excludente, porque somos a voz dos excluídos da Costa,
dos Andes, da Amazônia – dos peruanos emergentes e empreendedores.
A unidade de todo o povo
Convocamos, assim, para a construção dessa nova identidade política de
peruanos revolucionários e modernos, conclamamos a unidade de todo o povo
contra o neoliberalismo excludente.
Vamos instituir uma nova aliança que reivindique, no Estado reformado
pela nossa ação política, os peruanos sempre excluídos, os cidadãos produtores
arruinados, os sem emprego, os subempregados, os agricultores e os camponeses
empobrecidos, os empreendedores emergentes, as classes médias angustiadas,
os empresários nacionais oprimidos pelo grande capital transnacional –, todos
os homens e mulheres honestos da nossa pátria.
Para forjar esse grande projeto nacional, pedimos o concurso das peruanas
e dos peruanos nacionalistas, democratas, progressistas, anti-imperialistas e
socialistas. Queremos ouvi-los e fazer deles as nossas principais propostas
econômicas, sociais, a reivindicação de nossos recursos naturais e, em especial,
as nossas políticas a respeito de um Estado social e democrático capaz de
enfrentar a corrupção – afirmativa do nosso compromisso irredutível com os
direitos humanos.
Expressamos nosso compromisso com as maiorias hoje excluídas para
constituirmos, juntos, a reserva moral e intransigente de uma República superior.
Políticas econômicas e transformação produtiva
O objetivo de longo prazo
Nosso sonho é construir uma economia nacional que inclua as populações
excluídas e esquecidas da Costa, da Serra e da Selva em um país que vamos
todos construir com igualdade de direitos e deveres, feito de produtores e
consumidores modernos com iguais oportunidades. Um país sem o racismo e a
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
137
desigualdade social que nos separam; um país com estabilidade política, baseada
em regras de austeridade no exercício da função pública.
Um país em que crianças e jovens sejam sãos, bem alimentados, saudáveis,
educados e alegres, com acesso ao emprego e a uma renda justa, em que as
mulheres não sejam perseguidas nem discriminadas pelo seu gênero, em que
nossos idosos vivam seus anos com decência e dignidade, onde os peruanos
incapacitados encontrem um espaço de inserção e afeto.
Expandir os mercados internos para industrializar o país
A economia da sociedade peruana atual enfrenta problemas estruturais:
a) A desigualdade social, proveniente da insuficiência de emprego e renda,
que cria condições de vida precárias para a imensa maioria da população.
b) O modelo de crescimento primário exportador, que tem limites de
auto-sustentação no longo prazo, devido aos ciclos das matérias-primas,
que são parte da nossa experiência histórica.
c) A articulação setorial e intersetorial da produção e a conectividade
espacial são débeis ou inexistentes; de modo especial, na Serra e na Selva,
a relação entre a indústria e a agricultura praticamente não existe.
d) Os mercados internos são reduzidos, e a participação nos mercados
externos é ainda menor diante da potencialidade do país.
e) A rede viária e de infra-estrutura que associa a economia com a geografia
e a demografia do país é insuficiente para criar novos mercados internos
e para expandir os já existentes.
Esses problemas não foram resolvidos com a adoção das políticas
neoliberais que privilegiam o investimento nos setores primários tradicionais,
descuidando da ecologia, dos mercados internos e da produção industrial,
agroindustrial e agropecuária.
Por isso, precisamos pôr um fim ao neoliberalismo excludente e caduco:
foi o velho sistema que fez que a nossa economia voltasse à produção primária
e a dolarizou; foi o sistema que fraturou socialmente a nação, expulsou os seus
jovens, forçando-os a emigrar e destruiu as possibilidades de desenvolvimento
social da nossa gente.
A grande transformação
138 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
138
Foi o sistema que retirou a decência do emprego e tornou precário o seu
rendimento, que reduziu a autoridade do Estado e debilitou a Nação ao
marginalizar econômica e socialmente populações inteiras da Costa, da Serra e
da Selva, excluindo-as dos benefícios de um grotesco “gotejamento” – migalhas
que nunca chegam das mesas dos ricos.
Foi o sistema que, tornando-nos mais pobres – não só econômica, mas também
política e culturalmente –, nos inseriu na economia e nas finanças internacionais com
um papel dependente e sujeito aos interesses do grande capital transnacional.
Nosso sonho é transformar essa situação: devolver à Nação peruana e a
seus filhos os sentimentos de auto-estima e dignidade de homens livres.
Nosso objetivo é transformar o presente modelo primário exportador
de crescimento econômico; criar cadeias produtivas que levem nossos recursos
naturais ao grau mais avançado de transformação, para acrescentar-lhes valor
agregado; usar a ciência e a tecnologia modernas como fatores de produção;
desconcentrar e descentralizar o aparato produtivo mediante a expansão e a
criação de mercados internos nas regiões do país. Já é tempo de nos abrirmos
para o mundo tomando por base nossos próprios interesses, integrando
socialmente o país e garantindo a segurança alimentar do nosso povo.
Para isso, vamos recuperar a liderança das atividades geradoras de valor agregado.
Desenvolveremos nossos mercados internos e ampliaremos os que temos
para sustentar o crescimento por longos períodos. Devemos gerar postos de
trabalho estáveis e melhorar a distribuição da riqueza.
Com atividades geradoras de valor agregado que liderem o crescimento e
estejam ancoradas em mercados internos articulados, será possível melhorar a
posição competitiva da economia nos mercados internacionais, incrementando
o peso dos produtos não-tradicionais, manufaturados e agroindustriais no total
das exportações.
Nossa estratégia de desenvolvimento posiciona-se desde dentro e ao mesmo tempo
para fora do país, desenvolvendo-se a partir do interior, mas abrindo-se para o mundo.
A globalização mudou a ênfase das políticas econômicas, dos mercados
internos para os externos. Por este motivo os neoliberais “condicionam” o futuro
do Peru à assinatura do Tratado de Livre Comércio.
Nós, os nacionalistas, propomos aumentar a produtividade e a competição
da nossa economia com o crescimento dos mercados internos, dos espaços
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
139
regionais de todo o país mediante a participação das empresas peruanas na
indústria, agroindústria, pesca, mineração e agricultura; na transformação das
nossas matérias-primas com vistas à manufatura de produtos acabados em
fábricas, para fazer crescer nossos mercados e os de exportação.
Por isso, juntamente com as principais organizações agrícolas e rurais,
consideramos indispensável que a representação parlamentar no próximo
Congresso decida sobre a conveniência e a procedência deste e dos outros tratados
de comércio que abranjam o intercâmbio de produtos agrícolas e alimentares,
como os assinados com alguns países asiáticos e a própria região latino-americana.
Os neoliberais desejam exportar nossas poupanças para o exterior e
“condicionam” também o futuro do país à assinatura de um tratado de livre
comércio com os Estados Unidos. Afirmam aderir à competição como alavanca
do desenvolvimento, mas esquecem que o objetivo mais importante da
competição é aumentar a produtividade, e que esse objetivo não precisa estar
vinculado às políticas de comércio neoliberais.
O aumento da produtividade melhora o nível de vida da população porque
incrementa o produto per capita, reduz os custos unitários de produção e aumenta
a capacidade de competir nos mercados internacionais.
Se o aparato produtivo não se integra à geografia e à sociedade do Peru,
sem corredores econômicos e circuitos produtivos articulados desde os recursos
naturais até a industrialização final, nenhum tratado de livre comércio representará
uma oportunidade de desenvolvimento de longo prazo. Quando os mercados
internos se expandem, o conseqüente aumento da especialização incrementa a
produtividade e acelera o crescimento; e esta expansão geográfica do mercado
interno faz que a produção cresça, orientando-se tanto para o mercado interno
como para o externo.
Os recursos naturais do nosso mar, dos nossos campos e de nossas minas
devem ser transformados pela mão criativa dos trabalhadores peruanos, pela
iniciativa e pelo impulso dos seus empreendedores, para ser consumidos ou
exportados com o valor agregado do nosso trabalho. Queremos um grande projeto
de desenvolvimento produtivo.
Para ampliar e criar mercados internos, é preciso associar as diferentes
zonas geográficas e demográficas do país; ou seja, é preciso investir em infra-
estrutura (portos, armazéns, estradas, ferrovias, saneamento, eletricidade,
A grande transformação
140 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
140
telecomunicações, educação), para estimular o surgimento de novas linhas de
produção e ampliar a demanda para a produção existente.
Esta é uma forma efetiva e sustentada de multiplicar o emprego e a renda,
reduzir a pobreza, melhorar a qualidade de vida da população, aumentar a
competitividade, portanto, de dar início a um crescimento e desenvolvimento
socialmente integrador.
A estabilidade macroeconômica
Um requisito fundamental dessa estratégia é, sem dúvida, a estabilidade
macroeconômica, que mantém o poder aquisitivo das pessoas que vivem do seu
trabalho e estimula o investimento, fortalece a moeda nacional e promove a
nacionalização da economia e a desdolarização bancária, um ônus importante do
neoliberalismo. Por isso, manteremos os preços baixos para que não haja uma erosão
dos rendimentos, a inflação seja baixa, com a média anual de 2,5%, e a moeda, forte,
com um tipo de câmbio real, estável e competitivo, que impulsione a transformação
exportadora. A moeda estará a cargo de um Banco Central independente e autônomo,
que otimizará a administração das nossas reservas internacionais.
Política monetária e cambial
Haverá um regime de baixa inflação e estabilidade do câmbio.
O regime de baixa inflação se baseará em um esquema institucional de política
monetária com metas explícitas de aumento dos preços, com o valor central médio
de 2,5% ao ano, admitido um desvio de mais ou menos dois pontos.
A inflação estará entre as mais baixas da região, e entre as menores do
mundo, comparada à dos nossos principais parceiros comerciais.
Faremos que a inflação se mantenha em níveis sem precedentes na história
moderna do país.
A estrutura de preços relativos gerada pela estabilidade monetária
fortalecerá a produção não-primária para o mercado interno e externo.
Esse sistema institucional de estabilidade monetária compreende:
Um Banco Central de Reserva autônomo e independente, tanto de
objetivo como de instrumentos, que baseie sua gestão em fundamentos
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
141
profissionais e técnicos (modelos de previsão macroeconômica),
transparência e prestação de contas.
A definição de metas explícitas de inflação de médio e longo prazo.
A aplicação de uma Regra de Reação da autoridade monetária em que o
instrumento operativo seja a taxa de juros interbancária em moeda nacional.
Uma regra monetária “a la Taylor”, que incorpore os efeitos do desvio
da inflação com respeito ao seu valor-meta, o hiato entre o produto
observado e o produto potencial e a variação das expectativas dos
agentes, e, dinamicamente, os fatores inerciais e a avaliação probabilística
de ocorrência dos fatores de risco entre os cenários possíveis.
Um regime cambial livre, estável e flexível.
Um regime de tipo de câmbio estável e flexível com livre mobilidade
internacional de capitais, sem limites máximo ou mínimo.
O Banco Central de Reserva utilizará os mais diversos instrumentos
financeiros para moderar a volatilidade do tipo de câmbio (com
apreciações ou depreciações significativas), com instrumentos, como
as intervenções em operações de mercado aberto de ponta, mediante
compra ou venda de moeda estrangeira, de Certificados de Depósitos
nominativos e Certificados de Depósitos indexados, entre outros.
A redução da volatilidade garante um regime cambial estável, livre e flexível,
que contribua para o caráter competitivo das exportações. Para esse fim, o Banco
Central de Reservas regulamentará o limite operativo dos investimentos feitos
no exterior pelas administradoras de fundos de pensões, de modo compatível
com a rentabilidade, o risco, a segurança e o desenvolvimento do mercado interno
de capitais.
A democratização do crédito
Fortaleceremos a eficiência da intermediação financeira, aprofundando a
desdolarização gradual e voluntária dos agentes e das transações, afirmando o
papel transacional da moeda nacional e melhorando de forma substancial a
supervisão e regulamentação independente do sistema financeiro, para proteger
os agentes e o público dos riscos da grande volatilidade financeira.
A grande transformação
142 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
142
A democratização do acesso ao crédito requer a eliminação das barreiras
criadas pela segmentação entre grandes usuários demandantes de recursos e os
demais clientes; a aplicação de critérios de regulamentação que reduzam a
exposição ao risco da concentração da oferta de crédito; a melhoria dos
coeficientes de utilização do sistema bancário e o aperfeiçoamento dos
instrumentos de proteção ao poupador.
Os intermediários especializados em microfinanças e microcréditos serão
apoiados mediante a transferência de capacidades tecnológicas para gestionar
suas operações, especialmente no meio rural andino e amazônico.
O nível ótimo de reservas internacionais
Uma economia aberta e parcialmente dolarizada protege-se das flutuações
internacionais com um nível de reservas e uma posição de câmbio que permita
enfrentar os ataques especulativos contra a moeda nacional. As práticas
internacionais consideram um nível ótimo de reservas tomando por base a relação
entre o nível de RIN e a dívida de curto prazo em dólares. Muitas vezes, inclui-
se apenas a dívida externa de curto prazo, embora seja possível contar também
com os vencimentos correntes da dívida de longo prazo. A “opção mais ácida”
consiste em incluir os depósitos em dólares do sistema bancário.
Utilizando este último indicador, o coeficiente entre as reservas
internacionais líqüidas e a dívida de curto prazo em dólares, incluindo os
depósitos em dólares do sistema bancário, será sempre maior do que a unidade,
superior ao seu nível crítico.
Política fiscal e tributária
A política fiscal será contracíclica e terá estabilizadores automáticos, com
uma trajetória de baixo déficit que garanta a sustentabilidade fiscal da dívida em
médio prazo e eleve a taxa de investimento público a níveis internacionalmente
comparáveis.
Comprometemo-nos, além disso, a uma administração responsável de um
Estado a que aspiramos, austero e justo. Trata-se de manter uma política fiscal
que assegure um déficit não superior a 1% do PIB. Proporemos medidas de
poupança e de aumento de rendimentos que
assegurem sua sustentabilidade.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
143
Para isso, empreenderemos uma reforma tributária integral que aumente
a base tributária e a porcentagem da arrecadação em até 18% do PIB nos
próximos cinco anos.
Daremos um peso maior aos impostos diretos, para transformar a
tendência não-equitativa da tributação neoliberal, que favorece a tributação
indireta. Assim, serão introduzidos critérios de eficiência da cobrança tributária
e de eqüidade como instrumentos para melhorar a distribuição da renda.
A descentralização fiscal será objeto de um acordo entre o governo central
e os governos dos outros níveis, estabelecendo regras firmes e duráveis.
Eliminaremos as exonerações e vantagens tributárias especiais. Serão
revistos também, em diálogo com as partes interessadas, os contratos de
estabilidade tributária e jurídica vigentes, respeitando a legislação. Não haverá
mais convênios de estabilidade tributária.
Serão revistas as exonerações tributárias regionais e setoriais que não cumprem
os objetivos previstos. Incorporaremos incentivos ao reinvestimento de lucros das
empresas produtivas, tais como, créditos tributários, e aplicaremos um imposto aos
lucros excessivos, para restabelecer o princípio da justiça distributiva.
A distorção da política fiscal que favorece os ciclos será neutralizada,
modificando-se a lei de responsabilidade e transparência fiscal, com a
incorporação de uma norma fiscal contracíclica.
O investimento público será liberado das pressões de contrato que
ocorrem quando as receitas fiscais diminuem, durante a fase recessiva do ciclo.
A política fiscal garantirá que se mantenha o crescimento dos passivos
externos do país dentro de limites sustentáveis. Serão contabilizados os ativos
contingentes do país em projetos geológicos e de mineração, energéticos, florestas
e, de modo geral, aqueles que expressem o potencial efetivo da nação, preparando,
assim, a utilização de uma contabilidade patrimonial do Setor Público.
Mudança do perfil da dívida pública externa
Será feita uma auditoria da dívida pública.
Avançaremos, por um lado, na mudança do perfil da dívida pública, de
modo a contribuir para a sustentabilidade da política fiscal e criar um espaço
orçamentário para os investimentos públicos. Por outro lado, modificaremos a
A grande transformação
144 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
144
estrutura do financiamento da despesa pública, reduzindo a exposição da dívida
aos riscos de mercado, ampliando sua duração e incrementando a participação
da dívida interna na dívida total. Garantiremos, desta forma, o caráter sustentável
da política fiscal, abrindo mais espaço para os investimentos do setor público.
Será implementado um programa de administração de passivos orientado para:
Desconcentrar os serviços da dívida no curto prazo (risco de
refinanciamento), com operações que aumentem a vida média e a
duração da dívida.
Reduzir a exposição da dívida a variações dos tipos de câmbio e taxas
de juros externas (risco de mercado).
Reduzir a dívida em valor corrente e em valor presente.
Melhorar a posição creditícia do país, o que contribuirá para diminuir
o custo do financiamento futuro.
Para aliviar o serviço da dívida pública nos próximos anos, serão feitas
operações de:
Pagamento antecipado.
Substituição da dívida externa por dívida interna.
Troca de títulos.
Cobertura de tipos de câmbio e de taxas de juros; e
Troca de dívida por investimento, com ênfase em projetos de meio
ambiente, educação e infra-estrutura pública.
Promoveremos o desenvolvimento do mercado interno de dívida
soberana, o que permitirá alterar a estrutura atual do financiamento dos gastos
financeiros e não-financeiros.
O fortalecimento do mercado interno de dívida pública, em moeda
peruana, permitirá manter um perfil de endividamento público com níveis de
risco aceitáveis, incrementando a participação da dívida interna no total da dívida
pública, para reduzir seus riscos em termos cambiais e de taxas de juros.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
145
Orçamento e qualidade da despesa pública
Modificaremos a metodologia usada para atribuir recursos orçamentários,
a qual mantém um caráter inercial e incremental, uma vez que se baseia nas
estruturas de despesa dos anos precedentes para depois debater a distribuição
dos recursos adicionais disponíveis.
Haverá uma melhora substancial da qualidade da despesa pública. É preciso
uma prioridade adequada das ações ou da atribuição de recursos entre distintas ações
e alternativas, para garantir o acesso dos mais pobres aos serviços básicos. Além disso,
no período fiscal subseqüente, as avaliações ex post da execução orçamentária tenderão
a ter uma maior incidência nas decisões sobre a distribuição dos recursos.
Para transformar a situação presente, adotaremos as seguintes medidas
nas diferentes fases de elaboração orçamentária:
Na programação e formulação:
Reduzir o nível de arbitrariedade e de inércia quando forem atribuídos
tetos orçamentários.
Implantar um orçamento plurianual complementar ao quadro
macroeconômico plurianual, mediante aconselhamento e participação
da sociedade civil – tanto no nível central como no regional e local.
Na aprovação do orçamento:
Fortalecer as equipes profissionais de assessoria técnica e financeira da
comissão de orçamento do Congresso e sua permanência para garantir
a continuidade dos critérios fundamentais de elaboração orçamentária.
Aplicar o critério de medição pelo custo-benefício e indicar os efeitos
do impacto da norma orçamentária sobre a população.
Na execução orçamentária:
Avaliar as restrições enfrentadas pelas partes na execução dos
respectivos orçamentos e introduzir melhorias significativas no sistema,
em particular durante os processos administrativos.
Comunicar à opinião pública os elementos mais importantes da
execução orçamentária, para informá-la sobre o fim a que se destinam
A grande transformação
146 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
146
os recursos dos tributos, o que, além de tudo, fortalecerá a consciência e
a cultura tributárias.
Difundir informações sobre a origem dos recursos por fonte de
financiamento, os níveis de evasão, a progressividade e a concentração
da base e da estrutura tributária para cada nível de governo.
Na avaliação do orçamento:
Publicar os resultados da avaliação do orçamento e os critérios que
servirão para retroalimentar os processos de formulação e execução.
Sistematizar a avaliação independente e técnica do orçamento.
Prestar contas do Poder Executivo ao Congresso, anualmente.
Adotar compromissos políticos concretos para alcançar melhorias da
distribuição e execução das despesas públicas, como resultado da
avaliação orçamentária.
Na qualidade da despesa pública:
Universalizar o gerenciamento de orçamentos participativos, que
permitem priorizar atividades e projetos com a participação do público.
Esses orçamentos fortalecem a democracia participativa e a
governabilidade democrática e promovem o investimento privado
nacional por meio da voz dos atores econômicos na definição de
projetos prioritários.
Outorgar a maior representatividade aos agentes participantes e à
sociedade civil, na consecução do processo dos orçamentos
participativos, mediante o apoio de mesas de trabalho e de redes técnicas
locais, para evitar decisões tópicas discricionárias que alterem as
decisões previamente concertadas.
Política exterior independente e soberana
Reivindicação da política e do Estado nas relações internacionais
A política exterior do Peru terá como objetivo supremo a consolidação e
a sobrevivência do Estado, isto é, o fortalecimento e a preservação do território,
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
147
da população, da soberania e da governabilidade. A política exterior será
elaborada a partir da definição dos interesses nacionais.
Da mesma forma como reivindicamos para a política o papel de prática
criadora e transformadora no plano interno, reivindicamos para ela o mesmo
papel nas relações internacionais. Ele será estruturador e arquitetônico, para dar
forma e conteúdo a uma nova ordem política internacional baseada no direito,
na igualdade e na justiça social.
Só a política tem a força para organizar o sistema internacional, governar
a globalização, conduzir os Estados a uma ordem que considere todos os fatores
de distorção no sistema internacional, tais como os problemas da cooperação,
do comércio, das finanças, do meio ambiente, da transferência de tecnologia,
da violência política e da pobreza.
Só os Estados bem constituídos, com suas formas de negociação, poderão
civilizar o capitalismo e tornar possível um grau mais elevado de governabilidade
num mundo globalizado. Um modelo de governabilidade mundial só será viável
sobre a base do pleno respeito à vontade das nações expressa pelos respectivos
Estados.
A política começou a mover-se, convertendo-se no centro de gravidade
do desenvolvimento histórico que estamos vivendo. A configuração de uma
nova ordem pública mundial está competindo com a arte de governar dos seus
estadistas.
Devolveremos ao Estado seu papel de arquiteto na construção política
do futuro e de sujeito e fonte principal do Direito Internacional Público.
Relações de vizinhança amistosas
O território do Peru é polivalente. É depositário de nossa história milenar
e tem, ao mesmo tempo, um caráter marítimo, andino e amazônico que define
as esferas imediatas de sua política exterior.
Sem infra-estrutura que os vincule, a relação diplomática com os países
fronteiriços é um mero discurso. Por isso, promoveremos a construção de vias
de comunicação com nossos vizinhos, para compartilhar visões políticas
integradas de desenvolvimento.
Privilegiaremos nossas relações com o Brasil, com o qual compartilhamos
a Amazônia, o Amazonas e uma localização estratégica na região sul-americana,
A grande transformação
148 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
148
assim como um número de pontos de vista em matéria de política de
desenvolvimento e de política exterior. Em especial, promoveremos a vinculação
com a região Acre-Rondônia-Mato Grosso-Mato Grosso do Sul. Faremos o
mesmo com a Bolívia, à qual nos unem a comunidade histórica, cultural e de
sangue e, com o novo governo, em posições fundamentais em diversos temas
de política. Daremos também especial importância aos membros da
Comunidade Andina, reconhecendo a crescente dimensão econômica e política
da Venezuela, país-chave para seu fortalecimento.
Também estimularemos nossas relações bilaterais nos diferentes campos
de entendimento político e de cooperação com os outros países do Mercosul e
da região latino-americana.
Com o Chile, seguiremos uma política de respeito mútuo, bem como
relações econômicas de benefício recíproco e equitativo. Reexaminaremos a
política de equilíbrio dos gastos militares e de controle de armamentos.
Segurança democrática
Nossa política de segurança abrangerá todos os meios políticos de, por
um lado, enfrentar os perigos provenientes do exterior, como conflitos potenciais,
ameaças a nossa existência ou tentativas de dominação e, por outro, construir
uma paz baseada na multiplicação de elementos cooperativos com os países
com os quais não temos interesses opostos.
Fortalecer a Comunidade Andina
Fortaleceremos a Comunidade Andina, especialmente sua capacidade de
interlocução política, e propomos a criação de uma Comunidade Andina de
Energia, a fim de desenvolver na nossa sub-região uma grande indústria
petroquímica que crie bens, serviços e emprego e tenha capacidade de negociação
política e econômica internacional semelhante à da Opep. Trabalhando nessa
esfera essencial da produção energética e da construção de uma indústria
petroquímica, no comércio e no desenvolvimento correspondente de
conhecimento, procuraremos criar, em conseqüência, uma alta interdependência
positiva e simétrica entre nossos países. Neste campo, procuraremos criar
estruturas e instituições comuns.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
149
Construir a casa Sul-Americana
Recorreremos à lógica da política, à luz das tendências de reordenamento
da estrutura da política mundial, para propor avançar na configuração de um
projeto político próprio no espaço sul-americano, dotando-o de uma efetiva
capacidade de negociação internacional e de presença e participação coordenada
nos grandes temas da agenda internacional. Proporemos uma Organização de
Segurança e Cooperação da América do Sul, ampliando a Comunidade Sul-
Americana de Nações, passo prévio ao da União Latino-Americana, para a qual
confluam a segurança intra-regional, a cooperação política e as medidas contra
o terrorismo, o narcotráfico e o crime organizado; e a integração, a cooperação
e o desenvolvimento, articulando a institucionalidade já existente; e o respeito
ao sistema democrático, ao Estado de direito e aos direitos dos cidadãos.
O elemento da integração, da cooperação e do desenvolvimento estimulará
o comércio intra-regional. Mais da metade do comércio mundial se concentrará
nos mercados regionais. Dois terços do comércio da União Européia é interno.
O comércio interno do Mercosul representa quase a quarta parte do seu comércio
global. Elevaremos ao nível de um tratado a Iniciativa para a Integração da
Infra-estrutura Regional Sul-Americana, no quadro da Organização de Segurança
e Cooperação da América do Sul.
Mundo multipolar
Não somos partidários da configuração de um mundo unipolar na estrutura
da política internacional. Apoiaremos os esforços das grandes potências, como
a Rússia, a União Européia, a República Popular da China, o Japão e outras
potências regionais, para a estruturação de um mundo multipolar, que dê
equilíbrio ao sistema internacional e ofereça maior margem de ação política aos
países em desenvolvimento como o Peru.
Multilateralismo ativo
Buscaremos um funcionamento mais eficiente de todos os componentes
do sistema das Nações Unidas e daremos especial importância ao seu papel no
estabelecimento de uma ordem mundial baseada no estrito respeito ao Direito
Internacional Público. Desenvolveremos iniciativas para reformar a área do
sistema das Nações Unidas ligada a questões de desenvolvimento, cooperação e
A grande transformação
150 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
150
financiamento, à luz das distorções decorrentes do processo de globalização.
Daremos também um renovado impulso a nossa participação nos organismos
especializados da ONU, como a FAO, a Unido, a Unicef e outros.
Estimularemos nas Nações Unidas um regime internacional que promova
e salvaguarde a distribuição justa e eqüitativa dos benefícios provenientes da
utilização dos recursos genéticos, para evitar a biopirataria. Defenderemos maior
influência das Nações Unidas no desenvolvimento de um sistema de relações
econômicas justas, de políticas econômicas globais na área do comércio
internacional e das relações financeiras, bem como em suas interações com as
instituições de Bretton Woods, a OMC e outros organismos multilaterais.
Procuraremos democratizar as relações internacionais e, especialmente, as
organizações financeiras como o FMI, o Banco Mundial, o BID, os organismos
multilaterais de comércio, como a OMC.
Globalização solidária
O processo de globalização não distribui seus benefícios de maneira
equitativa entre os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento que
aderem ao seu dogma neoliberal. Os países industrializados representam apenas
15% da população mundial e, apesar disso, falam sempre de um mundo
globalizado.
Grandes hiatos e assimetrias persistem na sociedade global. Dentro desse
processo, aumenta a vulnerabilidade dos países em desenvolvimento diante da
instabilidade dos mercados financeiros mundiais. Renunciamos a manter-nos
como sociedades abertas quando os ganhos resultantes do processo de
globalização não são justos nem equitativos. A simples abertura da economia
não cria desenvolvimento sustentado nem aumenta a produtividade das empresas.
O comércio exterior tampouco leva, por si só, a taxas de crescimento duradouro.
Não queremos que o mercado decida em nome da sociedade peruana.
A falta de aquisição de conhecimento agrava as distâncias entre países
ricos e pobres. A aquisição de capital de conhecimento será, portanto, um objetivo
central da política econômica externa do Peru, para que nosso comércio exterior
seja mundialmente competitivo, aumentando nossa produtividade e tornando
mais sustentado nosso crescimento econômico. Buscaremos o conhecimento
nos países industrializados, não abandonaremos nem o empresariado nem o
capital estrangeiro para promover políticas industriais e agroindustriais
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
151
específicas, fortalecendo o empresariado peruano e criando empresas mistas no
quadro de um planejamento estratégico de desenvolvimento.
