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o organizador
Revisão: Jacinto Guerra
Contribuição: Luisivan Vellar Strelow
Arte, impressão e acabamento:
Thesaurus Editora de Brasília,
SIG Quadra 08 Lote 2356, Brasília – DF – 70610-480 – Tel: (61) 3344-3738
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Editores: Jeronimo Moscardo e Victor Alegria
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www.thesaurus.com.br – Composto e impresso no Brasil – Printed in Brazil
© Thesaurus Editora – 2008
Fontes de Alencar, em Sergipe nasceu, na ci-
dade de Estância. É bacharel pela Faculdade de
Direito do Recife e além de diversos trabalhos
estritamente jurídicos escreveu Liberdade: Teo-
ria e Lutas e recentemente publicou História de
uma polêmica, pela Thesaurus Editora. É mem-
bro da Academia Sergipana de Letras e da Aca-
demia Brasiliense de Letras. Em 1999 recebeu a
Medalha João Ribeiro, da Academia Brasileira
de Letras.
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NOTA BIOGRÁFICA
RUI BARBOSA – Jurista e Senador.
Rui Barbosa de Oliveira nasceu em Salvador, Bahia, em 5
de novembro de 1849, lho de João José Barbosa de Oliveira e
Maria Adélia Barbosa de Oliveira. Seu pai teve função de dire-
ção da Instrução Pública do Estado da Bahia e incutiu no lho
o amor pelos livros. Rui Barbosa casou-se em 23 de novembro
de 1876 com Maria Augusta. Faleceu em 1º de março de 1923
em Petrópolis, RJ.
Rui Barbosa, tendo iniciado os estudos em Direito na Fa-
culdade de Recife, transferiu-se em 1868 para a Faculdade de
Direito de São Paulo. Com Castro Alves, participou do grêmio
literário Ateneu Paulistano, dirigido na época por Joaquim Na-
buco. Em São Paulo, começou a escrever regularmente como
jornalista. Bacharel em Direito em 1870, voltou a Salvador,
onde trabalhou como advogado e jornalista.
Na política, Rui Barbosa foi Deputado provincial e exer-
ceu os mandatos de Deputado Geral de 1878 a 1884. Também
foi Conselheiro do Império. Em 1878, eleito Deputado Geral
pela primeira vez, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, além
da atividade parlamentar, exerceu a advocacia e o jornalismo.
As principais causas abraçadas por Rui Barbosa sob o regime
monárquico foram o abolicionismo, ainda como estudante em
São Paulo, a liberdade religiosa e o sistema federativo. Com
Joaquim Nabuco, considerava a escravidão motivo de atraso
e de opróbrio nacional. Quando as tropas paulistas chegaram,
vindas da Guerra do Paraguai, em 1870, Rui Barbosa discur-
sou em defesa da Abolição. Ainda em Salvador, como Deputado
provincial, já defendia, sob o regime monárquico, a separação
entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa, e também as elei-
ções diretas. Como Deputado Geral, continuou a defender estas
causas e a do federalismo.
Apoiou o movimento pela implantação do regime republi-
cano, tendo sido Senador da República sucessivamente eleito de
4
1890 até 1921. Na Assembléia Constituinte, participou da reda-
ção da Constituição Republicana de 1891. Defendeu o presiden-
cialismo e o federalismo. Foram propostas suas, incorporadas
ao texto constitucional, a atribuição dada ao Supremo Tribunal
Federal (STF) de controle dos atos do Legislativo e do Execu-
tivo, isto é, de sua constitucionalidade, e o instrumento jurídico
de defesa das garantias individuais contra a ilegalidade e o abu-
so de poder (habeas corpus). No Governo Provisório, atuou
como Ministro da Fazenda e Ministro Interino dos Negócios da
Justiça. Sua gestão no Ministério da Fazenda, marcada pela
crise nanceira conhecida como “encilhamento” e pela decisão
de queimar os arquivos relacionados à propriedade de escravos,
tem sido reavaliada a partir das propostas de modernização da
economia que defendia.
