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Gilmar Antonio Detogni
A Travessia:
A Construção da Ponte do Rio das Antas
1942 – 1952
Dissertação de Mestrado na área de História Regional,
apresentada ao Programa de s-Graduação em
Hisria da Universidade de Passo Fundo como
requisito parcial para obtenção do grau de mestre em
Hisria sob a orientação do Professor Doutor Adelar
Heinsfeld.
Passo Fundo
2006
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FICHA CATALOGRÁFICA
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Gilmar Antonio Detogni
A Travessia:
A Construção da Ponte do Rio das Antas
1942 – 1952
Banca Examinadora
Prof. Dr. Adelar Heinsfeld – UPF – Orientador
Profª. Dr.ª Ana Luiza Setti Reckziegel – UPF – Examinadora
Prof.ª Dr.ª Loraine Slomp Giron – UCS – Examinadora
Passo Fundo
2006
A Ada Elice, companheira de todos os
momentos, aos meus estimados pais
Azevedo e Otilia, irmãos, Ana Maria,
Gilberto (in memorian) e sobrinho Julian
Carlos, motivos de orgulho e satisfação
nesta missão.
Agradeço,
Aos coordenadores do Programa de s-Graduação em História da Universidade de
Passo Fundo.
Aos professores do curso, particularmente ao professor Fernando da Silva Camargo
e Ana Luiza Setti Reckziegel pelas opiniões iniciais.
Ao professor Adelar Heinsfeld, orientador, meus sinceros agradecimentos pela
disponibilidade, compreensão e capacidade nas observações realizadas durante a
elaboração deste trabalho.
Especialmente, aos moradores do Município de Veranópolis e demais localidades
que colaboraram para a concretização deste trabalho.
Ao estimado amigo Cudio Dilda, fonte de inspiração na decisão em optar por esta
área do conhecimento e o desafio de refletir a história.
E, finalmente, a todos que direta e indiretamente auxiliaram na elaboração deste
trabalho.
“Jamais considere seus estudos como uma obrigação,
mas como uma oportunidade invejável (...) para
aprender a conhecer a inflncia libertadora da beleza
do reino do espírito, para seu próprio prazer pessoal e
para proveito da comunidade à qual seu futuro
trabalho pertencer.” (Albert Einstein).
RESUMO
O presente trabalho contemplou a análise da construção da ponte sobre o rio das
Antas, entre os Municípios de Veranópolis e Bento Gonçalves e teve por objetivo desvelar
um comparativo entre história e memória na investigação do impacto provocado pela
construção da obra no imaginário da população de Veranópolis. Pretendeu tamm
verificar os reflexos causados no processo de transição do sistema de balsas para a ponte,
procurando perceber a visão da comunidade sobre a experiência da modernização com a
construção da obra. Igualmente, buscou-se verificar a forma como as mudanças ocorridas
interferiram na vida da comunidade que viu, a partir da ponte, uma nova perspectiva de
progresso social, ecomico, político e cultural. Buscou-se através de relatos orais, fontes
jornalísticas, fontes oficiais, obras e periódicos, além de conversas informais, realizar um
esforço de síntese a fim de fundamentar o presente instrumento de estudo.
Palavras-chave: história regional; memória; ponte do rio das Antas.
ABSTRACT
The present work require an analysis of the construction over the Antas river,
between Veranópolis and Bento Goalves local and it has for objective to find out a real
finding between the history and the memory in the investigation of the impact of the
construction job in the imagination of the Veranópolis population. It also pretends to
verdict the reflected caused in the transition of the process and the ferries system to the
bridge, trying to get the community vision within the modernity experience with the
construction job. Likewise, it looked to find out the way how changes happened before
were interfering in the people lives that saw from the beginning of the bridge a new way
of social progress, economic, political and cultural. It overlooks though oral speeches, by
newspapers reports, official report, public works, and also with the informal spoken trying
to do a synthesis in a way to argue the present instrument of studying.
Key-words: Regional history, memory, the bridge of Antas’ river.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................11
1. INTEGRAÇÃO REGIONAL: PASSADO E PRESENTE .......................................17
1.1. A hisria de uma região marcada por um rio: Rio das Antas ..........................19
1.2. As margens do rio das Antas: Ocupação do vale e a alteridade .......................26
1.3. A paisagem na história: um enclave natural .....................................................31
1.4. Estrada Buarque de Macedo: a estrada da integração entre a
Encosta Inferior e Superior da Serra Gaúcha ...................................................37
1.5. Um período que antecede a construção da ponte:
o sistema de transportes e as balsas ..................................................................43
2. INTEGRAÇÃO NACIONAL:
CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO NA DÉCADA DE 1940 .........................51
2.1. A Era Vargas e o Estado Novo: a política rodoviária nacional e estadual
e as repercussões municipais ...........................................................................52
2.2. A Política de transportes Rodoviários no Rio Grande do Sul: a criação
do D.A.E.R. .....................................................................................................59
2.3. O início da construção da ponte e os projetos de engenharia ...........................63
2.4. Colapso do Cimbre e o impacto da notícia .......................................................68
2.5. Expectativa frustrada: a continuidade do transporte com Balsas
e as mudaas políticas no cenário político .....................................................82
2.6. Reinício da construção da ponte: entra em cena a empresa
de engenharia CHRISTIANI – NIELSEN da Dinamarca ................................89
3. UMA REALIDADE REGIONAL:
A PONTE ERNESTO DORNELLES NA SERRA GAÚCHA ......................................95
3.1. O Maior Arco de Concreto Armado das Américas e o Terceiro do Mundo:
a ponte sobre o rio das Antas é uma realidade Regional,
Nacional e Internacional ...................................................................................97
3.2. A Repercussão a cerca da inauguração da obra: Imprensa ..............................99
3.3. O impacto da ponte através do tempo: 50 anos da ponte monumento ...........105
3.4. O uso da História Oral: uma possibilidade de resgate da memória ................110
PALAVRAS FINAIS ............................................................................................118
REFERÊNCIAS ....................................................................................................123
ANEXOS ..............................................................................................................130
INTRODUÇÃO
O desabamento da ponte sobre o rio das Antas em 18 de janeiro de 1944, por volta
das quinze horas, era apenas a continuação de uma trajetória que somente seria
concretizada em 31 de agosto de 1952 com sua inauguração oficial.
Inaugurada pelo governador do Estado, Ernesto Dornelles, a ponte que leva o nome
do ex-governador é conhecida, popularmente, como ponte do rio das Antas. A terceira do
mundo em arcos isolados e a primeira com arcos paralelos. Obra de tal envergadura, que se
tornou monumentombolo do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER)
do Estado do Rio Grande do Sul.
A “Monumental” obra de engenharia nacional, situada no rio das Antas, permanece
no imaginário da população de Veranópolis e região até os dias atuais. Antes que o próprio
tempo de encarregue de apagar do imaginário esta preciosa história, o referido estudo se
propõe descrever o impacto que envolveu a construção da Ponte sobre o rio das Antas na
Serra Gaúcha, no período de 1942 a 1952.
Segundo Tedesco, uma determinada realidade social se constitui a partir de
processos que se interagem. Processos estes de socialização, os quais possibilitam novos
horizontes em direção à própria sociabilidade.
1
A importância de situar o objeto deste estudo está na sua contextualização e a
relação que possibilitou relacioná-lo ao presente. A construção da ponte entre os
municípios de Vernópolis e Bento Gonçalves significou um impacto para toda região.
O Cônsul real italiano Venerosi Pesciolini que visitou o Município de Veranópolis
em 1913 descrevera:
1
TEDESCO, João Carlos. Nas cercanias da memória: temporalidade, experiência e narração. Passo Fundo:
UPF: Caxias do Sul: EDUCS, 2004. p. 43.
Muitos italianos em sem bom senso natural pensaram que o modesto
povoado de Alfredo Chaves (Verapolis) poderia ter preterido esta
despesa em favor de outras de maior utilidade geral e não somente para
a vila, mas para todo território. Entre estas indicava-se justamente como
a mais essencial, a construção de uma ponte sobre o Rio das Antas onde
este é atravessado pela Estrada Buarque de Macedo, a única que serve
ao comércio e às comunicações do município.
2
O vale do rio das Antas está situado na Mesoregião Rio-grandense e na Micro-
região de Caxias do Sul.
3
Cortado pelo rio das Antas, com vales profundos e cerros
escarpados o rio nasce nos Aparados da Serra em Bom Jesus e é alimentado por uma opção
de afluentes no qual se tornou um obstáculo natural e quase intransponível.
4
A partir de 1884, os primeiros imigrantes italianos foram encaminhados para a
recém-criada Colônia Alfredo chaves, atual Verapolis. A ligação entre as colônias Dona
Isabel (Bento Gonçalves) e Alfredo Chaves (Veranópolis) era realizada pela estrada
Buarque de Macedo. Uma barca realizava a travessia do rio das Antas e os imigrantes
embrenhavam-se na floresta do vale até chegar em Veranópolis.
5
Entretanto, a relevância deste estudo não teve a preocupação de realizar uma
viagem na hisria da formação social e econômica das colônias de imigração italiana do
Rio Grande do Sul, foi necessário que algumas considerações fossem ressaltadas para
afirmar que a ponte do rio das Antas constituiu um elemento determinante para a
problemática deste estudo, pois sua construção possibilitou a modificação da história da
população de Veranópolis.
Portanto, a questão que despertou o interesse pela pesquisa foi a construção da
ponte que tentou o apenas resolver um obstáculo natural a ser transponível, trazendo o
desenvolvimento a uma região até então movida a barca, mas perceber os reflexos que esta
obra de engenharia nacional causou na memória da população.
Meihy ao tratar de memória nos diz que o que foi lembrado, como foi narrado e a
circunstância pelo qual o fato foi evocado, isso tudo integra a narrativa, que sempre nasceu
2
POSENATO, Júlio. Diccionario histórico geográfico e estatístico do município de Alfredo Chaves:
indicador commercial e profissional. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1987, p. VIII.
3
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2000.
4
WONSOWSKI, João Ladislau. Nos peraus do rio das antas. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia
São Lourenço de Brindes. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1976, p. 7.
5
WONSOWSKI, op. cit., p. 7.
na memória e se projeta na imaginação, materializando-se na representação verbal e
transformada em fonte escrita.
6
O problema que permeou a pesquisa é: qual a percepção da comunidade de
Veranópolis na transição do sistema de balsas para a travessia do rio das Antas com a
construção da ponte.
Objetivou-se localizar no espaço e no tempo a história da ponte sobre o rio das
Antas, analisando os fatores intervenientes que levaram à sua construção; relatar a
percepção da comunidade de Veranópolis frente à construção da obra e investigar como se
deu o processo de transição na travessia através do sistema de balsas para o meio
rodoviário, bem como o sentimento da comunidade diante da nova obra de engenharia,
seus benefícios e conseqüências. Este foi o objetivo proposto neste estudo.
A memória é importante, seja coletiva ou individual como possuidora de
importante papel ao definir o próprio espaço da memória social na medida que cada
indivíduo constrói e expressa a linguagem falada, a imagem em lembrança e as imagens do
cotidiano que são vivenciadas pela própria comunidade.
Nesse sentido, Tedesco ressalta que as lembraas recolocam a esperança na
capacidade de se recuperar algo que possuía, ou seja, um tempo que ficou esquecido. A
memória nesse sentido, segundo o autor, precede do ponto de vista cronológico, a
lembrança que por sua vez pertence à própria imaginação.
7
Ainda sobre a importância da história e o sentido do passado, Hobsbawm
assinala que:
O passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência
humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros
padrões da sociedade humana. O problema para os historiadores é
analisar a natureza desse “sentido passadona sociedade e localizar suas
mudaas e transformações.
8
Compreendeu-se que toda mudança pode trazer ganhos, perdas, sendo às vezes,
irreparáveis à própria memória, seja coletiva ou individual. Neste sentido, este estudo
busca interpretar os processos que decorreram com a construção da ponte, procurando
6
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. São Paulo: Edições Loyola, p. 52.
7
TEDESCO, op. cit., p. 35-36.
8
HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Cia. Das Letras, 1998. p. 22.
realçar o conhecimento histórico. Tendo a memória como um dos objetos de investigação,
revelou o espaço vivido da comunidade em relação à ponte a qual precisou repensar sua
história passada a fim de não perder a identidade coletiva e individual.