A dimensão econômica do processo de globalização não nos deve levar a
abdicar nem da política nem do Estado. O Peru terá um Estado forte, propulsor
do desenvolvimento, que atue em áreas onde só o Estado pode intervir.
Desenvolveremos tanto nosso mercado interno como o externo. Assim,
entraremos no processo de globalização de modo mais autônomo e soberano.
Propomo-nos alcançar maior acesso aos mercados internacionais, eliminar suas
assimetrias, impor limites às distorções do sistema financeiro internacional,
reduzir a excessiva volatilidade dos fluxos internacionais de capital de curto
prazo, renovar as instituições de Bretton Woods, fortalecer o G-20 e conseguir
que a Organização Mundial do Comércio tenha regras mais equitativas.
Estados Unidos da América
Preservaremos nossa autonomia e independência em nossas relações de
interdependência assimétrica com os Estados Unidos. Compartilharemos nossa
coincidência política no tocante ao fortalecimento do sistema democrático, dentro
de nosso entendimento de que a democracia no Peru alcançará plena legitimidade
quando o Estado estiver em condições de satisfazer as demandas sociais.
Cooperaremos nas questões de segurança no que se refere à luta contra o terrorismo
e o narcotráfico. Negociaremos os termos que, de forma justa, correspondam ao
Peru no tocante à exploração de nossos recursos naturais não-renováveis, por
meio do controle e da participação do Estado, do acréscimo de valor agregado
aos recursos explorados e da criação de empresas mistas, no quadro de uma política
econômica que fortaleça o Estado e aumente qualitativamente o bem estar da
população peruana, como um de seus elementos constitutivos.
Proporemos a eliminação do Tiar por haver-se tornado um instrumento
anacrônico da Guerra Fria e não ter funcionado na agressão inglesa contra a
Argentina (Malvinas).
Europa Ocidental
Vemos a União Européia como o pólo de poder que é fonte de tecnologia
e investimentos e parceiro comercial importante do Peru. A Europa mostra-
nos o caminho da integração de Estados fortes e da prática da democracia e de
outros valores fundamentais com populações cultas. Aumentaremos a dinâmica
A grande transformação
152 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
152
de nossas relações bilaterais com os países europeus, criando e fortalecendo
mecanismos de diálogo, consulta e cooperação, bem como fomentando as
relações culturais recíprocas, dos investimentos europeus no Peru e de correntes
comerciais, aumentando a exportação de produtos peruanos com maior valor
agregado. Estimularemos o diálogo político e a cooperação entre a Comunidade
Andina (CAN) e a União Européia (EU) e avançaremos nas negociações para
chegar a um acordo de associação entre os dois blocos regionais.
Europa Oriental
Fortaleceremos nossas relações com a Rússia, grande potência euro-asiática e
membro permanente do Conselho de Segurança. O Peru apóia o objetivo russo de
trabalhar por uma ordem multipolar que não admita o monopólio ou o domínio de
qualquer potência ou grupo de Estados nos assuntos mundiais e vê com simpatia
sua oposição à substituição das estruturas básicas do Direito Internacional Público
por conceitos como “intervenção humanitária” e “soberania limitada”.
O governo nacionalista compartirá com a Rússia sua oposição às intenções
de minimizar o papel do Estado soberano, para evitar ameaças de ingerência
nos assuntos internos dos países. Com a Rússia, fomentaremos o comércio e os
investimentos, bem como a formação de empresas mistas.
Fortaleceremos também nossas relações com a República Popular da
China, que emerge com vigor do mundo em desenvolvimento para desempenhar
papel de destaque no mundo multipolar de amanhã. A China também defendeu
o Estado como principal ator nas relações internacionais, a sociedade
internacional de Estados e o Direito Internacional Público. A China não
renunciou ao Estado nem ao seu interesse nacional, perseverança que a conduziu
ao seu engrandecimento e progresso. Como membro permanente do Conselho
de Segurança, também dá equilíbrio ao sistema internacional. Promoveremos
o comércio e os investimentos com a China e a constituição de empresas mistas.
A Ásia e a Bacia do Pacífico
Ampliaremos nossa cooperação política, de investimentos, comercial e
técnica em áreas como sismologia, agricultura, desertificação, aqüicultura, meio
ambiente e recursos arqueológicos com os países da Ásia e da bacia do Pacífico.
Prestaremos especial atenção às grandes possibilidades de ampliar também a
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Ollanta Humala
153
cooperação financeira não-reembolsável com o Japão, igualmente destinado a
desempenhar um papel importante no mundo multipolar em formação.
Comércio e investimentos
Promoveremos o acesso de nossas exportações diversificadas e
competitivas aos grandes mercados. Captaremos recursos financeiros estáveis,
no quadro da nova política econômica. Procuraremos conseguir, no âmbito
bilateral ou em organizações internacionais, a eliminação de medidas para-
alfandegárias, de tratamentos discriminatórios, de regulamentos fitossanitários
e outros de caráter protecionista, que entravem a expansão, a diversificação e a
colocação competitiva de nossos produtos nos mercados internacionais.
O planejamento estratégico do desenvolvimento nacional tratará de captar
investimentos estrangeiros que introduzam tecnologia de ponta para participar
de projetos de desenvolvimento e de atividades empresariais privadas geradoras
de emprego e exportações.
Daremos estabilidade e um tratamento justo ao investimento estrangeiro,
dentro de uma política econômica que fará respeitar os direitos inalienáveis do
Estado e do povo peruanos de serem os beneficiários imediatos dos recursos
provenientes de nossas matérias-primas. A China, com um regime semelhante,
captou um quarto dos investimentos estrangeiros nos países em desenvolvimento.
O Peru renovará sua participação no Foro de Cooperação Econômica
Ásia Pacífico (Apec), especialmente em seus mecanismos comerciais, de
investimentos e de cooperação tecnológica.
Dívida externa
Ao assumir a dívida externa, procuraremos comprometer os Estados e
organizações financeiras credoras com o reconhecimento do ônus que ela
representa para nossa economia e com a necessidade de encontrar mecanismos
multilaterais para aliviar o seu peso e soluções bilaterais que permitam mudar o
perfil dos fluxos da dívida.
A projeção da nossa cultura
Nossa cultura histórica é milenar e deve ser utilizada de modo a imprimir
seu caráter e sua força às relações internacionais. A projeção de nossa cultura
A grande transformação
154 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
154
será um importante instrumento de política externa. Ela definirá nossa presença
e aumentará nosso prestígio nas relações internacionais. Em muitos centros de
estudos superiores no mundo, estuda-se quéchua e aprende-se nosso passado
histórico. Daremos especial atenção à conclusão de convênios que estimulem,
de forma sustentada, articulada e coerente, as expressões mais profundas de
nossa riqueza cultural histórica e atual, como artesanato, obras literárias, cinema
nacional, música, moda e confecções, gastronomia e ingredientes peruanos etc.
Peruanos no estrangeiro
Cerca de dois milhões de compatriotas vivem no exterior. Suas remessas
constituem o segundo fator de financiamento externo de nossa economia, e as
comunidades peruanas no exterior são a expressão de fatores dinâmicos nas
relações do Peru com os países receptores. Estabeleceremos e aperfeiçoaremos
as políticas para melhorar a situação dos peruanos do exterior mediante o apoio
à facilitação da documentação pertinente, à atenção consular, à informação sobre
o país, ao registro e à identificação para promover seus direitos e obrigações no
exterior; em especial, à equivalência dos títulos profissionais aceitos com base
na reciprocidade.
Uma política consular renovada
Aprofundaremos a proteção e o apoio às comunidades peruanas no
exterior, já que fazem parte da população peruana – um dos elementos
constitutivos do Estado. O trabalho dos consulados peruanos não se esgotará,
portanto, na simples tarefa de prestação eficiente de serviços, mas, sim, na vinculação
com os prolongamentos da população no exterior, mantendo-as no pleno
exercício de seus direitos de cidadãos e atendendo-as com presteza e esmero.
Compatriotas, estas são algumas das propostas de construção de um
projeto de Nação justa e livre, esta é nossa resposta serena e afirmativa às mentiras,
às diatribes insanas e à violenta campanha desencadeada contra nossa posição
nacionalista e popular.
Convoco-os a trabalhar com mais afinco pelo nosso triunfo no dia 9 de
abril, a organizar-se, a apoiar os representantes mais sadios do nosso povo, para
iniciar a grande transformação econômica, social e moral da nossa pátria.
DEP
Tradução: Sérgio Bath e Luiz A. P. Souto Maior
Revisão: Regina Furquim
André E. Telting
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
155
Suriname, uma visão
macroeconômica:
desafios e perspectivas
André E. Telting
*
* Presidente do Banco Central do Suriname
Dados básicos sobre o país
Alguns números:
• PNB 2004: US$ 1,65 bilhões
• Crescimento real do PNB 2004: 7,8%
• Crescimento real do PNB 2001–2004: 5% anuais
• PNB per capita 2004: US$ 3.085
• Desemprego 2003: 7%
• Taxa de mortalidade infantil 2003: 30 por 1.000 nascimentos
• Expectativa de vida 2003: 69,1 anos
• Taxa de alfabetização de adultos 2003: 88,0%
1.
Suriname, uma visão macroeconômica: desafios e perspectivas
156 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
156
• População 2004 (metade do ano): 487.024, 2/3 da população reside na
capital, Paramaribo
• Principais exportações: alumina, petróleo, madeira, peixe, camarão, arroz,
ouro e banana.
Desenvolvimentos políticos recentes
Em 25 de maio de 2005, o Presidente Venetiaan foi reeleito, mediante
eleições livres e democráticas; o novo governo, conhecido como “Nieuw Front
Plus” abrange a coalizão “Nieuw Front”, do governo anterior, ampliada com
dois outros partidos políticos (AC e DA 91), representando assim, segmentos
mais amplos da sociedade. A coalizão governante conta com 29 cadeiras no
parlamento, de um total de 51, ou seja, com 57% dos votos. O Presidente
Venetiaan apóia a continuação de políticas macroeconômicas sadias, enriquecidas
com novas idéias para o desenvolvimento social e econômico acelerado durante
seu terceiro mandato como Presidente da República.
Principais temas da política exterior
Entre as diferentes políticas governamentais, atribui-se importância à maior
diversificação da cooperação internacional com o Mercado Comum e
Comunidade do Caribe (Caricom), que objetiva a formação do Mercado Único
do Caribe, com a unificação da economia regional no futuro próximo, e com a
Comunidade Sul-Americana de Nações, que visa promover uma área integrada
na América do Sul, com dimensões política, social, cultural, econômica, ambiental
e infra-estrutural.
No campo multilateral, o Governo do Suriname busca o fortalecimento
de suas relações com várias instituições, como as Nações Unidas, a Organização
dos Estados Americanos, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a União
Européia, o Fundo Monetário Internacional, etc.
No campo das relações bilaterais, a política do governo visa a consolidar
as relações existentes com os Países Baixos, os Estados Unidos, França, Índia,
Indonésia, China, Japão, Brasil, Venezuela e outros países. O litígio marítimo
entre o Suriname e a Guiana está sendo considerado pelo Tribunal Internacional
para a Lei do Mar.
André E. Telting
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
157
Uma política exterior ativa resultou na nomeação do Sr. Albert Ramdin,
um diplomata surinamense, como Secretário-Geral Assistente da OEA, em 19
de julho de 2005.
A economia
Desempenho e perspectivas da economia
Considerando o período 2002–06, o PNB – medido percentualmente,
em termos reais – mostrou um aumento, passando de 2,1 em 2002 para 5,2 em
2005, com crescimento de 5,1% previsto para o próximo ano. Em termos
percentuais médios, caiu de 15,5% em 2002 para 9,5% em 2003, com 9,3%
estimados para 2004. A política econômica seguida tem por meta garantir
inflação de um só algarismo em 2005 e 2006. Como percentagem do PNB, o
déficit orçamentário foi de 4,4% em 2002, 0,7% em 2003, 0,8% em 2004 e 7,9%
em 2005, sendo de 9,3% a expectativa para 2006. Em termos de percentuais do
PNB o balanço de pagamentos teve como resultado: –11,8% em 2002, –11,4%
in 2003, -9,2% in 2004 e +3% in 2005.
Nos últimos anos, foi promovida a recuperação da economia surinamense,
que resultou em crescimento sustentado. De acordo com o Relatório da Consulta
do Artigo IV do Fundo Monetário Internacional, “O crescimento econômico
se acelerou, refletindo um aumento da produção mineral e o retorno da confiança
no país, como resultado de uma situação macroeconômica mais estável. Em
termos reais, o PNB cresceu, no período 2001–2004, à taxa média de 5%.
A taxa de desemprego declinou de 14% em 2000 para 7% em 2003. De acordo
com estimativas do GBS, entre 1995 e 2002 o setor informal representou, em média,
20,5% do PNB real, tendo contribuído de forma importante para o nível de emprego.
O Dólar Surinamense (SRD) foi introduzido em primeiro de janeiro de
2004 e substituiu o desvalorizado Guilder. A nova moeda simplifica os cálculos,
as transações e, de modo geral, as atividades econômicas, simbolizando uma
nova era de administração financeira. Pode-se dizer que o Dólar Surinamense
superou com êxito a sua fase de criação, pois a taxa de câmbio se conservou
estável e a inflação manteve a tendência declinante.
A inflação caiu, de uma alta recorde, a taxas de um só algarismo. No período
entre março de 2003 e março de 2004, a taxa inflacionária foi de 9,54% em
Suriname, uma visão macroeconômica: desafios e perspectivas
158 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
158
média, e avaliada no fim do ano, a inflação é calculada em cerca de 9% e 8%,
respectivamente, estimando-se para 2005 taxas desse tipo.
Quanto à taxa de câmbio, tem havido uma convergência das taxas oficial
e comercial, devido à disciplina fiscal e a uma política monetária prudente. A
estabilidade da taxa cambial tem contribuído para reduzir a inflação e para
aumentar a confiança na economia.
Desenvolvimentos no setor econômico
Motores do Crescimento
Bauxita: em fevereiro de 2002,a Suralco completou, seis meses antes do
previsto, a expansão da sua capacidade de refino, a um custo de US$65 milhões. A
capacidade anual de produção de alumina passou de 1,95 para 2,2 milhões de
toneladas métricas. Entre janeiro e junho, foi inevitável importar bauxita
temporariamente, devido a problemas logísticos, para evitar a subutilização da
capacidade instalada da refinaria. O estudo de viabilidade das duas empresas, com
respeito à expansão das suas atividades na região ocidental do Suriname, está bem
adiantado. A Suralco e a Billiton pretendem construir uma fundição com a capacidade
de 340.000 toneladas métricas de alumínio por ano; uma refinaria de alumina,
novas minas, uma nova represa hidrelétrica de 650 MW e outras facilidades de
infra-estrutura. Esses investimentos são possíveis devido à reserva comprovada
de 300 milhões de toneladas de bauxita. Até o momento, 45% da área de Bakhuis
foi explorada, revelando a existência de 170 milhões de toneladas de bauxita.
Ouro: Investimento estrangeiro direto feito pela empresa canadense
Cambior, em 2003 (cerca de US$95 milhões), resultou no início oficial da
produção em abril de 2004. Em 2005, os investimentos devem chegar a US$25
milhões. No período de dez anos que termina em 2014, são esperados
investimentos da ordem de US$790 milhões. Em 2005, a produção é estimada
em 320.000 onças (10.000 kg), representando um valor de exportação de cerca
de US$138 milhões. Na primeira metade de 2005, a produção de 177.600 onças
excedeu as 101.400 onças produzidas na primeira metade de 2004. Em 2005,
Cambior está empregando mais de 1.100 trabalhadores, incluindo os terceirizados.
A renda do governo deve chegar a US$12,4 milhões. Recentemente, a Cambior
firmou dois acordos de opção na área de Tapanahony e Sarakreek, situada cerca
de 75 km ao Sul do projeto Rosebel.
André E. Telting
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
159
Outros minerais: Em agosto de 2004, a Alcoa assinou um acordo de joint
venture com Newmont, uma empresa mineradora de ouro com base em Denver,
prevendo trabalhos de exploração na área de Nassau. Outra atividade de larga
escala envolve a exploração preliminar pela mineradora de ouro estatal Grassalco,
juntamente com a empresa canadense Canarc Resources, na região de Bensdorp.
As perspectivas nessas duas áreas parecem muito promissoras.
Petróleo: De acordo com o World Petroleum Assignment de 2000, do
Levantamento Geológico das Nações Unidas, existem reservas potenciais de 15
bilhões de barris na Bacia da Guiana. A estratégia plurianual 2005–2010 da
Staatsolie visa expandir a produção terrestre, a exploração terrestre e marítima,
a construção de uma usina de 15 MW, a expansão das vendas e comercialização
e a ampliação da capacidade de refino. Os investimentos necessários para esse
plano plurianual alcançam US$378 milhões, montante a ser financiado pela
Staatsolie (66%) e por credores externos (34%). Nesse sentido, foram dados
alguns passos, como o preparo da construção da usina, iniciado em 2004, que
implicará o investimento de US$16,5 milhões, devendo a construção estar
concluída em 2006. A Staatsolie assinou acordos de parceria de produção marítima
com a empresa espanhola Repsol, em abril de 2004, e com a dinamarquesa Maerks
Oil em novembro de 2004. Em agosto de 2005, a Staatsolie concluiu negociações
com a Occidental Petroleum Corporation, norte-americana, para a exploração de
outro bloco marítimo. Em agosto de 2004, a Staatsolie adquiriu 30 % das ações
da companhia Ventrin Petroleum Company Limited, com base em Trinidad, a qual
inclui investidores de Trinidad e Barbados.
Banana: A produção e a exportação foram reiniciadas em março de 2004.
A receita FOB de exportação deve alcançar 18 milhões de Euros em 2005 e 30
milhões em 2006, tendo começado com 4 milhões em 2004. Em 2004, os
investimentos foram de US$6,2 milhões e deverão chegar a US$8,2 milhões em
2005 e a US$5,9 milhões em 2006. Em 2004, a força de trabalho empregada no
setor era de 1.482 pessoas; espera-se que chegue a 1.523 em 2005 e a 1.608 em
2006.
Aquacultura: o investimento direto estrangeiro nas fazendas de camarão
começou em maio de 2004 e cobre uma área de 1.530 hectares. O projeto deve
ser completado em 2005, e mais de trezentos empregos estão sendo criados. A
produção e a comercialização terão início imediatamente, com destino exclusivo:
os lucrativos mercados de exportação.
Suriname, uma visão macroeconômica: desafios e perspectivas
160 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
160
Azeite de dendê: Foi assinado um acordo entre o Governo do Suriname e a
companhia chinesa China Zhong Heng Tai Investment para converter uma área
florestada de 40.500 hectares em plantações de palmeira de dendê, com quatro
unidades de processamento do azeite. Antecipa-se um investimento total de US$116,6
milhões ao longo de doze anos, com US$62,5 milhões aplicados nos primeiros seis
anos. Espera-se ainda que a força de trabalho aumente gradualmente e alcance 5.500
pessoas (recrutadas principalmente no Suriname), quando o investimento for
concluído. Um grupo de orientação, instalado em novembro de 2004, vai monitorar
a implementação deste projeto, a ser iniciado em outubro de 2005.
Turismo: Este é o mais novo setor , que apresenta boas perspectivas de
crescimento rápido. Nos últimos dois anos e meio, cerca de mil pessoas foram
treinadas pelo Fundação de Turismo do Suriname e refletiram o crescente
potencial desse campo. O apoio financeiro dos Estados Unidos, da Agência
Canadense de Desenvolvimento Internacional, da Organização dos Estados
Americanos e da Unesco foi instrumental em projetos que têm sido e ainda
estão sendo implementados. Estimativas preliminares para o desenvolvimento
do setor indicam a criação de 6.000 a 7.500 empregos diretos e o mesmo número
de empregos indiretos. Os indicadores de turismo de 2003, relativos ao ano de
2000, mostram aumento significativo no número de operadores (100%), de
agências de viagens (44%) e de hotéis turísticos (70%). Em abril de 2005, as
chegadas de turistas do exterior aumentaram em quase 14%, comparadas com
as de abril de 2004.
Administração monetária e fiscal
As medidas de política monetária adotadas no período 2000–2005
consistiram na substituição dos tetos impostos ao crédito e na introdução de
um sistema de reserva, a remoção dos valores máximos para a taxa cambial,
depois da estabilidade e convergência das taxas dos mercados oficial e paralelo,
e o ajuste da taxa de câmbio oficial, em resposta às forças do mercado. É
importante salientar que a adoção pelo Parlamento, em maio de 2005, das
modificações da Lei do Banco Central fortaleceu a autoridade do presidente
daquela instituição.
A partir das proporções iniciais de 35% para a moeda local e de 17,5%
para a moeda estrangeira, o Banco Central criou uma facilidade hipotecária com
André E. Telting
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
161
baixos juros, baseada na reserva obrigatória, para promover o setor imobiliário
privado. Em julho e outubro de 2004, o Banco reduziu de 32,5% para 30% a
exigência de reserva sobre moeda nacional. Em novembro de 2004, a reserva
obrigatória sobre moeda estrangeira foi ampliada para 22,5%. O aumento da
proporção de reserva sobre moeda estrangeira para 33 1/3% , em fevereiro de
2005, minimiza a discrepância entre as duas proporções de reserva; espera-se
que desestimule a preferência pelos empréstimos em moeda estrangeira e favoreça
os empréstimos em moeda nacional.
Em dezembro de 2004, a taxa de câmbio oficial foi aumentada
ligeiramente, de SRD$2,77 para SRD$2,75 por dólar americano. Em maio de
2005, pressões no mercado de câmbio levaram o Banco a ajustar a taxa oficial
para SRD$2,78 por dólar americano.
A situação monetária
O período 1999–2000 testemunhou forte aumento do suprimento de
moeda, devido principalmente à monetização dos déficits fiscais. No ano 2000, o
suprimento de moeda quase dobrou, devido ao recurso ao Banco Central por
parte do governo. Medidas tomadas pelo governo anterior (2000-2005)
resultaram em forte declínio nas taxas de aumento da oferta de moeda, que
caíram para 3,9% em 2003. O aumento havido em 2002 foi o resultado da
elevação dos salários concedida aos servidores públicos, em média de 60%. O
controle estrito dos gastos governamentais contribuiu para reduzir para 3,9% o
aumento do suprimento de moeda em 2003. Em 2003 e 2004, não houve
praticamente nenhuma pressão pelo aumento de salários, devido à política salarial
de consenso adotada pelos sindicatos, pelo governo e pelo setor empresarial.
Em 2004, o aumento do meio circulante foi de 28,2%, o que se deveu, em parte,
às exportações e ao crédito aberto ao governo pelos bancos comerciais.
Desafios à política monetária
A situação monetária do país representa forte desafio, que precisa ser
enfrentado mediante persistente política monetária restritiva, baseada em metas
de inflação reduzida, gerenciamento prudente da liquidez e dos riscos de
solvência no sistema bancário com dolarização relativamente alta e redução dos
empréstimos ao governo, por meio da aplicação do teto de 10% das receitas
orçamentadas para o ano fiscal.
Suriname, uma visão macroeconômica: desafios e perspectivas
162 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
162
A institucionalização da política e da disciplina fiscais
Juntamente com uma posição estrita na política monetária, tem havido uma
forte adesão à disciplina fiscal. A Lei do Endividamento Público, de março de
2002, impõe ao governo um limite de 15% do PNB para a dívida interna, e de
45% do PNB para a dívida externa. Determina a pena máxima de dez anos de
prisão e a multa de até SRD$2 milhões ao Ministro da Fazenda que exceder esses
tetos sem a necessária aprovação parlamentar. A mesma Lei confia a administração
da dívida pública a uma nova instituição, o Bureau voor de Staatschuld (BSS) – Agência
da Dívida Estatal. O BSS começou a funcionar em novembro de 2003, tendo sido
instalado com assistência técnica do Banco Interamericano de Desenvolvimento e
a cooperação do Reino Unido. Em 2003, depois de certos ajustes, a Agência
precisou focalizar medidas para fortalecer fluxos monetários e controlar gastos.
Em 2004, o governo intensificou seus esforços de coleta de tributos, e ao mesmo
tempo passou a controlar mais severamente a despesa pública. A preocupação
com um novo aumento dos salários dos servidores públicos desapareceu quando
o governo e o sindicato mais importante, o CLO, concordaram em um aumento
de 5% em março de 2004, seguido por outro, do mesmo montante, em setembro,
o que firmou um padrão para as negociações salariais em outros setores. Embora
o orçamento de 2005 mostre um déficit global da ordem de 7,9% do PNB, a
execução orçamentária do governo, na primeira metade de 2005, indica que esse
déficit provavelmente não se materializará. Devido a uma política fiscal estrita,
naquele semestre, receitas e despesas mantiveram-se em equilíbrio, com déficit fiscal
de apenas –0,02% do PNB. O orçamento de 2006, submetido à aprovação da
Assembléia Nacional, indica um déficit global de 9,3% do PNB. Com base no
desempenho do governo nos últimos anos e no seu compromisso com a
manutenção de uma política fiscal rigorosa, pode-se presumir que o déficit não será
grande, como fora previsto, mas substancialmente menor.
Desempenho fiscal
Em 1999 e 2000, observou-se uma discrepância importante entre a receita
e a despesa do governo, que teve como resultado grandes déficit fiscais. Contudo,
certas medidas tomadas no fim de 2000 ampliaram a receita pública – como o
aumento de 3% no imposto sobre vendas, a introdução de um tributo sobre
loterias e cassinos, assim como a elevação dos direitos de importação, devido à
elevação da taxa de câmbio oficial. Por outro lado, o controle estrito das despesas
André E. Telting
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
163
resultou na diminuição significativa do déficit fiscal, que passou de –12,8% do PNB
em 2000 para –0,4% em 2001. Em 2002, esse déficit aumentou para –4,4%, devido,
sobretudo, ao aumento de 60% dos salários dos servidores públicos, que não
tinham acompanhado a elevação dos salários no setor privado. Além disso, a
estrutura salarial do Serviço Público sofria de grandes disparidades, abordadas
por meio desse aumento. Em 2003, o equilíbrio das contas públicas deslocou-se,
apresentou um superávit de 0,7% do PNB e refletiu o resultado das medidas tomadas
para aumentar a receita e controlar as despesas. Medidas que incluíram, entre outras,
o aumento temporário (por um ano) de 10% nos níveis mais altos do imposto de
renda das pessoas e das empresas; a elevação de 5% para 10% da taxa sobre
loterias, e de 15% a 25% na taxa sobre vendas, o não-aumento dos salários dos
servidores e um controle estrito de todas as categorias de despesas. Em 2004, o
governo conseguiu manter o déficit fiscal abaixo do nível de 1% do PNB, apesar
do aumento dos gastos de capital e da abolição da taxa extra temporária de 10%
no imposto de renda. Por outro lado, o governo concedeu aos servidores públicos
um aumento salarial em etapas, que não provocou pressões inflacionárias.
Tendências da receita e da despesa públicas
Na primeira metade de 2005, o governo quase conseguiu manter em
equilíbrio a execução do orçamento, a despeito do aumento das despesas
decorrentes da eleição.
O Setor Público e a reforma institucional
O principal objetivo da reforma do setor público é melhorar a organização
e a eficiência do governo, de forma que aumente sua efetividade; seus
componentes principais são a reorganização do serviço público, a racionalização
das empresas governamentais, o fortalecimento institucional da estrutura de
planejamento e monitoração, a descentralização e o desenvolvimento do setor
privado. Nesse sentido, foram tomadas muitas providências, tais como a instalação
de uma comissão de orientação, em fevereiro de 2003, formada por nove
ministros; a formação de um comitê técnico, também em fevereiro de 2003; um
acordo do Suriname com o Pnud das Nações Unidas para desenvolver um plano
estratégico, em fevereiro de 2003; uma doação do BID para projeto destinado
ao desenvolvimento de estratégia de longo prazo para a modernização do
Suriname, uma visão macroeconômica: desafios e perspectivas
164 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
164
Estado, que deve durar de junho de 2004 a dezembro de 2005; o Pnud e o BID
sincronizaram seus projetos para evitar superposição; o financiamento do
Programa de Fortalecimento do Setor Público, da ordem de US$5 milhões,
obtido em agosto de 2004, por meio de acordo de empréstimo entre o Suriname
e o BID; encontra-se em fase final a privatização de três importantes empresas
governamentais – a SRO, produtora de arroz, a Sbbs, que produz banana, e a
madeireira Bruynzeel; a reestruturação de quatro bancos de propriedade do Estado,
para a qual vários estudos foram realizados, mediante o apoio do BID, com
recomendações apresentadas ao governo; um projeto piloto sobre
descentralização já está sendo implementado, com assistência do BID.