Fez oposição, nos governos de Floriano Peixoto, denun-
ciando com veemência as arbitrariedades, na tribuna do Senado
e no Jornal do Brasil, e junto ao STF, como advogado, reque-
rendo habeas corpus em favor dos opositores do governo pre-
sos arbitrariamente. Sua atuação em favor da legalidade e das
garantias individuais, contra os arbítrios do governo, forçou-o
ao exílio, em 1893, tendo passado por Buenos Aires, Lisboa e
Londres, onde permaneceu até retornar ao Brasil em 1895. No
exílio, manteve-se el à defesa das garantias individuais, tendo
sido o primeiro a pronunciar-se contra o processo Dreyfus. De
Londres, continuava a participar da vida nacional, por meio de
suas “Cartas da Inglaterra”, publicadas pelo Jornal do Comér-
cio. A experiência do exílio lhe trouxe o interesse pelos proble-
mas internacionais.
De regresso ao Brasil, em 1895, no governo de Prudente
de Morais, Rui Barbosa reassumiu sua cadeira no Senado. Par-
ticipou da redação do Código Civil, cujos trabalhos foram diri-
gidos por Clovis Beviláqua. Na eleição de 1905, cogitado como
candidato, apoiou Afonso Pena para a Presidência da República.
Em 1907, representou o Brasil na II Conferência de Haia, onde
defendeu o princípio da igualdade jurídica entre os Estados. Em
1908, foi eleito presidente da Academia Brasileira de Letras,
5
cargo que ocupou até 1919. Em 1910, aceitou concorrer con-
tra a candidatura de Hermes da Fonseca, fazendo da campanha
eleitoral uma cruzada em defesa dos princípios republicanos,
em especial o voto secreto, contra o militarismo e o sistema po-
lítico dominado pelas oligarquias, conhecida como “Campanha
Civilista.” Derrotado, denunciou na tribuna do Senado as frau-
des no processo eleitoral. Fez oposição ao governo Hermes da
Fonseca, denunciando na tribuna, na imprensa e nos tribunais
os abusos de poder e crimes cometidos contra os marinheiros
revoltados em 1911 (Revolta da Chibata). Em 1913, fundou o
Partido Liberal, mas, indicado, desistiu de concorrer à eleição
presidencial. Em 1914, foi eleito presidente do Instituto dos Ad-
vogados do Brasil. Fiel à defesa da legalidade e dos direitos
individuais, denunciou o estado de sítio decretado em 1915.
Em 1916, Rui Barbosa representou o Brasil nas comemo-
rações do centenário da Independência da Argentina. Em sua
conferência na Faculdade de Direito em Buenos Aires, discor-
reu sobre a questão da neutralidade na guerra no direito interna-
cional. Segundo Rui Barbosa, o princípio da neutralidade não
deveria servir para justi car a omissão dos Estados neutros em
face aos abusos cometidos pelos Estados beligerantes. Com a
de agração da primeira Guerra Mundial, discordou da neutrali-
dade brasileira no con ito. Seus discursos foram decisivos para
o rompimento das relações do Brasil com a Alemanha e para
a entrada do Brasil na Guerra ao lado dos aliados. No nal da
Guerra, recusou o convite do presidente Rodrigues Alves para
que representasse o Brasil na Conferência da Paz de Versalhes.
Aos 70 anos, com mais de cinqüenta anos de participação
na vida pública brasileira, Rui Barbosa concorreu uma segunda
vez à presidência da República. Mesmo com idade avançada,
percorreu vários Estados em campanha eleitoral. Contou com
pouco apoio do meio político, em razão de sua campanha a fa-
vor de reformas eleitorais. Teve, porém, votação expressiva nas
grandes cidades, uma vez que seu discurso político, tal como
registrado em sua conferência sobre “A Questão Social e Polí-
tica no Brasil”, encontrou eco nos anseios de melhorias sociais
6
nutridos especialmente pela população urbana. Derrotado na
eleição presidencial, ainda participou ativamente da campanha
estadual de seu Estado natal, apoiando o candidato da oposição,
Paulo Fontes, em viagens pelo interior da Bahia. Recusou, em
1920, o convite do Presidente Epitácio Pessoa para representar
o Brasil na Liga das Nações, por motivo de divergência política.