A possibilidade de destacar tanto o processo de transição dos sistema de balsas para
a ponte, como o sentimento da comunidade de Veranópolis diante destes processos que
decorreram configurou a relevância social e científica da pesquisa.
É de fundamental importância entender e registrar a forma como as mudanças
ocorridas interferiram na comunidade de Veranópolis, que viu a partir da obra uma nova
etapa de um modelo de desenvolvimento vital para a região Nordeste do Rio Grande do
Sul. Entretanto, esse ousado projeto levou os habitantes da cidade de Veranópolis
perceberem as mudanças que ocorreram para atender às necessidades materiais,
procurando transpor tradição e modernidade.
Através deste cenário, procurou-se entender a visão dos moradores e construtores
da obra rodoviária sobre o rio das Antas, passando pelos cominhos da memória e da
história, realçando os sentimento ou distanciamentos e as divisões sociais e culturais da
memória, restando as lembranças que fazem parte da história da comunidade de
Veranópolis.
A utilização da história oral, entre outras técnicas, possibilitou resgatar a narrativa e
a tradição oral, na medida em que o registro da oralidade propôs o conhecimento do mundo
da memória de uma comunidade além de divulgá-la ao público de modo geral. Outrossim,
a utilização da narrativa oral é foi uma possibilidade de se reconstruir o papel do sujeito na
condição de agente social da história.
Tedesco acrescenta que as fontes orais permitem, não pela anulação, mas pela
complementaridade recíproca, dar base para as fontes escritas guardadas nos arquivos
9
.
Metodologicamente, foi realizada a coleta de informações, através de relatos orais a
fim de recuperar a história da travessia do rio das Antas com o sistema de balsas e,
posteriormente, com a construção da ponte. Paralelamente houve consultas nas fontes
jornalísticas, fontes oficiais, obras e periódicos, além de aprofundamento em conversas
informais com a comunidade no qual contribuíram para tornar mais enriquecedor o estudo.
9
TEDESCO, op. cit., 133-134.
Para que os depoimentos não expressem um deslocamento no espaço e no tempo,
fez-se um breve histórico do Município de Verapolis no contexto 1942 1952, período
enfocado com o impacto da construção da ponte sobre o rio das Antas.
Com relação às fontes orais, foram efetuadas entrevistas de ambos os sexos e faixa
etária. Através de conversas informais, proporcionava-se liberdade aos entrevistados a fim
de que pudessem desenvolver as diversas situações expostas dirigidas ao material que
constitui como pano de fundo deste estudo. Foi utilizada também a fonte oral de outros
estudos e obras pertinentes à pesquisa, pois tratavam do mesmo contexto.
Por sua vez, as fontes documentais foram de fundamental importância para o
desenvolvimento do estudo, sobretudo as existentes no arquivo municipal de Veranópolis,
da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas e do
Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Sul (DAER). Em
relação às fontes jornalísticas, a contribuição ocorreu na medida em que se tratou da
memória em arquivo tendo sido utilizados inúmeros periódicos, além da utilização de
fontes orais com depoimentos colhidos ao longo do trabalho.
Assim, o conteúdo relativo à pesquisa dividiu-se em três capítulos. O primeiro
capítulo teve por finalidade realizar um esforço de síntese para situar no espaço e no tempo
a história da ponte sobre o rio das Antas. Houve a análise dos fatores que levaram à sua
construção, uma vez que uma viagem no passado apresentou vácuos através dos quais a
inovação e a mudança puderam ser persuadidas. Através de depoimentos orais e consultas
bibliográficas pôde-se ampliar a compreensão dos fatos relativos ao objeto em estudo.
O capítulo segundo descreveu a integração entre o tradicional e o inovador.
Aconteceu a reprodução do sentido de progresso, da visão da potica nacional e sua
integração, através de análise e interpretões coletados. Procurou-se, assim, esclarecer a
visão da comunidade veranense sobre a experiência da modernização com o advento da
ponte. Fez-se uma discussão no processo de transição do sistema de balsas para a ponte,
observando os efeitos que a construção e a transição trouxeram e as conseqüências
observadas pela comunidade em estudo.
O terceiro capítulo procurou traçar um paralelo entre história e memória. Foram
processos sociais e de construção dos próprios sujeitos que viveram aquele momento, onde
possuíam experiências individuais e coletivas como referência, situados nos espaços de
vida em sociedade.
Ao explorar a história de um lugar, através de registros históricos, visuais e casos
relatados, possibilitou-se que as imagens desse lugar povoassem a mente. Dessa forma, ir
ao passado foi uma possibilidade para se descortinar uma janela e resgatar coisas
individuais e particulares da história de cada um.
1. INTEGRAÇÃO REGIONAL: PASSADO E PRESENTE
Neste primeiro capítulo procurou-se realizar uma contextualização da história da
ponte sobre o rio das Antas que liga os municípios de Veranópolis e Bento Goalves no
espaço e no tempo analisando os elementos que levaram à sua construção. O passado
condicionou peculiaridades das lembranças futuras.
10
A partir do pensamento de Tedesco, pode-se deduzir que o passado foi
reconstitdo segundo as circunstâncias do presente e da mesma maneira o presente foi
legitimado pelo passado, numa ão exercida mutuamente. A memória como fonte
armazenadora deste passado trouxe para o presente esta leitura, na qual foi reconstrda
dentro de um contexto do tempo presente. E esta reconstrução foram os indivíduos que a
fizeram. As pessoas que puderam escolher as situações que serão transformadas em
lembranças futuras. John Lewis Gaddis, assinala que:
O passado é algo que nunca poderemos possuir. Porque quando
percebemos o que aconteceu, os fatos estão inacessíveis para s: o
podemos revive-los, recupera-los, ou retornar no tempo como um
experimento de laboratório ou simulação de computador. podemos
reapresentá-los.
11
Portanto, o conhecimento passado foi de fundamental importância para se entender
o presente, compondo desta forma a identidade das pessoas. Um espaço, um lugar, um
objeto pôde tornar-se um sentimento de pertencimento para os indivíduos. Para aqueles
que não desejaram o saber sobre este espaço, lugar ou objeto teve como resultado um
indivíduo sem identidade ou assumindo uma identidade na qual não lhe pertencia.
10
TEDESCO, João Carlos. Nas cercanias da memória: temporalidade, experiência e narração. Passo Fundo:
UPF: Caxias do Sul: EDUCS, 2004, p. 31.
11
GADDIS, John Lewis. Paisagens da história. Como os historiadores mapeiam o passado. Rio de Janeiro:
CAMPUS, 2003, p. 17.
Nesse sentido, o processo de formação da identidade, constituiu-se em um elemento
importante na preservação dos tros culturais. Ao discorrer sobre identidade JoCarlos
Sebe Bom Meihi esclarece que todos estão submetidos a múltiplas identidades, que por sua
vez sofre modificações devidas às influências da cultura e das situações nas quais as
pessoas se submetem. Essa afirmação de orientar na descrição e orientação de uma
determinada cultura, através do espaço físico e do próprio tempo interagidos em um
território pertencente.
12
Para os moradores de Veranópolis houve modificações no espaço social construído
com a construção da ponte. O isolamento imposto pelo rio das Antas tendo como
conseqüência a falta de comunicação viária entre os demais lotes coloniais rurais, o
permitiu que a vida e os costumes da imigração italiana se desenvolvessem da mesma
forma conservando com isso os costumes primitivos. A falta da ponte freou o
desenvolvimento comercial e industrial de Veranópolis até os primórdios da década de
1950. Com a construção da ponte estes setores econômicos se desenvolveram e começaram
a interligar-se com outros centros da região Norte, Nordeste e Planalto do Rio Grande do
Sul.
13
Considerou-se que o tempo e o espaço não foram apenas uma possibilidade na
orientação de localização de coisas ou fatos, mas gêneros que explicitaram seu jeito de ser.
E este ser foi o espaço que se alinhou de diversas formas no decorrer do tempo
conectando-se a outros seres.
A construção do conhecimento se deu através da consciência que se cristalizou em
torno de um determinado objeto ou fato. Para Maestri:
Utilizar a meria como dado histórico, nesse sentido, significa ir além
desse enquadramento ufanista e parcial da consciência de alguns
indivíduos (depoentes) e de alguns analistas. É importante localizar a
memória num contexto histórico mais complexo e relacional de ações e
de significados.
14
Tedesco faz um alerta para a necessidade de se problematizar a representação que
está contida no relato da memória. Ela possui um conteúdo de narrativa pré-existente no
12
MEIHY, op. cit., p. 71.
13
COSTA, Rovílio (e outros). Imigração italiana: vida, costumes e tradições. Porto Alegre: EST, 1986, p. 6.
14
MAESTRI, Mário. A travessia e a mata: memória, mito e história na imigração italiana para o Rio Grande
do Sul. In: SULIANI, A. (Org.). Etnias & carisma. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, p. 761 – 781.
qual é contextualizado, complementado e problematizado. Assim o tempo e espaço
associados às lembranças e os esquecimentos atribui-se significados a memória.
15
Através dos depoimentos dos moradores de Veranópolis e outros relatos, pôde-se
compreender os acontecimentos e momentos que marcaram o empreendimento no rio das
Antas.
1.1 . A história de uma região marcada por um rio: Rio das Antas
A maior parte dos rios do Brasil e do Estado do Rio Grande do Sul age como um
elo de ligação com o interior do país e do Estado, facilitando a colonização e o surgimento
de povoações nas suas margens.
O rio das Antas, ao contrário, funcionou como um obstáculo para a população,
devido às margens serem muito acidentadas. Ruy Rubem Ruschel assinala que:
A importância do Antas para o primitivo município de Santo Antonio da
Patrulha, instalado em 1811, é que, cortando transversalmente o território
desse imenso município, quase de lado a lado, o rio estabeleceu as duas
partes históricas do planalto a Vacaria e a Cima da Serra
aproximadamente equivalentes em área. E ao mesmo tempo representou
o grande desafio a vencer a integração dessas duas partes.
16
O vale das Antas, um enclave natural, dificultou a passagem ainda com a presença
dos imigrantes italianos para a região de Veranópolis. Por isso a colonização e a ocupação
desta região foram também tardias, isto é, as colônias de Campo dos Bugres (Caxias do
Sul), Conde D’Eu (Garibaldi) e Dona Isabel (Bento Gonçalves) foram fundadas em 1875,
enquanto os primeiros colonos cruzaram o rio dez anos depois. Favorecendo o isolamento
das terras na sua margem direita, o rio das Antas dificultou o transporte e a comunicação.
Neste aspecto a colônia de Veranópolis, de certa forma, manteve os colonos primitivos e
também buscou a auto-suficiência de produtos.
17
15
TEDESCO, idem, p. 71 – 72.
16
RUSCHEL Rui Rubem. O rio das antas e seus desafios. In: COSTA, Rovílio (Org.). Raízes de
Veranópolis. Porto Alegre: EST, 1998, p. 39 – 40.
17
COSTA, op. cit., p. 5 – 6.
O planalto meridional brasileiro estende-se do sul de Minas Gerais até a metade
norte do Rio Grande do Sul. A partir da grande escarpa que o separa da planície litorânea,
o planalto tem suas maiores altitudes a leste e vai baixando na direção oeste. Essa estrutura
do planalto justifica e possibilita existirem nele rios que nascem perto do Oceano Atlântico
e correm em direção ao interior, até atingir alguma calha por onde possam voltar ao mar. É
o caso do rio das Antas.
18
Ao analisar o rio das Antas em reportagem especial para a revista IDEAL, o poeta
Salvador Durante assim descrevia em seu poema:
Rio das Antas, o meu prazer
É junto ao vale teu viver
Para mim és deste Estado
O lugar mais encantado
Rio das Antas, teu painel
Deslumbra meu sedento olhar
No batel fiz tantas pescas
Ao singrar tuas águas frescas.
19
mais de 1.000 metros de altitude na Serra Geral (Aparados da Serra), no
Município de Bom Jesus, encontra-se a cabeceira do rio das Antas. O seu longo percurso
rasga um vale profundo circundado em seus lados por paredes pétreas.