Reforma institucional
Novos textos legais implicarão emendas à Lei de Investimento, uma nova
Lei Cambial, uma nova Lei da Supervisão das Instituições Financeiras e uma Lei
sobre Empresas de Seguro.
Desafios à política fiscal
Manter a disciplina e a responsabilidade fiscais, bem como conter as
demandas de aumento salarial, tem a maior importância para sustentar a
estabilidade de preços e da taxa cambial. Assim, é necessário melhorar os
esforços de cobrança de tributos para ampliar a base de receita do governo.
A dívida governamental
Em 2001, o Suriname manteve seu nível de endividamento governamental
dentro dos critérios de Maastricht, de 60% do PNB. Dados preliminares do
Bureau voor de Staatsschuld (Agência da Dívida Estatal) mostram declínio
significativo da relação entre a dívida pública externa e o PNB. Em 2002, essa
relação se mantinha, de forma significativa, abaixo do teto de 45%.
O endividamento externo do governo, por credor
O grosso da dívida externa governamental tem como credores agências
multilaterais e países amigos, em condições favoráveis. Os principais credores
André E. Telting
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
165
são agências multilaterais, como o BID, o Banco Islâmico de Desenvolvimento
e um grupo de países que inclui os Estados Unidos, o Brasil, os Países Baixos, o
Japão, a China e a Índia.
O setor financeiro
O governo assumiu o compromisso de modernizar o setor financeiro.
Novos textos legais devem ampliar, de forma significativa, o poder de supervisão
do Banco Central. Para a reforma do sistema bancário, algumas medidas devem
ser adotadas, tais como a atualização do ambiente regulatório, de acordo com
os Princípios Básicos para a Supervisão Bancária Efetiva (já concluída); a
reestruturação dos quatro bancos de propriedade do governo, com assistência
do BID, seguindo-se estudos sobre: a avaliação financeira dos bancos
governamentais (já concluída), a melhoria do acesso a serviços financeiros (já
concluída), a identificação e a avaliação das opções de reforma (já concluídas).
O aspecto mais importante desse processo de modernização será uma nova Lei
de Supervisão Bancária: a lei correspondente que se encontra em vigor será
substituída por três textos legais que estão sendo preparados: a Lei sobre
Instituições Financeiras, para a supervisão dos bancos e associações de crédito;
a Lei sobre Empresas de Seguro, para a supervisão das empresas de seguro; e a
Lei sobre Fundos de Pensão e Previdência (já concluída).
Contas externas
Balança de pagamentos à vista
A volatilidade da balança de pagamentos reflete, em grande parte, a
dependência em que se encontra o país das condições do mercado internacional
para os seus produtos de exportação e o influxo de capital.
Balança de pagamentos
Houve melhorias no sistema de informação e na cobertura das transações
entre residentes e não-residentes. Embora as exportações de produtos básicos
(alumina, ouro, petróleo e produtos agrícolas) se beneficiem com os preços
atualmente favoráveis nos mercados internacionais, desde 2001 a balança de
Suriname, uma visão macroeconômica: desafios e perspectivas
166 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
166
pagamentos apresenta um déficit persistente. Isso reflete transferências reais
devido a despesas com transporte, viagens, pagamento de dividendos das
companhias que exploram a bauxita e de juros da dívida externa governamental.
Em 2001, esse déficit era compensado por influxos líquidos de capital e financeiros
e dava como resultado um equilíbrio positivo, com a exceção do ano de 2002,
quando o déficit corrente aumentou em quase 56%, e o influxo líqüido de capital
público e privado foi negativo. O grande superávit havido em 2001 foi causado
principalmente pelo desembolso de US$123,8 milhões do empréstimo do NIO.
A ampliação da balança de pagamentos, em 2004, resultou, sobretudo, de quedas
no déficit das contas-corrente (7%), assim como nas saídas da conta de capitais
(43%).
A liberalização do comércio internacional
Desde o princípio da década de 1990, tem havido um processo de
liberalização gradual, para remover impedimentos ao comércio, estimular as
exportações, canalizar as transações cambiais para o sistema oficial, aumentar a
eficiência e reduzir os custos na economia nacional. A primeira fase compreendia
o abandono de uma taxa cambial fixa e a permissão aos residentes de possuir
moeda estrangeira e nela efetuar depósitos em bancos locais e estrangeiros. Fases
subseqüentes prevêem o abandono da exigência de licença para a importação
ou a exportação de serviços, para a importação ou a exportação da maior parte
dos produtos, ou do rendimento resultante da exportação de bens e serviços. A
fase seguinte envolve o abandono da exigência de licença para transações
internacionais de capital, em decorrência da participação do Suriname no
Mercado Único e Economia do Caribe. Um resultado da liberalização que se
encontra em marcha, estimulada pelas instituições multilaterais, e da estabilidade
macroeconômica reconquistada foi a maior eficiência nas transações do comércio
internacional e do mercado de câmbio, da repatriação do capital e do aumento
dos depósitos em moeda estrangeira nos bancos locais, assim como dos
investimentos nos setores agrícola e mineral, entre outros. Assim, os
importadores e exportadores não precisam mais enfrentar procedimentos
complicados de licenciamento. Os exportadores têm plena liberdade de decidir
quando vender as cambiais e podem, dessa maneira, influir de modo mais efetivo
na formação da taxa de câmbio. O financiamento das importações com recursos
do próprio importador reduz a pressão sobre o sistema bancário para financiar
André E. Telting
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
167
gastos em moeda estrangeira com importações. As reservas nessas moedas, por
parte de residentes, aumentaram substancialmente ao longo dos anos.
O aumento das reservas de cambiais levou o Banco Central a impor
exigências nesse campo e a ajustar regularmente a proporção dessas reservas
para orientar o processo e minimizar os riscos envolvidos.
Perspectivas de crescimento
No setor da mineração
A indústria da bauxita e da alumina estão prontas para uma nova fase de
expansão. Importantes investimentos pela Suralco e a BHP Billiton no Suriname
Ocidental, no valor de US$2,5 bilhões, envolvem uma nova refinaria de alumínio,
com a capacidade de 340 kmt, e a construção de uma usina hidrelétrica com a
capacidade de 650 MW.
Perspectivas do setor do ouro
Essas perspectivas são igualmente boas. A mina de ouro Gros Rosebel, da
Cambior, começou a produzir oficialmente em abril de 2004, criando mais
empregos. Atualmente, mais de 1.100 trabalhadores estão empregados, e outros
postos de trabalho serão criados na segunda fase do projeto. Os impostos a
serem pagos pela empresa (a partir de 2007), as royalties (2% das vendas) e o
imposto de renda das pessoas aumentarão o influxo de cambiais. Além disso,
0,5% das vendas será reservado para projetos sociais. A produção deverá
aumentar em 15% no ano de 2006.
Desempenho do setor de petróleo
Com o seu plano plurianual, a Staatsolie pretende aumentar as reservas
petrolíferas recuperáveis, em terra, de 85 milhões de barris em 2004 para 2.115
milhões de barris. Por outro lado, são antecipados investimentos na exploração
marítima, com base em contratos de produção conjunta assinados com a empresa
espanhola Repsol YPF e com a Maersk, dinamarquesa. Ainda pendente, há um
terceiro contrato de produção compartilhada, com a Occidental Petroleum
Corporation, dos Estados Unidos.
Suriname, uma visão macroeconômica: desafios e perspectivas
168 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
168
A diversificação econômica a partir do setor da mineração
A receita cambial do país será claramente beneficiada com a diversificação
da atividade econômica e abrangerá os seguintes setores:
Turismo: projetos da Fundação de Turismo do Suriname que já foram ou
estão sendo implementados:
a) Plano Integrado de Desenvolvimento do Turismo. Este programa está
sendo implementado com assistência técnica da Carl Bro, uma agência
de consultores dinamarquesa, mediante financiamento pelos Estados
Unidos. Os elementos principais são a legislação e o fortalecimento
institucional, o desenvolvimento de produtos e de recursos humanos.
b) Programa de treinamento, financiado pela Agência Canadense de
Desenvolvimento Internacional (concluído).
c) Projeto de Empreendimento do Pequeno Turismo, financiado pela
Organização dos Estados Americanos (a ser concluído em dezembro
de 2005).
d) Projeto da Trilha da Juventude da Unesco, focalizado no desenvolvimento
de recursos humanos (outubro de 2004 – dezembro de 2005).
Azeite de dendê: o investimento estrangeiro direto neste setor, por uma
empresa chinesa, vai contribuir para um aumento substancial do emprego, da
receita cambial e da atividade econômica em geral na parte ocidental do país.
Tradução: Sérgio Bath.
Revisão: Regina Furquim.
DEP
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
169
esde o final da última década, iniciou-se no Uruguai uma série de debates
sobre temas específicos e conjunturais de sua inserção externa, tais como os
benefícios e os aspectos negativos da participação no Mercosul, o cumprimento
das obrigações tomadas em seu âmbito, as relações econômicas com os Estados
Unidos, a integração da América Latina e outros semelhantes. Na maioria dos
casos, estes assuntos foram e são discutidos em função de objetivos políticos
determinados, sem a necessária conexão entre si, sem uma visão estratégica e
com freqüente desconhecimento dos conceitos, informações e regras básicas
dos temas que se estão tratando.
Para alguns, o Mercosul é um fracasso e um freio às possibilidades de
desenvolvimento do Uruguai. Para outros, é o refúgio em face das
A inserção externa do
Uruguai: uma visão
política e estratégica
Sergio Abreu
*
D
* Presidente do Escritório Jurídico Abreu, Abreu & Ferres.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
170 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
170
“perversidades” da globalização, do capital transnacional e das potências que
lhe dão abrigo. A integração regional é vista como uma história de frustrações
ou como a fonte da solidariedade que resolverá boa parte de nossos problemas.
Tais diferenças dificultam as possibilidades de definir políticas e estratégias
coerentes de desenvolvimento e de inserção externa.
Não obstante, o Uruguai tem muito para refletir e decidir em matéria de
inserção econômica externa. Durante 174 anos de independência política, o
Uruguai precisou definir – explícita ou implicitamente – seus termos de inserção
externa. Nesse longo processo, o papel original de nosso país entre as potências
regionais e mundiais – que prevaleceu durante o século XIX – deu lugar a um
modelo de país centrado no predomínio do Estado e de sua gestão da sociedade
e da economia, característico de boa parte do século passado, e termina com os
efeitos da globalização sobre uma sociedade que não chega a definir um novo
modelo de desenvolvimento e convivência.
A passagem do século XX ao XXI esteve dominada pela crise econômica
mais grave de nossa história, que está cedendo o lugar a uma acentuada
recuperação acompanhada de importantes mudanças na orientação e composição
dos fluxos externos. Esta crise política, econômica e social recordou-nos nossa
vulnerabilidade e pôs em evidência a fragilidade dos instrumentos disponíveis e
a relevância daqueles que foram aliados.
1
A recuperação posterior, as expectativas
quanto à evolução econômica internacional e as políticas dos demais sócios do
Mercosul situam-nos num cenário novo, no qual devemos analisar e definir com
visão estratégica nossas opções, ações e negociações. É imprescindível transferir
os debates do plano conjuntural ao estratégico e das preocupações momentâneas
a uma visão integrada da inserção externa, que contemple os aspectos políticos,
sociais e econômicos.
1. Aspectos político-estratégicos
A inserção externa compreende todos os aspectos da vinculação do país
com o âmbito exterior, tanto mundial como regional. Ela inclui a política externa,
1
Em especial, no Mercosul, os mecanismos de consulta e coordenação da gestão macroeconômica e a
harmonização de incentivos ao investimento, produção e exportação.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
171
as relações econômicas e todos os aspectos da interação entre a sociedade
nacional e o ambiente externo. Ainda que nos concentremos nos aspectos
econômicos da inserção externa, não devemos perder de vista o fato de que as
relações econômicas são parte e fator determinante da política externa.
O enfoque político e estratégico da inserção econômica externa pressupõe
que a considere como instrumento e condição da estratégia de desenvolvimento
nacional. Instrumento, porque deve ser funcional à estratégia de desenvolvimento.
Condição, porque as opções de inserção externa estão limitadas pelas características
estruturais da produção e do mercado doméstico, da dotação de fatores e da
geografia, e ainda pelas características do mercado global e o entorno regional. As
estratégias de desenvolvimento e de inserção externa são como dois lados de uma
moeda: só têm valor quanto se apresentam juntos e são coerentes entre si.
O enfoque estratégico da inserção econômica externa requer analisar os
cenários nos quais se vai executar, definir o interesse nacional e certas questões
conceituais, essenciais para a tomada de decisões a respeito – tais como os efeitos
da circunvizinhança e os limites entre as ideologias e o pragmatismo.
1.1 Cenários
A inserção externa realiza-se simultaneamente em três cenários de alcance,
características e regras diferentes, porém inter-relacionados e interdependentes:
o multilateral, o regional e o bilateral.
1.1.1 Multilateral
O sistema multilateral de comércio, gerido pela OMC e seu conjunto de
compromissos e disciplinas, constitui o âmbito mais geral da inserção externa
do Uruguai. O papel, antes do Gatt e hoje da OMC, não se limita à liberalização
do comércio internacional por via das rodadas de negociação. Suas disciplinas
representam a estrutura normativa mínima universalmente aceita, pela qual se
regem as relações comerciais internacionais. Ademais, suas negociações – hoje
em andamento no contexto da Rodada Doha – determinarão o futuro do
arcabouço normativo geral do comércio mundial e incidirão diretamente sobre
algumas questões de essencial interesse do Uruguai.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
172 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
172
A OMC cumpre dois papéis básicos. Por um lado, constitui o foro para
negociar a liberalização do comércio entre seus Membros
2
, que incluem a quase
totalidade dos países e territórios aduaneiros que participam do comércio
mundial. Por outro lado, oferece um sistema de normas e obrigações que visam
a estabelecer um regime de concorrência livre, leal e sem distorções, constituído
pelo acervo histórico do Gatt 47 mais os resultados da Rodada do Uruguai,
complementados pelo mecanismo de solução de controvérsias negociado com
o objetivo de garantir o cumprimento universal dessas regras. O conjunto de
regras, concessões e compromissos representam uma espécie de limiar mínimo
comum que dá certeza, previsibilidade, transparência e confiabilidade ao
comércio internacional, valores que são sustentáculos do sistema.
Sem prejuízo de sua contribuição para um comércio mais livre e de
concorrência leal, o sistema multilateral de comércio ainda carece de muito
aperfeiçoamento.
Os progressos na liberalização multilateral do comércio e a grande abertura
que as economias dos países em desenvolvimento em geral – e os latino-
americanos
3
em particular – realizaram na década de 90 foram acompanhados
por uma tendência na política dos principais atores mundiais – particularmente
dos Estados Unidos – para solucionar unilateralmente
4
as questões comerciais
mediante três tipos de ações:
• Busca de concessões comerciais unilaterais por parte de outros países.
• Recurso abusivo a novas formas de protecionismo, como restrições
voluntárias, uso da lei doméstica em investigações sobre subsídios ou
dumping, ou acordos de organização de mercado. Estas novas
modalidades de protecionismo refletem a resistência em submeter-se
aos mesmos parâmetros que o resto do sistema, isto é, às normas da
OMC, para identificar violações de direitos.
2
Hoje são 147 Membros.
3
Nos meados da década de 80, a média das alíquotas aplicadas pela região à base da NMF era de 50%,
aproximadamente. Ao final da Rodada Uruguai, fora reduzida a 15%. O fluxo de comércio afetado por
barreiras não-tarifárias também se reduziu substancialmente e as políticas de subsídios registraram forte
processo de desmantelamento.
4
Simultaneamente à negociação multilateral da Rodada do Uruguai, os EUA recorreram amplamente à Seção
301 e a ações anti-dumping como instrumento para obter promessas de limitação de exportações.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
173
• Definição unilateral de “novas” práticas desleais, com o objetivo de
criar “novos” direitos e disciplinas comerciais mediante a ameaça de
aplicar medidas de represália.
Por outro lado, os principais problemas comerciais dos países em
desenvolvimento continuaram a existir e permanecem sem solução – como o
fim das restrições e a eliminação dos subsídios ao comércio agrícola – enquanto
que em áreas de regulação, como propriedade intelectual, proteção do meio
ambiente, tratamento dos investimentos ou compras governamentais, as
discussões em muitos casos não refletem seus interesses. A Rodada Doha tinha
por compromisso principal contemplar as necessidades dos países em
desenvolvimento, mas as perspectivas quanto a seus resultados são incertas.
1.1.2 Regional
A visão tradicional da integração econômica, desenvolvida na década de
50 e orientada pela análise da integração européia, baseou-se em dois conceitos.
Por um lado, o de second best ante a impossibilidade de todos os países
liberalizarem simultaneamente seu comércio. Por outro lado, a possibilidade de
gerar estímulos fortes para a criação e desvio de comércio entre os países que se
integravam, a partir de elevados níveis de proteção frente a terceiros países.
A constituição da Alalc em 1960 – com a finalidade de estabelecer uma
zona de livre comércio, nos termos do art. XXIV do Gatt – respondeu a uma
estratégia que combinava a preservação do comércio entre os países da região,
ameaçado por mudanças instrumentais, com a passagem da substituição de
importações para o âmbito regional, como meio de superar a pequenez dos
mercados nacionais. A participação do Uruguai na Alalc contribuiu para apoiar
um modelo de industrialização sustentado na proteção frente à concorrência
externa e direcionado a produtos finais das indústrias leves e médias. O fracasso
na formação da zona de livre comércio prevista no Tratado de 1960 deveu-se a
vários fatores, mas o principal foi a impossibilidade de liberalizar – num esquema
multilateral – parte substancial do comércio recíproco – dada a estrutura da
associação –, as expectativas quanto aos esperados efeitos da liberalização sobre
as produções nacionais e a distribuição de custos e benefícios do processo de
integração.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
174 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
174
A constituição da Aladi em 1980 serviu de cobertura à proliferação de acordos
bi e plurilaterais, num quadro de mecanismos regionais mais frouxos de preferências
e regulamentação do comércio
5
. O Uruguai celebrou com os demais países da região
acordos deste tipo, que, com diversas modificações, estão em vigência até hoje
6
.
Se bem que a sub-regionalização da integração se fez presente praticamente
desde o início do processo, com a formação do Grupo Andino, ela se acentua e
constitui a direção principal a partir das negociações que levaram à formação do
Mercosul e à participação do México no Nafta com o Canadá e os Estados Unidos.
Nas condições atuais – de multilateralização de tarifas aduaneiras baixas e de
superposição de preferências pelo efeito combinado da participação de quase todos
os países em mais de um esquema de associação preferencial ou de livre comércio,
com um ou mais grupos de países – o efeito direto das preferências aduaneiras é
limitado e a maior ênfase recai sobre a institucionalização das condições de acesso ao
mercado, de modo a assegurar regras do jogo estáveis para os operadores econômicos,
e sobre a exploração das possibilidades oferecidas pela vizinhança. O Mercosul é claro
exemplo da sinergia produzida quando se eliminam as barreiras comerciais entre países
que, além de vizinhos, possuem intenso relacionamento histórico.
Os programas de liberalização dos acordos celebrados na quadro da Aladi
contribuíram para melhorar as condições de acesso recíproco aos mercados e
resultaram em que uma parte substancial do comércio intra-regional já é livre de
gravames ou o será no curto prazo. Recentemente, os países que integram o
Mercosul e os que formam a Comunidade Andina iniciaram um processo de
convergência entre os dois blocos sub-regionais.
As negociações para a formação de uma área de livre comércio hemisférica – a
Alca – estancaram após um longo processo de discussões preliminares. Como resposta,
os Estados Unidos negociaram um acordo com o Chile, assinaram um tratado de livre
comércio com os países centro-americanos e a República Dominicana, concluíram
negociações com o Peru e estão próximos a concluí-las com Colômbia e Equador.
Em parte como resposta a Alca, os países da América do Sul formaram a
Comunidade Sul-Americana de Nações, a qual, entre outros objetivos, tem como
meta a formação de uma zona de livre comércio sul-americana.
5
Preferência aduaneira regional, normas de origem e cláusulas de salvaguarda.
6
Uma década depois, os Acordos de Alcance Parcial da Aladi seriam utilizados para formalizar os mecanismos
de integração sub-regional, como o Mercosul.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
175
Após quarenta e cinco anos
7
, a integração latino-americana é um processo
no qual concorrem múltiplas instituições, com cobertura geográfica diversa e
diferentes objetivos. Sem desconhecer os resultados alcançados em diversos
aspectos das relações intra-regionais, nenhum dos principais movimentos de
integração foi capaz de alcançar seus objetivos originais
8
. Estas frustrações têm
sua origem no voluntarismo, no momento de estabelecer objetivos e programas,
e se acentuam com a tendência a comparar a integração latino-americana com a
integração européia
9
. O pluralismo institucional, a diversidade de enfoques e as
mudanças de rota que caracterizaram e caracterizam o processo de integração
na América Latina refletiram e refletem o caminho possível.
A experiência oferece-nos algumas lições. Primeiramente, os programas
de integração muito dilatados ou resultam irrelevantes ou, na maioria dos casos,
não puderam sustentar-se
10
. Em segundo lugar, os compromissos “pesados” a
respeito de harmonização ou coordenação de instrumentos e políticas
mostraram-se de cumprimento muito difícil. Os programas de aperfeiçoamento
das uniões aduaneiras da CAN e do Mercosul são casos típicos, mas não os
únicos
11
. Em terceiro lugar, os progressos e recuos no âmbito regional estão
estreitamente vinculados à situação das negociações, de acordos multilaterais e
às tendências da economia internacional
12
.
7
Tomamos como ponto de partida o Tratado de Montevidéu de 1960 e o primeiro tratado de integração
econômica da América Central.
8
Este processo, fragmentado e disperso, é representativo da realidade e diversidade dos países da região, da
pluralidade de estratégias de desenvolvimento e das mudanças que se produziram na região e no contexto
internacional em que os países da região se devem inserir.
9
A situação e os progressos da integração latino-americana não são comparáveis ao processo que levou à
formação da União Européia. A integração européia não pode ser explicada sem a Segunda Guerra Mundial,
sem o Plano Marshall e sem o valor estratégico da Europa para os Estados Unidos no período inicial da Guerra
“Fria”. A própria teoria das uniões aduaneiras desenvolveu-se inicialmente para analisar, avaliar e fundamentar
a formação do mercado comum na Europa. Os incentivos históricos, políticos e econômicos que sustentaram
a formação da União Européia não encontram paralelo na América Latina.
10
A formação da zona de livre comércio da Alalc, as sucessivas mutações do Grupo Andino e os cronogramas
de decisões do Mercosul são casos ilustrativos.
11
A partir de 1964 e 1965 a Alalc engajou-se num ambicioso programa de coordenação e harmonização de
instrumentos, aplicado também pelo Grupo Andino, e em algumas matérias continuado pela Aladi. Não
obstante, ao chegar à etapa de decisões que pressupunham compromissos de modificação de normas pelos
países-membros, a maioria dos projetos estancou ou então as decisões adotadas pelos órgãos regionais não
foram aplicadas na prática.
12
As obrigações assumidas pelos países da região no Gatt, no Conselho de Cooperação Aduaneira e depois na
OMC e na OMA pressionaram no sentido de adotarem medidas de harmonização e modernização dos
instrumentos de comércio exterior na região. Os progressos e paralisações nas negociações multilaterais
incidiram e incidem nas negociações sobre comércio, quer dentro da região, quer com terceiros países.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
176 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
176
Se deixarmos de lado a retórica, ser-nos-ia muito difícil encontrar genuínos
exemplos de solidariedade entre os países da região, em que um deles haja posto
de lado interesses nacionais a fim de atender as necessidades de outros ou dos
processos de que participam. Na verdade, as iniciativas que estão ativas hoje
respondem a movimentos de alguns países, com propósitos políticos muito
específicos
13
.
1.1.3 Bilateral
O sistema multilateral deixa espaço suficiente para a negociação bilateral e
plurilateral. Na região, Chile e México celebraram acordos de livre comércio
com os Estados Unidos, a União Européia e outros países de fora da região. O
Mercosul e a CAN estão procurando trilhar esse mesmo caminho, com mais
dificuldades, em parte por se tratar de uma negociação conjunta que implica a
necessidade de definir dentro dos blocos objetivos e aspectos instrumentais, e
em outra parte devido ao conteúdo e a situações atuais das relações comerciais
e econômicas.
A negociação conjunta pelos blocos de integração expressa o papel destes
como plataforma de articulação com a economia global e como o instrumento
que permite aos países envolvidos complementarem e fortalecerem a inserção
em todos os âmbitos.
Por outro lado, no tocante aos vínculos com os países vizinhos devemos
estar cientes de que o Mercosul não cobre todos os aspectos das relações de
vizinhança. Sempre haverá uma margem de vinculação e negociação bilateral,
mais ou menos ampla, no caso de Argentina e Brasil, à margem do Mercosul, o
que pode ser utilizado tanto dentro quanto fora do Mercosul. A relação
multilateral entre os quatro países concretiza-se em (e em parte respalda)
articulações bilaterais que apenas são possíveis entre dois países.
13
A Comunidade Sul-Americana responde ao reconhecimento da liderança do Brasil no continente, a qual se
choca com a presença do México no plano latino-americano. A aproximação da Venezuela ao Mercosul e os
atos de generosidade com alguns de seus países respondem à necessidade de evitar o isolamento na confrontação
com os Estados Unidos. Dentro do próprio Mercosul, a criação do Focem (Fundo para a Convergência
Estrutural do Mercosul) destina-se a neutralizar as reclamações dos países menores quanto ao tratamento das
assimetrias.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
177
1.2 Aspectos conceituais
Sob este título analisam-se três temas que estão na base da formulação da
estratégia de inserção externa: a vizinhança e a vulnerabilidade da economia
uruguaia; a incidência das ideologias e a identificação do interesse nacional.
1.2.1 Vizinhança, assimetria e vulnerabilidade
No caso do Uruguai, os laços geográficos, históricos, culturais e
econômicos com a Argentina e o Brasil tiveram e ainda têm um forte impacto
em sua evolução social, econômica e política. A proximidade foi e é uma fonte
de oportunidades e também de riscos. Os vai-e-vem macroeconômicos e os
ciclos expansivos e recessivos dos mercados vizinhos refletiram intensamente
na produção e no mercado uruguaios, o turismo também incluído. Os impactos
da recessão do período 1998-2002 e do colapso do sistema financeiro argentino
ao final de 2001 provocaram a maior crise econômica da história do Uruguai.
As mudanças abruptas na gestão macroeconômica e as estratégias setoriais
dos países vizinhos constituem o principal problema para o Uruguai. Essas
mudanças, além de gerar turbulências nas transações de bens e serviços, são um
elemento negativo para o investimento orientado para o mercado sub-regional,
pois mesmo com acesso livre ao mesmo as possibilidades de exportação podem
ficar sujeitas a variações consideráveis.
A relação de vizinhança do Uruguai é fortemente assimétrica. Não se trata
apenas da dimensão dos países vizinhos, mas da grande diferença dos efeitos de
eventos ou medidas econômicas numa ou noutra direção. Enquanto o que
acontece no Uruguai não tem a possibilidade de afetar significativamente as
economias da Argentina e do Brasil, o que acontece nestas tem, normalmente,
efeitos rápidos e consideráveis na economia uruguaia. No comércio de bens, as
exportações uruguaias para o Mercosul oscilaram em torno de 50% das
exportações totais – 47% em 1995, 48% em 1996, 50% em 1997 e 55% em
1998 – com uma composição muito diferente da composição das exportações
para o resto do mundo
14
. Entre 1999 e 2002, as exportações para o Mercosul
14
Há produtos uruguaios que só são exportados para os países vizinhos. Quando suas exportações se contraem,
é muito difícil encontrar mercados alternativos.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
178 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
178
experimentaram uma redução substancial em termos absolutos e relativos,
enquanto que a recuperação posterior em 2004 e 2005 as situa em 26% e 24%.
No mesmo período, as importações vindas dos países do Mercosul tiveram
uma redução muito menor e hoje têm uma participação nas importações totais
semelhante à de 1995 (46%). Em outros aspectos da economia, como turismo,
sistema financeiro e mercado imobiliário, a situação econômica argentina e a
relação de preços entre os dois países têm efeitos determinantes.
Ademais, há projetos prioritários para nosso país que dependem da
participação ativa dos países vizinhos. A promoção do Uruguai como plataforma
logística para o transporte e o comércio do Cone Sul é, provavelmente, o caso
mais notório, mas não o único.
Para o Uruguai, o Mercosul significou a possibilidade de canalizar as
relações de vizinhança num quadro político e operacional mais estável, predizível
e administrável. Ainda que não fosse uma solução total para a vulnerabilidade
da economia uruguaia, pelo menos condicionaria as condutas dos governos e
permitiria melhor previsão e controle dos efeitos de acontecimentos econômicos.