Paraninfo da turma de bacharéis da Faculdade de Direito de São
Paulo, escreveu a famosa Oração aos Moços. Em 1921, foi o
mais votado na eleição para juiz da Corte Permanente de Justiça
Internacional de Haia. No Senado, permaneceu ativo, defenden-
do a reforma da Constituição de 1891 e as garantias individuais,
condenando em seu último discurso a instauração do estado de
sítio contra o movimento revolucionário de 1922. Em 1923,
convidado pelo Presidente Arthur Bernardes, para o posto de
Ministro das Relações Exteriores, foi impedido de assumir em
razão de seu estado de saúde seriamente comprometido.
Rui Barbosa faleceu em 1º de março de 1923.
Contribuições à Política Externa Brasileira
Águia de Haia
Em 1923, Rui Barbosa foi convidado pelo Presidente Artur
Bernardes ao posto de Ministro das Relações Exteriores do Bra-
sil, convite que seu estado de saúde impediu de aceitar, vindo
a falecer em seguida. Entre as credenciais de Rui Barbosa ao
cargo, além de sua longa trajetória como homem público, estava
sua participação na II Conferência de Paz da Haia (1907), quan-
do defendeu o princípio da igualdade jurídica entre os Estados e
sua campanha, como Senador, pela entrada do Brasil na primeira
Guerra Mundial, baseada na sua revisão crítica do princípio jurídi-
co da neutralidade no direito internacional da guerra. Rui Barbosa
contribuiu, ao longo de sua vida pública, com seus discursos e
pareceres, para a colocação dos temas de política externa e política
internacional na pauta da política nacional.
Na Haia, em 1907, Rui Barbosa defendeu com maestria
jurídica, política e diplomática, o princípio da igualdade jurídica
7
entre nações soberanas. Mais do que um princípio do direito
internacional, Rui Barbosa defendeu o direito e interesse na-
cional, a saber, da participação do Brasil no sistema interna-
cional em pé de igualdade com os demais Estados soberanos.
Ali o corpo se me fatigou; mas o espírito me adquiriu uma
saúde nova. Vi todas as nações do mundo reunidas, e aprendi
a não me envergonhar da minha. Medindo de perto os grandes
e os fortes, achei-os menores e mais fracos do que a justiça e
o direito – compreendi que, se nos desprezavam, é porque não
nos conheciam e que para nos conhecerem, bastava um governo
patriótico, um agente capaz e um público interessado”.
A participação de Rui Barbosa na II Conferência de Haia
foi também um exemplo de cooperação entre dois grandes ho-
mens públicos do Brasil, a saber, Rui Barbosa e o Barão do Rio
Branco. A troca de telegramas entre o Delegado brasileiro na
Haia e o Ministro das Relações Exteriores no Rio de Janeiro
testemunha um momento praticamente único na carreira de Rui
Barbosa, trabalhador incansável, mas solitário. O patriotismo
de dois grandes homens públicos permitiram que o trabalho em
conjunto fruti casse em ganhos parlamentares para o Brasil no
nascedouro do multilateralismo.
Ao representar o Brasil na entrada do país na diplomacia
multilateral, Rui Barbosa defendeu com altivez e competência
a igualdade jurídica e diplomática do Brasil frente às potências
mundiais, inaugurando a tradição brasileira de participação ati-
va nos foros multilaterais, continuada na Liga das Nações e na
Organização das Nações Unidas. O conhecimento jurídico e a
experiência parlamentar de Rui Barbosa, como Deputado do
Império e Senador da República, o haviam talhado para a mis-
são, desempenhada com êxito.
Obras – Na produção imensa de Rui Barbosa, as obras
puramente literárias não ocupam a primazia. Ele próprio ques-
tionou se teria sido um escritor por ocasião do seu jubileu cí-
vico, a que alguns quiseram chamar “literário”. Num discurso
em resposta a Constâncio Alves, destacou de sua obra as pági-
8
nas que poderiam ser consideradas literárias: O elogio do Poeta
(Castro Alves), a oração do Centenário do Marquês de Pombal,
o ensaio Swift, a crítica do livro de Balfour, incluída nas Cartas
de Inglaterra, o discurso do Liceu de Artes e Ofícios sobre o de-
senho aplicado à arte industrial, o discurso do Colégio Anchieta,
o discurso do Instituto dos Advogados, o Parecer e a Réplica
acerca do Código Civil, as traduções de poemas de Leopardi
e das Lições de coisas de Calkins, e alguns artigos esparsos de
jornais. A esta relação, Américo Jacobina Lacombe acrescentou
alguns dos discursos que Rui proferiu nos últimos cinco anos
de vida, como os do jubileu cívico e a Oração aos moços, as
outras produções reunidas em Cartas de Inglaterra, o discurso
a Anatole France, e o discurso de adeus a Machado de Assis. A
produção jornalística puramente literária, a que Rui se referiu
genericamente como “alguns artigos esparsos de jornais”, daria
alguns alentados volumes.