20
Primeiro, o Antas guarda um curso em direção a oeste, acompanhando o paralelo
28º, 50’ S, e depois dobra para sudoeste, a fim de unir-se ao rio Taquari. A convenção que
prevalece entre os geógrafos trata o rio das Antas como curso superior do Taquari,
transformando-se um no outro ao receber na margem direita o afluente rio Carreiro.
Quando o rio desce ao nível de 800 m, as paredes laterais encontram-se em altitudes de
900 a 1.000 m. E assim por diante: a cada degrau do planalto que desce, o rio fica sempre
envolvido por serras quase verticais com diferenças de uma ou duas centenas de metros.
18
RUSCHEL, op. cit., p. 41.
19
Apud. FINKLER, Pedro. A ponte do Rio das Antas: obra de arte orgulho da Engenharia nacional – a 3ª no
mundo no gênero e a maior em arcos paralelos. Revista IDEAL, s.l. abril de 1953.
20
RUSCHEL, idem, p.41.
Finalmente, ao receber as águas do Carreiro, o rio das Antas está percorrendo um leito
de altitude abaixo de 300 m, porém apertado entre serras de cerca de 500 m.
21
Percebe-se assim que em todo percurso do rio, é muito difícil o acesso por qualquer
de suas margens, principalmente quando ocorre precipitação pluviométrica de grande
intensidade, e que em poucas horas as águas violentas fazem subir seu vel, dando uma
visão de cânion, pois em várias partes do curso o leito é composto de rochedos e
corredeiras. O rio possui uma extensão de aproximadamente 500 km em torno de um vale
considerado deslumbrante e oferece possibilidades para a prática de esportes radicais.
É possível perceber que onde as paredes rochosas são menos inclinadas a presença
de florestas densas é muito marcante, o que dificulta o acesso. Parodiando a abertura do
livro Gêneses, o poeta veranense Mansueto Bernardi descrevia a realidade da época:
No princípio era selva. A selva estava tudo. Depois de cruzar o Rio das
Antas, às vezes em condições dramáticas, devido às cheias, os
imigrantes, como formigas cortadeiras, adentravam na floresta pelos
travessões e picadas como sementes férteis de progresso.
22
Outra característica do vale onde é dificultado a ação humana é a existência de
grandes curvas e até mesmo de “ferraduras” em quase toda sua extensão. As algumas
chuvas às águas tornam-se violentas, pois o leito sobe rapidamente em poucas horas, o que
torna periculoso na medida em que no seu leito há a presença de rochedos e corredeiras.
Fotografias aéreas da área denominada “Ferradura” – Rio das Antas
Fonte: Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves – RS
21
RUSCHEL, op. cit., p.41 – 42.
22
SILVEIRA. Jair Pedroso da. De monte cuco a vanini. Casca: Prefeitura Municipal de Vanini. SMEC.
Editora Koinonia Sul Ltda, 1999, p. 22–23.
Foi numa dessas circunstâncias de elevação do nível das águas que em 18 de
janeiro de 1944, por volta das 15 horas, quando as obras da construção da ponte estavam
em andamento que houve o desabamento da construção na qual vitimou inúmeros
operários da obra. Este episódio retardou a continuidade dos trabalhos que somente em
1952 puderam ser concluídos e a ponte inaugurada.
O desabamento da ponte e a interrupção das obras de conclusão permitiram a
continuidade do sistema de balsas para efetuar a travessia do rio por mais oito anos. Por
sua vez a economia de Veranópolis e região viam na possibilidade da obra concluída um
crescimento no comércio, indústria e transportes ma medida em que as demandas destes
setores aumentavam consideravelmente no período.
Nesse contexto que o crescimento urbano de Veranópolis e demais localidades
inseria-se no contexto da própria expansão da economia gaúcha. A introdução de novas
técnicas e das próprias relações capitalistas de produção se evidenciava no período. O
crescimento das cidades e a formação de uma rede urbana determinavam o comércio na
região em questão.
A ocupação mais recente foi estruturada a partir da constituição dos centros
urbanos, nos quais serviços como energia e comunicações e o próprio comércio já se
dinamizava. O acúmulo do capital nas mãos de alguns comerciantes possibilitou o
desenvolvimento das primeiras agromanufaturas. É o exemplo de Veranópolis que na
década de 1940 contava com uma população de 20 mil habitantes, com forte produção na
agricultura e pecuária, além de 23 casas de comércio, 5 revendas de automóveis, 6
moinhos, 5 carpintarias, 5 cantinas de vinho, 4 fábricas de móveis, 4 serrarias com
depósitos de madeira, 4 oficinas mecânicas, 3 curtumes, 3 depósitos de bebidas, 2
beneficiadoras de erva-mate, 2 frigoríficos, 2 destilarias de álcool, 2 bricas de máquinas
agrícolas, 2 laticínios, 2 fábricas de armas, 1 de caramelos e 1 de bebidas. A Associão
Comercial do Município contava em seu quadro com 90 cios.
23
Percebe-se assim a
importância na constituição do perfil ecomico do município, com a presença de uma
classe de comerciantes e industriais muito expressiva e diversificada.
Por outro lado, no decorrer da década de 1940 acentuava-se a crise na região
minifundiária colonial que, entre outras razões, estava o alto índice de nascimentos entre os
pequenos proprietários rurais além do esgotamento dos solos e a própria escassez de terras.
23
FARINA, Geraldo. História de Veranópolis. Veranópolis, SMEC, 1992. p. 158.
Por sua vez o desenvolvimento da indústria o permitia a absorção de toda esta mão-de-
obra nas fábricas. O êxodo rural na região colonial além de ser transferido para as cidades,
também foram deslocados para outros estados como Santa Catarina e Paraná.
24
Verificou-se assim que o desejo em modernizar o setor de comunicação viária
estava relacionado ao contexto maior, ou seja, a década de 1940 e 1950 marca a mudança
do paradigma agroexportador para o industrial. Passar da fase de transição de uma
economia agrária para uma economia industrial moderna requeria tamm uma nova
estratégia de desenvolvimento. Dinamizar o sistema rodoviário na rego foi uma
preocupação a fim de se fortalecer o processo produtivo a nível primário da economia e
também dinamizar o setor industrial assinalando com isto a importância da construção da
ponte para o próprio progresso regional. Pode-se assim concluir que o advento da ponte
representou inclusive o rompimento de um modelo econômico pautado pela economia
essencialmente primária para um modelo inserido dentro das mudanças que a região, o
Estado e o país atravessavam naquele período.
Ao analisar o impacto cio-econômico que o desabamento da ponte trouxe entre
1944 e 1952 pode ser expresso nas palavras do veranense Júlio Farina:
Naquela época as enchentes no rio das Antas duravam até 15 dias. Numa
dessas enchentes houve o desabamento da ponte em construção. Todo os
madeireiros desta região inclusive meu pai, depositavam toda madeira
durante o ano nas margens do rio das Antas. O tempo médio levava de
oito a dez dias para a madeira chegar em Porto Alegre. Amarravam
duzentas, trezentas dúzias e largavam rio abaixo.
25
Nesse sentido, embora Veranópolis o passasse pelo mesmo ritmo de crescimento
econômico das demais colônias devido às dificuldades de acesso no rio das Antas os
indicadores econômicos apresentados permitiram concluir que o surto de crescimento
verificado esteve relacionado com a própria necessidade imposta pelo isolamento
geográfico.
A partir da década de 1950 o Rio Grande do Sul enfrentava os desafios estruturais.
A industrialização, o êxodo rural, os transportes e a energia. A construção da ponte
24
PESAVENTO, Sandra Jatahi. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1985. p.116-
117.
25
FARINA, Júlio, 93 Anos, nascido em Veranópolis em 1912. Entrevista concedida em 05 de outubro de
2005.
permitiu modificações econômicas, sociais e culturais na comunidade de Veranópolis e
região. A paisagem do vale das Antas modificou-se através da interferência humana com a
construção da ponte. Ao mudar a paisagem possibilitou-se o desenvolvimento da
agricultura, comércio, indústria e o lazer, bem como a própria integração regional.
Júlio Farina relatou um episódio inusitado envolvendo o governador do Estado
Valter Jobim
26
por ocasião de sua vinda a Veranópolis, na inauguração do Colégio Regina
Coeli:
Instrram o balseiro: finge que a balsa escapa, desce pra baixo a fim de
sensibilizar o governador da necessidade de se construir a ponte sobre o
rio das Antas.
27
De acordo com Júlio Farina esta façanha de sensibilizar o governador foi realizada.
Farina destacou ainda que na década de 1940 a economia do município encontrava-se em
expansão e inúmeros comerciantes prosperavam. É o exemplo de Astério Melo que,
segundo Farina, teve uma visão empresarial. Ao adquirir inúmeros pinheirais e instalar
engenhos e posteriormente adquirindo uma frota de caminhões que após a construção da
ponte passava de 40 veículos, foi um exemplo de industrial bem sucedido.
As modificações econômicas se fizeram sentir também em relação a demanda
energética para Veranópolis e região. Agora, entrou em operação a Usina Hidrelétrica
Monte Claro, na localidade de Nossa Senhora da Glória, às margens do rio das Antas, no
município de Veranópolis. Este empreendimento inaugurou o início de uma série de
barragens totalizando três no curso do rio das Antas. O complexo energético em
desenvolvimento junto ao rio é administrado pela Companhia Energética do Rio das Antas
(CERAN) e envolve a construção de três usinas hidrelétricas (Monte Claro, Castro Alves e
14 de Julho).
26
Valter Jobim foi governador do Rio Grande do Sul no período de 1947 a 1951.
27
FARINA, Júlio, idem.
Imagem do mapa da Localização das Usinas no Rio das Antas.
Fonte: Correio Riograndense. Caxias do Sul: São Miguel, 21 ago 2002.
Quando as três usinas estiverem operando, serão produzidos 360 MW, potência
equivalente a 10% do consumo total do Estado do Rio Grande do Sul ou ao consumo de
Bento Gonçalves, Veranópolis, Cotiporã, Nova Roma do Sul, Nova Pádua, Flores da
Cunha e Antônio Prado, juntas. Nas palavras de Paulo Roberto Fraga Zuch, diretor-
superintendente da CERAN (Complexo Energético Rio das Antas):
No rastro da construção da usina hidrelétrica Monte Claro, em
Veranópolis, virá o surgimento de pólos de turismo, agroindústrias
caseiras, desenvolvimento, empregos e renda. Desde a zero hora de 29 de
dezembro, a usina está conectada ao Sistema Elétrico Nacional. Isso
significa que está fornecendo energia ao sistema.
28
A geografia do rio das Antas, com a construção dos referidos complexos
energéticos, passa por profundas modificações havendo a implementação de novas
atividades econômicas para a região e aumento de receita tributária.
A conclusão do complexo de três usinas para 2007, possibilitará a geração de R$4
milhões/ano receita em ISS para sete municípios localizados no entorno do CERAN e mais
R$3,7 milhões/ano a título de royalties a serem divididos 50% para o Estado e 50% para os
municípios.
29
28
Sai do Antas 10% da energia gaúcha. Correio Riograndense., 12 JAN 2005.
29
http:/www.estado.rs.gov.br. Último acesso em: 11 de janeiro de 2005. 14 h e 30 min.
Na nova geografia do rio das Antas, com o complexo CERAN, surgiu um conjunto
de hidrelétricas mais eficientes na geração de energia e com menor impacto ambiental,
demonstrando-se com isso a preocupação com o equilíbrio ambiental nas relações homem-
natureza.
1.2. As margens do rio das Antas: Ocupação do vale e a alteridade
O relevo acidentado do vale das Antas formou uma barreira quase intransponível,
impedindo que houvesse uma ocupação mais efetiva de suas margens.
Existem poucas informações e escassez bibliográfica sobre a cultura pré-histórica
dos primeiros habitantes do vale das Antas. De acordo com Tiago Nicolau de Araújo, a
fase Antas da região Nordeste do Rio Grande do Sul, os sítios localizaram-se nos barrancos
do rio das Antas e apresentaram objetos ticos em sua maioria confeccionados com pedra
basáltica. Por sua vez a fase cerâmica de tradição Taquara, pôde ser considerada do
período Guatambu, onde os sítios encontraram-se localizados em campo aberto, em casas
subterrâneas, em cemitérios e em abrigos sobre rochas. Nestes tios encontraram-se restos
de carvão, cerâmicos e ticos lascados.