No entanto, o Mercosul não poderá desempenhar este papel enquanto não se
realize uma verdadeira harmonização da gestão macroeconômica, se respeitem
estritamente compromissos de acesso ao mercado, se aprofunde a harmonização
dos diversos elementos que regulam ou incidem no funcionamento dos mercados
e se chegue a um acordo sobre regras em matéria de investimento.
O grande desafio é como regulamentar uma relação fortemente assimétrica,
com vizinhos instáveis
15
, de forma a captar os benefícios e administrar os riscos. O
primeiro passo nessa direção é ter clara noção do que podemos esperar dos vizinhos
e do que esperar do resto dos mercados, e projetar uma estratégia de inserção externa
que não relegue a estes últimos um papel residual em relação ao Mercosul.
1.2.2 A questão ideológica
As ideologias têm normalmente um papel nas decisões e percepções sobre
o bom e o mau, o que deve ou não ser feito. De fato, a negação das ideologias e
a exaltação do pragmatismo são também uma expressão ideológica.
15
A instabilidade e seus efeitos sobre a economia uruguaia sobejam, no caso da Argentina. O comportamento
da economia brasileira e seus períodos de expansão e recessão tiveram efeitos menos traumáticos, ainda que
também tenham tido significativa influência na economia uruguaia.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
179
O plano estratégico e as decisões concretas relativas à inserção externa
devem basear-se num equilíbrio entre a promoção e defesa dos interesses
nacionais e os princípios e valores prevalecentes na sociedade; nem tudo que
pode ser útil a esses interesses é aceitável para a sociedade, e nem tudo desejável
em função de princípios e valores é compatível com os interesses nacionais.
O enfoque integral da inserção externa, pela abordagem conjunta dos
aspectos políticos, sociais e econômicos, é o meio para compatibilizar interesses
nacionais e ideologias políticas. Neste sentido, devem-se destacar dois aspectos.
Em primeiro lugar, como foi manifestado pelo Presidente Vázquez, o
Uruguai só tem países amigos. Esta é uma definição importante, já que significa
impor limites à ingerência das apreciações ou preferências políticas nas questões
de estado, assumir as conseqüências do fim da Guerra Fria e as mudanças nos
termos de conflitos globais.
Em segundo lugar, pode-se observar nas discussões recentes, como opções
excludentes, a visão da integração econômica regional e a intensificação das
relações econômicas fora da região, em especial no caso das grandes potências
econômicas. Tal dicotomia responde, em parte, à rejeição do capitalismo global
por alguns setores e, também em parte, à concepção da integração regional
como instrumento de solidariedade e de defesa em face de ameaças e iniqüidades
da ação das potências econômicas mundiais. É lamentável que este pensamento
não assimile o efeito do processo de abertura das economias da região sobre o
papel e os mecanismos de integração regional. Nos aspectos econômicos e
comerciais, a integração deixou de ser uma opção de desenvolvimento baseado
num mercado ampliado e protegido, e passou a constituir-se numa plataforma
para a modernização das economias e fortalecimento da competitividade, a fim
de melhorar as possibilidades de inserção na economia global
16
. Na América
Latina, o conceito moderno de “regionalismo aberto” deslocou, na teoria e na
prática, o enfoque da integração como instrumento de substituição de
importações, próprio de um cenário predominantemente protecionista.
Não podemos continuar a olhar os acontecimentos do século XXI sob
uma ótica de meados do século passado. É preciso atualizar os enfoques políticos,
16
No caso do Mercosul, apesar das dificuldades nas negociações conjuntas com a União Européia e os Estados
Unidos, o relacionamento com terceiros países constituiu-se numa das principais áreas do processo de integração.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
180 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
180
tanto no plano nacional como na visão internacional. Em prol do
desenvolvimento nacional devemos substituir os conceitos de “bons” e “maus”
pelos de “sócios” e “competidores”. O crescimento sustentado da oferta de
postos de trabalho, da renda e dos recursos para a aplicação das políticas sociais
é a medida da nova soberania.
Para o Uruguai, a integração, quer no âmbito regional como no sub-
regional, deve continuar sendo uma aspiração e um instrumento de sua inserção
externa. Devemos, porém avaliar – de forma realista e precisa, e do ponto de
vista de nossos interesses nacionais prioritários – o que podemos esperar dos
países da região e das diversas organizações que os agrupam. O papel que damos
à integração regional dentro da estratégia de inserção externa deve ser resultado
de uma análise de suas possibilidades de contribuir para os interesses nacionais,
e não de uma postura ideológica.
1.2.3 O interesse nacional
Tanto a estratégia de desenvolvimento, como a de inserção externa, devem
estar apoiadas sobre uma clara definição e interpretação dos interesses nacionais.
Destes devem surgir os objetivos estratégicos e as prioridades, mas sem deixar
de lado as diretrizes básicas da política exterior: princípios e realismo.
Hoje esses interesses têm uma expressão muito clara: em condições
sustentáveis, aumentar as oportunidades de emprego e a renda distribuída,
diminuir a pobreza e reverter à desintegração social. Estas são as maiores
urgências, que devem ser contempladas pelas estratégias de desenvolvimento e
inserção externa. A pobreza e a exclusão social são as principais limitações da
liberdade e da soberania, além de um fator de vulnerabilidade que se sobrepõe
aos da vizinhança e da estrutura da economia. Só há liberdade quando os
membros de uma sociedade podem satisfazer suas necessidades básicas e contam
com igualdade de oportunidades, e só são realmente soberanas as nações que
podem assegurar o bem-estar de seus súditos
17
.
O crescimento da economia e dos investimentos é a verdadeira fonte de
trabalho, renda e dos recursos para financiar os programas sociais. Os fatores que
17
O termo “bem-estar” é empregado no sentido de disponibilidade distribuída de bens e serviços para a
sociedade, o que não significa necessariamente riqueza ou comodidade.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
181
contribuem para a sustentabilidade são: a atualização da estrutura produtiva, a
contínua melhoria da produtividade e competitividade, e a qualidade do fator
humano.
Este enfoque ressalta a importância da inserção externa e das políticas
públicas relacionadas com a distribuição, o emprego, a educação e a promoção
da produtividade e da competitividade.
Uma gestão macroeconômica que assegure estabilidade e equilíbrio é
condição necessária, mas pode não ser suficiente. Ela deve estar acompanhada
por uma política de incentivos que oriente o crescimento para atividades que
contribuam para a transformação da estrutura produtiva, a geração de empregos
e a distribuição de renda, buscando equilíbrio entre os benefícios e custos para
a sociedade; também deve estar acompanhada por uma estratégia de negociação
externa que melhore as condições de acesso aos mercados para a produção
nacional, a captação de investimentos e o acesso à tecnologia e ao financiamento
do desenvolvimento.
A médio e longo prazo, as áreas da política que devem contribuir para
reduzir a diferença de produtividade que nos separa dos países desenvolvidos,
nos setores que não dependem substancialmente de recursos naturais, são a
educação, o progresso da economia do conhecimento, o incentivo à busca de
vantagens comparativas dinâmicas, o tratamento dos entraves à competitividade
e à produtividade que dependem de transformações na organização do setor
público e na gestão pública.
Assim, a estratégia nacional de inserção externa deve ser projetada e aplicada
em função de objetivos coerentes com os interesses nacionais, colocando os
instrumentos a serviço desses objetivos
18
. Por isso, devemos formular e
responder algumas perguntas-chave: Qual é o julgamento atualizado da integração
regional (sul-americana) e que papel ela teria nas estratégias políticas e econômicas
do Uruguai? Qual é o papel da vizinhança na inserção externa e do Mercosul
como instrumento de intensificação e regulação dessas relações? Qual é o
Mercosul que nos serve e qual é aquele que é possível ter? Podemos continuar a
considerar as relações comerciais e econômicas com terceiros países como um
18
Em certos casos, os instrumentos transformam-se em objetivos. Às vezes atribui-se ao Mercosul um valor
intrínseco, independente dos interesses nacionais, como se a associação com os países vizinhos fosse mais
importante que a atenção aos problemas do trabalho, renda e pobreza.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
182 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
182
componente estrategicamente dependente da participação no Mercosul, ou é a
possibilidade de relacionamento com terceiros uma condição da participação no
Mercosul? Podemos dar-nos ao luxo de não explorar todas e cada uma das
possibilidades oferecidas pelo mercado dos Estados Unidos, pelo fato de discordarmos
de sua política externa e com alguns aspectos relevantes de sua política comercial?
Para responder a estas questões cruciais devemos ter uma idéia clara dos
requisitos que o “país produtivo” – que seria a expressão dos interesses nacionais
no plano econômico – apresenta à estratégia de inserção externa
19
.
Em nossa interpretação, o conceito de “país produtivo” refere-se a uma
economia em que a produção e a comercialização de bens e serviços é a geradora
do crescimento, do emprego e da renda. A atividade financeira é um dos serviços
que devem apoiar a produção e comercialização de bens e de outros serviços, o
Estado deve deixar de ser um ônus pesado para a atividade privada. É à luz desta
concepção, que deverão ser estabelecidas as políticas e adotadas as posições para
o desenvolvimento da inserção externa nos temas globais, regionais e nacionais.
Em primeiro lugar, o comércio e o investimento devem contribuir para
mudanças graduais na estrutura produtiva que incidam sobre a demanda de
emprego e atenuem a vulnerabilidade atual. O desenvolvimento de vantagens
comparativas dinâmicas, a diversificação do comércio, a incorporação de
tecnologia e conhecimento na produção, e comercialização são os caminhos
para alcançar este objetivo.
Em segundo lugar, a integração comercial e o mercado regional ampliado
podem contribuir para a melhoria de produtividade, competitividade e a
exploração de vantagens comparativas dinâmicas, na medida em que facilitem
uma inserção ativa e eficiente da região na economia global. A integração regional
deve melhorar as condições de participação na economia global e não constituir
um obstáculo a esses resultados.
Em terceiro lugar, a formação do mercado ampliado e a estabilidade das
condições de acesso ao mesmo são essenciais para a captação de investimentos
cujas prioridades são dimensão e segurança do mercado.
19
Referimo-nos aos vínculos entre os conteúdos da inserção externa (comércio, serviços, investimentos,
financiamento), os âmbitos em que se instrumentalizam (multilateral, regional, bilateral) e os objetivos de
crescimento, oportunidades de trabalho, renda e sustentabilidade.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
183
Em quarto lugar, existem projetos estratégicos para o desenvolvimento do
Uruguai que somente se podem concretizar associados ao âmbito da vizinhança.
O desenvolvimento dos serviços logísticos ao comércio e ao transporte depende
da disponibilidade e melhoria da infra-estrutura física no Cone Sul, uma negociação
que só pode ser feita com os países do Mercosul, Bolívia e Chile. É essencial, para
o sucesso da estratégia correta de inserção externa, ter clara noção dos projetos
que são próprios da vizinhança, os quais podem ser feitos independentemente
dela e nos quais ela pode ter um efeito coadjuvante.
Finalmente, a sustentabilidade da estratégia e a administração da
vulnerabilidade também são requisitos essenciais. O voluntarismo e a imprevisão
são as maiores fontes das frustrações e crises dos países da região.
Para o Uruguai “produtivo”, o Mercosul deveria garantir:
• Uma ampliação do mercado, estável e confiável, que neutralize as
limitações atuais à atração de investimentos.
• Um cenário que facilite a especialização produtiva, a formação de cadeias
de produção de nível regional e o fortalecimento da gestão empresarial.
• Uma plataforma dinâmica para a elaboração de posições conjuntas no
cenário multilateral e para a negociação com terceiros países dentro do
conceito de regionalismo aberto.
A contribuição do ambiente exterior para a geração de emprego, renda
distribuída e para a criação e preservação de condições para o desenvolvimento
nacional sustentável – social e econômico – respeitando os valores que nossa sociedade
reconhece como fundamentais, constitui o limite, ao mesmo tempo, para a
ideologização e para o pragmatismo na definição da estratégia de inserção externa
20
.
2. A integração: projeção e conteúdo
A integração deve ser vista sempre como um fenômeno político, que só
pode prosperar na medida em que existam interesses compartilhados e
convergentes entre os países participantes e as divergências sejam assimiladas
20
A ideologização extrema pode perpetuar o subdesenvolvimento e a pobreza. O pragmatismo extremo pode
chocar-se com valores políticos e éticos que nossa sociedade considera como essenciais.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
184 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
184
como insatisfações compartilhadas. Nestes termos, ela só é sustentável enquanto
for percebida pelas sociedades como um instrumento eficaz para a satisfação de
suas necessidades e expectativas.
A formação de uniões aduaneiras ou zonas de livre comércio tem óbvias
repercussões econômicas e sociais nos países envolvidos; também implica em
transferir a uma gestão coletiva decisões sobre o manejo da regulamentação do
comércio exterior e as negociações comerciais com terceiros países. A integração
e cooperação em outros foros também pressupõem a disposição, em comum,
de recursos, decisões e gestão. Se não estiver sustentada por interesses
compatíveis e apoio social, a vontade política não passa de mero voluntarismo.
Para o Uruguai, a integração econômica regional como opção de
desenvolvimento deve levar em consideração dois elementos. Primeiramente, a
integração regional e o livre comércio dentro da região são insuficientes como resposta
às necessidades dos países
21
no que se refere à criação de empregos, distribuição de
renda e estabilidade social e institucional, e ao objetivo de reduzir a diferença de
produtividade em relação ao mundo desenvolvido. Em segundo lugar, para a América
Latina a integração deve ser um instrumento para alcançar melhores condições de
inserção na economia global. Devemos integrar-nos para concorrer e não para
proteger-nos do resto do mundo
22
. Em meados do século passado a integração
regional foi concebida como um second best, ante a impossibilidade de obter uma
liberalização do comércio internacional total. Esse foi o fundamento dos artigos
XXIV e XXV do Gatt, e um elemento central da teoria das uniões aduaneiras. Na
América Latina, a integração econômica nasceu como uma resposta às mudanças na
economia internacional e ao esgotamento, na maioria dos países, da substituição de
importações, dada a estreiteza dos mercados nacionais. Num mundo dominado
pelo protecionismo, as preferências regionais e os programas de integração
responderam por um crescimento do comércio intra-regional significativo e uma
diversificação e fortalecimento dos vínculos econômicos entre os países da região.
21
A inserção ativa e eficiente da região na economia global exige uma atuação sobre os diversos fatores
determinantes da competitividade e da formação, desenvolvimento e exploração de vantagens comparativas
dinâmicas. As transformações na estrutura produtiva dos países com incorporação da economia do conhecimento,
o desenvolvimento da oferta de bens e serviços competitivos, a melhoria da infra-estrutura física e dos
serviços básicos, a promoção do investimento e do emprego de qualidade, e o fortalecimento da gestão
empresarial devem ser parte do esforço de integração.
22
A prática do regionalismo aberto permitirá fortalecer a promoção e a defesa dos interesses regionais no
sistema multilateral, negociar de forma realmente conjunta com terceiros países e grupos de países e, de modo
geral, obter vantagens comparativas dinâmicas na região, para projetá-las na economia global.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
185
No entanto, o cenário de liberalização progressiva prevalecente a partir
de meados da década de 80 reduziu os efeitos das preferências, revelou a
necessidade de articular os esquemas regionais de integração com o sistema
multilateral e de incorporar as negociações com terceiros países como um dos
instrumentos essenciais daqueles esquemas
23
. A gênese do Mercosul corresponde
a este período.
Tanto para o Mercosul como para os demais movimentos de integração
econômica, a atualização estratégica de seu papel deve repousar sobre três pilares:
• o enfoque integral do mercado regional – incorporando o tratamento
dos temas relacionados ao desenvolvimento competitivo da produção
e comercialização de bens e serviços, bem como a obtenção de
vantagens comparativas dinâmicas
24
;
• a busca de melhores condições para a inserção da região e de seus
membros na economia global;
• o real tratamento das assimetrias entre os países que se integram
25
.
Até 1998, o Mercosul registrou um aumento muito significativo do
comércio entre seus países-membros, sustentado pela abertura dos mercados,
pelo alinhamento cambial e pelos fluxos de capital associados ao dinamismo
dos mercados internos e à privatização dos serviços básicos. Apesar disso, nesse
ambiente de expansão já se insinuaram dois problemas. De um lado, os países-
membros tiveram de adaptar e ajustar os prazos, provavelmente muitíssimo
otimistas, de programas críticos para o aperfeiçoamento da união aduaneira e
do mercado comum, mas sem modificar nem as metas, nem a visão oficial do
processo. De outro lado, se o comportamento do comércio para dentro do
23
Como conseqüência desta mudança, ganha novo impulso à formação de uniões aduaneiras que tinham sido
adiadas (MCA, Grupo Andino).
24
A cooperação recíproca - para apoiar os esforços nacionais em aspectos como a melhoria da produtividade
e da gestão empresarial, a incorporação de conhecimento na produção e comercialização, a captação de
investimentos, o financiamento, o apoio aos encadeamentos produtivos entre empresas de países distintos, o
desenvolvimento territorial e a promoção do comércio na vizinhança, a modernização tecnológica, a melhoria
da infra-estrutura física e dos serviços básicos - terá um papel relevante para o aproveitamento das oportunidades
oferecidas pelo mercado regional e também para projetar a produção regional no mercado global.
25
Os efeitos das assimetrias foram uma das principais causas dos fracassos e da paralisação dos esquemas de
integração.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
186 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
186
bloco era auspicioso, o mesmo não acontecia quanto ao comércio para fora do
bloco. As mesmas razões que alimentavam o dinamismo do mercado interno
limitavam as condições para competir no mercado internacional.
Em fins de 1998, uma recessão prolongada e de intensidade variável nos
mercados da região teve como resultado uma queda no comércio, em meio a conflitos
sociais, políticos e econômicos de severidade poucas vezes vista em nossos países.
O Mercosul é hoje um processo estancado, com múltiplas inadimplências
e divergências incipientes entre os sócios quanto a sua própria essência.
Deteriorou-se a credibilidade dos operadores econômicos e dos atores sociais,
e corre-se o risco de que se estabilize num nível inferior ao de cinco anos atrás,
muito distante das expectativas depositadas no Tratado de Assunção. As
negociações com terceiros mostram a falta de disposição de Argentina e Brasil
para abrirem seus mercados. O mais grave desse panorama é a dificuldade dos
países-membros para definir – explicitamente e sobre a base de sua real
capacidade de assumir compromissos – os objetivos e as metas do processo e
para abordar, com sentido comum e espírito associativo, as diversas situações
que estão em discussão a respeito de livre acesso aos mercados e atração de
investimentos.
As causas são muitas e transcendem a recessão que afetou a região durante
os últimos anos, porém devemos destacar três que devem ser tomadas em
consideração na busca de soluções.
Em primeiro lugar, os países-membros experimentaram, como conseqüência
da crise do período 1999/2002, profundas mudanças políticas, econômicas e sociais,
as quais tiveram repercussões estruturais. As tendências protecionistas ressurgiram,
a sensibilidade setorial aumentou e a atenção aos problemas sociais, com óticas de
curto prazo, é a grande prioridade em todos os sócios. Os fluxos comerciais
mudaram de composição e de destino
26
. Todos estes elementos refletem-se nas
políticas comerciais e nos esforços para atrair investimentos.
Em segundo lugar, as assimetrias econômicas e os desequilíbrios nos
resultados comerciais – conceitos não contemplados no Tratado de Assunção –
26
O comércio intra-Mercosul retrocedeu em termos absolutos e relativos, e as vendas de matérias-primas
agrícolas e bens agroindustriais, com diferenças entre os países, estão se fortalecendo como principal sustento
das exportações.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
187
constituíram-se em temas centrais de discussão entre os parceiros. O Mercosul
caracteriza-se por um desequilíbrio congênito e irreversível num processo de
integração em que um dos membros concentra cerca de 70% do PIB regional,
do mercado regional e dos fluxos externos do conjunto
27
. Esta característica
determina que tudo o que o Brasil faça tenha um impacto decisivo no
funcionamento do bloco e, ao mesmo tempo, confere ao Brasil uma grande
responsabilidade para orientar e sustentar a marcha do processo de integração
nos aspectos econômicos. Na verdade, em questão de assimetrias, coexistem
pelo menos três situações diferentes: as diferenças de dimensão econômica e
política (que na realidade não são de dois a dois e sim de quatro diferentes); as
diferenças entre regiões dentro dos países, que afetam os quatro sócios (inclusive
o Uruguai); e os efeitos de políticas ou medidas nacionais, particularmente da
Argentina e do Brasil, que aumentam os desníveis entre os países, como é o
caso, entre outros, dos incentivos aos investimentos ou das diferenças nos
tratamentos de zonas francas.
Em terceiro lugar, enfoques diferentes dos países-membros sobre o papel do
Mercosul do ponto de vista de seus interesses nacionais, que se refletem tanto na
forma como tratam seus assuntos bilaterais quanto na política comercial comum
28
.
A entrada da Venezuela desencaminha esforços e implica o risco de
politização da gestão comunitária externa. Em outras palavras, define o
relacionamento externo do Mercosul sob um modelo de confrontações,
distanciando-se da tradicional posição brasileira, baseada num nacionalismo
desenvolvimentista de claro cunho comercial.
27
A isto se deve acrescentar que tanto no Brasil como na Argentina existem notórias diferenças regionais, com
províncias e estados muito deprimidos social e economicamente. Algumas tentativas para contemplar tais
diferenças regionais contribuíram para desequilibrar os fluxos de comércio e de investimentos.
28
A própria origem do Mercosul encontra-se nos projetos para fortalecer a integração bilateral entre Argentina
e Brasil. A Argentina está prestando atenção especial a sua relação comercial com o Brasil. Por isso, os
desequilíbrios comerciais e as exportações brasileiras em determinados setores converteram-se num problema
relevante e estão sendo tratados de forma bilateral, prescindindo dos demais sócios. Para o Brasil, o Mercosul
passou a ser um instrumento da sua política externa, instrumento especialmente da afirmação de sua posição
como potência regional, da procura por um espaço importante no contexto internacional e de suas reivindicações
quanto à liberalização do comércio agrícola, agroindustrial e de propriedade intelectual. As dificuldades nas
negociações com os Estados Unidos e a União Européia, e iniciativas regionais redundantes, como a constituição
da Comunidade Sul-Americana, explicam-se em parte pela política externa brasileira. O Uruguai, por sua vez,
mantém a expectativa de um Mercosul que assegure o livre acesso ao mercado regional, estimule o investimento
e constitua uma plataforma para a projeção no mercado internacional.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
188 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
188
No quadro das considerações gerais acima, o Mercosul não resultou até
agora no instrumento que permita contemplar as necessidades do Uruguai
“produtivo” e que justifique ser o eixo de sua inserção externa.
Na questão do comércio de bens, a recessão e a crise das economias do
Mercosul determinaram a derrubada das exportações do Uruguai à Argentina
e ao Brasil, com uma contração das exportações uruguaias ao Mercosul, que
passaram de 1,533 bilhões de dólares em 1998 (que representavam 55% do
total) a 624 milhões de dólares em 2003 (31% do total). A recuperação posterior
das exportações baseou-se nos mercados de terceiros países, principalmente o
dos Estados Unidos. Em 2004, as exportações para o Mercosul totalizaram 764
milhões de dólares. Este comportamento contrasta com o aumento das
exportações para terceiros países, que somaram 1,147 bilhões. As importações
vindas do Mercosul, ao contrário, não experimentaram variações substanciais e
o Mercosul continuou sendo o principal fornecedor do Uruguai
29
.
Os desequilíbrios macroeconômicos e a recessão nos mercados argentino e
brasileiro, e no próprio mercado uruguaio, causaram a situação acima descrita;
mas também foram responsáveis medidas protecionistas e financeiras aplicadas
pela Argentina e pelo Brasil, bem como a aplicação de gravames à exportação por
parte da Argentina, desconhecendo o princípio da livre circulação estabelecido
pelo Tratado de Assunção. A partir de 2002, a Argentina adotou uma política que
inclui incentivos extraordinários ao investimento, impostos às exportações,
destinados a deprimir os preços de determinados produtos no mercado interno e
baixar os preços dos insumos industriais, além de diversas medidas de proteção a
determinados setores industriais. O recente acordo argentino-brasileiro para
introduzir no Mercosul cláusulas de salvaguarda – sob o nome de “cláusula de
adequação competitiva” – afasta as possibilidades de formação de uma efetiva
união aduaneira e, com ela, as expectativas do Uruguai em contar com um mercado
ampliado com condições de acesso estáveis e seguras.
No que se refere a investimentos, a falta de segurança nas condições de
acesso aos mercados e de harmonização dos sistemas de incentivos determinou
que a maioria dos investimentos para a produção de bens se estabeleça no Brasil.
Quando os investidores optam pelo Uruguai, como é o caso de fábricas para a
29
Em 1995, o Uruguai importou do Mercosul 1,321 bilhões de dólares, 46% de suas importações totais. Em
2004, importou 1,384 bilhões, 44% de suas importações totais.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
189
elaboração de celulose, a atitude dos vizinhos é procurar bloqueá-las, para forçar
uma distribuição dos benefícios, em violação de regras claras de convivência
internacional e de compromissos explícitos de acordos em vigor. Tampouco
neste terreno podemos ter maiores expectativas caso não mudem
substancialmente as atitudes da Argentina e do Brasil.
A reiterada postergação do estabelecimento de compromissos no
concernente a coordenação macroeconômica distancia as possibilidades de que
o Mercosul contribua para neutralizar nossa vulnerabilidade, e mantém os riscos
derivados de medidas e eventos macroeconômicos que ocorram nos países
vizinhos.
Quanto a negociações conjuntas com terceiros países, apesar do tempo
transcorrido não se alcançaram resultados (UE, Alca) ou estes são muito escassos
(Índia). Enquanto o resto dos países da América Latina celebrou ou está a ponto
de concluir acordos comerciais com a UE, os Estados Unidos e outros países
desenvolvidos ou em desenvolvimento, os países do Mercosul mantêm-se
isolados. Esta situação é o resultado da estratégia comercial seguida pelo Brasil,
à qual se adiciona uma nova orientação protecionista da Argentina, e de procurar
resolver em acordos bilaterais os temas mais complexos que estão sendo
negociados no quadro multilateral. Os interesses do Uruguai no caso são
diferentes e mais específicos que os de seus vizinhos, e a ausência de acordos
com os principais clientes comerciais aumenta a vulnerabilidade das exportações.
Até agora, o tratamento das assimetrias teve efeito nulo. A recente
constituição do Fundo de Convergência Estrutural tem o mérito de ser o
primeiro reconhecimento explícito e prático da necessidade de tratar os efeitos
das assimetrias, mas não pode ser considerada como uma solução. De fato, um
tratamento eficaz das assimetrias pressupõe que haja acordo sobre um perfil
definido e estável do Mercosul, o que ainda não existe.
Por outro lado, o Uruguai teve de enfrentar a dualidade de critérios da
Argentina e do Brasil quanto à exigência dos compromissos acordados nos
órgãos do Mercosul. O caso mais claro e recente é a invocação da Decisão 32/
2000 sobre aplicação da política comercial comum e, posteriormente, uma
“autorização” informal para que o Uruguai negocie um acordo comercial com
os Estados Unidos. Esta atitude desconhece que a referida Decisão faz parte de
um conjunto de decisões aprovadas em meados de 2000 sob o rótulo
“relançamento do Mercosul”, que incluíam temas como a segurança de acesso
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
190 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
190
aos mercados, a adoção de um código aduaneiro comum, o aperfeiçoamento
da Tarifa Externa Comum (TEC), os incentivos aos investimentos e a
coordenação da gestão macroeconômica. Todos esses compromissos foram
descumpridos ou adiados. A verdade é que o conjunto de decisões sobre o
“relançamento do Mercosul” terá de ser revisto em função da capacidade de
cumprimento dos sócios, preservando as vinculações lógicas entre os temas.
Não é razoável exigir a negociação conjunta com terceiros se não se podem
resolver as questões internas associadas diretamente com tais negociações, como
são as de segurança de acesso aos mercados, a integridade da TEC ou os sistemas
de incentivos.
Por outro lado, nos últimos anos Argentina e Brasil bilateralizaram suas
negociações no Mercosul, deixando de lado a participação de Paraguai e Uruguai
na preparação de decisões transcendentes como pode vir a ser a introdução da
chamada cláusula de adequação competitiva. Esta tendência, mais os resultados
antes assinalados e a deterioração das relações bilaterais com a Argentina podem
gerar uma percepção negativa e pessimista sobre o futuro de nossa participação
no Mercosul e das relações com os vizinhos. É necessário libertar-se dessas
pressões conjunturais para focalizar a estratégia de inserção externa e de
participação no Mercosul sobre a base dos interesses nacionais mais permanentes
e das possibilidades de recuperar os vínculos associativos dentro do Mercosul.