As Obras Completas de Rui Barbosa, publicadas pela Funda-
ção Casa de Rui Barbosa, compreendem 160 tomos. De sua imensa
produção, destacam-se A Igreja e o Estado (1876); O Papa e o
Concílio (1877); Alexandre Herculano, discurso (1877); Castro Al-
ves, discurso (1881); Reforma do ensino secundário e superior, pa-
receres (1882); O Marquês de Pombal, discurso (1882); Reforma
do ensino primário, pareceres (1883); Emancipação dos Escravos
(1884); Swift, ensaio (1887); Relatório do Ministro da Fazenda
(1891); Finanças e Política da República; Discursos e Escritos
(1892); Petição de Habeas Corpus requerido ao Supremo Tribunal
Federal a favor das vítimas dos Decretos de 10 e 12 de abril. Ora-
ção de Ruy Barbosa em Defesa do habeas corpus ante o Supremo
Tribunal Federal, na sessão de 23 de abril de 1892 (1892); O Esta-
do de Sítio: sua natureza, seus efeitos, seus limites (1892); Cartas
da Inglaterra, ensaios (1893/1896); Os Actos Inconstitucionnaes
do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal (1893); Am-
nistia Inversa (1896); Parecer e Réplica acerca da redação do Có-
digo Civil (1904); Discursos e conferências (1907); Anatole Fran-
ce, discurso (1909); Contra O Militarismo (1909-1910); Páginas
literárias, ensaios (1918); Cartas políticas e literárias, epístolas
9
(1919); Oração aos Moços, discurso (1920); Queda do Império,
história, 2 vols. (1921); Orações do Apóstolo, discursos (1923).
Justiça aos Vencidos
Justiça aos vencidos, artigo de Rui Barbosa publicado no
jornal Correio de Lisboa, da Capital lusa, de 29 de abril de
1894, prende-se ao fadário dos o ciais, Almirante Saldanha à
frente, que receberam abrigo em navios portugueses, ao nal da
Revolta da Armada. Desembarcaram alguns em Montevidéu; a
Portugal chegaram outros. A imprensa lisboeta disse de desleal-
dade o gesto dos brasileiros. Rui iniciou desta forma a sua res-
posta: pertenço ao número dos que acreditam que a reputação
dos infelizes é duas vezes sagrada. No caso vertente a ausência
os inibe de acudir por ela. (...)
O asilo não confere ao asilante direito de posse e retenção
sobre os asilados. Aqueles que o recebem, digni cam-se nele pre-
cisamente porque esse ato de muni cência não envolve, em tro-
ca, a subalternidade dos agraciados. A mercê, cujo valor consiste
na gratuidade, caria moralmente nuli cada, se o benfeitor, para
salvar embaraços liados à generosidade do seu procedimento, se
arrogasse o arbítrio de jogar com a liberdade dos bene ciados. Os
asilados não se podem transformar em servos do asilo, sob pena de
adquirirem o direito de invocar novos protetores contra a dureza
arbitrária dessa proteção degenerada.
O governo português não podia desembarcar os companheiros
de Saldanha da Gama em território brasileiro, porque seria quebrar
as leis da neutralidade, cooperando na revolta. Tampouco podiam os
insurgentes exigir dele transporte para o território estrangeiro, cuja
escolha lhes conviesse, porque o favor recebido com a hospitalidade
não granjeia ao obsequiado títulos a novos sacrifícios do obsequidor.
Se, portanto, os navios portugueses, ao deixarem o Rio, zessem di-
retamente rumo a terras portuguesas, os refugiados não se poderiam
agravar de que o asilo viesse a ter esse paradeiro.