30
Segundo o autor, cemitérios foram localizados
próximos ao rio, ao lado e sob quedas d’água acreditando ser da tribo Caingangue.
Acrescentaram-se a isso as considerações sobre a localização no vale do rio das
Antas, em dois tios, vestígios de milho, de pinhão e de porongos, junto a sepultamentos.
Evincias mostraram a utilização de produtos vegetais e animais e cordéis,
confeccionados com fibras de vegetais e tendões de animais, cera animal, conchas e
moluscos entre outros.
31
Embora não seja objeto da presente investigação, o contato com o colonizador a
partir da segunda metade do século XIX na área caingangue, se deu na forma que para o
caingangue não restava alternativa a não ser a necessidade de continuar a luta pela posse de
30
ARAÚJO, Tiago Nicolau De. Arqueologia no planalto meridional do rio grande do sul. In: COSTA,
Rovílio (Org.) Raízes de Veranópolis. Porto Alegre, EST, 1998, p. 38. Ver também estudos de Eurico Th.
Miller, Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas 1968 1969 Museu paraense Emílo Goeldi
Belém – Pará, publicações avulsas nº 15, 1971. O autor realizou estudos em pesquisas arqueológicas
efetuadas no Planalto Meridional, Rio Grande do Sul através da seqüência arqueológica nas fases Antas,
Paiquere, Cará, Araponga, Camur, Guatambu, Xaxim, Irapuã, Ita, Ipira e Monjolo.
31
JACOBUS, André Luiz. A utilização de animais e vegetais na pré-história do rio grande do sul. In: KERN,
Arno (Org.) Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado Aberto, p. 76 77. O
autor descreve a cultura ceramista do norte, abrangendo as regiões do Litoral Norte do RS, Planalto e Encosta
suas terras, diante das entidades econômicas e seus interesses mercantis. Por sua vez para
Ítala Irene Basile Becker:
A colonização italiana iniciada por volta de 1875, na mesma área
Kaingáng (Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Garibaldi), não teve
influência sobre a população indígena porque o problema da partilha das
terras e da concentração dos índios fora superado. Os contatos entre
kaingáng aldeados e italianos foram raros e paficos.
32
Entretanto, foi oportuno verificar que para este povo, caçador, coletor, pescador e
horticultor o restavam outro caminho a o ser o regime de aldeamentos em reservas que
estão sob o controle de órgãos federais como a FUNAI e que por esta circunstância
verificou-se que na realidade o enfrentamento entre o colonizador e o caingangue ocorreu
na resistência o que acabou por provocar o aniquilamento das comunidades nativas.
Na localidade de Monte Bérico, interior de Veranópolis, nas proximidades do rio
das Antas encontra-se uma gruta histórica que é local de visitação pública especialmente
de turistas. Estudos feitos revelaram que a gruta existe cinco mil anos a.C. A entrada
possui 28 metros de largura, e uma altura de mais de 2 metros. Por sua vez a fenda na
rocha que os moradores chamam de “pedra-sapose divide em três galerias.
33
Durante
todo tempo, é possível caminhar a pé no interior da gruta.
34
Ainda com relação a caverna de Monte Bérico que possui 67 metros de
profundidade e de aproximadamente 5 mil anos, tendo sido formada através da erosão e
pelo desgaste lento das rochas, no local, foram encontrados vestígios de habitações
caingangues.
da Serra, por ser uma cultura da tradição Taquara, ou seja, uma cultura com tradição tecnológica possuidora
de conhecimentos ligados à utilização da cerâmica.
32
BECKER, Ítala Irene Basile. O que sobrou dos índios pré-históricos do rio grande do sul. In: KERN, Arno
(Org.) Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado Aberto, p. 337.
33
http://www.serrana.hpg.ig.br/verano.htm. Veranópolis a terra da longevidade. Último acesso em: 11 de
janeiro de 2005, às 14 h e 30 min. De acordo com a SETURD Prefeitura Municipal de Veranópolis foram
encontrados vestígios de habitações de tribos Caingangues.
34
http:/www.serrars.hpg.ig.com.Br/verano.htm. Veranópolis – a terra da longevidade. Último acesso em: 11
de janeiro de 2005, 14 h e 30 min.
Mapa do Rio Grande do Sul com destaque para o complexo do rio das Antas.
Fonte: KERN, Arno. Arqueologia pré-histórica do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997. p. 101.
O processo de ocupação do vale do rio das Antas pelos colonizadores europeus e a
própria colonização de Veranópolis, obedeceu a critérios que foram característicos da
própria colonização.
A fixação dos novos sujeitos estabeleceu-se a partir do recuo dos antigos
habitantes, ou seja, os grupos tribais normatizando novas relações sociais através da
implementação da agricultura de subsistência e do trabalho familiar. Tau Golin denomina
Frente Pioneira”, este processo de chegada de colonizadores europeus.
35
É necessário salientar que na segunda metade do século XIX, após a colonização
das antigas colônias de Conde D’Eu, Dona Isabel e Caxias, se processou o estabelecimento
de colonos nas margens do rio como conseqüência do grande número de colonos a procura
de núcleos originais das antigas colônias. Nesse período o governo imperial determinara a
medão de terras na margem direita do rio das Antas.
36
A colônia de Alfredo Chaves, criada em 1884, deu início à chegada dos primeiros
imigrantes italianos que se estabeleceram em áreas geográficas menos acidentadas,
35
GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos esponneos na fixação dos limites do Brasil com o
Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p. 37. O autor denomina frente pioneira como sendo o
processo histórico ocorrido na segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX, referindo-
se a conquista da fronteira noroeste, podendo-se dizer o mesmo procedimento na região nordeste do Estado.
36
AHRGS. Alfredo Chaves. Imigração e povoamento. Registro de imigrantes 1886-1888. Porto Alegre, EST,
1997, p. 13.
portanto mais distantes do próprio rio, formando os núcleos de Lajeadinho, Monte Bérico,
e tantos outros na medida que se distanciava do rio.
Por sua vez, a corrente de imigrantes poloneses que começou a chegar nos fins de
1890, acabou por ser encaminhada para a ocupação da região nos lugares mais isolados do
rio das Antas e outras localidades circunvizinhas. Wonsowski, denomina no cafundó” do
rio das Antas, para expressar que estes poloneses na realidade estabeleceram-se nos locais
mais distantes e íngremes do vale.
37
Portanto, o projeto imigrantista implementado na área em estudo obedeceu à
aculturação, ou seja, na medida em que uma cultura é substituída por outra, nesse caso o
estabelecimento de novas colônias acarretou uma substituição cultural e identitária da
cultura primitiva e local pela cultura européia a partir de então presente nesta região.
Atualmente, descortinar os caminhos do vale do rio das Antas através de um
passeio é possível perceber, ao chegar num dos belvederes do vale, um panorama que a
primeira vista surge um questionamento: como foi possível desbravar esta geografia
acidentada e povoar suas margens? Não restaria menor dúvida que coube ao imigrante
polonês a pior fatia de terras disponíveis. Wonsowski, ao discorrer sobre as margens do
vale destaca:
Outrora, toda essa região era coberta de mata virgem, marchetada de
clareiras produzidas por rochedos despidos e penhascos. Não havia
nenhum vestígio de estrada, nem de vida humana. Na copa de árvores
gigantescas e multisseculares os pássaros faziam seus ninhos e os bugios
saltitavam á vontade. Nos antros e covas criavam-se insetos de toda
espécie e cobras venenosas. Todo esse imenso matagal era povoado de
animais selvagens que buscavam seu alimento: veados, antas, catetes,
pacas e diversos outros. Esteve presente também a terrível onça que
assaltava animais selvagens de porte pequeno. Mais tarde, quando os
imigrantes poloneses se tinham estabelecidos por lá, não raro
aconteceu que cães, leitões, cabritos, terneiros e potrilhos foram caindo
nas garras da onça. Sem mais nem mais lá, até as próprias pessoas
tiveram de estar constantemente de atalaia, pois a onça não se podia
brincar.
38
37
WONSOWSKI, João Ladislau. Nos peraus do rio das antas. Porto Alegre, EST. Caxias do Sul, UCS,
1976, p. 7.
38
WONSOWSKI, op. cit., p. 9.
O deslocamento de imigrantes e o nascimento de vilas ao longo deste vale
proporcionaram o estabelecimento de frentes de ocupação numa área geográfica até então
envolvida por uma fronteira natural.
39
A maioria dos imigrantes que chegou a Veranópolis era proveniente de Vicenza,
Pádua, Beluno, Treviso, Verona da região do Vêneto italiano e em menor número da
província de Cremona, Bérgamo, Milão, Mântova e da Lombardia.
40
A fixação de imigrantes na região em estudo fez com que houvesse uma
transposição da fronteira natural na qual puderam penetrar em outras regiões da margem
direita. Por sua vez a construção da ponte representou o fim de um período de domínio
caracterizado pela fronteira natural.
Com relação à delimitação geográfica, a colônia de Alfredo Chaves em quase sua
totalidade de terras devolutas do Município de Lagoa Vermelha, fazia limites ao Norte,
pelo arroio Caçador e por uma linha seca indo até o rio da Prata*; a Leste o limite com a
colônia Antônio Prado, através do rio da Prata; ao Sul com Bento Gonçalves, pelo rio das
Antas e a Oeste com o Município de Guapo através do rio Carreiro.
41
Nota-se que o
antigo terririo de Alfredo Chaves em quase sua totalidade estava circundado pelos
maiores rios da região, ou seja, Antas, Prata e Carreiro.
Atualmente o núcleo original da colônia Alfredo Chaves com a gradual
emancipação de distritos, está dividido nos seguintes Municípios: Veranópolis, Nova Prata,
Nova Bassano, Cotiporã, Fagundes Varela, Protásio Alves, Vila Flores e Vista Alegre do
Prata.
Em 1884, o engenheiro Dr. Júlio da Silva Oliveira, chefe da Comissão de
Colonização e Terras, escolheu o local para sediar um novo centro de colonização,
chamado de Colônia Alfredo Chaves, em homenagem ao político gaúcho Alfredo
Rodrigues Fernandes Chaves, que em 1875 fora Diretor Geral da Colonização, vindo a
39
A. R. Martim conceitua fronteira natural”, como aquela onde a linha divisória acompanha os acidentes
naturais, ou seja, não existe a presença de marcos ou ações do homem. De um modo geral os geógrafos
consideram natural” aquela fronteira que se apoia em obstáculos naturais e que representam verdadeiras
barreiras ao contato entre grupos sociais. MARTIM, André Roberto. Fronteiras e nações. São Paulo:
Conmtexto, 1994, p. 49.
40
FARINA. Geraldo. História de Veranópolis. Veranópolis, SMEC, 1992, p. 25.
*Afluente do rio das Antas.
41
FARINA, op. cit., p. 22.
falecer no Rio de Janeiro em 1894. Mais tarde o novo centro de colonização veio
denominar-se Veranópolis.
42
Antigo território de Veranópolis com seus atuais Municípios.
Fonte: Diccionario Histórico Geographico e Estatístico do Município de Alfredo
Chaves: indicador commercial e profissional. Porto Alegre: Posenato Arte &
Cultura, 1987. p. IX.
1.3. A paisagem na história: um enclave natural
O rio das Antas, possuidor de margens escarpadas, tornou-se um obstáculo natural
no que podemos denominar de enclave, pela dificuldade que a própria natureza oferece ao
homem. Nesse sentido, o rio mais possibilitou a divisão do que a própria união dos colonos
da região.
A historiadora Loraine Slomp Giron, assim descreve a paisagem do vale das Antas:
Os imigrantes que escolheram seus lotes próximos do rio, viveram o fim
de suas esperaas. O vale em garganta, mais do que um caminho,
revelou-se barreira intransponível. O rio, com suas escarpas, torrentes e
desfiladeiros, mais separava do que unia os colonos. Ao rio somava-se a
42
POSENATO, Júlio. Diccionario histórico e geographico e estatístico do município de Alfredo Chaves:
Indicador commercial e profissional. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1987, p. V. Além de Diretor
Geral da colonização, Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves pertenceu ao quadro de ministros dos negócios
da guerra no império brasileiro em 1886 e 1887.
floresta úmida e cerrada, o lodo tornava intransitáveis as picadas abertas.