Abandonar o Mercosul não é uma opção para o Uruguai; o bloco deve
promover soluções para as situações atualmente em pauta relativas ao comércio
e aos investimentos, no quadro de um projeto de Mercosul efetivo ou crível, e
ao mesmo tempo, buscar alternativas para superar as limitações derivadas de
uma prolongação das presentes indefinições e incertezas.
2.1 Aspectos econômicos e comerciais
A manutenção de objetivos e compromissos, como a formação da união
aduaneira e as decisões sobre “relançamento do Mercosul”, se não estiverem
respaldados por uma real responsabilidade dos sócios para seu cumprimento,
perpetua as indefinições e inseguranças que caracterizam a situação atual. A
alternativa de diálogo sincero e a busca de um modelo, coerente com os interesses
atuais dos países e suas possibilidades de assumir compromissos efetivos e
equilibrados em seus componentes, traria realismo às expectativas e regras claras
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
191
para os operadores. Esta alternativa é, ademais, compatível com a possibilidade
de no futuro retomar objetivos mais ambiciosos de integração.
Na questão de comércio, é necessário definir um esquema que tanto
assegure as condições de acesso ao mercado regional e o alcance do tratamento
nacional, quanto identifique claramente as questões de regulação do comércio
que serão objeto de programas de harmonização, coordenação ou cooperação.
A exportação para o mercado regional deve ser um processo seguro e previsível,
e não um jogo de adivinhação ou uma corrida de obstáculos. Não obstante, se
eventualmente introduzirem mecanismos de salvaguarda, como a cláusula de
adequação competitiva, ou caso persista a aplicação, por parte dos governos, de
práticas restritivas ou destorcidas das condições de concorrência, os sócios
deveriam estar habilitados a aplicar compensações, seja na importação, seja na
exportação. Tais flexibilizações não são desejáveis, mas não podem ser ignoradas.
Pelo menos deveriam ser acordadas e não resultado da aceitação de fatos
consumados, e deveriam permitir aos sócios, quando possível, utilizar corretivos
da distorção nos mercados
30
.
Como objetivo, a formação da união aduaneira recuperará sua validade
na medida em que se chegue a um acordo sobre um programa crível para seu
aperfeiçoamento. Isso pressupõe adotar decisões sobre: eliminação da cobrança
múltipla da TEC, exceções à TEC, livre circulação de mercadorias e adoção e
aplicação de uma política comercial comum. A flexibilização dos compromissos
sobre acesso ao mercado e liberdade de circulação, só seria compatível com a
continuidade do processo de formação da união aduaneira se fosse transitória e
resultasse de acordos entre os países, e não de decisões unilaterais.
O conjunto dos compromissos associados à formação da união aduaneira
deve ter coerência, especialmente durante um novo período de transição. As
condições de acesso ao mercado ampliado, a obrigatoriedade de aplicação da
TEC, a regulamentação do comércio e a aplicação da política comercial comum
devem manter uma harmonia em profundidade e exigibilidade. Como já foi
30
Um exemplo: quando a Argentina introduz gravames à exportação, está ao mesmo tempo descumprindo o
compromisso de livre circulação estabelecido no Tratado de Assunção, incentivando os exportadores argentinos
de bens que utilizam insumos, cuja exportação está gravada e abaixando os preços do mercado argentino para
os exportadores dos demais países. Este descumprimento legitimaria a aplicação de gravames compensatórios
para a importação dos produtos argentinos que se beneficiam dos gravames à exportação e de compensações
para os exportadores ao mercado argentino, que se vêem afetados pela redução de preços.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
192 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
192
dito a respeito dos compromissos previstos no “relançamento do Mercosul”
em 2000, não é lógico reclamar o cumprimento de alguns deles enquanto se
toleram descumprimentos de outros.
Os sistemas de incentivos setoriais ou de investimento devem ser o
resultado de acordos que levem a um maior equilíbrio na captação de
investimento estrangeiro direto (IED), compensando a diferente capacidade dos
países para atrair investimentos, em particular pela dimensão do mercado. Este
critério é válido para a formação da união aduaneira e também para outras
opções de estruturação do mercado sub-regional.
A segurança no funcionamento do mercado sub-regional exige o
estabelecimento de mecanismos e instâncias que permitam coordenar
sistematicamente a gestão macroeconômica (inclusive as políticas monetárias e
cambiais, financeiras e fiscais), adotar medidas para equilibrar as condições para
a captação de investimentos e examinar as políticas setoriais e as de
desenvolvimento territorial. A amplitude e profundidade dos compromissos a
respeito deverão estar em concerto com os compromissos sobre a operação do
mercado sub-regional.
O tratamento das assimetrias, a avaliação e eventual ajustamento dos
resultados da participação dos países-membros no processo de integração
formam parte da busca de mecanismos e oportunidades para que todos aufiram
benefícios
31
. O tema não se limita a contemplar as situações do Paraguai e do
Uruguai. Também existe uma importante assimetria entre Argentina e Brasil,
que em definitivo é a que está tendo maior incidência no estancamento do
Mercosul. O Focem tem o mérito de ser a primeira expressão prática da aceitação
das assimetrias no Mercosul, mas é claramente insuficiente. Será preciso considerar
outras medidas, tais como: mecanismos para compensar desequilíbrios
conjunturais ou estruturais de origem interna (países-membros) ou externa; apoio
à reconversão de produções, programas de desenvolvimento fronteiriço,
autorizações para negociação bilateral com terceiros países que não prejudique
negociações conjuntas; e por último, flexibilização das posições sobre
determinados regimes especiais (como, no caso do Uruguai, os de admissão
temporária e zonas francas).
31
O enfoque do tratamento das assimetrias no caso do Uruguai deve assimilar a experiência dos países de
menor desenvolvimento econômico relativo da Alalc e da Aladi; não negociar princípios e status, e sim
soluções práticas para problemas reais; não reclamar solidariedade, mas basear-se em interesses comunitários.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
193
Finalmente, convém incorporar o tratamento sistemático de temas que
transcendem o âmbito geográfico do Mercosul, como a integração energética, a
integração da infra-estrutura física e a cooperação no campo da economia do
conhecimento, tirando o Mercosul de uma estreita frente comercial, mas sem
deixar de atender uma projeção geral.
2.2 Aspectos jurídicos e institucionais
As instituições do Mercosul têm um papel importante para o êxito dos
esforços para encaminhar e dinamizar o processo de integração. Seu arcabouço
e sua operação devem ser congruentes com o modelo comercial e com as
definições que se adotem sobre coordenação de políticas macro, setoriais e sobre
projetos em matéria de infra-estrutura física, energia e assimetrias.
Nesse sentido, destacam-se quatro aspectos:
• o primeiro é o estabelecimento de procedimentos rápidos para a
incorporação das decisões dos órgãos do Mercosul às legislações
nacionais. Atualmente, uma grande porcentagem das decisões que
estabelecem compromissos para os países-membros não foi posta em
vigor por estes. A conseqüência é a insegurança jurídica e uma espécie
de duplo veto, já que à regra do consenso para a tomada de decisões se
junta a possibilidade de dilatar ou bloquear sua vigência;
• em segundo lugar, a participação no Mercosul de dois Estados federais
torna necessário incluir, dentro das respectivas possibilidades
constitucionais, as autoridades provinciais ou estaduais, e também
departamentos e municípios, nos compromissos assumidos;
• em terceiro lugar, deverá estabelecer-se uma estrutura institucional
mais eficiente e ágil, que assegure continuidade e transparência no
tratamento dos diversos temas, incorporando progressivamente
elementos de condução comunitária. Na etapa atual do processo, as
decisões que acarretam obrigações aos países-membros devem
continuar sendo intergovernamentais, mas o Mercosul deveria contar
com algum órgão que se ocupasse de promover e defender a
integridade, a orientação do processo de integração e os interesses
comuns dos países que o formam. A Secretaria deveria contar com
mais capacidade operativa e autonomia técnica.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
194 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
194
A incorporação de elementos comunitários na organização institucional
não implica supranacionalidade. Numa fase de indefinições e de condutas que se
afastam das obrigações básicas assumidas sob o Tratado de Assunção, o controle
dos governos sobre o processo é essencial. Mas também o é, contar com uma
representatividade adequada do interesse comum, mesmo quando o órgão
correspondente não tenha o poder de impor decisões aos países-membros.
O Comitê de Representantes Permanentes do Mercosul (Crpm) deve ser
integrado na estrutura institucional como um órgão com função definida: ou é
uma instância intergovernamental permanente que dá continuidade ao tratamento
dos diferentes temas e atende a situações emergentes
32
; ou é um órgão que assume
a promoção e defesa dos interesses comunitários frente às administrações
nacionais e aos órgãos decisórios do Mercosul. Qualquer que seja a decisão que
se adote, é necessário formalizar as funções, a seleção de seus integrantes e seus
vínculos com os organismos intergovernamentais e com a Secretaria.
Por seu lado, a recente incorporação do Parlamento do Mercosul também
deve ser “digerida” pela organização. Na prática, o Mercosul teria uma
organização com quatro elementos: uma linha executiva, constituída pela cadeia
Grupo Mercado Comum, Conselho do Mercado Comum e reuniões de Chefes
de Estado; um Parlamento que representaria os sistemas e estruturas políticas
dos países-membros; um mecanismo com apoio institucional próprio para a
solução de controvérsias; e um órgão de apoio técnico e logístico, que seria a
Secretaria. O Crpm poderia ser parte da cadeia executiva ou constituir-se no
depositário dos interesses comunitários. Esta estrutura pode não ser a ideal,
mas numa fase de indefinições parece mais razoável adiar sua revisão até o
momento em que se conte com decisões dos países sobre os objetivos do
Mercosul e os mecanismos para alcançá-los.
De acordo com estas considerações, o Parlamento do Mercosul não é
nem a solução dos problemas atuais nem um obstáculo a esses efeitos. Suas
funções não implicam a introdução da supranacionalidade nas decisões do
Mercosul e, menos ainda, uma resposta oportuna e adequada aos problemas
atuais. Não surge como o derivado natural da maturidade do processo, e sim,
como uma cortina de fumaça destinada a dissimular as inconsistências existentes
32
Seria algo semelhante ao Comitê de Representantes da Aladi.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
195
no âmago de seu funcionamento. Em outras palavras, poderiam levantar-se
dúvidas sobre a oportunidade, mas uma vez adotada a decisão, um debate sobre
o Parlamento do Mercosul seria uma distração em relação aos aspectos mais
importantes que devem ser postos em discussão.
Finalmente, é necessário pensar no estabelecimento de um sistema definitivo
de solução de controvérsias que ofereça segurança tanto aos países-membros
quanto aos interesses privados, e que constitua uma dissuasão a eventuais
descumprimentos. A proteção dos habitantes do Mercosul deve excluir a
possibilidade de que os países negociem sobre seus direitos e obrigações, e os
transformem em reféns de um intercâmbio de tolerâncias ou flexibilidades entre
os governos.
No plano jurídico e institucional, é preciso assegurar dois equilíbrios. O
primeiro refere-se ao alcance e exigibilidade dos compromissos que os países-
membros assumam. Já foi dito que é fundamental a coerência lógica no tratamento
de certos temas, compromissos e se ressaltou a vinculação entre o acesso ao
mercado sub-regional, a integridade da TEC, a instrumentalização da política
comercial comum e o estabelecimento de mecanismos de consulta em matéria
de gestão macroeconômica. O segundo equilíbrio é relativo à organização
institucional, que deve respeitar distribuições de competências entre os órgãos
de tipos diferentes, que sejam funcionais em cada etapa que esteja atravessando
o processo de integração sub-regional.
3. A inserção externa: uma proposta integral
Uma proposta integral para a inserção do Uruguai na região e no mundo
deve contemplar todos os aspectos e todos os âmbitos envolvidos, e deve
oferecer solução tanto de substância como de método.
A apresentação da estratégia por âmbito de aplicação não nos pode fazer
perder de vista a articulação e interdependência entre as ações que se definam
para cada um deles.
A participação no Mercosul será, em todos os casos, um elemento de
primeira grandeza na estratégia de desenvolvimento e inserção do Uruguai. Não
obstante, o que possa acontecer com o Mercosul não depende de nosso interesse
e nossa vontade, e sim das decisões de todos os sócios, nas quais até agora têm
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
196 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
196
prevalecido os interesses e visões do Brasil e da Argentina. Distintas alternativas
para o futuro do Mercosul incidirão na amplitude e conteúdo dos vínculos
econômicos do Uruguai fora do âmbito sub-regional e no papel que o Mercosul
pode ter como eixo de nossa inserção externa.
A formulação da estratégia tem dois pilares. De uma parte, o crescimento
baseado no investimento e na exportação de bens e serviços, orientado ao
aumento dos postos de trabalho, da renda distribuída e da disponibilidade de
recursos para apoiar os programas de tratamento da pobreza e marginalidade.
De outra parte, a sustentabilidade do crescimento, que depende da contínua
melhoria da produtividade e da competitividade, da adequação da estrutura
produtiva de bens e serviços, do fortalecimento das empresas, da educação e da
atenção aos demais fatores de vulnerabilidade que afetam a economia uruguaia.
Estes dois pilares expressam os interesses substantivos do Uruguai que devem
estar presentes em todas as discussões sobre inserção externa. As posições sobre
integração regional, Mercosul, participação na OMC e em outros foros
econômicos multilaterais, negociações econômicas com terceiros países ou
blocos extra-regionais devem priorizar as expectativas quanto a exportações de
bens e serviços, investimentos e atenuação da vulnerabilidade de nossa economia.
Nossa vocação integracionista ou nossa rejeição à política externa ou a práticas
comerciais das principais potências econômicas não podem ser os argumentos
que nos levem a perpetuar a pobreza, a marginalidade e a reduzir os recursos
para aplicar políticas sociais.
3.1 A participação no Mercosul
Para o Uruguai, o âmbito regional compreende a participação no Mercosul,
na Aladi e em todos os cenários que têm uma função na diversificação de mercados
e produtos, no quadro de uma estratégia definida.
Com respeito ao Mercosul, o Uruguai deve orientar-se para preservar a
integridade de um processo de integração que é político, econômico e social,
chegar a um acordo sobre os instrumentos fundamentais e estabelecer uma
plataforma de partida, congruente com tal acordo, que responda à capacidade
de compromisso dos países-membros e a uma visão equilibrada de seus
interesses. Em outras palavras: definir o Mercosul futuro para, dentro desse
quadro, resolver as situações atuais e assim chegar a um acordo sobre um ponto
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
197
de partida no que diz respeito a: compromissos políticos, comerciais e
econômicos, solução dos conflitos existentes e adequação da estrutura
institucional. Nem tudo precisa ser resolvido de imediato, mas sim colocado
sobre bases de solução críveis.
Para o Uruguai, a melhor configuração do Mercosul, conforme dito
anteriormente, é a recuperação dos objetivos e expectativas originais de formação
de uma união aduaneira e um mercado comum, que constituam o ambiente para
a melhoria da competitividade e das condições de inserção na economia global,
complementado por tratamentos eficazes das assimetrias. Isto implica em:
• esquema comercial e econômico que seja respeitado e crível, com ênfase
nestes dois atributos: mecanismos efetivos de consulta sobre gestão
macroeconômica e compromissos, sobre incentivos a investimentos, que
equilibrem as possibilidades de captação de todos os países-membros;
• política comercial efetiva, que reconheça para os sócios menores a
possibilidade de negociar bilateralmente com terceiros países, no
quadro de negociações conjuntas – sob forma de adiantamentos e/
ou complementos – ou após consulta com os demais sócios;
• preservação, desde que não colida com elementos essenciais da política
comercial comum, de instrumentos para atenuar as assimetrias, tais como
o regime de admissão temporária, o regime de zonas francas e demais
instrumentos que nos permitam desenvolver-nos como centro regional
de serviços logísticos ao transporte e ao comércio;
• institucionalidade com equilíbrio comunitário/governamental
concordante com o nível de compromissos assumidos pelos parceiros
e segurança jurídica, mediante procedimentos rápidos de internalização
e eficácia na solução de conflitos.
Apesar disso, nossa prioridade deve ser a franqueza dos países-membros
entre si, a fim de definir um processo confiável – com regras estáveis, respeitadas
e segurança jurídica e política – que seja equilibrado em seus compromissos. É
preferível um Mercosul com um perfil mais baixo que o inicial, mas que
corresponda à capacidade de assumir compromissos dos países que o formam,
do que a manutenção de objetivos e mecanismos que não têm sustento nas
posições e condutas reais dos países-membros. A recuperação ou formação de
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
198 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
198
consensos sobre os objetivos do Mercosul e sobre as políticas a eles associadas
– seja confirmando, seja revendo as decisões fundamentais iniciais – é a condição
para que as soluções para situações conflitivas específicas contribuam para
fortalecer a processo e não o deteriorem ainda mais. Hoje, a falta ou a fraqueza
das decisões nesta linha de ação, somada a uma série de situações particulares de
afastamento dos compromissos vigentes em matéria comercial – que envolvem,
em maior ou menor medida, todos os países-membros – geram dúvidas sobre
a vigência dos objetivos instrumentais e substantivos do Mercosul, com os
conseqüentes efeitos sobre as condutas dos operadores econômicos.
Um cenário semelhante pressupõe que se tenham acordado compensações
adequadas às assimetrias existentes, inclusive à assimetria entre a Argentina e o Brasil.
Numa primeira etapa, os países-membros deverão acertar soluções para
as diferentes situações que afetam o acesso aos mercados, as quais podem incluir
mecanismos transitórios para facilitar a reestruturação de certos setores críticos
ou definir um período de transição para resolver dificuldades específicas num
processo de formação da união aduaneira. O importante é que estes casos sejam
realmente excepcionais e que sejam administrados de forma conjunta pelos
países-membros, descartando a unilateralidade hoje corrente. Esta etapa seria
crucial para restabelecer a credibilidade no Mercosul e na capacidade de seus
membros para levar adiante o processo de integração sub-regional.
A maior restrição para o reencaminhamento do Mercosul reside na
mudança de orientação da política econômica argentina a partir de 2004. As
posições e práticas do Brasil não mudaram significativamente desde o início do
período de transição e não afetaram, maiormente, as condições de acesso aos
mercados. Por outro lado, a persistência do protecionismo nos setores industriais
intensivos em tecnologia e o intento de liderar as posições dos países em
desenvolvimento no campo do comércio agrícola, constituem um obstáculo
maior para alcançar acordos comerciais com terceiros países. Do lado da
Argentina, as dificuldades são maiores. Este país está tratando de reverter o
processo de desindustrialização da década passada, precisamente nos setores
que concentram o comércio de bens industriais com o Brasil. O Uruguai aplica
algumas medidas restritivas às importações, como resposta às medidas impostas
pela Argentina e à necessidade de dar atenção a alguns setores particularmente
afetados pela crise de 2002. Em definitivo, estamos diante de posições que refletem
tanto a diferente intensidade e amplitude da crise da mudança de século nos
países do Mercosul, como as assimetrias, especialmente entre Brasil e Argentina.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
199
Nestas condições, um exercício de franqueza e uma redefinição do processo
de integração econômica podem incluir uma “retirada estratégica” para resolver
as situações mais prementes e projetá-las ao médio e longo prazo sobre uma
base mais sólida e equilibrada de interesses compartilhados entre os parceiros.
Nesta transição, é necessário preservar a lógica dos compromissos entre si e
com os objetivos que se estabeleçam. Em particular, as exigências em matéria
de negociações comerciais conjuntas devem ter coerência com os compromissos,
e seu cumprimento quanto às condições de acesso e funcionamento do mercado
sub-regional, integridade da TEC, harmonização de instrumentos de política
comercial e coordenação macroeconômica. A mesma coerência deve ser
procurada entre os compromissos substantivos e as necessidades de
administração dos mesmos, além da organização institucional e o alcance do
sistema de solução de controvérsias.
Também é possível que o referido exercício não se produza ou chegue a
resultados, e se mantenha um cenário de indefinição sobre a evolução do processo,
negociação recorrente de inadimplências específicas dos compromissos de acesso
ao mercado – que poderiam ser institucionalizados mediante algum tipo de
mecanismo de salvaguarda –, manutenção das condições atuais no que se refere
a incentivos aos investimentos e provavelmente uma atuação como bloco flexível
nas negociações multilaterais com terceiros países.
Caso se mantenha o status quo, isto não significa que o Mercosul desapareça
ou passe a ser uma instituição nominal. Será preciso utilizar alternativas para
satisfazer as necessidades de inserção externa dos países que o integram.
Em qualquer dos casos, deve-se tomar em consideração que estão em
discussão e negociação projetos sub-regionais nas áreas de desenvolvimento da
infra-estrutura física e integração energética, no âmbito do Cone Sul (Mercosul +
Chile + Bolívia + Peru) e Venezuela. O tratamento destes temas e uma maior
participação de países associados podem servir para “oxigenar” o Mercosul e
contribuir para alcançar novos equilíbrios. Para o Uruguai, a integração da infra-
estrutura física e a integração energética são duas áreas prioritárias. Não obstante,
estas iniciativas não substituem a necessidade de resolver as diferenças comerciais
e definir o futuro do processo. A América Latina tem uma vasta experiência em
“dar passos para trás” em matéria de integração, cuja repetição deveria evitar-se.
Mas devemos também ter em mente o ingresso da Venezuela como
membro do Mercosul, já solicitado formalmente, e o provável pedido de ingresso
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
200 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
200
da Bolívia. Os efeitos visados por esta ampliação são mais políticos do que
econômicos, se bem que a participação de Bolívia e Venezuela pode melhorar
significativamente as possibilidades de chegar a um acordo no campo da
integração energética. Dois riscos deveriam ser considerados como conseqüência
dos processos de adesão. De um lado, uma politização do Mercosul que o ponha
em confronto com as grandes potências econômicas dificultará ainda mais as já
difíceis ou interrompidas negociações do Mercosul com a União Européia e os
Estados Unidos. Por outro lado, as negociações para a incorporação de novos
membros vão desviar os esforços dos temas centrais que os atuais países-
membros deveriam procurar resolver.
A evolução do Mercosul depende em boa medida dos acordos a que
cheguem Brasil e Argentina sobre suas relações econômicas recíprocas. De fato,
o Mercosul nasceu de acordos celebrados entre os dois países em fins dos anos
80, com o propósito de ampliar e aprofundar a integração bilateral. Durante os
últimos anos, Argentina e Brasil procuraram resolver bilateralmente suas
diferenças e as medidas a serem adotadas em algumas áreas específicas de
integração, como, por exemplo, no setor automobilístico, mesmo quando tais
soluções deveriam ser formalizadas pelos órgãos do Mercosul e possam incidir
sobre Paraguai e Uruguai. Não podemos desconhecer o peso que têm os vínculos
e os problemas econômicos entre Argentina e Brasil para o funcionamento do
Mercosul e tampouco que o canal bilateral pode, em algumas circunstâncias, ser
a melhor opção para procurar a solução de problemas que ocorrem entre duas
partes. Todavia, a bilateralização sistemática das negociações internas erode os
vínculos associativos e desvirtua o caráter do Mercosul como projeto conjunto
de quatro países.
Todos os países podem e devem ter a oportunidade de contribuir para
esboçar o cenário futuro e a solução das situações existentes ou que venham a se
apresentar. O tratamento bilateral pode complementar ou acelerar, mas nunca
substituir, a consideração conjunta de temas que são próprios do Mercosul. Sem
desconhecer o peso da Argentina e do Brasil, o Uruguai pode e deve desempenhar
um papel nas decisões que conduzam à definição do futuro do Mercosul.
Numa sociedade assimétrica, o Uruguai e o Paraguai têm um papel
relevante na legitimação da direção imposta pelos outros sócios. Mas quando os
parceiros maiores têm óticas diferentes sobre a condução da sociedade, ou não
têm respostas a situações de crises, esse papel se amplia no sentido de buscar e
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
201
propor fórmulas que restabeleçam equilíbrios perdidos e preservem o sentido
e a força do vínculo associativo. Exercer esse papel pressupõe gerar propostas
e aproximações que permitam retomar a dinâmica política e econômica do
Mercosul. Não se trata de “varrer para baixo do tapete” as situações conflitantes
que nos afetam, e sim de criar um ambiente no qual estas e as demais situações
que afetam as relações entre os parceiros possam ser tratadas e solucionadas em
harmonia, e com os olhos fixos nas razões e nas estratégias nacionais e grupais
que levaram à constituição do Mercosul. O grande e legítimo zelo que aplicamos
para reivindicar e salvaguardar os interesses nacionais para dentro de nossos
países deve ser estendido por nós à preservação das relações consensuais entre
vizinhos democráticos, evitando a adoção sem consulta, de medidas que podem
servir a propósitos nacionais legítimos, mas vulneram os direitos e interesses
também legítimos dos países associados. Não somos promotores da
supranacionalidade nesta etapa do processo, e sim da responsabilidade
comunitária. A grande tarefa é recuperar a responsabilidade dos sócios do
Mercosul para com a sociedade e praticar a disciplina do tratamento coletivo e
a transparência das decisões nacionais que podem afetar o conjunto. Isto será
possível quando todos os parceiros percebam o Mercosul como um instrumento
de desenvolvimento social e econômico, de equilíbrio político e de preservação
da democracia na região, bem como de fortalecimento de sua posição como
bloco no contexto internacional.
Deixar o Mercosul não é uma opção para o Uruguai, como não o foi ficar
fora dele quando de sua constituição. O que deve ser discutido e definido é o
melhor Mercosul para o Uruguai, dentro das possibilidades de negociação que
podem ser hoje previstas e quais os papéis que o Mercosul pode desempenhar
na estratégia de inserção externa.
As relações comerciais e econômicas do Uruguai com o resto da Aladi
têm sido tradicionalmente débeis, com exceção do Chile e mais recentemente
do México. Entretanto, esses mercados não deixam de ser uma oportunidade
de diversificação, tanto no comércio de bens e serviços como na captação de
investimentos.
Com Chile e México, é conveniente aprofundar a negociação das condições
de acesso aos mercados a fim de superar certas barreiras, especialmente de tipo
sanitário, e no comércio de serviços. Podem também ser fontes de investimentos,
sob modalidades que podem servir para viabilizar projetos de pequenas e médias
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
202 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
202
empresas uruguaias. Com Colômbia, Equador e Peru, as possibilidades não são
tão claras, mas deveriam ser exploradas todas as possibilidades de diversificação.
Quanto às demais organizações regionais, deve-se tomar em conta a
importância para o Uruguai da melhoria da interconexão física e da integração
energética. Uma participação ativa e construtiva nessas organizações é importante
para sensibilizar os países da região sobre os problemas de vulnerabilidade
enfrentados pela economia uruguaia.
3.2 As relações bilaterais
De acordo com os resultados que se obtenham numa redefinição do
Mercosul, o Uruguai tem duas opções básicas para definir sua estratégia de
inserção externa.
Uma delas manteria a integração regional por meio do Mercosul como
plataforma da inserção externa, com uma flexibilização da política comercial
comum e da negociação conjunta, a fim de buscar vinculações com terceiros
países que contribuam para a diminuição da vulnerabilidade e para a
sustentabilidade do desenvolvimento econômico nacional. Neste caso, as
vinculações com terceiros não se conceberiam como um elemento residual da
estratégia de inserção externa, e sim como um componente equilibrador da
relação assimétrica dentro da região.
A outra opção estaria associada à continuação do estancamento e das
indefinições no Mercosul, e procuraria estabelecer um ambiente de segurança e
estabilidade dos vínculos econômicos, para o qual contribuiriam o Mercosul, as
relações bilaterais com os países vizinhos, a participação no sistema multilateral
e os acordos sobre comércio e investimento com terceiros países.
O Mercosul não é o único contexto para o manejo das relações com
Argentina e Brasil. A relação com esses dois países seguirá sendo prioritária e
privilegiada em qualquer circunstância. As carências do Mercosul podem
resolver-se por meio de negociações bilaterais.
Será necessário definir e aplicar um novo enfoque da política comercial,
que preserve a abertura do mercado, coloque mais ênfase nos mercados dos
países desenvolvidos e nos grandes mercados em desenvolvimento (China, Índia)
para captação de investimentos e tecnologia, exportação de serviços e
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
203
conhecimento, exportação de bens agroindustriais, obtenção de concessões para
produtos intensivos em mão-de-obra
33
e desenvolvimento de nichos de
produção/comercialização, com os quais se concluíram ou podem concluir-se
acordos de comércio e cooperação econômica.
Os tratados de garantia de investimentos, os tratados de livre comércio ou
ainda acordos limitados a certos bens ou aspectos particulares são instrumentos
que já utilizamos e podemos empregar mais amplamente, enquanto durar a
indefinição do Mercosul. Não há impedimentos jurídicos exigíveis para a
negociação comercial com terceiros. Não é lógica a exigência de disciplina estrita
nesta área, na ausência de um programa efetivo para a formação da união aduaneira
ou perante descumprimentos relativamente ao acesso de mercados e à TEC.