Mas, desde que aportaram em plagas de outra nação, de
uma nação neutra na luta, recusar aos exilados o desembarque,
10
era assumir uma autoridade que o fato do asilo absolutamente não
dava ao asilador: era converter o asilo em prisão. O asilo é benefí-
cio: não se impõe. Cessa quando o bene ciado o renuncia.
O Tratado de Petrópolis – A Posição de Rui Barbosa
Em História de uma polêmica Fontes de Alencar obser-
vou: Rio Branco, Rui Barbosa e J. F. de Assis Brasil compunham
a comissão incumbida de negociar, como plenipotenciários, com
Bolívia. Rui, porém, não subscreveria o Tratado. Em outubro da-
quele ano (1903) pediu fosse exonerado do encargo. Entre ele e o
chanceler havia dissonâncias. Já em 1900 entendia que a linha de
fronteira era o paralelo e não a linha oblíqua e por isso preferia o
arbitramento à negociação entre os dois Países, a opção do Ministro
do Exterior. A divergência entre os grandes brasileiros daria lugar à
Exposição de motivos do plenipotenciário vencido, de Rui Bar-
bosa, publicada ao começo de 1904.
A propósito dessa absonância, ponderou Álvaro Lins, na sua ad-
mirável biogra a de Rio Branco, que os apartava a divergência, algu-
mas vezes inevitável, entre o espírito diplomático e o espírito jurídico.
Luiz Viana Filho, também biógrafo de Rui, sobre o ponto
escreveu em A vida do Barão do Rio Branco: Todos se lem-
bram da frase em que Paranhos resumira a sua política nesse
assunto: “Não zemos questão de território, fazemo-la de bra-
sileiros.” Agora tentava realizá-la.
Assim, embora ambos cheios de patriotismo eles falavam
linguagem diferente. Rui, político, jurista, inclinava-se para o
arbitramento, que deveria re etir o direito dos litigantes. Rio
Branco, diplomata, negociador, pendia para o acordo, que
atendia aos objetivos, pondo o m acima dos meios. Ambicioso,
sonhava incorporar toda a área ocupada pelos brasileiros. E
somente por um ajuste, ou pelas armas, isso lhe parecia exeqü-
ível. A separação foi irremediável.
Haia – A 2ª Conferência da Paz
Foi em 1907. A che ar a Delegação brasileira, Rui Barbo-
11
sa. William T. Stead em O Brasil em Haia indica os discursos
de Rui durante o Conclave: Abolição da captura; Transfor-
mação dos navios mercantes em vasos de guerra; A política
nos debates da Conferência; Cobrança de Dívida dos Es-
tados – Doutrina Drago – Direito de Conquista; Abolição
do Contrabando de Guerra; Composição do Tribunal de
Presas; Novo Tribunal de Arbitramento. Sua composição;
Nova Corte Arbitral – Arbitramento e Julgamento; O Novo
Tribunal Permanente de Arbitramento.
Ao tratar da composição do Tribunal Permanente de Arbi-
tramento Rui Barbosa redisse, enfaticamente, a tese da igualda-
de dos Estados:
Por certo que entre os Estados, como entre os indivíduos, di-
versidades há de cultura, probidade, riqueza e força. Mas daí deriva-
rá, com efeito, alguma diferença no que lhes entende com os direitos
essenciais? Os direitos civis são idênticos para todos os homens. Os
direitos políticos são os mesmos para todos os cidadãos...
Pois bem: a soberania é o direito elementar por excelên-
cia dos Estados constituídos e independentes. Ora, soberania
importa igualdade. Quer em abstrato, quer na prática, a sobe-
rania é absoluta: não admite graus.
Apóstolo da Liberdade
Rui Barbosa foi o ingente lidador em defesa dos direitos
individuais. Quando se turbava o ambiente político brasileiro,
erguia-se para a luta intemerato, colossal e intimorato. E então
o instituto do habeas-corpus era o seu valimento. Certa feita,
clamando ao Supremo Tribunal Federal mostrou-se incisivo:
O recurso de que me valho pelos pacientes não representa
conveniências particulares. É instrumento da ordem pública.