O vale das Antas foi cenário de desilusão, de morte e de fuga de muitos
colonos. A história do vale está para ser escrita. As sedes municipais e
seu sucesso econômico encontraram seus escribas. Mas a história dos
vales espera para ser reconstruída.
43
O presente estudo realçou o aspecto econômico do processo de ocupação do vale
das Antas e ao mesmo tempo vislumbrou as dificuldades que o meio natural exerceu no
processo de ocupação e desenvolvimento humano na região, retardando assim o
desenvolvimento de outras comunidades que surgiriam à margem direita do rio, por este
enclave natural.
A partir de 1880 com o término das áreas de terras das colônias imperiais, a
economia colonial passou pela ocupação de terras localizadas na periferia das antigas
colônias. Nesse sentido foi possível a travessia do vale das Antas e, conseqüentemente, a
fixação de levas de colonos em novas colônias criadas entre as quais Alfredo Chaves.
Partindo-se do pressuposto que a travessia do rio das Antas possibilitou a abertura
de outras colônias, intrinsecamente para estes colonos e para as gerações posteriores o
desejo de enriquecimento foi mais forte do que o próprio obstáculo natural, visto que desde
a chegada dos primeiros imigrantes havia a motivação no sentido de mudança para
melhoria de vida. Parecia continuar presente na memória destes moradores a continuidade
do sonho de “fazer a América”.
Outrossim, de se considerar que o rio das Antas foi importante via de acesso a
capital do Estado para o escoamento dos produtos oriundos de boa parte da região Serrana,
dos Campos de Cima da Serra e do Planalto.Todavia, nos primórdios de sua ocupação, este
enclave natural denominado vale do rio das Antas, localizado no coração da região colonial
italiana, teve seu destino traçado para se tornar à região mais despovoada e empobrecida de
todas.
Entretanto, os fatores que fizeram o vale permanecer pouco povoado não está
vinculado aos acidentes geográficos e a presença das matas de preservação, mas devido à
função exercida que os núcleos coloniais urbanos desempenharam na zona colonial. É na
década de 1940 que a transponibilidade do vale através do rio foi possível com a
43
GIRON, Loraine Slomp. O vale da desilusão: imigrantes italianos no vale das Antas. In: COSTA, Rovílio
(Org.). Raízes de Veranópolis. Porto Alegre: EST, 1998, p. 48.
construção da ponte e a partir de 1952 que a paisagem do vale o seria mais a mesma,
pois a ponte estreitou os laços do homem e a natureza.
Ainda, segundo Giron, as sedes-colônias foram o centro administrativo regional. O
centro geográfico da colônia foi o local para onde transitavam os colonos para o
pagamento de impostos e de suas dívidas. Foi onde se estabeleceu o comércio e a posterior
geração de capital que ira mover a industrialização da região.
44
A significação poética do vale do rio das Antas foi retratada por inúmeros
anônimos que cultivam a graça de apreciar as belezas naturais desta paisagem transcrita
através da poesia e depoimentos diversos.
A saudação poética do vale também recobre de nostalgia aqueles homens que direta
ou indiretamente tiveram ligação com este enclave natural. Foi o caso de um poeta
veranense ao enaltecer a paisagem do vale:
Vale das Antas, verde e alcantilado, em cujas bordas florestais cresci,
livre assim como um pássaro selvagem, agreste e esquivo como um javali
na cidade em que vivo emparedeado, não me sai a lembrança a tua
imagem. Dói-me como um espinho à saudade de ti.
45
O tratamento das relações entre homem natureza nos remeteu a olhar sobre uma
área do conhecimento histórico possuidor de uma densidade teórica ainda frágil, porém
possível de descortiná-la que é a história das paisagens. Nas palavras de Prezotto:
Para ver paisagens não precisamos viajar para a Suíça. Temo-las
ricamente semeadas no Sul do país. E o rio das Antas representa sem
dúvida uma das mais encantadoras regiões.
46
Neste campo do conhecimento histórico, ao olhar para o vale das Antas com sua
paisagem natural e o seu apelo de sedução fez o historiador refletir para a associação entre
paisagem “vazia” desprovida da interferência humana e esta mesma paisagem introduzida
a um objeto geográfico relacionando-o a aspectos culturais, poticos e econômicos.
44
GIRON, op. cit., p. 55 – 56.
45
BERNARDI, Mansueto. Terra convalescente. Porto Alegre, EST e Livraria Sulina, 1980, p. 145. O autor
faz uma reverência ao vale das Antas expressando o ar de liberdade ao homem que o mesmo promove
contrastando com a vida urbana e envolta por paredes que aprisionam o ser humano.
46
PREZOTTO, Paulo Antonio. Comunicador da Rádio Veranense nos festejos do cinqüentenário da ponte .
Gravado em 31 de agosto de 2002. Foto e Vídeo Parise.
Verificou-se que a questão quanto ao objeto geográfico, o enclave natural que é o
vale das Antas e sua paisagem, constituiu um objeto geográfico na medida em que houve
dificuldades para transpor esta paisagem e modificá-la. Milton Santos assinalou que os
objetos:
São tudo o que existe na superfície da terra, toda herança da história
natural e todo resultado da ação humana que se objetivou. Os objetos são
esse extenso, essa objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna
instrumento material de sua vida, em ambos os casos uma exterioridade
47
Fotografia do Vale das Antas
Fonte: LISTEL Listas Telefônicas – Região Nordeste do Rio Grande do Sul. São Paulo: Listel, 2005.
Foto de Fernando Gomes/AG.RBS/AE
O enclave natural do vale do rio das Antas constituiu-se num objeto geográfico em
seu estado natural no qual o apenas dificultou a ocupação de suas margens mencionada
anteriormente, mas, sobretudo, a transponibilidade deste enclave somente estaria
consolidado com o advento da ponte sobre o rio na década de 1940 e início da década de
1950.
47
SANTOS, Miltom. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: USP Editora, 2002,
p. 72 – 73.
Francisco Carlos Teixeira da Silva, propôs uma análise holística ao abordar a
história das paisagens, ou seja, a aplicação do método holístico, da observação ou estudo
no sistema completo e não apenas uma análise separada das partes que come a história
das paisagens.
48
A construção da ponte acabou por provocar modificações na paisagem natural e no
espaço que é o vale das Antas na medida que o empreendimento rodoviário simbolizou a
ruptura na paisagem natural do vale.
Ao refletir sobre paisagem na história, Santos definiu a mesma como sendo
conjunto de forma que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as
sucessivas relações localizadas entre homem e natureza e o espaço são essas formas mais
a vida que as anima.”
49
Foi possível, a partir desta premissa, perceber que o processo de desenvolvimento
das regiões, que surgiram à margem direita do rio das Antas no período anterior e posterior
da ponte, é infinitamente desigual.
O edital de publicação da concorrência blica para a construção da obra, realizado
em fevereiro de 1942, previa no projeto oficial que a obra seria constitda de cinco arcos
de concreto, apoiados sobre pilares. O projeto da firma vencedora era radical: nele o leito
do rio era transposto por um único arco de 186 metros de vão livre.
Porém, a Comissão julgadora da proposta do DAER, não desejava o projeto de vão
livre. Entretanto, o engenheiro e diretor técnico falou mais alto; entre os argumentos
apresentados por ele estava a harmonia das linhas com a paisagem, que possibilitaria
aumentar o fluxo turístico da região, além do aprimoramento técnico dos engenheiros em
concreto armado.
50
48
SILVA, Francisco Teixeira da: História das paisagens. In: CARDOSO, Ciro F., VAINFAS, Ronaldo.
(Org.) Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 211. Para ele, a paisagem longe de se
constituir num mero dado da geografia é resultante de variados fatores, todos fundamentais na organização
do espaço: dados da Geografia Física; dados do Direito; a tecnologia disponível, os dados da Demografia e os
dados da Sociologia. Estes fatores estariam inseridos dentro de uma abordagem antropológica da questão.
49
SANTOS, op. cit., p. 103.
50
URBIM, Carlos. Rio grande do sul: Um culo de história. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1999, p. 483
484. Ponte do rio das Antas, uma flecha para o infinito. O autor faz referência ao engenheiro Júlio Ribeiro de
Castilhos no qual coube uma das mais importantes tarefas que envolveram a construção da ponte do rio das
Antas: Júlio foi responsável por achar o local ideal para a obra. Segundo relato do engenheiro, por volta de
1939, 1940, engenheiros da Secretaria de Obras Públicas, realizava levantamentos topográficos na região do
vale. Trabalho árduo, devido ao percurso do rio. Foi então que Júlio teve uma idéia luminosa com nome
complicado: aerofotogrametria, ou seja, seria tirada uma foto aérea do local e então escolhido o melhor
ponto. Júlio conta que foi um modo simples de tapear o que consideraria uma “burrice natural”.
Fotografia da ponte Ernesto Dornelles
Fonte: URBIM, Carlos. Rio Grande do Sul: um século de história. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1999. p. 485.
Por sua vez, o engenheiro lio Ribeiro de Castilhos, em 1998, não acreditou no
que viu. Foi contemplar a sua obra, flecha para o infinito”, e viu dois motoqueiros
desafiarem a sorte pilotando suas máquinas pelo arco da ponte, saindo e chegando às
rochas.
51
Todavia, na medida em que o progresso econômico da região do vale acentuava-se,
a paisagem natural por sua vez sofria modificações que eram implementadas pela ação
humana em seu domínio sobre a natureza. Ao analisar as construções caóticas, sobretudo
nas cabeceiras do rio, o jornal Correioriograndense, assim definiu a atual realidade do
local:
51
URBIM, op. cit., p. 485.
Ao analisar a movimentação turística na região do vale das Antas, observa-se o impulso no desenvolvimento
de inúmeras atividades ligadas ao turismo. No pólo de aventura do vale do rio das Antas a natureza oferece as
condições ideais para aqueles que enfrentam desafios e superam os limites pessoais. Para muitos, o vale
começa com a aventura e termina o stress. Atualmente inúmeros esportes radicais são praticados no vale das
Antas, entre eles o rafting, vôo livre, paraglider, trilhas, jeep aventura, canionismo, cavalgada, escalada,
mountain bike, pêndulo, rapel cascading, tirolesa e o passeio pelas laterias da ponte ou em seus arcos.
Os conceitos internacionais de preservação dos bens de natureza cultural
definem que a proteção a um bem deve incluir o seu entorno: não basta
conservar o monumento pontual descaracterizando a paisagem em que
está inserido, de modo a reduzi-lo a um objeto estranho num contexto
desfigurado. A falta de consciência coletiva está levando a região á perda
de suas” paisagens notáveis”. A ponte Ernesto Dornelles, também sofreu
essa agressão. “Quando de sua construção, inseria-se harmoniosamente
na paisagem; as pouquíssimas casas próximas, de pequeno porte, em
nada perturbavam o equilíbrio do cenário, e proporcionavam a
compreensão da escola (ordem de grandeza)”, observa o arquiteto Júlio
Posenato. Hoje, o número caótico de casas constrdas junto às
cabeceiras, com volumes desproporcionais e cores desequilibradas,
destruiu a antiga beleza. “Infelizmente, a ponte tornou-se um monumento
com entorno comprometido”, lamenta Posenato.
52
Atualmente, inúmeras obras estão em construção nas proximidades da ponte,
principalmente aquelas destinadas para fins comerciais como bares e restaurantes. Esta
realidade confirmou a preocupação com a harmonia da paisagem destacada pelo arquiteto
Júlio Posenato, através da ação não criteriosa do homem sobre aquele espaço.
1.4. Estrada Buarque de Macedo: A estrada da integração entre a
Encosta Inferior e Superior da Serra Gaúcha
As primeiras colônias gaúchas criadas pelo governo provincial na Encosta Superior
da Serra tiveram início por volta de 1870 com as terras doadas pelo Império. Não tendo
havido êxito, o governo central retomou os terrenos cedidos a fim de promover sua
ocupação. A partir de 1875, um grande número de imigrantes oriundos do norte da Itália
iniciava a ocupação de aproximadamente oito mil quilômetros quadrados de terras,
imprestáveis para a produção pastoril latifundiária. Foram estabelecidas as colônias de
Conde d´Eu (Garibald), Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Caxias.