Sem prejuízo da participação nas negociações conjuntas que o Mercosul
leve adiante, o Uruguai deve preparar e projetar negociações com terceiros
países, procurando soluções para a potencialidade de comércio que existe em
setores ou produtos relativamente específicos, limitados pelas possibilidades de
exportação de nosso país. A instrumentação destas possibilidades pode ser
variada, mas deve em considerar as condições estabelecidas pelo artigo XXIV
do Gatt.
O Uruguai deveria determinar seus interesses específicos para negociar,
pelo menos, com Estados Unidos, Canadá, União Européia, Japão, China, Coréia
e Rússia, e analisar de modo sistemático as possibilidades oferecidas por outros
mercados.
O Uruguai tem vantagens e desvantagens nestas negociações. Por um lado,
o volume de nossa oferta não teria um forte impacto na maioria dos mercados,
o que pode facilitar a negociação de melhores condições de acesso; por outro
lado, a dimensão de nossa economia limita as expectativas dos demais países e
pode desalentar as negociações.
As ações do Uruguai neste campo deverão ser transparentes e coordenadas
com o Mercosul, evitando prejudicar as negociações conjuntas e aproveitando-
as para melhorar a capacidade negociadora.
33
Em 2004, ao amparo de concessões outorgadas pelos Estados Unidos em programas de apoio ao combate às
drogas, o Peru exportou para o mercado americano confecções no valor de mais de 700 milhões de dólares e
a Colômbia, cerca de 400 milhões, com grande impacto no emprego e na renda dos dois países.
A inserção externa do Uruguai: uma visão política e estratégica
204 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
204
3.3 A participação no sistema multilateral
O Uruguai tem poucas possibilidades de influir nas decisões da OMC ou
de outras organizações multilaterais. Tampouco terá um peso determinante na
formação das posições conjuntas que sejam adotadas pelo Mercosul ou outros
blocos de países.
Não obstante, uma participação ativa no âmbito multilateral e na formação
das posições do Mercosul é importante para prevenir os efeitos, sobre nosso
comércio e economia, das decisões que se adotem nesses foros e como projeção
da imagem do país.
4. Conclusões
1. A Política Externa deve basear-se numa definição estratégica com visão
de médio prazo. A discussão de aspectos específicos – se bem que
importantes – não deve levar à tomada de decisões desvinculadas do
núcleo duro de sua posição.
2. A inserção do Uruguai deve levar em consideração três níveis: o
multilateral, o regional e o bilateral. O processo de globalização desloca
a discussão de temas vitais para cenários mais amplos, que por muito
tempo foram privativos da Política Nacional.
3. O conceito de abertura reflete uma realidade inegável que poderá ser
administrada, mas não se pode negar que seja o principal instrumento
para aumentar a produtividade das economias nacionais.
4. A integração e o Mercosul são cenários insubstituíveis, derivados de
nossa realidade econômica e, fundamentalmente, da geopolítica. Não
obstante, o país deve redefinir seu posicionamento de acordo com as
mudanças que se produzem dentro e fora da região.
Os cenários excludentes não são aconselháveis.
5. A inserção externa em nível multilateral, a integração e o Mercosul em
especial no nível regional definem-se como projetos políticos que não
devem ser confundidos com modelos de ideologização política. Para o
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Sergio Abreu
205
Uruguai, a confrontação como estilo de relacionamento é inviável e em
contradição com sua tradicional Política Exterior. Princípios e
pragmatismos são compatíveis, caso se manejem no âmbito de uma
estratégia definida.
6. As economias pequenas devem adquirir projeção mediante sua
capacidade de apresentar propostas, não apenas em defesa dos interesses
nacionais, mas também na condução e análise dos cenários em que
participa. As propostas devem ser respeitadas em função de seu
fundamento e da seriedade profissional com que foram elaboradas.
7. Todos os temas do país estão relacionados a um projeto estratégico. Portanto,
deve ser constituído um grupo negociador interministerial e interdisciplinar,
centralizado em seu gerenciamento institucional e com capacidade para
abordar simultaneamente cenários múltiplos e variados. Sem um fio
condutor estratégico e sem apoio técnico para defendê-lo, perde-se o rumo
bem como o respeito e a credibilidade dentro e fora do país.
A Política Exterior de Estado constrói-se também com concessões para
dentro por todas as forças políticas do país. A ausência de mensagem clara ou as
divergências trazidas a público não fazem mais que aumentar a natural
vulnerabilidade do país.
Tradução: Marcelo Raffaelli.
Revisão: Fernanda Fernandes.
DEP
“Há um outro mundo, e está neste”
206 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
206
“Há um outro mundo,
e está neste”
José Vicente Rangel
*
* Vice-Presidente Executivo da República Bolivariana da Venezuela.
empre me esforcei para que este ato não fosse de mera liturgia
republicana, mas, sim, para que tivesse um conteúdo que fosse mais além da
formalidade. para que aquilo que a Constituição consagra como obrigação para
os ministros e os altos funcionários do Estado, em seu artigo 244, não se reduzisse
a um ritual sem resposta.
Este ato representa o reconhecimento, de parte de um dos ramos do Poder
Público, neste caso o Poder Executivo, do poder que encarna a soberania popular:
a Assembléia Nacional. É o reconhecimento da faculdade de controle e inspeção
desse Poder sobre a gestão administrativa e política. Daí sua importância e
significação.
S
Discurso por motivo da apresentação do relatório e da prestação de contas
dos membros do Conselho de Ministros à Assembléia Nacional. Caracas,
2 de março de 2006.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
207
Hoje, novamente, o Executivo Nacional submete-se ao exame de sua gestão
pela representação popular, e o faz democraticamente, sem reservas e de maneira
transparente, com base no princípio fundamental de controle sobre as funções
de cada um dos ramos do Poder Público, mas também, como estabelece a
Constituição de 99, em relação direta com o sistema de colaboração dos órgãos
do Poder Público para a consecução dos objetivos gerais do Estado. São esses
os princípios que nos regem. Isso é o que manda a Constituição Bolivariana.
Isso é o que ocorre em um verdadeiro Estado de Direito, como o que existe na
Venezuela.
No contexto da apresentação do Relatório e da Prestação de Contas dos
membros do Conselho de Ministros, examinemos rapidamente o processo
político e institucional que se iniciou em 23 de janeiro de 1958. A fraude que
esse processo representou para as esperanças de um povo e para o próprio
funcionamento da democracia representativa ficou evidenciado justamente na
consideração desse tipo de acontecimento.
Durante a Quarta República, sucederam-se oito períodos constitucionais
dominados pela “partidocracia” do “puntofijismo”, e nesse lapso tão dilatado
a apresentação ao Parlamento do Relatório e da Prestação de Contas dos
ministros foi uma prática meramente simbólica. A norma estabelecida na
Constituição de 61 era letra morta. Jamais foram examinados os Relatórios,
jamais esses atos tiveram resposta institucional nem serviram para iniciar uma
investigação, para aprovar ou rejeitar algo. A oposição da época nada conseguiu
fazer, a não ser manter ardentes debates testemunhais, cujos efeitos ficavam
prisioneiros da cumplicidade da burocracia. Nada pôde fazer diante do famoso
bosque de mãos erguidas, esmagador e teledirigido desde Miraflores e dos altos
mandos partidários.
O que se pode dizer da apresentação dos Relatórios durante a Quinta
República? Eu tenho o recorde de participação por haver ocupado, sob o
mandato do presidente Chávez, as pastas de Relações Exteriores e da Defesa e
a vice-presidência da República, possuo uma experiência particular, aliada a um
sentimento de frustração. Cada vez que cumpro este mandato constitucional,
enfatizo sua importância e convido o Legislativo a que assuma, de modo
responsável, o estudo dos relatórios ministeriais. Sem dúvida, é uma ocasião
excepcional para avaliar a qualidade e a eficiência da gestão em diferentes áreas
da administração pública, acompanhando a marcha do governo e do Estado.
“Há um outro mundo, e está neste”
208 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
208
Senhor Presidente, senhores deputados, é preciso tomar o que vou dizer
agora como uma crítica à representação bolivariana na Assembléia Nacional no
passado recente. Sem dúvida, os parlamentares da revolução tiveram de enfrentar
situações complexas e difíceis, episódios nos quais esteve em jogo a própria
existência da ordem democrática e constitucional, o que obviamente desviou
energias, tempo e recursos. Contudo, considero que não existe desculpa válida
quando se trata de compromissos ineludíveis com o povo e o processo
revolucionário, e creio que a autocrítica é saudável. Ao iniciar-se uma etapa
particular, como a atual, mais exigente devido à responsabilidade que o povo
colocou sobre os ombros dos senhores, e quando o rendimento e a imagem do
Legislativo dependem dos senhores, e somente dos senhores, multiplica-se o
compromisso com o dever. Este é o desafio colocado diante dos senhores neste
momento crucial.
Sendo assim, o que fez a oposição neste Parlamento da Quinta República
em relação aos Relatórios, quando contava com uma numerosa representação?
Nada! Nem sequer assistia às sessões de apresentação determinadas pela
Constituição. Gostaríamos de que os adversários do imobilismo tivessem
contado com uma representação similar para haver analisado, com poder de
decisão, os relatórios ministeriais daquela época, mas não pôde ser assim. A
condição de minoria, num regime que esmagava a dissidência, impediu-o. Não
lamento nada, mas creio ser importante assinalar o contraste e trazer uma
contribuição à memória histórica dos venezuelanos.
Essas considerações, com forte carga testemunhal, conduzem a uma
reflexão que julgo importante. Uma reflexão sobre o conceito de oposição e
sobre seu papel em uma democracia, que vai mais além da simples representação.
Freqüentemente, visitantes estrangeiros me indagam com interesse a
respeito da oposição venezuelana e costumo responder que temos com ela um
grave problema, não porque seja forte, ativa e inteligente, e porque constitua,
portanto, uma rival com a qual tenhamos de ter cuidado, e, sim, porque ela não
existe para o funcionamento democrático do país. Não existe para o Estado de
Direito nem para o cidadão, senão para a aventura extraconstitucional.
Ser oposição não consiste apenas em ser adversário de um governo, e,
sim, em contribuir para a construção de opções cívicas, civilizadas, confiáveis.
A oposição venezuelana fez tudo o que lhe foi possível para desaparecer da
cena, em vez de liderar democraticamente um setor importante da opinião
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
209
pública. Foi assim que se transformou, desde a época em que teve poder de
convocatória nas ruas, com empresários, sacerdotes, militares, governadores,
prefeitos, deputados, no que é hoje em dia: o nada, o caos, o abismo letal em que
se acumulam erros e inconseqüências. É o 11 de abril, é a greve petroleira, são as
desordens terroristas, é a praça Altamira.
Recordam, senhoras e senhores, Maria Cristina (Iglesias), Aristóbulo
(Istúriz), Nicolas (Maduro), aquela mesa de diálogo surrealista em reunião com
os representantes da oposição no hotel Meliá, quando eles propunham um
referendo consultivo, provocadoramente inconstitucional, com o único propósito
de inflamar as ruas e preparar a greve petroleira? Do hotel passavam à praça
Altamira como se nada tivesse acontecido, para levantar os braços dos militares
traidores e incitar a um golpe de Estado.
Por acaso não se conhecem a história da oposição nos processos eleitorais
durante a Quinta República e o truque imoral do questionamento posterior
com falsas denúncias? Onde estão, por exemplo, as provas de fraude, tantas
vezes prometidas com publicidade, no referendo revogador de agosto de 2004?
Por que motivo a oposição não participou das eleições parlamentares de 4 de
dezembro? Por que acaso não confiava no sistema eleitoral, ou por medo do
número de seus adeptos? O que acontece é que quando essa oposição ganha
eleições, como ocorreu nos governos de Zulia e Nueva Esparta, ou com as
prefeituras de Chacao, Baruta, El Hatillo, Lecherias e diversas em Zulia, não há
fraude; mas, quando os bolivarianos ganham governos e prefeituras nessas
mesmas eleições, com as mesmas regras, nesse caso existe fraude. O que realmente
se questiona é o sistema eleitoral ou se trata de pretextos de uma oposição que
não tem votos e que precisa disfarçar sua debilidade apelando para o recurso de
desconhecer o sistema eleitoral ? A resposta é óbvia.
Não me compete dar conselhos à oposição, mas posso falar de minha
experiência como homem de oposição que sempre esteve em minoria nesta
instituição – em total minoria, solitário, submetido a constantes ameaças, junto
a outros companheiros, que perseveramos sem fraquezas e sem renunciar aos
princípios.
Amigos parlamentares, uma pergunta lógica: para que serve a oposição?
Resposta: para construir alternativas, como é o caso, por exemplo, do presidente
Chávez. Como fez oposição o presidente Chávez? Vindo de baixo, sem recursos,
construindo um movimento nas ruas, articulando diversos setores do povo,
“Há um outro mundo, e está neste”
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210
sem precipitações, sem cair em provocações. Este é um caso concreto. Poderíamos
citar muitos mais, através da história do país e do mundo.
Se os que se auto-intitulam oposição são incapazes de fazê-la, perdem a
legitimidade. São tudo, menos oposição, que é o que sucede atualmente no país.
O governo e os partidos que apóiam o processo revolucionário reúnem-se,
realizam mesas de trabalho, dialogam, discutem em Miraflores, na vice-
presidência da República, nos ministérios, nos centros onde se realizam reuniões
de caráter civil, com partidos, organizações sindicais, operários, profissionais;
com diversos setores da sociedade; com empresários, com os da Fedecâmaras
(com alguém que, por exemplo, violou a Lei de Terras) e com os “pesos pesados”
da economia, com os produtores rurais, criadores de gado, proprietários de
fazendas, trabalhadores, estudantes, reitores de universidades, profissionais
acadêmicos; com a hierarquia católica, as igrejas evangélicas, os representantes
da comunidade judaica e todas as colônias que vivem em nosso país. Entretanto,
não é possível reunir-se com os chamados partidos e dirigentes da oposição,
que, por sua vez, não hesitam em encontrar-se com os membros da embaixada
norte-americana e com todos os adversários de Chávez que nos visitam. Em
conseqüência, trata-se de uma oposição que não faz política, que não dialoga,
que, portanto, não é percebida, a não ser nos meios de comunicação. Hoje, por
exemplo, não estão presentes neste hemiciclo porque renunciaram, por vontade
própria, a participar e a representar um setor da população, mas tampouco
estiveram presentes antes, quando eram deputados eleitos de pleno direito,
deixando de cumprir com o dever ético de pelo menos assistir às sessões da
Câmara. Sua ausência, portanto, não se nota. Não podemos notá-la.
Conseqüentemente, vou dizer algo que talvez por prudência não devesse
expressar, mas, às vezes, convém ser levemente imprudente. Atitudes
irresponsáveis como as que sustenta a oposição político-partidária acabam
gerando repulsa entre os cidadãos, porque se corre o risco de que o país se
acostume a funcionar sem oposição, o que é mau, é indesejável, e o que todo
democrata deveria rechaçar. Não porque o governo a elimine, já que durante o
governo de Chávez nenhum partido foi posto na ilegalidade e ninguém é
perseguido por expressar-se e manifestar-se, como aconteceu durante o tempo
do punto fijo. Por exemplo: o fechamento do Partido Comunista, do (Movimiento
de Izquierda Revolucionaria) MIR e de outras organizações políticas e sociais.
Tampouco porque a representação parlamentar tenha sido objeto de medidas
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
211
repressivas, como aconteceu quando foram detidos, por violação flagrante da
Constituição, numerosos deputados de esquerda na década de 1960. Na etapa
atual, tem havido partidos envolvidos em conspiração, defensores declarados
do golpismo, cuja legalidade tem sido respeitada. Houve também parlamentares
envolvidos em aventuras contra a ordem constitucional, como um deputado
que tinha assento nestas mesmas bancas, e a quem Pedro Carmona designou
como ministro. Mesmo assim, sua imunidade não foi anulada, nem tampouco
as de outros que tiveram conduta semelhante.
Neste processo político e social, profundamente democrático e respeitoso
do Estado de Direito, a oposição não é perseguida nem é suprimida. O que
acontece é que a oposição que temos se auto-elimina. Não é excluída, exclui-se
a si mesma. Esta é a verdade.
Analisemos o que ocorreu depois de 4 de dezembro de 2005, data
emblemática na qual a oposição se auto-excluiu da vida parlamentar. O país
continua funcionando. As pesquisas indicam que a não-participação – opinião
com que concordam muitos abstencionistas – foi um grave erro. Isso porque a
Assembléia Nacional está funcionando normalmente, e até atrevo-me a dizer
que funciona melhor que quando a oposição tinha assento neste mesmo lugar.
Agora, legisla-se com rapidez e eficiência. Tenho um registro, na vice-presidência,
da quantidade de projetos que, neste momento, estão sendo debatidos nas
comissões da Assembléia. É verdadeiramente impressionante.
Os deputados saíram às ruas para consolidar um nexo vivo e direto
com as comunidades. Há uma fecunda e efetiva colaboração com os outros
poderes do Estado. As investigações realizam-se com seriedade e em
profundidade: o caso da central açucareira Ezequiel Zamora de Barinas e alguns
outros ilustram a situação e evidenciam a vontade, compartilhada por outros
poderes públicos, de atacar a fundo a corrupção e os antigos vícios que
prejudicam a administração pública.
Fica claro que a resposta democrática que põe um ponto final em uma
forma irresponsável de atuação da oposição dentro das instituições é um marco
distintivo. Foi uma reação responsável das forças bolivarianas à
irresponsabilidade da oposição, à incrível estupidez desse setor que age como
se ainda fosse governo, ao qual se acostumou depois de quatro décadas de
exercício impune do poder, que fez que se esquecesse do que significa ser
oposição. Isso é confirmado pela desproporção das posições que a cada instante
“Há um outro mundo, e está neste”
212 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
212
ela formula, presididos pela arrogância que os caracterizou quando estiveram
no governo. Digo tudo isso porque a oposição que temos exige crítica com
urgência, para que reapareça como deve ser, com um papel sério, responsável,
democrático, que é o que desejamos todos os venezuelanos.
Senhores deputados: nós, os integrantes do Gabinete do presidente Hugo
Chávez, entregamos estes relatórios à representação popular para que sejam
devidamente examinados, estudados a fundo, com escalpelo, com raios X, com
laser, com o que os senhores considerem conveniente, como não fez a oposição
quando estava presente neste Parlamento. Não queremos privilégios! Os membros
do Gabinete Chávez não querem privilégios. Se na gestão houver falhas, erros e
vícios, por favor, verifiquem-nos sem inibições, como compete a um poder
autônomo, soberano e plenamente responsável do Estado. Chávez, chefe do
Executivo, ao contrário de seus antecessores, não acoberta ninguém, não oculta,
não protege corruptos, traficantes nem animais com ferrões na cauda. Tampouco
aceita a incapacidade de sua equipe de governo. Exerçam com rigor a função
controladora e crítica de que outros declinaram. Têm os senhores, senhores
deputados, caminho livre para agir em toda a plenitude.
Apresentamos à consideração dos senhores, senhores deputados, o
resultado de uma ação decidida, de equipe. Não teve influência de grupos de
pressão extragoverno nem de interesses econômicos ou sociais diferentes do
propósito de governar para a maioria. Em linhas gerais, estes relatórios tratam
do seguinte – assinalo alguns aspectos fundamentais:
Ministério do Interior e Justiça
• Durante o ano de 2005, fortaleceu-se o sistema de identificação. Para
isso, foi criada a Fundação Missão Identidade, que permitiu expedir
carteiras de identidade a 4.752.614 cidadãos, de maneira confiável, segura
e eficiente.
• Foi iniciada a modernização dos sistemas de identificação e de registro
de estrangeiros, assim como de registros civis e cartórios.
• Foi levado a cabo o Plano de Segurança do Cidadão, por meio do qual
se realizam ações tanto preventivas quanto de segurança do Estado.
• Em uma política conjunta do Ministério do Interior e do Ministério da
Defesa, neste último caso por meio de órgãos como a Guarda Nacional,
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
213
desenvolveu-se uma ação profunda contra o narcotráfico. Era necessária,
já que o governo dos Estados Unidos repetiu a cantilena de todos os
anos, afirmando que a Venezuela é uma espécie de paraíso do
narcotráfico. O ministro Chacón, em uma contundente declaração no
dia de ontem, publicada hoje pelos meios de comunicação, já refutou a
temerária asserção de um governo como o dos Estados Unidos, que
não tem autoridade moral de nenhum tipo para erigir-se em juiz nessa
matéria. O governo de Washington não tem autoridade moral porque
os Estados Unidos são o país com maior consumo de drogas –
exatamente quarenta milhões de cidadãos.
Além disso, altos membros do governo do presidente (George) Bush
estão envolvidos no narcotráfico. Mais ainda, o sistema financeiro dos
Estados Unidos está gravemente penetrado pelo narcotráfico. Isto quer
dizer que não somente o governo dos Estados Unidos carece de
autoridade moral para acusar a Venezuela nesse campo, mas também
que fracassou estrepitosamente do ponto de vista prático da realização
de uma política articulada de luta contra o narcotráfico. Hoje em dia,
utiliza a luta contra o narcotráfico como uma simples bandeira política,
porque o narcotráfico e os narcotraficantes estão nos Estados Unidos,
não na Venezuela.
• Plano de humanização do sistema penitenciário, para atender de forma
integral à população reclusa, cujo total é de 19.879 pessoas.
• Política de ordem pública, sem repressão. A terrível figura da repressão,
para enfrentar a questão da ordem pública, desapareceu totalmente da
Venezuela. Isso não significa, amigos deputados, que não ocorram fatos
pontuais, ações precipitadas de policiais irresponsáveis, por corpos
policiais anarquizados. No entanto, quero dizer, com absoluta
responsabilidade, que não é política do Estado como tal, do governo
como tal, reprimir os cidadãos, diferentemente do que ocorreu durante
governos da Quarta República, quando a repressão constituía a essência
da política ao tratar da ordem pública. Aqui há uma diferença total, plena,
que se exprime na maneira pela qual o governo nacional se fez presente
cada vez que ocorreu um fato repreensível do ponto de vista da violação
dos direitos humanos. Não se esquivou de sua responsabilidade e colocou
em funcionamento os órgãos jurisdicionais competentes.
“Há um outro mundo, e está neste”
214 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
214
Devo dizer, além disso, em relação ao narcotráfico, que depois que a DEA
saiu da Venezuela, o confisco de drogas aumentou 40 por cento no país.
Ministério das Relações Exteriores
• Há um fato muito importante, ocorrido durante o ano de 2005: a maneira
pela qual o governo nacional, por meio da Chancelaria, coordenou as
ações humanitárias e as ações solidárias com países da região. Isso, como
sempre, suscitou a crítica irresponsável de setores oposicionistas, setores
para os quais a tragédia humana nada significa; e, com o argumento tolo
de que estamos gastando dinheiro dos venezuelanos fora do país,
procurou-se reduzir a importância dessa política.
Quero dizer à representação popular e aos meios de comunicação
que nos sentimos cheios de orgulho porque, sem descuidarmo-nos
das necessidades do país – e isso está provado pelas missões, com as
quais os humildes e pobres da Venezuela vêm recebendo do Estado
um apoio que nunca antes receberam –, ao mesmo tempo, fomos
capazes de ajudar homens e mulheres da América Latina atingidos
pela tragédia e por acidentes naturais. Podermos estender a mão aos
povos de Granada, de São Domingos e da Jamaica, podermos estender
a mão aos flagelados da Bolívia e de qualquer nação onde ocorra uma
tragédia é coisa que deve encher de orgulho e contentamento a nós,
venezuelanos, que possuímos uma convicção mais além do que é
pequeno e mesquinho.
• A política externa promoveu a multipolaridade, enfrentando o pólo
único representado pela grande potência imperial. Não aceitamos um
mundo dominado por uma única potência. Cremos na multipolaridade,
que permite que todas as expressões do mundo se manifestem no quadro
da paz e do diálogo.
• Demos impulso à integração latino-americana com uma firmeza de estirpe
bolivariana, com uma decisão e uma vocação que se exprimem na maneira
pela qual o presidente Chávez, por meio da Chancelaria, multiplicou o
esforço integrador. Em conseqüência, a Venezuela entrou para o Mercosul.
É uma das realizações mais extraordinárias de nossa política externa, que
ninguém poderá rechaçar, a menos que não sinta este país.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
215
• Temos, neste momento, as melhores relações com todos os países da
Terra, até mesmo com aqueles com os quais temos divergências de tipo
político ou ideológico. Somente com um não temos boas relações, não
por culpa nossa e, sim, deles. Trata-se dos Estados Unidos. A Chancelaria
venezuelana e o chefe do Estado têm sido fervorosos promotores de
bom relacionamento com os Estados Unidos, mas é impossível ter boas
relações com a equipe de canalhas que preside a Casa Branca. O bando
dos quatro, integrado por (George) Bush, (Dick) Cheney, (Donald)
Rumsfeld e (John) Negroponte, exclui a possibilidade de relações no
terreno da dignidade e do respeito recíproco. A Venezuela está
consciente de ser país pequeno, que não pode competir com o império
no campo bélico; apesar disso, exerce sua soberania com plena dignidade
e não está disposta a renunciar a ela.
• Por causa dessa política externa, somos mais conhecidos no mundo, e
mais reconhecidos no mundo, o que talvez seja mais importante. Somos
mais reconhecidos pelas realizações internas, por um projeto acertado
de política externa, pela maneira com que foi construída uma aliança
tanto na América Latina quanto no mundo, em favor de uma política de
entendimento e de diálogo.
• A cada dia, sentimo-nos, os venezuelanos, mais orgulhosos de ser venezuelanos
no concerto mundial. Não se trata de uma afirmação retórica de minha
parte. Isso é confirmado precisamente em uma pesquisa publicada no dia
de hoje, feita pelo Centro Nacional Norte-Americano de Pesquisa de
Opinião, que diz que a Venezuela e os Estados Unidos são os países mais
orgulhosos. Quer dizer, os venezuelanos e os norte-americanos são os
cidadãos do mundo que têm mais orgulho de seus países.
Essa pesquisa revela, por exemplo, que a Venezuela está em primeiro
lugar, com 18,4 pontos; em seguida, os Estados Unidos, com 17,7; depois,
a Austrália, com 17,89; a Áustria, com 17,4; e o Chile, com 17,1 pontos.
Por que esse reconhecimento, por que essa realidade? Porque nós, na
Venezuela, levamos adiante um processo que trouxe dignidade aos
pobres. Estes deixaram de ser habitantes de um país para converter-se
em cidadãos, e quem é cidadão de um país é também cidadão do mundo.
Aí está a explicação – digam o que disserem alguns meios de
comunicação, que tratam de diminuir a capacidade dos venezuelanos e
“Há um outro mundo, e está neste”
216 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
216
de desmoralizá-los, mas o resultado é completamente diferente. Este é
um país orgulhoso do que é hoje e do que continuará a ser.
Ministério das Finanças
• Em relação a 2004, aumentou 94 por cento o número de créditos
aprovados no sistema financeiro público.
• A entrada em operação do Banco do Tesouro e a criação do Fundo de
Desenvolvimento Nacional (Fonden) são sinais importantes da gestão
na área financeira.
• O Serviço Nacional Integrado de Administração Aduaneira e Tributária
(Seniat) arrecadou, durante o ano de 2005, 38,46 bilhões de bolívares, o que
representa um índice de realização de 142,1% em relação à meta estabelecida.
Em um país onde não se pagavam impostos, onde os poderosos não os
pagavam, agora são obrigados a pagá-los, e os impostos lhes são cobrados.
• Foram processadas 327 mil solicitações de Autorização de Liquidação
de Divisas (ALD), num total de 20.156 milhões, o que representa um
incremento de 13,6% em relação a 2004.
• Os famosos bônus da dívida argentina, tão questionados pela oposição
e por alguns economistas que não merecem confiança, em cinco meses
resultaram em lucro da ordem de 75 milhões de dólares para a Venezuela.
Além disso, a metade do dinheiro investido nesses bônus, um bilhão de
dólares, já foi comprada pelo setor bancário privado, pelos 26 bancos
da República. Os bônus não eram falsos, e, sim, os seus críticos.
• O risco-país estava em 270 pontos no início de 2005, e ontem, segundo
me disse (Nelson) Merentes, caiu para 217. Estamos no limiar do grau
de investimento, isto é, estamos em uma ótima situação que abre um
panorama extraordinário para o investimento estrangeiro.
Ministério da Defesa
• Em 2005 consolidou-se o trabalho conjunto entre o estamento militar e o
civil. Imperou a mais absoluta tranqüilidade nos quartéis – a tranqüilidade
do trabalho, do profissionalismo, e a derrota definitiva de qualquer tipo
de aventura. Isso é produto do nexo histórico que se estabeleceu
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
217
plenamente entre as Forças Armadas Nacionais e o povo venezuelano.