Os meus constituintes não são os presos da Lage, ou os dester-
rados de Cucuí. Detrás deles, acima deles outra clientela mais
alta me acompanha a este Tribunal. A verdadeira impetrante
deste habeas-corpus é a nação.
12
Uma página de Baptista Pereira
Rui terminou numa atmosfera glacial. De Martens só então
se voltou para ele e disse:
‘O memorial do nobre Embaixador do Brasil constará dos
processos verbais das nossas sessões; devo, porém, observar-lhe
que a política não é alçada da Conferência’.
Correu-me um frio pela espinha. Era o tiro de misericór-
dia, era a liquidação sumária, a decapitação do Brasil em Haia.
Sem saber como, achei Rui, sentado como um menino de colé-
gio, não pestanejou.
Uma onda de palidez mais profunda empalideceu-lhe ain-
da mais a palidez. Mas as narinas vibraram-lhe. Os vidros dos
óculos lampejaram. Foi-lhe ainda numa voz sumida que pro-
nunciou as palavras sacramentais: ‘Je demande la parole’.
A emoção fez-lhe dizer paróle e não parole.
Tendo-a levantou-se com um movimento como que mecâ-
nico. E começou, não como reza o livro de discursos públicos
em Haia, mas com essa interrogação:
‘Une mémoire? Et pourquoi pas um discours?
Ninguém esperava o relâmpago do revide. Ninguém o
acreditava capaz de tomar o pião à unha. Ninguém esperava a
instantaneidade da erupção.
Chocar-se com ele [De Martens] era uma audácia de David...
No grupo mais hostil a Rui Barbosa o contentamento ir-
rompia sem dissimulações. Rui liquidava-se pelas próprias
mãos, era o pensamento que se lhe via nas sionomias.
Mas o orador começou. A voz mal segura de princípio
rmou-se. E o o maravilhoso dos raciocínios começou a en-
volver a assembléia na rede da sua magia.
Quer-se deveras fugir aqui da política? Mas, meu Deus! É
pagarmo-nos de nomes; é não discernirmos a realidade. A po-
lítica é a atmosfera dos Estados. A política é a região do direito
internacional. De onde emana ele, senão da política?...
A política é que transformou o direito privado, revolucionou o direi-
to penal, instituiu o direito constitucional, criou o direito internacional.
13
É o próprio viver dos povos, é a força ou o direito, é a civi-
lização ou a barbaria, é a guerra ou a paz. Como, pois, subtraí-la
a uma assembléia de homens livres, congregados ao começar do
século vinte, para imprimirem a forma convencional ao direito das
nações? Como, se esse direito e a política, um com o outro se con-
fundem? Talvez só por constituirmos aqui apenas uma assembléia
diplomática? Mas a diplomacia outra coisa não é que a política sob
a mais delicada, a mais na, a mais elegante das suas formas.
Embaixador Celso Amorim, Ministro das Relações Ex-
teriores, em palestra proferida ao ensejo da II Conferência Na-
cional de Política Externa e Política Internacional – O Brasil e o
mundo que vem aí, assim se pronunciou:
“Rui Barbosa foi um pioneiro da diplomacia multilateral
no Brasil. Contemporâneo do Barão do Rio Branco, o patrono
da nossa diplomacia, Rui inaugurou uma linha de atuação que
perdura até hoje: a defesa da igualdade entre os Estados e da
democratização das relações internacionais.”
“A participação do Brasil na Conferência da Haia representa
simbolicamente o ingresso do País na cena internacional. Era o pri-
meiro encontro verdadeiramente universal com a presença do Brasil.”
(A Diplomacia Multilateral do Brasil
– Um Tributo a Rui Barbosa)
João Mangabeira, referindo-se ao m do Império e aos
primeiros tempos da República, escreveu:
“Para o primeiro ato bastaria uma espada acostumada a
rebrilhar ao sol das batalhas... Mas para a criação do regime po-
lítico não seria su ciente o rótulo dom que o nomeassem, ou de
que o revestissem as proclamações do movimento triunfante.
Era preciso a capacidade construtora de um homem de Esta-
do, para a organização político-jurídica, que nos desse, com a for-
ma republicana, as garantias sob que íamos viver, as liberdades em
cuja atmosfera haveríamos de respirar. Este o formidável papel de
Rui, nos quatorze meses de sua presença no governo provisório”.