53
Nesse contexto, foi oportuno salientar novamente que o projeto de expansão
colonizadora alemã nos vales quanto a italiana e outras etnias na Serra e o Planalto do Rio
Grande do Sul, ocorreu através do aniquilamento das comunidades nativas. Estes
procuravam resistir à ocupação dos imigrantes.
52
50 anos da ponte monumento. Correio Riograndense, 21 de ago 2002.
53
MAESTRI, Mário. Os senhores da serra. A colonização italiana do Rio Grande do Sul 1875 – 1914. Passo
Fundo: UPF, 2000, p. 54.
A partir de 1880 as terras das colônias imperiais estavam ocupadas e iniciava-se
uma nova etapa de expansão do território no sentido norte do Rio Grande do Sul. A
colonização da nova região serrana do Rio Grande do Sul limitava-se pelos campos de
Lagoa Vermelha ao norte; pelo rio das Antas ao sul; pelo rio Carreiro a oeste e pelo rio da
Prata a leste. Surgia a colônia de Alfredo Chaves em 1884 que inicialmente era conhecida
com os nomes de Roça Reúna e Povoado Novo, ou no linguajar dos imigrantes italianos,
de Paese Novo. Pertenceu ao município de Lagoa Vermelha até 15 de janeiro de 1898, data
em que foi elevada à categoria de município com o nome de Alfredo Chaves (atual
Veranópolis).
54
Entretanto, a Colônia teve dificuldades em seu desenvolvimento a partir de sua
fundação devido à inexistência de estradas, pois havia apenas picadas abertas na densa
mata que cobria toda região, dificultando o transporte de produtos coloniais na medida em
que o centro comercial mais próximo era São João de Montenegro. Não havia pontes sobre
os rios.
Ao analisar as dificuldades para percorrer o caminho entre Alfredo Chaves até São
João do Montenegro, portanto na margem esquerda do rio das Antas, Busatta relatou que
Os tropeiros davam-se por satisfeitos, quando conseguiam vencer a distância entre
Alfredo Chaves e São João de Montenegro, na ida e volta, em menos de duas semana
55
;
por algumas vezes essa distância era atingida em tempo menor, mesmo assim os obstáculos
naturais sempre dificultavam o transporte, principalmente no rio das Antas, onde se
dependia das condições climáticas para efetuar sua travessia.
A necessidade de se aperfeiçoar os caminhos para o escoamento da produção
colonial somada à necessidade econômica dos colonos e sua mobilidade refletiu um
momento na história da imigração na colônia de Alfredo Chaves e suas adjacências das
dificuldades da própria sobrevivência devido aos caminhos existentes para serem
percorridos.
Inicialmente o Município de Lagoa Vermelha foi palco da fixação de índios da
tribo Caingangue. Por volta de 1860, Jo Alves se apossou da extensa área de terras
devolutas existentes ao norte de Lagoa Vermelha. Posteriormente JoAlves vendeu a
posse dessas terras a Chico Felipe. Este auxiliado por um grupo de índios Caingangues,
54
BUSATTA, Félix Fortunato. Luiz de La Vernaz a igreja em colônias italianas. Porto Alegre: EST, Caxias
do Sul, UCS, 1979 p. 7.
55
BUSATTA, op. cit., p. 9.
abriu uma picada até São Sebasto do Caí. Como forma de compensação pela obra
realizada, o governo da proncia do Rio Grande do Sul, outorgou-lhe o título de
propriedade de uma área de 10.000 hectares.
56
As a chegada em Porto Alegre, os imigrantes eram conduzidos em lanchões até
São Sebastião do Caí. Daí os imigrantes aproveitavam o picadão aberto por Chico Felipe e
os índios Caingangues para dirigirem-se da Encosta Inferior da Serra atravessando o rio
das Antas e chegar à Encosta Superior da Serra.
Os imigrantes enviados para a Colônia de Alfredo Chaves, tomaram o caminho de
Montenegro, passando por Conde d’Eu perfazendo 64 km, Dona Isabel 78 km, travessia do
rio das Antas e finalmente Alfredo Chaves, 118 km e seguiam para os campos de Cima da
Serra.
57
Por volta de 1888, foi oficializada a estrada, dando-lhe o nome de estrada Buarque
de Macedo. A estrada ia de Montenegro até Lagoa Vermelha. Desenvolveram-se trabalhos
de melhoria da estrada, proporcionando a muitos imigrantes italianos que tivessem a
possibilidade de melhorarem seu sustento, fazendo manutenção e ampliação da estrada.
58
Sobre o personagem Buarque de Macedo, que foi homenageado com a
denominação da estrada que ligava as regiões da Encosta Inferior e Superior do Nordeste
gaúcho, Zaira Galeazzi assim ressalta:
O único Buarque de Macedo que se encontra nos livros de biografias da
Biblioteca Pública Estadual (Enciclopédia Brasileira rito, vol. 12,
Editora rito Brasileira, São Paulo, 1967). É um político
pernambucano, adido de primeira classe à legação imperial em Paris;
deputado-geral por Pernambuco, de 1867 a 1878. Nascido em 1º de
março de 1837. Manoel Buarque de Macedo bacharelou-se em
Matemática pela Escola Nacional de Engenharia do Rio de Janeiro e
doutorou-se em Ciências Políticas e Administrativas na Universidade de
Bruxelas lgica). Era, portanto, pessoa chegada ao Imperador.
59
Nesse sentido, percebeu-se como a história e o poder estão intimamente
relacionados. Pode-se olhar de diferentes formas para se revelar a presença do poder na
própria história. Afinal pela escassa bibliografia existente de Buarque de Macedo não foi
56
GALEAZZI, Zaira. 100 anos da cidade de Nova Prata. Casca: Toazza Artes Gficas, 1998, p. 7.
57
COSTA, op. cit., p. 13 – 14.
58
GALEAZZI, op. cit., p. 08.
59
GALEAZZI, op. cit., p. 09.
possível identificá-lo numa realidade local. O mesmo possuía vínculos em outra região do
Brasil, sendo apenas mencionado para nossa região por se tratar de um influente potico
identificado ao império.
Durante o desbravamento da Estrada Buarque de Macedo e seu trânsito, inúmeros
foram os relatos que autorizam a imaginação perceber o grau de dificuldades que se havia
sido imposta naquele período para realizar o percurso. Era acima de tudo necessário
realizar a venda dos produtos coloniais excedentes e do extrativismo vegetal, a fim de se
obter recursos e adquirir produtos de primeira necessidade. Tedesco, ao analisar a
dramática situação vivida pelos carreteiros e comerciantes da estrada relata:
Pode-se calcular que, naquele tempo, a Estrada Buarque de Macedo era
percorrida por mais de mil animais cavalares e muares e por um número
não inferior a cem carretas. Muitas vezes, viam-se, no percurso da
estrada, na lama, carregadas de mercadorias, impossibilitadas de poderem
safar-se sozinhas e, outrossim, carretas carregadas, abandonadas por 3, 4
até 5 dias, antes de serem, à força de animais e homens, retiradas daquela
verdadeira poça de barro. [...]. E, mesmo assim, o colono italiano soube,
por muitos anos, superar todas essas dificuldades para poder
comercializar os produtos de seu trabalho e importar tudo o que lhe era
necessário a fim de prover as casas de negócios que, seja na sede, seja
nos grandes centros das diversas Linhas, tinham sido abertas e
mantinham-se há vários anos.
60
Por sua vez, o órgão responsável pela construção e conservação das estradas
estaduais, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem D.A.E.R assinalava a
importância da estrada Buarque de Macedo no início da década de 1950 em sua publicação
periódica.
61
60
TEDESCO, João Carlos. Colonos, carreteiros e comerciantes: A região do Alto Taquari no início do
século XX. Porto Alegre: EST, 2000, p. 50 51. O autor também salienta que as estradas dos carreteiros
foram abertas pelos carreteiros a o e com muito sacrifício o que justifica o uso do cargueiro ter sido tão
importante e fundamental para a vida econômica e social da colônia.
61
DAER. Boletim do D.A.E.R. Junho Setembro de 1951. 51-52, Ano XIV, p. 33. O informativo relata
com ampla cobertura a importância da estrada que inicia em Montenegro e sobe a Serra atravessando uma
das zonas mais densas da colonização do Estado rumo a Bento Gonçalves. Partindo desta cidade a estrada
rumo ao Rio das Antas que será atravessado pela ponte, pois neste período encontrava-se em construção,
chega-se em Veranópolis. De Veranópolis para o Norte encontra-se Nova Prata e em seguida a localidade de
Barreto, ponto de encontro da ER Buarque de Macedo com a rodovia federal Vacaria-Lagoa Vermelha, que
absorveu o trecho final da mesma ER Buarque de Macedo, numa extensão de 12 Km (até Lagoa Vermelha).
O relatório assinala ainda que a ER Buarque de Macedo desenvolve-se, para quem vem do Norte, entre os
vales dos Rios Carreiro, Turvo e Prata; entre o Rio das Antas e o Arroio do Maratá fazendo a travessia da
Serra, cujos pontos mais elevados situam-se Bento Gonçalves e Garibaldi; do Arroio Maratá a Montenegro é
zona de planície (vale do Rio Caí). “Larga visão teve o idealizador do traçado desta rodovia, pois a zona
por ela servida veio a tornar-se uma das mais prósperas do Estado, não pelo fator social como pela
diversidade da natureza de seus produtos”. Desde o corte e beneficiamento de madeira nas localidades de
Fotografia do traçado da estrada Buarque de Macedo
Fonte: BOLETIM do DAER. Porto Alegre: DAER, nº 51-52, jun – set 1951.
Para se ter uma idéia, o Município de Veranópolis em 1912 possuía Telégrafo e
Energia Elétrica. Entretanto o principal motivo do estagnamento: falta de estradas, que
impossibilitassem o escoamento dos produtos. Até por volta de 1940, período de forte
exploração das araucárias, atividade que iria complementar o processo de industrialização,
o procedimento era cruzar de carretas, puxadas por ternos de mulas, transportando tábuas
até o rio das Antas, no Passo do Governo. De lá a mercadoria era transportada por balsas
até Porto Alegre. Esse trabalho de mais de cinenta anos ininterruptos, se constituiu numa
verdadeira epoia.
62
Em ampla reportagem no Boletim do D.A.E.R. o engenheiro Walter Haetinger
argumentava sobre a necessidade de se realizar pavimentações. Com a matéria intitulada
Lagoa Vermelha, Nova Prata, Veranópolis e Bento Gonçalves, até o cultivo, industrialização da uva,
trabalhos em couros e seus derivados e outros cultivos como milho, feijão, trigo.
62
VERONESE, Dioniso. Alfredo Chaves: 100 anos de história religiosa. 1886 1986. Porto Alegre, EST,
1986, p. 7.
Porque devemos pavimentar as Estradas de Rodagem” Haetinger expressava em sua
conclusão que a pavimentação deveria ser executada progressivamente, pois era uma
necessidade social e de unidade nacional e, com sua realização haveria diminuão das
despesas de conservação e custos de transportes, diminuindo assim, progressivamente, o
próprio custo de vida, proporcionando desse modo um transporte econômico, seguro,
rápido, e garantindo todo dia e a qualquer hora e em qualquer período do ano.
63
Verificou-se a partir da leitura acima a preocupação demonstrada pelo engenheiro
do DAER sobre a unidade nacional. O país vivia no segundo governo Vargas (1951-1954)
e no plano potico novamente o caráter nacionalista de sua potica demonstrava o
interesse em fortalecer a unidade do país. Concluiu-se que a preocupação na esfera federal
quanto ao desejo de se estabelecer a integração com outras regiões do país estendia-se para
a esfera estadual e até municipal como afirmava Siviero:
Este trabalho arquitetônico que representa cultura e desenvolvimento da
região nossa toda. Da nossa pujança do crescimento especialmente da
região Nordeste do estado, exigiu que realmente essa ponte fosse
construída. Ai está a prova do progresso e do nosso crescimento que
temos hoje em toda nossa região e especialmente a Serra Gaúcha. A
economia o trabalho, enfim tudo faz parte do progresso e do
desenvolvimento.