Esse binômio, que foi determinante, ao longo de sete anos, na defesa da
ordem constitucional e do processo revolucionário, se consolidou
definitivamente durante o ano de 2005, de maneira inequívoca e rotunda.
Aqui devo fazer, nessas circunstâncias e neste momento, um
reconhecimento ao alto comando militar, às Forças Armadas Nacionais.
• Foram executados projetos destinados à recuperação e modernização da
infra-estrutura das Forças Armadas Nacionais, com ênfase nas unidades
de fronteira. Temos milhares de homens e dezenas de postos nas fronteiras,
devido à exigência do ponto de vista da segurança e da defesa, e também
com a finalidade de enfrentar o flagelo do contrabando e do narcotráfico.
Conseguimos consolidar pela primeira vez um cordão de segurança das
Forças Armadas Nacionais ao longo dos 2.216 quilômetros de nossa
fronteira com a Colômbia. A fronteira passou a ser um fator vivo da
política do Executivo, intimamente vinculado à defesa nacional.
• Na área educativa, por intermédio da Universidade Nacional
Experimental Politécnica da Força Armada Nacional (Unefa), foram
incrementadas as matrículas em nível nacional. É impressionante o
número de alunos que atualmente seguem cursos na Unefa.
• Foram desenvolvidas e publicadas as linhas gerais da nova doutrina militar.
Pela primeira vez em nossa história moderna, a Venezuela dispõe de uma
política de segurança e defesa nacional. Não uma política copiada, não é
uma política que corresponda a um projeto elaborado no exterior e, sim,
uma política pensada por venezuelanos, pelos oficiais venezuelanos, em
função das exigências da defesa nacional. Assim, aquela antiga concepção
de que as Forças Armadas operavam como uma espécie de força de
ocupação do país cedeu o passo a uma força que coexiste com a nação e
com o povo e que está identificada em objetivos comuns. Essa é a nova
realidade de segurança e defesa, na qual, certamente, a assimetria diante
de qualquer conflito desempenha papel determinante.
Ministério de Indústrias Leves e Comércio
• Promoveu a presença da oferta exportável da Venezuela nos mercados
internacionais, realizando cinco macrorrodas de negócios: com o Chile,
a Colômbia, os Estados Unidos e o Uruguai, num montante negociado
“Há um outro mundo, e está neste”
218 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
218
de 1.637,5 milhões de dólares, e o evento Exponaval Venezuela
Internacional 2005, no qual apresentou o “Portfolio de investimentos da
indústria naval venezuelana 2006-2010”, com um desenvolvimento
projetado de 79 bilhões de dólares.
• Fortaleceu-se a aliança estratégica para transferência de tecnologia,
capacitação e treinamento e intercâmbio comercial entre os países da
região, no quadro do Primeiro Encontro Latino-Americano de
Empresas Recuperadas pelos Trabalhadores, realizado em Caracas.
• O mercado interno robusteceu-se com a realização de cinco rodas de
negócios nos quais a demanda de bens, obras e serviços, apresentada
por 23 empresas e organizações do Estado, ascendeu a 1,4 bilhões de
bolívares.
• No quadro do desenvolvimento econômico e social endógeno, assim
como na geração de empregos produtivos impulsionada pelo Executivo
Nacional, foi implementado o programa Venezuela Móvel e um
programa de cesta familiar. O objetivo de tudo isso foi garantir os
direitos da população, em todos os âmbitos da ação pública nacional.
Ministério de Indústrias Básicas e Mineração
• Foi recuperado o preço do minério de ferro vendido pela CVG
Ferrominera: antes era de 44% do preço internacional e, a partir de 15
de novembro de 2005, é calculado à base de 100% do preço fixado
internacionalmente.
• Foi proposto o Decreto 3.895, publicado pelo Executivo Nacional,
medida histórica para o setor nacional de indústrias de transformação,
que garante o fornecimento de matérias-primas para transformação em
produtos de maior valor agregado.
• Foi impulsionado um plano de investimentos para consolidar a
recuperação das empresas básicas e para a criação de uma nova geração
de empresas em elos-chave do desenvolvimento industrial do país.
• Intensificou-se a execução das obras da Terceira Ponte sobre o Orinoco
e da Central Hidrelérica de Caruachi, ambas com inauguração prevista
para o primeiro semestre de 2006.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
219
• Igualmente, foi aprovado um empréstimo de 750 milhões de dólares do
BID para o projeto hidrelétrico Tocoma.
Ministério do Turismo
• Promoveu-se a promulgação da Lei Orgânica do Turismo.
• Realizou-se o pré-investimento nos núcleos de desenvolvimento
endógeno: La Tortuga, Morro de Puerto Santo, Rio Caribe, Canaima,
El Yaque, El Tirano e Chichiriviche.
• Foram elaboradas normas para o financiamento do desenvolvimento
endógeno do turismo.
• Foi superada a meta de arrecadação de 1%, com um aumento de 57,62%.
• Foi realizada a Feira Internacional de Turismo de Caracas (Fitcar 2005),
com a participação de 56 países.
• Promoveu-se o apoio ao desenvolvimento das comunidades turísticas,
por meio do fortalecimento de 17 fundos mistos estatais.
• Foram incorporadas 31.741 pessoas ao programa de capacitação turística.
• Coordenou-se o crescimento do Consórcio Venezuelano de Indústrias
Aeronáuticas e Serviços Aéreos, S.A. (Conviasa), que transportou, no primeiro
ano de funcionamento, 173.208 passageiros em 3.074 horas de vôo.
Ministério da Agricultura e Terras
• Foram elaborados o Plano de Semeadura e Produção e o Plano Integral
de Produção e Desenvolvimento Agrícola Nacional, ano 2006.
• Foram canalizados 6,33 bilhões de bolívares para financiar 2,32 hectares
e contribuir para o crescimento do PIB em 2,6%.
• Foi conferida segurança jurídica a 143.212 famílias de camponeses, pequenos
e médios produtores, numa superfície de 1.215.152,68 hectares, com a
entrega de 3.000 títulos agrários, 80 títulos de reintegração, 780 certificados
declaratórios de direito de permanência e resgate de 29 fundos.
“Há um outro mundo, e está neste”
220 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
220
Ministério da Educação Superior
• A Missão Sucre recebeu 94.787 novos bacharéis, o que representa um
aumento de 72,7% em relação ao ano de 2004.
• Quinze mil, trezentos e vinte e cinco estudantes foram incorporados ao
programa de formação em Medicina Integral Comunitária, por meio
da habilitação de 5.000 consultórios populares.
• Fortaleceu-se o convênio Cuba-Venezuela e criou-se a Escola Latino-
Americana de Medicina em Ciudad Guiri.
• O Fundayacucho beneficiou 8.586 estudantes ativos.
• Efetivou-se o pagamento a título de normas de homologação 2002-
2003, num montante de 20,7 bilhões de bolívares.
• Dentro da política de contas transparentes, o ministério pagou a dívida
trabalhista pendente, com um investimento de 646 bilhões de bolívares,
que beneficiou 95.031 professores universitários.
Ministério da Educação e Esportes
• Erradicação do analfabetismo. Em 2005, a Venezuela foi declarada
território livre de analfabetismo. Uma vitória histórica.
• Consolidaram-se os projetos Simoncito, escolas bolivarianas, liceus
bolivarianos e escolas técnicas robinsonianas.
• Foi ampliada a matrícula para 11.810.336 indivíduos, o que inclui diversos
níveis e modalidades educativas, assim como as missões educativas. Na
prática, ao final de 2005, há 16 milhões de pessoas estudando. Numa
população de 25 milhões, vejam os senhores a porcentagem. Creio que
é um recorde mundial.
• Foram beneficiados mais de 1.500.000 alunos por meio dos programas
de cuidados alimentares.
• Outorgaram-se subsídios a 1.125 instituições educativas e de caráter
cultural.
• Foram capacitados 3.560 docentes.
• Estabeleceram-se 3.000 hortas escolares agroecológicas em escolas nacionais,
no quadro do projeto de escolas produtivas para a segurança alimentar.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
221
• Realizaram-se os VII Jogos Desportivos Escolares Nacionais, e foi dado
apoio à participação das delegações desportivas venezuelanas em
diversos eventos esportivos internacionais. Se isso é pouco, ganhamos a
Série do Caribe. Também ganhamos no Sambódromo, no Rio de Janeiro.
Isso desagrada a alguns; estão de luto.
Ministério da Saúde
• Fortaleceu-se o sistema público nacional de saúde por meio da
consolidação de “Barrio Adentro” I, II e III, por meio de 954
consultórios construídos, 1.509 em construção, 12 clínicas populares
construídas, 7 inauguradas; 100 salas de reabilitação construídas, um
centro de alta tecnologia inaugurado.
• No quadro do Plano Nacional de Identidade “Yo Soy”, instalaram-se e estão
em funcionamento 75 unidades hospitalares de registro civil de nascimentos.
Sei que esta resenha é um pouco pesada. Eu não a suportava quando era
deputado, mas como a oposição diz que nós nada fizemos no governo, é
bom pelo menos repetir para eles o que fizemos em apenas um ano, em 2005.
• Por meio do instituto nacional de higiene, foram fabricadas 6.685.791
doses de vacinas para uso do programa ampliado de imunizações e
controle de zoonoses; 100.000 doses de novas vacinas combinadas
tetravalentes e pentavalentes (Convênio Cuba–Venezuela), como parte
do desenvolvimento de novos produtos em função das necessidades
identificadas pelo ministério.
• No campo dos principais problemas de saúde que afetam a população,
conseguiu-se incrementar a eficiência no controle do câncer.
• Foi aumentado o investimento na prevenção e no tratamento para 100%
das pessoas portadores de HIV.
• Avançou-se no programa de transplante de órgãos. Os transplantes
realizados foram mais de 200.
• Avançou-se no fornecimento de implantes ósseos, órtese e prótese.
• Foi mantida a garantia de tratamento gratuito de 100% das pessoas
afetadas pela tuberculose.
“Há um outro mundo, e está neste”
222 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
222
Ministério do Trabalho
• Foram modernizadas sete inspetorias do trabalho sob o novo modelo
de justiça administrativa trabalhista, que dignifica e incrementa a
cobertura efetiva dos serviços.
• Foi estendida até 31 de março de 2006 a estabilidade e permanência
trabalhista, que beneficia todos os trabalhadores com salário básico
mensal de até 633.600 bolívares.
• Inscreveram-se 548 novas organizações sindicais locais e nacionais, e
2.528 atualizaram seus dados.
• Foi assinado um total de 564 convenções coletivas de trabalho
homologadas, o que beneficiou diretamente 195.549 trabalhadores.
• Foram atendidos 260.833 usuários em nível nacional, para
assessoramento e representação, em forma universal e gratuita,
assumindo causas em instâncias administrativas e em instâncias judiciais
com competência trabalhista.
• 7.490 empresas e 130.074 usuários filiaram-se ao Serviço Nacional de Emprego.
• Sob o esquema de co-gestão entre trabalhadores, empresários e Estado,
foram criadas e entraram em funcionamento as empresas: Indústria
Venezuelana Endógena de Papel (Invepapel), Indústria Venezuelana
Endógena de Válvulas (Inveval) e Indústria Venezuelana Endógena Têxtil
(Invetex). Esse é um processo em expansão que continuará a aprofundar-
se nos próximos meses.
• Foram atendidos 6.283.690 pacientes nos centros hospitalares
ambulatórios do Instituto Venezuelano de Seguros Sociais (Ivss).
Ministério da Infra-Estrutura
• Foi iniciada a construção de um viaduto alternativo no estado Vargas.
Foi inaugurada a “trilha”. Prefiro a palavra “trilha” a “via alternativa”.
Certamente, quando o ministro (Ramón) Carrizales apresentar seu
relatório, entregará o livro junto com uma bolsa onde estarão os
parafusos.
• Foram reabilitadas as principais artérias viárias do país.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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• Foi construído o Hospital Cardiológico Infantil Latino-Americano.
• Foi congelado o aluguel de moradias
• Progrediu de maneira significativa a construção dos sistemas de transportes
de massa a ser inaugurados em 2006: Metrô de Maracaibo, Metrô de Caracas,
Los Teques e Valencia. Depois dizem que não construímos nada.
• Foi iniciado o plano Operativo Vitrina Tolmérida, no estado Mérida.
• O sistema ferroviário Caracas-Tuy Médio está sendo integrado com a
rede básica do Metrô e o Plano Ferroviário Nacional.
• Progrediu o projeto de construção do “porto de águas profundas”.
• Instalou-se o Conselho de Espaços Aquáticos e Insulares.
• Iniciou-se o projeto de modernização do sistema de controle aéreo em
nível nacional. Nossos aeroportos são, hoje em dia, aeroportos de
primeira classe. Daí o problema que temos com os Estados Unidos,
que não querem reconhecê-lo. Se não o reconhecem, as linhas norte-
americanas não voarão para nosso país.
Ministério da Energia e Petróleo
• Foi levada a efeito uma política de plena soberania petrolífera, com o
início da liquidação dos chamados convênios operativos e sua migração
para empresas mistas – soberania petrolífera como nunca houve antes
neste país. Acabou-se a negligência implantada pela antiga gestão da
PDVSA. Hoje, o petróleo é realmente venezuelano; nós os venezuelanos
o administramos e gerimos, no interesse e para benefício dos
venezuelanos, de ninguém mais.
• Por essa mesma razão, iniciou-se o Plano Semeadura de Petróleo.
• Iniciou-se o projeto Magna Reserva, de quantificação e certificação na
Falha Petrolífera do Orinoco.
• Eliminou-se o prejudicial tetraetilo de chumbo em nossa gasolina.
• Progrediram os acordos de cooperação energética Petrocaribe e Petrosur.
• Elaborou-se o Plano Petroquímico Nacional com progressos em sua
implementação, mediante a reativação da fábrica de fertilizantes do complexo
petroquímico El Tablazo e o desenvolvimento da refinaria em José.
“Há um outro mundo, e está neste”
224 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
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• Apoiaram-se de forma irrestrita diversas missões, tanto no aspecto
financeiro quanto no organizacional. Isto quer dizer apoio ao povo.
Petróleo para o povo.
• Estimularam-se os núcleos de desenvolvimento endógeno, empresas de
produção social e cooperativas de desenvolvimento de grandes obras
de infra-estrutura, tais como trechos de ferrovias, usinas de energia
elétrica e estradas modernas, por meio do Fonden e do Fondespa.
Ministério do Meio-Ambiente
• Foram instalados 59 km de tubos de aço, correspondentes à primeira
fase do aqueduto bolivariano do estado Falcón (investimento de 215
bilhões de bolívares), que beneficia 450 mil habitantes.
• Foi refeito o leito dos rios afetados pela inundação de fevereiro
(investimento: 110 bilhões de bolívares).
• Iniciou-se a manutenção e a recuperação da bacia do rio Guaire
(investimento: 128 bilhões de bolívares).
• Iniciou-se a recuperação da represa El Guapo (investimento: 66 bilhões
de bolívares).
• Foram reabilitadas as usinas de tratamento Los Guayos, Taiguaiguay e
La Mariposa, nos estados Aragua e Carabobo, com avanço no
saneamento do Lago Valencia.
• Executaram-se obras de construção de aquedutos e cloacas, por meio
das Mesas Técnicas de Água.
• Foi iniciado o Plano Nacional de Reflorestamento Produtivo, com a
formação de 34 comissões conservacionistas e 10 brigadas de
conservação.
• Foi criado o primeiro núcleo de desenvolvimento endógeno na
comunidade de Muaina, no estado Delta Amacuro.
• Foram entregues 21 títulos de propriedade, correspondentes a mais de
600 mil hectares, aos grupos étnicos karina, warao, pomé e kiwi.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
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Ministério do Planejamento e Desenvolvimento
• Coordenou as políticas macroeconômicas para apoiar a consolidação
do desenvolvimento econômico.
• Deu impulso ao prosseguimento das metas do milênio e promoveu a
análise da inclusão social.
• Formulou o Plano Operativo Anual Nacional, sob uma nova lógica, na
qual os projetos passaram a ser o eixo central da gestão anual dos órgãos
da administração pública.
• Hierarquizou a ação do governo em relação às faces da integração e aos
eixos de desconcentração.
• Promoveu a região de planícies do norte como espaço de focalização
da política territorial.
• Controlou a inflação: fevereiro terminou com menos de 0,4%. Não
conheço economia – perguntei a (Jorge) Giordani e a Merentes, que
entendem de economia –, se isso significava que entrávamos em uma
etapa de deflação, porque achava que a deflação é pior do que a inflação.
Eles responderam que a deflação não é perigosa quando há crescimento,
e justamente estamos crescendo como nunca antes cresceu a Venezuela.
Ministério da Ciência e Tecnologia
• Assumiu a responsabilidade de incentivar e desenvolver processos de
geração e transferência de conhecimento para o desenvolvimento
endógeno, a soberania nacional e a inclusão social.
• Promoveu a promulgação da Lei de Ciência, Tecnologia e Inovação.
• Firmou o convênio para o satélite Simón Bolívar. Agora temos satélite,
já somos um país “de primeira”.
• Criou a empresa Venezuelana de Indústria Tecnológica, para Montagem
de Computadores Bolivarianos; o Centro de Inovação Tecnológica; o
Centro Nacional de Desenvolvimento e Pesquisa em Telecomunicações
e o Centro Nacional de Tecnologia Química, entre outros.
• Iniciou operações da usina Pegamma.
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• Construiu a fábrica de produtos farmacêuticos.
• Executou o Plano Nacional de Sementes.
• Instalou 76 redes de inovação produtiva, 150 infopontos, 97 infocentros,
dois infomóveis e um infolaboratório.
• Executou o Decreto 3.390 sobre software livre.
• Formulou o Plano Nacional de Ciência e Tecnologia.
• Realizou a II Feira Nacional de Ciência e Tecnologia.
• Outorgou 571 bolsas de quarto nível em diversas áreas do conhecimento. Por fim,
a ciência é uma política do Estado venezuelano. Por fim o Estado venezuelano
tem uma política em função do desenvolvimento científico do país.
Ministério das Comunicações e Informação
• Com a implantação da respectiva lei, conseguiu que:
- a música venezuelana ocupe 50% da programação musical de todas as
emissoras de rádio;
- 85% da publicidade transmitida seja de produção nacional;
- 100% das propagandas difundidas sejam venezuelanas;
- fossem retiradas do ar a publicidade, a promoção e as campanhas
vinculadas a bebidas alcoólicas e cigarros, tanto nas rádios e emissoras
de TV de sinal aberto quanto nas de assinatura;
- a linguagem, a saúde e o sexo sejam tratados segundo os blocos horários
dos usuários, supervisionado e adulto, cujo controle social, para melhorar
a qualidade das mensagens difundidas, é realizado por 920 organizações
de usuários e usuárias.
• Deu impulso ao desenvolvimento da Produção Nacional Independente
(PNI), obtendo a certificação de mais de 5.000 produtores nacionais
independentes.
• Ampliou a cobertura e a difusão da gestão do Estado, os ideais do
pensamento bolivariano e a transmissão dos valores regionais, assim
como os espaços de participação juvenil co-responsável.
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
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• Criou a nova Televisão do Sul (Telesur) com sinal ao vivo 24 horas por
dia. Sem dúvida, o noticiário é estupendo, eu o recomendo… e (Jesús)
Romero Anselmi voltou ao canal 8.
Ministério da Economia Popular
• Capacitou 264,720 lanceiros e lanceiras
• Formou 6.814 cooperativas, assim distribuídas: Frente de batalha agrícola:
2.251; Frente de batalha de serviços: 1.730; Frente de batalha industrial:
723; Frente de batalha de infra-estrutura: 723; Frente de batalha de
turismo: 514.
• Ativou 130 Núcleos de Desenvolvimento Endógeno (Nude).
• Por meio das entidades financeiras e microfinanceiras, outorgou 5.335
créditos às cooperativas da missão “Vuelvan Caras”, num montante
total de 861.450.816.496,68 bolívares.
Ministério da Alimentação
• Distribuiu mais de 6 milhões de quilos de alimentos diários à população
mais vulnerável.
• Beneficiou 15 milhões de cidadãos com produtos de altíssima qualidade,
com uma economia média de mais de 37% em relação aos preços de
mercado.
• Mantém mais de 14.000 estabelecimentos de vendas.
• Organizou 900 cooperativas e mais de 400 empresas privadas.
• Mantém 6.000 casas de alimentação, que atendem a 900.000 pessoas de
baixos recursos.
• Conseguiu a maior capacidade de armazenamento de cereais do país,
aumentando de 6 para 271 o número de fábricas de silos, o que permitiu
passar de 100 milhões a 1.300 milhões de quilos na capacidade de
armazenamento de cereais, favorecendo a mais de 43.000 produtores rurais.
• Iniciou a construção da rede de frigoríficos mais moderna do país
(Barcelona, Maracay, Maracaibo) e recuperou os frigoríficos de La
“Há um outro mundo, e está neste”
228 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
228
Guaira e Quibor, cada um com capacidade de 6 milhões de quilos de
armazenamento a frio.
• Recuperou e reativou três empresas agroindustriais: Café Venezuela,
com 11 anos de inatividade; Frutimoca, agora Fruticasa, com 16 anos
de inatividade; e Enfria, agora chamada Logicasa.
• Articulou empresários e produtores na elaboração e no início do Plano
de Fomento Agropecuário.
Ministério da Cultura, criado durante o ano de 2005
• O conjunto de metas e realizações do Ministério da Cultura pode ser
analisado tanto quantitativa quanto qualitativamente. Para esse fim, deve
considerar-se que dos 317.940.654.545,00 bolívares alocados pelo
orçamento legal, além das modificações, foi possível executar
314.673.704.418, 43 bolívares, o que representa 99% do total.
• Hoje, a cultura está no seio do povo. Deixou de ser cultura elitista para
converter-se em expressão direta da vontade do Estado e do governo
venezuelanos de levar a cultura a todos os setores populares.
Ministério da Moradia e Habitat
• Contribuiu para a transformação do habitat, integrando a população
excluída do mercado de trabalho.
• Gerou 44.999 empregos diretos e 134.997 empregos indiretos nas
comunidades populares.
• Atendeu a um total de 84.430 famílias, por meio das linhas estratégicas
de ação “Cierre de Ciclo”, “Substituição de Ranchos por Casas (Suvi)”,
“Plano Casa Média”, “Nuevos Pueblos”, “Programa VIII”, “Comissões
de Terra” e “Reabilitações”.
• Construiu 41.330 moradias novas.
• Permitiu a outorga de subsídio habitacional direto, créditos hipotecários
de longo prazo com recursos provenientes do Fundo de Poupança
Obrigatória (FAO), crédito misto, crédito de fundos comunitários,
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
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crédito OCV-FAO, com um investimento de 1.181.791,33 bilhões de
bolívares, beneficiando 31,800 famílias de classe média, restando
executar, em 2006, 12.405 soluções habitacionais provenientes do
exercício de 2005.
• Foi realizada uma aliança estratégica entre o Ministério da Moradia e
Habitat e os bancos do Estado (Banco do Tesouro, Banco Industrial da
Venezuela, Banfoandes e Banco Nacional da Moradia).
• Outorgou créditos hipotecários de longo prazo com recursos
provenientes do fundo de poupança obrigatória, num total de 660.550
milhões de bolívares, para um total de 21.193 famílias beneficiadas.
Ministério da Participação Popular e Desenvolvimento Social
• Foi criado em 31 de agosto de 2005.
• As atividades giraram em torno do cumprimento do mandato
constitucional que define a proteção social como um direito social e o
direito à organização e à participação pública como um direito
comunitário. Nesse sentido:
– Fortaleceu a integração das cadeias produtivas mediante projetos que
promovem a organização comunitária.
– Beneficiou 783.265 adultos e adultas idosos por meio da política de
atenção integral e ajudas econômicas.
– Entregou 6.542 títulos de propriedade da terra, beneficiando 24.640 famílias.
– Proporcionou 543 moradias a famílias de baixos recursos.
– Beneficiou 128.912 famílias por meio da execução de obras de infra-
estrutura e equipamento para a reabilitação integral de áreas urbanas pobres.
– Atendeu e beneficiou 336.809 crianças e adolescentes, por meio do
programa “Integração social de crianças, adolescentes e jovens deficientes”.
– Entregou 1.200.000 uniformes escolares de ótima qualidade a crianças
de idade pré-escolar até a primeira etapa da educação básica, provenientes de
famílias de baixos recursos econômicos.
“Há um outro mundo, e está neste”
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230
Construiu 579 consultórios populares, que beneficiam uma população de
723.750 pessoas e geraram 13.896 empregos diretos e 20.265 empregos indiretos.
Ministério de Estado para a Integração e Comércio Exterior
• Coordenou e configurou cenários de negociação e processos de integração.
• Deu impulso a eventos comerciais com o Uruguai, o estado do Paraná
no Brasil, a Feira de Havana e a encontros binacionais que propiciaram
a assinatura de 136 instrumentos de cooperação com países da região.
• Coordenou eventos comerciais que geraram mais de 106 acordos de
cooperação com aliados estratégicos, como o Irã, a China, países do
Oriente Médio e Ásia, França, Espanha, Itália e a União Européia.
Agora é a vez da Vice-Presidência
A Vice-Presidência da República desenvolveu ao máximo as atribuições
constitucionais de colaborador imediato do Presidente da República e
coordenador da administração pública.
Gestão da Vice-presidência da República
• A Nova Etapa e os Gabinetes Móveis. Durante o ano de 2005, a
prioridade foi o aprofundamento das diretrizes da “Nova Etapa e Novo
Mapa Estratégico”, anunciado pelo Presidente da República em
novembro de 2004. Isso levou ao fortalecimento institucional da Vice-
Presidência da República, porque significa um trabalho permanente
dentro de numa instituição político-estratégica, cujo dinamismo e
flexibilidade são condições para sua eficiência.
A condução da Nova Etapa está confiada à Entidade Coordenadora
Presidencial, presidida pelo Vice-Presidente Executivo e integrado pelos
ministros do Planejamento e Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia,
Indústrias Leves e Comércio, e Defesa.
Por meio desse mecanismo foram aprovados, no ano de 2005, 237
projetos produtivos, apresentados pelos governos estaduais e pelas
prefeituras, que alcançaram um montante de 1.152.380.584.654 de
bolívares, distribuídos da seguinte maneira:
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
José Vicente Rangel
231
• Promoveu-se a participação cidadã e estabeleceram-se nexos estreitos
com todas as instituições do Estado, especialmente com a Assembléia
Nacional. Essa atividade permanente da Vice-Presidência foi
determinante para a fluidez das instituições durante o ano de 2005.
Senhor presidente, senhores deputados:
Trabalhamos no seio do governo e continuaremos trabalhando para todos
os venezuelanos, em especial para os mais pobres, para os mais humildes, para
os relegados e excluídos de sempre, com a convicção de que é possível melhorar
a condição de nossa gente, acabar com os bolsões de miséria oriundos da injustiça
e dos privilégios, para que os venezuelanos não vivam de ilusões e não remetam
a redenção social e ética do homem à realização, em outra vida, de uma concepção
que coloca a felicidade no além.
Um poeta francês, Paul Éluard, excelso cantor da liberdade, escreveu certa
vez: “Há um outro mundo, e está neste”. O outro mundo está aqui, e é aqui que
estamos obrigados a promover a felicidade de todos os venezuelanos, sem
exclusões. Façamos desse propósito uma realidade, no quadro da solidariedade,
da paz, da democracia, da justiça, com verdadeiro respeito à condição humana,
fator fundamental de uma autêntica revolução, como a conduzida pelo Presidente
Hugo Chávez, e da qual participa, como protagonista, o povo venezuelano.
Meus apreciados colegas do Conselho de Ministros entregarão aos senhores,
como já disse anteriormente, os relatórios correspondentes à gestão do ano de
2005. O veredicto fica nas mãos dos senhores. Qualquer que seja, terá o respeito
absoluto do Executivo Nacional, porque vivemos em uma democracia e em um
autêntico Estado de Direito. Muitíssimo obrigado.
RESPONSÁVEIS Nº. DE PROJETOS RECURSOS ALOCADOS
Governos estaduais 293.889.353.458 bol.
Prefeituras 858.491.231.196 bol.
Total
30
207
237
1.152.380.584.654 bol.
Tradução: Sérgio Duarte.
Revisão: Regina Furquim
DEP
Pedro Lira
232 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
232
* Director do Museu Nacional de Belas Artes, Santiago, Chile.
A Carta
Óleo / Tela – 116 x 58 cms
Pedro Lira
Milan Ivelic
*
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Milan Ivelic
233
edro Lira pintou “A Carta” provavelmente nos últimos anos do século
XIX. Infelizmente, o artista não datava os seus quadros, e, só por meio de estudos
comparativos, podemos aproximar-nos de uma data provável, de acordo com
a sua temática, localizando-a entre 1885 e 1890. Coincide com uma época em
que o pintor executou muitas obras que tinham como tema a mulher.