(Rui, o Estadista da República)
14
Tristão de Athayde:
“Rui Barbosa era o homem cujo sonho mais vivo foi fazer
do Brasil, pela força do Direito, potência mundial. Rio Bran-
co pensara o Brasil na América do Sul; Nabuco esboçara esse
prestígio no norte do continente; Rui sonhava com o Brasil no
mundo”.
(Política e letras)
Hermes Lima sobre o desempenho de Rui no Ministério da
Fazenda ao tempo inicial do novo regime, observou:
“... combatia sem temor, conforme suas próprias palavras, o
monopólio da exportação dos nossos produtos exercitada privativa-
mente pelas casas estrangeiras no Brasil, liadas a essas matrizes
situadas nos mercados europeus e americanos, os quais exploram
o comércio dos frutos de nossa cultura a preços ditados pelo arbí-
trio dos interesses de uma especulação sem corretivos”. Controlado
de fora o nosso comércio, pois eram 70% estrangeiras, as rmas
centralizadoras do comércio exportador, o saldo favorável ao país,
esclarecia Rui, escoava-se em grande parte para o exterior...
Romper tal círculo, pela modi cação das condições ob-
jetivas desfavoráveis a nosso interesse, constitui preocupação
dominante de Rui Barbosa. Essa preocupação é a espinha dorsal
de sua política econômica e nanceira...”
(O Construtor, o Crítico e o Reformador na obra de
Rui Barbosa, In: Idéias e Figuras)
Embaixador Carlos Henrique Cardim, sobre a participa-
ção de Rui Barbosa na II Conferência de Paz da Haia, em 1907:
“É nesse conclave que o Brasil entra de fato na política in-
ternacional como ator chamando para si direitos e deveres de se
pronunciar e atuar nos temas mundiais. A parceria Rio Branco
– Rui Barbosa inaugura uma nova etapa da diplomacia brasi-
leira, e marca o início da construção de novo paradigma para a
inserção internacional do Brasil
O novo sentido geral da política externa brasileira de ne-
se com a participação de Rui na assembléia da Haia. As relações
15
exteriores do Brasil, no século XIX e nos inícios do século XX,
voltaram-se, exclusivamente, para as questões regionais, com
ênfase nos temas da Bacia do Prata.
Rui Barbosa, ao defender o princípio da igualdade das na-
ções, na Haia em 1907, coloca a política externa em outro eixo,
abre uma visão mais ampla. Critica o então vigente sistema in-
ternacional, mas também assume responsabilidades de reformá-
lo. É uma crítica de quem se reconhece membro da comunidade
maior, e não pode se omitir, pelo contrário, abres-se com gene-
rosidade para dar sua contribuição, mas que vê claramente as
iniquidades da cena presente.”
(A entrada do Brasil na política internacional
– Rui Barbosa na Haia)
BIBLIOGRAFIA
Rui Barbosa - Escritos e Discursos Seletos. Rio de Janei-
ro: Editora José Aguilar, 1960.
Amorim, Celso - A diplomacia multilateral do Brasil –
Um tributo a Rui Barbosa. Brasília: Fundação Alexandre de
Gusmão, 2007.
Cardim, Carlos Henrique – A raiz das coisas. Rui Barbosa:
o Brasil no mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
A entrada do Brasil na política internacional – Rui Bar-
bosa na Haia. Revista Plenarium, 2006.
Baptista Pereira - Figuras do Império e outros ensaios.
Brasília: 3ª ed., Senado Federal, 1991.
Fontes de Alencar - Liberdade: teoria e lutas. Brasília:
Brasília Jurídica, 2000.
- História de uma polêmica. Brasília:
Thesaurus Editora, 2005.
Mangabeira, João - Rui - O Estadista da República. São
Paulo: Livraria Martins Editora, 1960.
Stead, Willian T - O Brasil em Haia (Tradução de Arthur
Bomilcar) Rio, Imprensa Nacional, 1925.
Viana Filho, Luís - A vida do Barão do Rio Branco. 6ª
edição. Rio: José Olympio; Brasília: INL, 1988.
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