64
O desenvolvimento da produção e a circulação das riquezas estavam na
depenncia direta do sistema de transportes e comunicações. A estrada Buarque de
Macedo até nossos dias está nas lembraas pela sua importância na dinamização do
desenvolvimento de Veranópolis e região. Estas lembranças permeiam a memória e
recuperam um tempo vivido. Tedesco chama atenção para o fato de que:
A lembrança recoloca a esperança na capacidade de recuperar alguma
coisa que se possuía, um tempo que se esqueceu. Nesse sentido, a
memória precede cronologicamente a lembrança e pertence à mesma
parte da alma a que pertence a imaginação.
65
63
DAER. Boletin do Daer. Ano XIV junho-setembro de 1951 Ns. 51-52, p.50.
64
SIVIERO, Elcio. Foi prefeito de Veranópolis nas legislaturas (1997 2000) e (2001 - 2004). Depoimento
Gravado em 31 de agosto de 2002. Foto e Vídeo Parise.
65
TEDESCO, op. cit., P. 35 – 36.
Desse modo a construção da ponte sobre o rio das Antas, também se inseriu no
arquivo das lembranças recolocando a esperança num plano de recuperação de sua história
num tempo esquecido.
Atualmente a Estrada Buarque de Macedo, denominada BR 470, estende-se além
do município de Lagoa Vermelha até o município de Barracão, divisa com o Estado de
Santa Catarina.
Durante esse período de existência da estrada, ou seja, do tropeirismo até nossos
dias, ao longo do caminho, casas comerciais, hotéis, residências e indústrias se
estabeleceram e promoveram o desenvolvimento, tornando uma das regiões de maior
crescimento econômico do Estado e integrando a região Sul do país a região Sudeste.
1.5. Um período que antecede a construção da ponte: o sistema de
transportes e as balsas.
Os transportes em Alfredo Chaves estavam inicialmente identificados a simples
picadas abertas na mata, sobretudo a facão abertas pelo próprio imigrante durante sua
chegada. Todavia, com o passar do tempo, e com a definição da Estrada Buarque de
Macedo, Alfredo Chaves que neste período na fase inicial chegou a ser denominada de
Roça Reúna, era um local de passagem e parada dos tropeiros.
Os tropeiros transportavam mercadorias para centros consumidores como
Montenegro e traziam de volta o indispensável para a sobrevivência das famílias. Cada
tropeiro tinha em média, uns 10 a 15 burros de carga, os quais eram conduzidos pelo
próprio tropeiro. A viagem de ida e volta demorava mais ou menos um mês. A estrada
Buarque de Macedo por volta de 1910 e 1911 estava intransitável. Nesta fase aos poucos a
carroça imprimia um novo ritmo no transporte de mercadorias.
66
O uso de carroça possibilitava transportar uma maior quantidade de mercadorias,
além de transportar cargas pesadas. Esta era puxada por mulas, cavalos ou bois. Aos
poucos a produção colonial também buscava sua dinamização e as estradas permaneciam
66
LONGHI, Orildo. Pinheiro Seco: Os italianos de Vila Flores: EST, 1981, p. 41. O atual município de Vila
Flores pertenceu a Alfredo Chaves, atual município de Veranópolis, tendo sido distrito do mesmo distando
10 Km.
ligadas à aventura, sacrifício e a necessidade na memória das pessoas. Rovílio Costa retrata
nas palavras de João Baptista Simonetto:
Os carroceiros profissionais fazíamos nossas viagens, diz JOÃO
BAPTISTA SIMONETTO, com 6 a 8 mulas, ou seja, 3 a 4 ternos.
Costumávamos ter algumas de reserva, para substituir as que cansavam
ou pudessem pisar-se, ao longo da viagem. Antes de partir, preparávamos
o necessário para dois ou três dias de viagem. Era indispensável a capa de
chuva, inteiriça, que pesava uns 15 quilos. Tínhamos a certeza da hora de
partir, mas não sabíamos quando regressávamos.
67
E ainda conforme Simonetto:
As estradas não eram tão boas. [...]. Naquele tempo só se trabalhava com
carroça puxada por mula. [...]. Se vendia porco,, banha, feio, milho.
[...]. As estradas tinham entre barranco com barranco, quanto muito três e
meio a quatro metros. Se passava com o terno de mula, com nove mulas
na frente, e para passar se ia de sarjeta a sarjeta.
68
de-se perceber que, de um modo geral, na rego de colonização italiana do Rio
Grande do Sul uma das maiores dificuldades para o transporte de carretas foi a formação
do terreno muitas vezes de montanha e cheio de pedregulhos, visto que naquele período
somente picaretas e facões eram os únicos instrumentos de trabalho disponíveis. Além
disso, os carreteiros encontravam íngrimes subidas e perigosas descidas enfrentando
muitas vezes desfiladeiros que poderiam causar desastres sérios. Entre esses locais estava o
vale das Antas no Município de Veranópolis.
69
Ao se retratar a epopéia carreteira em Veranópolis não se pode esquecer do
obstáculo natural a ser enfrentado logo adiante seguindo a estrada Buarque de Macedo que
é o local denominado de Passo do Governo no rio das Antas.
67
COSTA, op. cit., p. 71.
68
TEDESCO. op. cit., p. 50. Depoimentos retirados de idosos.
69
http://www.usina de letras.com. br. Acesso em 27.06.05 às 13 horas. Ratzel diz que a civilização assegura
para as sociedades O firme apoio da natureza” pelo uso consciente dos recursos. Ele afirma que a força do
homem é inesgotável e que a Energia do povo” é o motor fundamental para o progresso. É essa a energia,
associada a fertilidade do meio, que proporciona o desenvolvimento da humanidade. As condições do meio
são entendidas como estímulos ou freios ao desenvolvimento dos povos, portanto não elementos que
comandam ativamente a ação dos grupos humanos. Nessa perspectiva, o condicionamento natural é
concebido atras das causas econômicas e sociais. Assim, a posição geográfica influi na história dos povos,
propiciando segurança e sedimentado o patrimônio cultural.
Ali as mercadorias eram transportadas pelas balsas que as conduziam a seus
destinos. Muito próximo deste local na década de 1940, se iniciou a construção daquela
que seria uma das obras considerada mais arrojada pela engenharia nacional: a ponte sobre
o rio das Antas. Nesse sentido a comunidade de Veranópolis esteve intimamente ligada ao
vale, ao rio, a ponte, a estrada e aos transportes seja, por muares, carretas, balsas ou
veículos automotores.
O sistema de balsas era o elo que completaria o destino final das mercadorias que
passavam pelo Passo do Governo, junto ao rio das Antas, entre a região Norte, Planalto e
parte da Serra Gaúcha para Montenegro, Porto Alegre e outras localidades. Tal
denominação devia-se que naquele local eram cobrados os impostos do estado.
A travessia por balsa no Rio das Antas.
Fonte: Foto Parise
A contribuição dos balseiros nesse processo dinamizou ainda mais a economia
colonial, além de proporcionar boa fonte de renda aos moradores da localidade. O
extrativismo vegetal com as imensas reservas de pinheiros existente na região e a produção
colonial era transportada por carroças num primeiro momento até o rio das Antas. se
encontravam as balsas que somente seriam lançadas às águas apenas em períodos de
enchentes para serem transportadas a mercê das ondas do rio das Antas em direção à Porto
Alegre. Daí a cada enchente do rio das Antas, quase todos os colonos deixavam o trabalho
da roça a fim de acompanhar as balsas.
70
70
WONSOWSKI, op. cit., p. 41.
Feita a análise sobre a importância dos balseiros no crescimento e desenvolvimento
econômico e social da região de Veranópolis, a travessia do rio das Antas ocorria quando
os imigrantes realizavam ao chegarem el novo paese”. Farina, relatou em sua obra a
dramática situação vivida por um grupo de imigrantes cremoneses ao realizarem a travessia
do rio em 1866:
Os balseiros informavam que, devido às copiosas chuvas desabadas nas
cabeceiras e nos afluentes, as águas do temido rio das Antas tendem a
engrossar rapidamente e a cheia poderá nos reter, nesta margem, por
vários dias”. [...]. O pessoal está assustado em pensar uma travessia
onde a correnteza arrasta troncos e galhos flutuantes, árvores inteiras. O
capataz aconselha-nos a aceitar a ponderação daqueles homens afeitos a
lidar com a fúria do rio. As águas crescem, visivelmente, solapando as
beiras, desprendendo blocos que caem fragorosamente.
71
Naquela época, os balseiros conduziam suas balsas por locais no leito do rio onde a
passagem era mais segura a fim de evitar a possibilidade de naufrágio. Não raros os relatos
de mortes e atitudes ousadas para vencer as correntezas do rio e os desvios de rochedos no
percurso das balsas.
Seguindo o mesmo raciocínio do autor:
A decisão custa, mas é tomada. Primeiro passam as carretas, os
cargueiros e os animais. A barca estrala, guinça, aderna perigosamente ao
impacto da torrente. Conduzida rio acima, a golpes vigorosos de remos,
até o meio do leito, é solta na deriva, em diagonal, sustentada no braço e
no peito pelos balseiros, indo atracar na margem oposta, onde é amarrada
em um tronco. Nunca vimos coisa parecida, nem no rio Pó. O medo toma
conta da gente, que receia meter os pés na barca de Cherone. Os próprios
animais têm de ser forçados. Resolve-se embarcar em pequenos grupos,
nenhuma família completa, a fim de permitir a sobrevivência de algum
membro, no caso de naufrágio.
72
Havia a preocupação de que se houvesse um acidente no percurso, a família não
pereceria por completo, pois algum membro sempre permaneceria vivo nestas
circunstâncias.
O período que antecedeu a construção da ponte sobre o rio das Antas foi marcado
pela presença do trabalho dos balseiros no transporte das mercadorias oriundas da
71
FARINA, op. cit., p. 24.
72
FARINA, idem, p.24.
produção colonial. Atualmente, a atividade de balseiro não é mais praticada. Entretanto,
povoa a imaginação destes desbravadores de rios como foi o das Antas, a nostalgia de um
tempo que o retorna, mas as lembranças permanecem vivas na memória destes. É o caso
do balseiro Plácido Torrezan:
Muitas vezes, nas cachoeiras, vinham as ondas e molhavam tudo, roupa,
comida e etc., era o caos. Mas a gente estava acostumado e não se
importava. Botava tudo no sol pra secar... E depois, molhar de novo.
Fazer o que? Era a nossa vida. Apesar de difícil, os velhos balseiros ainda
acham que foi uma boa época. Sentem saudade e se emocionam ao
lembrar os velhos tempos. Com a abertura das estradas, acabou o ciclo
das balsas e o transporte de madeira passou a ser feito por terra. Os
balseiros demoraram a se acostumar com a nova realidade. Quando
terminaram as balsas parecia que a gente ai morrer de fome.
73
A partir das declarações como esta verificou-se uma espécie de sentimento de
pertencimento que encontra nas memórias destes personagens anônimos quando se
depararam que esta atividade econômica deixava de existir. Afinal uma vida foi modelada
a partir da balsa.
Vivemos uma profunda mudança na forma como se reconsti o passado e se pensa
este passado. Entre as novas perspectivas na historiografia atual, está o estudo da memória
e da identidade.
Partindo-se desta premissa, o tempo agiria como força de corrosão, o espaço como
o lócus da experiência da rememorização e o movimento como estrutura simlica da
cultura. Estes seriam os elementos constituidores da(s) memória(s) e da(s) identidade(s). O
tempo age sobre o espaço da experiência e o espaço da experiência produz, através da ação
do tempo, as possibilidades de sistematizar os fragmentos do passado, ou seja, as
lembranças em memória. Isto somente seria possível na medida em que existe consciência
da experiência presente.
74
A análise dos relatos de balseiros traz à tona a capacidade que tiveram de lembrar
algo. Lembraas estas que nada mais são do que fragmentos da própria experiência
73
FARINA, op. cit., p. 85. O autor narra a saga do balseiro em entrevista ao jornalista Ademir Bacca.
Inúmeros relatos são transcritos onde são narrados episódios ocorridos no rio Carreiro, o qual faz limite com
o município de Veranópolis.
74
DIEHL, Astor Antonio. Cultura historiográfica. Memória, identidade e representação. SP: EDUSC, 2002,
p. 111 114. Diehl chama atenção ao propor o debate sobre memória e identidade como opção para o
entendimento e compreensão na crise atual de valores modernos e os respectivos projetos de futuro para a
historiografia.
perdidas no tempo. Atualizar estas lembranças que estão estáticas em seu passado é
idealizar este passado agora romantizado nesta relação passado-presente.