Quem foi Pedro Lira?
O pintor pertenceu à sociedade aristocrática da época, e, na verdade, isso
lhe causou problemas, começando pelos familiares, pois, em uma sociedade muito
classista e preconceituosa, a profissão de pintor não tinha prestígio. Precisou
primeiramente estudar direito e formar-se como advogado para satisfazer os
desejos do seu pai, mas, uma vez cumprido o mandato paterno, nunca exerceu
esse ofício, dedicando-se inteiramente à atividade artística.
Sua formação artística foi feita na Academia de Pintura que tinha sido
fundada em 1849, e o seu primeiro mestre foi o próprio diretor da Academia, o
italiano Alexandre Cicarelli, que o iniciou no rigor do desenho e na estética
racional do neoclassicismo. Os passos seguintes o levaram à Europa, por dez
anos (1873-1882), em especial à França. Praticou com Elie Delaunay, Jules Bastien
Lepage, Jean Paul Laurens e Evaristo Luminais. De acordo com essa orientação
acadêmica, aparece seu ciclo histórico e mitológico, com obras como “Prometeu
Encadeado” (1883) ou “A Fundação de Santiago” (1885) – esta última, um
quadro de grandes dimensões com o qual ganhou a Segunda Medalha no Salão
de Paris de 1889.
De volta ao Chile, desenvolveu esforço sistemático de docência e
divulgação, além de continuar com o seu trabalho pictórico, e teve tempo para
preparar o Dicionário Biográfico de Pintores (1902). Desenvolveu um espaço de
exposição conhecido como o Partenon (1885), devido às suas colunas dóricas,
que antecedeu o atual Museu Nacional de Belas Artes (1910). Sua personalidade
forte e dominante o levou a um ativo protagonismo no cenário artístico chileno.
A Carta” corresponde à sua inclinação romântica, reflexo de Delacroix,
por quem tinha grande interesse. Abandonou a temática histórica e mitológica
para aproximar-se mais intimamente do seu eu pessoal e subjetivo, sem renunciar
P
Pedro Lira
234 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
234
ao mundo visível, aos dados reais, a uma percepção solidária com a
representação. Esta atitude o levou a privilegiar sempre a fidelidade ao modelo
e a respeitar a estrutura formal dos objetos, pondo a sua excelente técnica a
serviço do tema.
Em um quarto, uma mulher vestida com elegância, com um traje refinado
que denota a sua condição social, está pintada em pose inovadora de desafio,
que concentra a atenção no estudo da nuca, na cabeleira e nas dobras do vestido.
Pedro Lira condenou-nos a não ver o seu rosto, impediu-nos de conhecer a sua
identidade, assim como ela esconde uma carta misteriosa ao perceber que a
porta do quarto começa a ser aberta.
Quem chega? Será, talvez, o pai severo ou o marido ciumento? Quem
escreveu a carta? Que diz ela? Que sentimentos passam pelo espírito desta
mulher ao interromper a leitura diante da presença eventual de alguém que se
aproxima?
A Carta” é uma obra de conjecturas, de misteriosa beleza.
Pedro Lira compreendeu finalmente que a arte tem a capacidade de
mostrar o real, ocultando-o.
Tradução: Sérgio Bath.
Revisão: Regina Furquim.
DEP
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Milan Ivelic
235
Construtora
Norberto Odebrecht
A espinha dorsal da integração Sul-Americana
Complexo Madeira pode reorientar o desenvolvimento
do Centro-Oeste Sul-Americano, tornando-se
novo paradigma para a região
M
www.odebrecht.com.br
ercoeste: a região e o mercado designados por essa palavra podem ser
fundamentais na construção de um futuro promissor para os países da América
do Sul. Brasil, Bolívia e Peru estão prestes a dar um passo decisivo em direção à
integração produtiva e, conseqüentemente, ao progresso econômico do Centro-
Oeste Sul-Americano. Na fronteira desses países, mais especificamente no rio
Madeira e seus afluentes, deverá ser implantado o Complexo Madeira, projeto
de extrema importância regional. O local é estratégico porque tem enorme
potencial hidrelétrico a ser explorado e pode transformar-se na área-pivô de
integração do transporte hidroviário entre as nações parceiras – uma vez que o
Brasil ganha acesso ao Oceano Pacífico, o Peru, ao Atlântico e a Bolívia, a ambos
– fato que configura uma interconexão bioceânica.
Pedro Lira
236 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
236
O Complexo Madeira tem tudo para ser uma referência internacional ao
demonstrar ser possível realizar a integração e o desenvolvimento de países sul-
americanos e de suas instituições, beneficiando as populações ribeirinhas e as das
cidades, sem prejuízos para o meio ambiente. O investimento intensivo em
tecnologia, por meio do emprego de turbinas de baixa queda (do tipo bulbo), que
permitem que a área do reservatório das hidrelétricas seja ligeiramente superior
ao tamanho da bacia naturalmente formada no período anual de cheia do rio,
também faz que o projeto seja um novo marco do ponto de vista ambiental.
A área em questão, para efeito de análise da inserção regional de um projeto
de integração, compreende, em território nacional, o estado de Rondônia, o
noroeste do estado do Mato Grosso, as regiões do baixo e alto vale do rio Acre e
o sul do estado do Amazonas. Fora do Brasil, a área compreende os departamentos
de Pando, Beni e Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, e de Madre de Dios, no Peru.
No que diz respeito ao território nacional, a região tem grande importância
estratégica porque constitui o limite noroeste da área de expansão do agronegócio
em terras brasileiras (e bolivianas), além de integrar parte da zona designada
como arco do desflorestamento, situando-se entre duas macrorregiões supridas
por sistemas elétricos distintos, uma isolada (formada pelos sistemas Rondônia/
Acre e Manaus) e outra interligada aos sistemas Centro-Oeste e Sudeste-Sul.
Em adição, a área está na zona de transição de biomas, como as savanas e
a Floresta Amazônica, ficando no médio curso do Madeira e de seus afluentes.
Os obstáculos naturais (corredeiras) existentes no trecho situado entre as cidades
de Porto Velho e Guajará-Mirim impedem a conexão hidroviária entre o alto
Madeira, seus formadores na Bolívia e no Peru, e o baixo Madeira, trecho que
se estende desde a cidade de Porto de Velho até o rio Amazonas, este já interligado
à navegação oceânica.
No século passado, já houve uma tentativa de superar as dificuldades
naturais do rio Madeira por meio da implantação da ferrovia Madeira-Mamoré,
que interligava as cidades de Porto Velho e Guajará-Mirim, ambas no estado de
Rondônia. Esta ferrovia era uma das contrapartidas brasileiras no acordo
internacional de 1903, celebrado entre Brasil e Bolívia – conhecido como Tratado
de Petrópolis –, que, a partir da permuta de territórios e de outras compensações,
visava garantir ao país vizinho uma saída para o Oceano Atlântico.
O Brasil enfrentou grande dificuldade para construir essa ferrovia por
causa das condições insalubres da região, onde ocorreram inúmeros casos de
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Jorge Taiana
237
malária e outras doenças tropicais. Apesar do grande esforço para implantá-la,
a ferrovia foi desativada na década de 70 do século passado em razão da
derrocada da produção da borracha brasileira para o mercado internacional e
da opção do presidente Juscelino Kubitschek pelo investimento em rodovias
como eixos de integração nacional. Atualmente, existe apenas um trecho de 30
km explorado para efeito de turismo local.
Essa região passou por grande aumento da população entre os anos de
1970 e 2000, quando saltou de cerca de 170 mil pessoas para 2,3 milhões. Em
Rondônia, particularmente, a população multiplicou-se por mais de 12 vezes
nesse período, atingindo cerca de 1,4 milhão em 2000. Grande parte dessa
população é urbana. No município de Porto Velho, por exemplo, a taxa de
urbanização é de 82%.
Mesmo em urbanizações precárias, onde não mais que 20% dos domicílios
urbanos da região de estudo são servidos por redes de saneamento (Censo 2000
– IBGE), a concentração populacional justifica-se pela comparativa vantagem
das urbanizações diante da falta de acesso e de energia nas regiões não-urbanas.
Tais fatores, aliados à realidade de geração térmica de energia elétrica à
base de diesel (combustível fóssil de elevado custo, altamente poluente, que
enfrenta limitações de expansão e exige grande esforço logístico de suprimento),
limitam as atividades produtivas e as condicionam a serviços ou produtos de
baixo valor agregado, impondo à população a alternativa menos onerosa de
viver em aglomerados urbanos, apesar das suas reconhecidas deficiências. A
área, portanto, é hoje marcada por condições limitantes relativas à infra-estrutura
física, tanto no Brasil quanto na Bolívia e no Peru: a precariedade ou quase
inexistência de acessos e a reduzida disponibilidade de energia elétrica,
estranguladoras do crescimento econômico.
A realização do projeto batizado de Complexo Madeira pode, entretanto,
reorientar o desenvolvimento desses três países e, assim, constituir uma espécie
de coluna vertebral do processo de integração sul-americana. Ou seja, a
implantação da hidrovia do rio Madeira, assim como a construção das usinas
hidrelétricas previstas – Santo Antônio (3.150 MW) e Jirau (3.300 MW), entre
Porto Velho e Abunã, em território brasileiro; a Binacional no rio Guaporé
(3.000 MW), entre Abunã e Guajará-Mirim, na fronteira entre Brasil e Bolívia; e
Cachoeira Esperança (800 MW), no território boliviano –, poderão impulsionar
o desenvolvimento regional por meio da integração da infra-estrutura energética
Objetivos e desafios da política exterior argentina
238 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
238
(10.650 MW) e de transportes entre Brasil, Bolívia e Peru, com o acréscimo de
4.225 km de rios navegáveis a montante de Porto Velho.
Em adição, e a partir da previsão de linhas de transmissão
correspondentes, a geração de energia elétrica em quantidades expressivas e
de baixo custo, insumo estratégico e fundamental para a indução do
desenvolvimento do Centro-Oeste Sul-Americano, também permitirá a
interligação elétrica dos estados de Rondônia, Acre, Mato Grosso (oeste) ao
Amazonas e ao Sistema Elétrico Interligado Brasileiro, bem como ao Sistema
Elétrico Interligado da Bolívia.
A integração e cooperação entre Brasil e Bolívia no campo da energia
elétrica poderá dar-se pela implantação da usina hidrelétrica binacional de
Guajará-Mirim, com potência instalada estimada em 3.000 MW, e da usina de
Cachoeira Esperança, localizada, integralmente, em território boliviano e com
potência instalada estimada em 800 MW.
Hoje, o mercado assegurado para a energia hidrelétrica gerada na Bolívia
está no Brasil, que precisa de cerca de 3 a 4 mil MW por ano, no seu atual
ritmo de crescimento. Nessa perspectiva, a venda de eletricidade pode gerar,
para a Bolívia, cerca de 400 milhões de dólares em receitas anuais, o que equivale
ao seu ficit também anual, aproximadamente. À medida que a Bolívia precise
aumentar a demanda por energia, o Brasil poderá reduzir as compras,
proporcionalmente, de acordo com o planejamento concebido pelo projeto.
De maneira complementar, de acordo com a hidrovia, a Bolívia poderá
aumentar a safra de grãos por meio da utilização de 11 milhões de hectares que,
atualmente, não são
acessíveis ao mercado
externo, pois não há como
escoar a produção. Cálculos
preliminares, com base
apenas nos preços atuais da
soja no mercado interna-
cional, apontam para a
adição de cerca de 8 bilhões
de dólares ao PIB boliviano,
somente com o desenvol-
vimento deste tipo de
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Jorge Taiana
239
cultura. Isso significa um impacto positivo de cerca de 100% do PIB desse país,
o que tende a reduzir de maneira significativa a sua vulnerabilidade externa.
E, o que é mais importante: a
Bolívia poderá transformar-se no
centro logístico de uma interconexão
bioceânica que deverá ligá-la ao
Oceano Atlântico, pela hidrovia
Madeira-Amazonas, e ao Oceano
Pacífico, pela conexão multimodal
com os portos peruanos, projeto
âncora do Eixo de Integração Peru-
Brasil-Bolívia (Eixo 6) da Iniciativa
de Integração Regional Sul-
Americana, a Iirsa – desenvolvida
pelos 12 países do nosso
subcontinente –, que conta com o
apoio da Corporação Andina de
Fomento (CAF), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do
Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), do Brasil.
Desta forma, tanto os mercados
americano e europeu quanto o
mercado asiático teriam os seus
acessos facilitados em termos de
logística e custos de transportes.
O rio Madeira e seus formadores
no Peru e na Bolívia constituem parte
desse corredor denominado Eixo 6,
conforme a já mencionada Iirsa. Dessa
forma, a viabilização da navegação
hidroviária nos formadores bolivianos
do rio Madeira permite a operação de
uma rede de interconexão entre o Eixo
6 e o Eixo 3 – Interoceânico Central –
através da região de Santa Cruz de La
Sierra, na Bolívia, potencializando o
acesso à região.
Objetivos e desafios da política exterior argentina
240 DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
240
Além disso, e a partir da
geração de energia elétrica,
torna-se possível o desenvol-
vimento da indústria de
beneficiamento da produção
agrícola, com agregação de
valor, além do surgimento de
uma promissora indústria
naval, destinada ao atendi-
mento da demanda pelo
transporte dessa produção. A
agroindústria de Santa Cruz de La Sierra, Beni e Pando poderá se tornar mais
competitiva pela redução dos custos de frete pelo modal hidroviário. A exploração
mineral também poderá ser contemplada de acordo com a criação de acessos que
viabilizem esta atividade e, assim, o potencial de geração de empregos e o
beneficiamento das cadeias produtivas dos três países envolvidos no projeto
deverão ser exponenciais.
Por conseguinte, a utilização do modal hidroviário em substituição ao
rodoviário, a viabilização e o desenvolvimento racional da diversidade agrícola
no Centro-Oeste da América do Sul, a desobstrução do tráfego para as grandes
regiões metropolitanas, a eliminação do fluxo de madeiras à deriva nos rios da
região e a substituição da geração térmica de energia pela geração hidrelétrica,
mais barata, renovável e não-poluente, são alguns dos benefícios ambientais
diretos do projeto.
Desse modo, além de dotar a área de menor dependência da extração de
recursos naturais por meio do aumento e da diversificação da dinâmica
econômica com produtos de maior valor agregado, preservando o seu capital
natural, o empreendimento tende a fortalecer a presença do poder público por
meio de instituições preparadas para exercer a governança do território, ou
seja, com maior eficácia de ações institucionais, nos diversos níveis de governo,
que atuem na eliminação de conflitos e no ordenamento fundiário da região. A
conseqüência direta da maior participação regional no abastecimento dos
mercados interno e internacional, que se destacam como fronteira de expansão
de negócios, emprego e renda e, assim, como geração de saldos positivos na
balança comercial dos países contemplados pelo projeto, tende a ser a melhoria
significativa dos indicadores de desenvolvimento humano e social dos seus
DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA – ABRIL/JUNHO 2006
Jorge Taiana
241
centros urbanos e das suas populações ribeirinhas, em virtude do acesso aos
serviços públicos fundamentais de saúde e educação que, por sua vez,
acompanham o progresso.
O Brasil vem avançando na concretização do objetivo por meio de suas
empresas estatais e privadas. Em 2004, as Furnas Centrais Elétricas S.A. e a
Construtora Norberto Odebrecht S.A. entregaram à Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) os estudos de viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico
(AHE) de Jirau. Em 2005, foram enviados os estudos de viabilidade do AHE
de Santo Antônio, além da Avaliação Ambiental Estratégica das duas hidrelétricas
nacionais que, por fim, devem ser licitadas em 2006.
Para que um importante passo seja dado em direção à realização desse
projeto, que poderá reorientar o desenvolvimento de todo o Centro-Oeste Sul-
Americano, a partir da integração produtiva entre os diferentes subespaços
amazônicos ao chamado Mercoeste, é necessário fortalecer a sinergia entre as
instituições dos países vizinhos, o que significa viabilizar a convergência, por
meio de parcerias público-privadas, dos investimentos em programas de melhoria
e de expansão da infra-estrutura subcontinental – passo fundamental para a
geração de oportunidades regionais e, assim, para a conseqüente redução da
vulnerabilidade econômica da América do Sul na construção de uma geopolítica
mundial multipolar.
Revisão: Regina Furquim
DEP
Objetivos e desafios da política exterior argentina
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s projetos de integração latino-americana, um sonho que abastece os
corações e mentes de tantas gerações, precisam superar obstáculos de toda ordem
para serem viabilizados. Os interesses políticos e estratégicos das nações
envolvidas, os limites econômicos e financeiros para os investimentos necessários
e as múltiplas adversidades geológicas, climáticas e ambientais tornam estes
projetos, muitas vezes, difíceis de serem aprovados e executados. Apesar de
tudo, muito se tem feito no sentido de promover o desenvolvimento regional e
a integração do subcontinente americano.
Com mais de 20 anos de presença na América Latina, atuando na maioria
dos países vizinhos, a Construtora Andrade Gutierrez conhece bem esta realidade
de desafios e idealizações. No Peru, onde já executou várias obras importantes,
a Andrade Gutierrez vem realizando, desde 2005, duas obras que simbolizam
um passo decisivo no caminho da tão sonhada integração da América do Sul.
São as rotas rodoviárias dos eixos Norte e Sul, realizadas em regime de concessão,
em um modelo de Parceria Público-Privada (PPP) semelhante ao existente no
Grupo
Andrade Gutierrez
Andrade Gutierrez no Peru:
parceria para projetos de desenvolvimento
O
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Brasil – e ainda inédito no Peru. As licitações integram o programa Iirsa – Plan
de Acción para la Integración de la Infraestructura Regional Sudamericana, e
sinalizam como o Peru saiu na frente, em relação a outros países sul-americanos
na busca de soluções para seu desenvolvimento.
Obras inauguram modelo de parceria
As obras conquistadas pela Andrade Gutierrez em licitações públicas são
decisivas para os planos de integração do Peru e para o escoamento de suas
riquezas para mercados estratégicos. No modelo de parceria inaugurado com
estes projetos, o governo peruano entra como avalista das operações, o que é
uma garantia junto aos órgãos financiadores. Segundo o líder de mercado da
empresa no Peru, Ronaldo Alves Pereira, “as obras refletem o estado de
maturidade da Andrade Gutierrez na área internacional, com um posicionamento
sólido e uma bagagem de realizações indiscutíveis”.
O primeiro contrato é do Eje Multimodal del Amazonas Norte, conhecido
como Eixo Norte. Trata-se de uma estrada de 960 quilômetros de extensão, que
liga o Porto Fluvial de Yurimaguas, na selva amazônica peruana, ao Porto
Marítimo de Paita, na costa do Pacífico, norte do Peru. O empreendimento
compreende a construção e pavimentação de 130 quilômetros de estrada, e
obras de melhoria e reabilitação nos outros 830 quilômetros. No pico da obra
estarão envolvidos até 1,5 mil trabalhadores.
Essa estrada cruza os três tipos de relevo existentes no Peru: ela sai das
planícies da selva amazônica, cruza as alturas dos Andes e, finalmente, passa
pela desértica região da costa peruana até chegar ao Porto de Paita, permitindo
a ligação entre o Pacífico e o Atlântico, através do Rio Amazonas. “Já trabalhamos
nessas regiões e conhecemos os problemas geológicos e as condições
pluviométricas existentes, bem como a logística necessária para a realização dessa
obra. Nossa experiência tem ajudado bastante”, afirma Ronaldo Pereira.
A obra é estimada em US$ 205 milhões, a serem financiados com apoio
da CAF e do BID, além de aporte financeiro dos acionistas. A AG tem
participação de 40% no consórcio formado com as construtoras Norberto
Odebrecht e a peruana Graña & Montero. O contrato foi assinado em junho de
2005 e o prazo de concessão é de 25 anos, já incluídos os quatro anos de
construção.
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O segundo contrato tem o mesmo prazo de concessão e impacta a
economia dos dois países – Brasil e Peru. O projeto envolve o Corredor Vial
Interoceánico Sur, conhecido como Eixo Sul. O objetivo é a interconexão Peru-
Brasil, através de Rio Branco, no Acre, chegando aos portos peruanos de Ilo e
Matarani, no Sul do Peru. É considerado o maior projeto de via asfaltada da
história do país. Para o Brasil, essa estrada será importante porque facilitará o
escoamento de seus produtos pelos portos peruanos do Oceano Pacífico, a
partir de 2007. Os governos do Brasil e do Peru também concordaram em
incentivar projetos de investimentos nas zonas de fronteira para ampliar o
comércio bilateral.
O valor da construção é de aproximadamente US$ 180 milhões, a serem
financiados pela concessionária, com apoio do Proex e da CAF, e aporte
financeiro dos acionistas. A AG possui um terço do negócio e está associada
com as construtoras Camargo Corrêa e Queiroz Galvão.
Trata-se de um trecho de estrada com pista simples, com 300 quilômetros
de extensão no Sul do país, que liga o altiplano peruano (Azángaro, na região
dos Andes) ao início da selva amazônica peruana (em Inambari), a ser construído
e pavimentado em sua integridade. Existe um grande desafio logístico para o
transporte de equipamentos e materiais por longas distâncias e acessos difíceis.
Outra dificuldade é a variação de altitude: em 50% da extensão da obra a altitude
fica acima de 3.500 metros, mas na selva, isto se reduz a 500 metros acima do
nível do mar. Esta diferença obriga a um exercício de adaptação para toda a equipe.
As expectativas em torno deste projeto são muitas. O presidente do Peru,
Alejandro Toledo, disse à mídia daquele país que o povo peruano realizará um
sonho de muitos anos. “Vão poder chegar ao Brasil em 24 horas por esta estrada,
contra os 15 dias que demoram agora”, declarou. De fato, o velho sonho de
integração da América do Sul, nunca alcançado, torna-se mais presente. A
integração e o fortalecimento da capacidade competitiva do bloco sul-americano
implica em investimentos que reforcem a vinculação física entre os países – tais
como sistemas de transporte conjugados e acesso via terrestre aos dois oceanos
opostos, Atlântico e Pacífico.
Costurando a selva amazônica
A realização destes dois projetos fundamentais para uma política de
desenvolvimento regional são a expressão mais recente de uma efetiva presença
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de empresas brasileiras no Peru. A atuação da Andrade Gutierrez em obras de
infra-estrutura no Peru remonta há quase 15 anos, desde as obras de ampliação
do terminal de cargas líquidas do Porto de Talara. Seguiram-se as obras da
rodovia Pan-Americana Sul, o túnel de adução da Hidrelétrica de San Gabán, as
obras da rodovia Tarma-La Merced e da rodovia LaOroya-Huayre, todas estas
ao longo dos anos 90. Já a partir do ano 2000 a empresa realizou as obras viárias
de Cuzco-Combapata e Neshuya-Pucallpa.
Em abril de 2004, a Andrade Gutierrez deu início a uma de suas obras
mais difíceis de toda a sua história – a reabilitação do trecho Campanilla-Pizarrón-
Puerto Pizana da rodovia Fernando Belaunde Terry, em plena selva amazônica
peruana. Realizada no tempo recorde de 18 meses, a obra é mais uma
demonstração da capacidade da engenharia brasileira em superar as condições
climáticas e geológicas desfavoráveis, as dificuldades de acesso às zonas de
operações e o clima de instabilidade social da região.
Os trechos da rodovia estão incrustados entre os distritos de Juanjuí,
Campanilla, Pólvora e Tocache, no departamento de San Martin. Na região
vivem 107 mil habitantes, em 42 centros. Ir de um povoado a outro para realizar
atividades comerciais demandava muito tempo e dinheiro. O trecho de 176 km
entre Juanjuí e Tochache não era percorrido em menos 15 horas, mas a quebra
de algum veículo poderia atrasar a viagem em muitas horas e até dias. Os
comerciantes locais perdiam 30% de seus produtos em função da precariedade
do transporte. O alto custo de manutenção dos equipamentos e o elevado
consumo de combustíveis encarecia demasiadamente a produção. Os cálculos
governamentais indicavam que a região de San Martin perdia 250 milhões de
dólares anualmente com o péssimo estado da rodovia. Isolados, estes povoados
ficaram à mercê do narcotráfico e do terrorismo. O desenvolvimento de
atividades econômicas formais como a agricultura, a pecuária e a indústria foram
drasticamente afetadas durante anos.
A partir de um movimento liderado pelos municípios locais, a Agência
dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional-Usaid decidiu investir
no financiamento das obras de recuperação. Firmou-se um convênio com o
Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos-Usace, responsável
pela organização da licitação da obra e supervisão dos trabalhos até a entrega
ao governo peruano. Em parceria com o Ministerio de Transportes y
Comunicaciones, foi aberto o concurso público para a recuperação da rodovia
Fernando Belaunde Terry, em agosto de 2003. A obra, orçada em 230 milhões
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de dólares, previa reabilitar a precária via existente, o que implicava na construção
de sistemas de drenagem, controle de erosões e de proteção ambiental, e
pavimentação da base. A Andrade Gutierrez – por sua larga experiência em
obras similares – foi escolhida pela Usace em fevereiro de 2004, mas as obras só
foram autorizadas em abril, com 75 dias de atraso. Nem a empresa construtora
nem o órgão realizador poderiam imaginar, no entanto, as dificuldades quase
insolúveis a serem enfrentadas no cotidiano.
Adversidades e soluções
O primeiro desafio foi montar o próprio canteiro de obras. Era quase
impossível chegar com os equipamentos ao local escolhido para o início dos
trabalhos, em Nuevo San Martin. A vegetação espessa cobria longos trechos do
caminho, os caminhões afundavam na lama ou caíam em grandes crateras e as
poucas pontes de madeira sustentavam apenas veículos leves. Dois meses de
trabalho foram necessários para finalmente instalar o acampamento, em meados
de julho. Estas dificuldades prosseguiram ao longo de todo o trajeto e foram
comuns à equipe que partiu do outro extremo, em Campanilla.
As condições da obra foram as mais adversas. Choveu durante todo o
ano de 2004. Técnicas especiais de construção foram adotadas para conter os
constantes deslizamentos de terra. O projeto de engenharia precisou ser
redesenhado para superar os obstáculos naturais e se adequar à realidade da
região. O sistema de drenagem implantado exigiu a montagem de 450
alcantarilhas. A empresa mobilizou 160 equipamentos pesados e caminhões. Os
trabalhos obedeceram a um rigoroso controle de impacto ambiental, já que a
rodovia atravessa diferentes eco-sistemas e reservas naturais.
Grande parte do sucesso do trabalho se explica pela relação de confiança
estabelecida entre a Andrade Gutierrez e as comunidades locais. No auge dos
trabalhos, entre junho e setembro de 2005, a empresa tinha 1.100 trabalhadores
no projeto – mais de 60% da região de San Martin e os outros 40% das zonas
compreendidas entre Campanilla e Puerto Pizana. As comunidades próximas
se integraram ao projeto, fornecendo diversos serviços de apoio. Durante todo
o tempo a cooperação foi intensa. Os serviços de saúde da empresa abriram-se
para a população e as escolas receberam melhorias. Projetos sociais de interesse
local também foram desenvolvidos em parceria entre a empresa e as populações
da região. O diálogo prevaleceu em todos os momentos, tornando a obra um
projeto de interesse coletivo.
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Mais uma vez, comprovou-se a excelência da engenharia brasileira e a
maturidade da Andrade Gutierrez em projetos no Exterior. A construção de
obras em condições tão adversas exige não apenas uma capacidade técnica
superior, mas o atendimento a outros requisitos fundamentais. Entre estes, a
experiência em soluções logísticas e mobilização eficaz de recursos, a capacidade
de adaptação a costumes locais, o respeito às leis específicas do país anfitrião e,
finalmente, a credibilidade para cumprir os contratos firmados. A soma de
tais atributos tornou possível a conclusão das obras na rodovia Fernando
Belaunde Terry.
Muito mais que uma obra, o esforço realizado abriu as portas para o
desenvolvimento e o progresso de milhares de famílias que há muito esperavam
por esta oportunidade. O Peru reintegrou uma de suas regiões à vida social e
econômica do país. O tempo de viagem entre as localidades caiu de 15 para 4 ou
5 horas. As empresas de transporte retomaram suas atividades e o preço dos
fretes caiu, barateando o produto final que chega à população. O impacto da
rodovia continua a gerar reflexos em várias frentes da economia. Investidores
privados – peruanos e estrangeiros – estão chegando para financiar projetos
agrícolas e industriais, atraídos pelas vias de comunicação. Um tempo de
esperança começa a nascer no interior do Peru.
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Ano I Número 3 Abril / Junho 2005
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Ano I Número 2 Janeiro / Março 2005
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Ano I Número 1 Outubro / Dezembro 2004
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