Por sua vez, ao se tratar de memória, esta é possuidora de maior consciência do que
a lembrança, pois pode abranger a totalidade do passado com características coletivas num
determinado corte temporal.
75
De qualquer forma, a memória ao representar uma fonte
histórica possibilita orientar uma experiência passada do ser humano.
Para realizar a travessia do rio das Antas e enfrentar as corredeiras a fim de evitar a
perda da carga pela força das águas, foi realizado pelos balseiros um mapeamento do
trecho compreendido entre o Passo do Governo até as cidades de Encantado, Muçum e
Bom Retiro no vale do Taquari.
Foram catalogados mais de 70 corredeiras, todas com nome próprio como Saltinho
do Colau, Itapeva, Lageadinho, Comprida Seca, Barra Feliz, Retiro, Porto Velho,
Comprida, Persegueirinho, Cágado, Reversa do Macaco, Almoço, Torneirinho,
Pinherinho, Poço da Vaca, etc. As dificuldades eram imensas, e sempre surgia uma ou
outra que o constava no cardápio de viagem, como a rocha de basalto que se encontrava
bem no meio do leito e que uma vez destruiu a balsa por completo, estraçalhando as
madeiras por todos os lados; um dos balseiros, chamado Manoel João, salvou-se
agarrando-se à pedra. Daí o nome Pedra Manoel João.
76
A travessia do rio das Antas, para alguns, representava apenas o caminho de ida, ou
seja, o retorno era incerto. A escritora pratense Zaira Galeazzi assim definiu a passagem do
rio:
Em 1945 para fazer o ginásio tinha que ir para Porto Alegre e se levava
um dia para chegar a capital do Rio Grande do Sul. Saia de Verapolis
às oito horas e chegava em Porto Alegre por volta das dezesseis e trinta
horas. Eu ainda tinha que ir a Gravataí. Quando saia de Verapolis a
gente ia se despedir dos parentes, dos vizinhos, quando tinha que ir para
lá. Por que a imagem que a gente tinha era de que quando
atravessávamos o rio tínhamos atravessado o Oceano. Era uma barreira, o
75
DIEHL, idem, p. 116 117. Aqui o autor destaca que a memória é uma representação produzida pela
experncia e através desta experiência.
76
ABRUZZI, Agenor. Veranópolis. Das raízes ao centenário. In: COSTA, Rovílio (Org.) Raízes de
Veranópolis. Porto Alegre: EST, 1998, p. 22. O autor faz uma reflexão para compreender o por que Alfredo
Chaves, que no começo do século XX se salientava culturalmente entre as outras comunas, não podendo
acompanhar o ritmo de progresso desejado. Uma das causas apontadas pelo autor está a falta de uma ponte
sobre o rio das Antas.
rio era uma barreira em todos os sentidos. Essa barreira somente foi
apagada com a construção da ponte.
77
A literatura gaúcha também homenageou aqueles que representaram o heroísmo”
no processo de travessia do rio das Antas. Nas palavras do padre Marcelino Rizzon:
Não de fundo acompanhei, a árdua argumentação, Pousei mais os
olhares, saboreando a natureza, Pelos valões exuberante de penhascos, a
emoção, Montes alcantilados possantes, indivisíveis beleza, Enquanto o
Nono e outro, com muita atenção, Apurada arte, o barco cortando a
correnteza.
78
A atividade de balsas no estudo em questão conduziu à análise da simbologia, ou
seja, esta atividade simbolizou uma arrancada no progresso sócio-econômico de Alfredo
Chaves e região. No verso acima foi possível compreender a dinâmica colonial. A balsa era
saudada como motivo de esperança para a população. Ao seu entorno a balsa representava
a possibilidade de vislumbrar um horizonte a quem dela necessitasse.
A partir da atividade de balsas foi possível também estabelecer vínculos de
sociabilidade e trocas de experiências. A balsa, antes do advento da ponte também
representou um elo de identidade entre os colonos e suas colônias, afinal a balsa serviu
como instrumento de mudança no sistema de transportes.
Mas este processo se tornou inadequado para atender as centenas de veículos que
diariamente transitavam por essa via na década de 1940.
Chegando certa feita ao passo do Governo, pudemos de imediato
constatar a ineficiência do serviço de balsas. A maior delas, com
capacidade para transportar dois reboques carregados e mais dois carros
leves estava presa no porto com caminhão meio caído no rio. A balsa de
emergência, de muito menor capacidade, também se achava imobilizada
por causa de um ônibus que encalhara ao descer. Deste modo, em pouco
tempo o serviço esteve completamente congestionado. Em ambos os
lados do rio estacionavam longas filas de dezenas de carros, esperando
passagem, e, sofrendo por isso algumas horas de atraso. Esse
congestionamento do serviço, conforme pudemos ouvir de pessoas da
localidade, é muito freqüente e isto convenceu-nos da indiscutível
oportunidade da nova ponte.
79
77
GALEAZZI, Zaira, 76 anos, nascida em Veranópolis e atualmente é moradora de Nova Prata. Entrevista
concedida em 18 de janeiro de 2005.
78
RIZZON, Marcelino. O nono e eu. Caxias do Sul: EDUCS, 1986, p. 169.
79
FINKLER, op. cit., p. 7.
Boa parte da atual malha rodoviária da região está intimamente ligada ao início do
processo, pois a mesma resultou da travessia de carreteiros e dos balseiros no qual o trajeto
percorrido acabou por tornar-se o traçado definitivo para a continuidade da integração.
Os balseiros tiveram uma importância muito grande na tarefa de conduzir a
produção da região colonial. A abundância de rios (Prata Carreiro Antas), grande
quantidade de madeiras (araucárias) fez desta profissão um elemento de fundamental
importância.
A construção das balsas seguia alguns critérios básicos: sobre um estaleiro plano,
seguido por um inclinado, eram feitos os molhos de tábuas ou caibros fortemente atados
com cipós ou com arame liso comum de cerca. Pronto o molho, este é empurrado até o
plano inclinado do estaleiro, daí deslizando até o rio. Começou, então, a construção da
balsa; um certo número de molhos paralelos, fortemente atados formam um quartel, assim
como três ou mais quartéis formam uma balsa. Como um quartel tinha 5,50 m de largura e
igual comprimento, uma balsa formada de seis quartéis teria um comprimento de 33
metros.
80
Ainda está para ser escrita a história destes desbravadores que contribuíram
decisivamente na construção da identidade econômica, social e potica de toda região em
estudo.
80
TEDESCO, op. cit., p. 57.
2. INTEGRAÇÃO NACIONAL: CONTEXTO POLITICO-
ECONÔMICO NA DÉCADA DE 1940
Este capítulo teve por objetivo descrever a integração que se efetivou a partir do
avanço das rodovias analisando os aspectos político-econômicos na década de 1940,
percebendo as mudanças entre a tradição e a inovação, reproduzindo o sentido de
progresso na visão da política nacional articulada ao regional através da análise de dados
coletados.
A reflexão em relação ao tempo histórico não pretende isolar o passado do presente,
mas pretendeu-se observar como o presente possui esta tendência de absorver o passado
fazendo deste passado agora incorporado ao presente, um processo contemporâneo.
81
Procura-se assim descrever a experiência da modernização com o advento da ponte sobre o
rio das Antas analisando os benefícios e conseqüências observados pela comunidade em
estudo. As pontes diminuem distâncias e promovem o desenvolvimento de uma região.
Sobre elas, diariamente cruzam milhares de automóveis e caminhões que transportam a
produção serrana aos quatro cantos do país. o travessias também para surpresas. As
pontes guardam episódios que se ligam à história da Serra Gaúcha.
82
81
REIS, José Carlos. Nouvelle histoire e tempo histórico. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 25-26. O autor
reflete sobre a Escola dos Annales e a proposta na relação passado-presente. O estudo da ponte sobre o Rio
das Antas também se propõe na perspectiva historicista não buscando o isolamento do passado em relação ao
presente, mas abordar este passado a partir do presente. Esta conexão entre diferentes que se comunicam e
tornam o diálogo posvel é a perspectiva da Nova História, ainda segundo Reis.
82
Por trás dos arcos, seis mortes. Pioneiro, 2 e 3 abr 2005. Nesta edição o jornal faz ampla cobertura em
matéria especial, sobre a importância das pontes construídas na Serra Gaúcha para o progresso da região.
2.1. A Era Vargas e o Estado Novo: a política rodoviária nacional e
estadual e as repercussões municipais
O advento da ponte sobre o Rio das Antas coincidiu com o momento político
nacional conhecido como a Era Vargas, mais propriamente identificado com a presença do
Estado Novo.
O Estado Novo, no que tange à potica viária, procurou organizar a partir do Plano
Geral de Viação na década de 1940 um conjunto de obras a fim de buscar uma maior
eficiência nos meios de transporte e comunicação necessários ao país, através de uma
planificação reguladora.
83
A potica de transportes e comunicações deste período foram expressas nas
palavras do Presidente Getúlio Vargas:
O imperialismo do Brasil consiste em ampliar as suas fronteiras
econômicas e integrar um sistema coerente, em que a circulação das
riquezas e utilidades se faça livre e rapidamente, baseada em meios de
transportes eficientes, que aniquilarão as forças desintegradoras da
nacionalidade. O sertão, o isolamento, a falta de contato são os únicos
inimigos temíveis para a integridade do país. Os localismos, as
tendências centrífugas, o o resultado da formação estanque de
economias regionais fechadas. Desde que o mercado nacional tenha a sua
unidade assegurada, acrescendo-se a sua capacidade de absorção, estará
solidificada a federação política.
84
Percebeu-se que Vargas em seu discurso demonstra a preocupação com o
isolamento de determinadas regiões brasileiras. Objetivava assim poder livrar estas regiões
do isolamento através de um projeto político que incluía a inserção das zonas coloniais ao
restante da nação. Em outras palavras O projeto político de Vargas era poder tirar do
isolamento e das inflncias nazi-fascistas regiões de colonização européia.
Igualmente, a potica de Vargas, sobretudo no que diz respeito às obras de infra-
estrutura nacional, demonstrou a preocupação com a integração nacional procurando fazer
do país uma nação forte e articulada ao centralismo potico-administrativo, característica
83
SCHWARTZMAN, Simon. Estado novo: um auto-retrato. Brasília, CPDOC/FGV, Editora Universidade
de Brasília, 1983, p. 419.
84
SCHWARTZMAN, op. cit., p. 422.
do Estado Novo. Entre as obras realizadas com recursos federais neste período, inclui-se a
ponte do Rio das Antas.
85
Na realidade esta obra de engenharia atraiu pesquisadores de diferentes regiões e
inclusive de outros países. Nas palavras de Zaira Galeazzi a ponte foi pensada dentro de
um projeto de integração regional e nacional”.
86
Ao mesmo tempo em que Vargas implementava um programa ousado de obras
públicas, havia ressentimentos, pois na década de 1940 o mundo vivia o clima da Segunda
Guerra Mundial. Nas palavras de Affonso Henriques, Vargas iniciou em plena guerra, o
maior e o mais fantástico programa de obras blicas da história do país e com volumosas
dotões orçamentárias, muitas delas inúteis pelo momento em que o país e o mundo
passavam.
87
Nesse sentido, não é a observação que se pretendeu realizar em relação à obra de
engenharia construída sobre o Rio das Antas. Muito mais do que um capricho potico esta
obra tinha uma necessidade econômica para a integração com outras regiões do Estado,
especialmente com sua capital como assinala o Deputado Saul Farina
88
na Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul e que teve repercussão na imprensa como assinala o
Jornal Diário de Notícias:
Um potencial econômico dos mais expressivos à mercê dos caprichos das
águas dum rio filas enormes de caminhões transportes aguardando
pacificamente a oportunidade duma travessia... Aberta a concorrência
pouco tempo, quando teo início os trabalhos de reconstrução da
ponte? Um problema que precisa ser equacionado e resolvido
resolutamente.
89
85
FARINA, Geraldo. História de Veranópolis. Veranópolis, SMEC. 1992 p. 159. O autor aponta como sendo
uma obra de responsabilidade do governo Federal a Ponte Ernesto Dornelles, conhecida como Ponte sobre o
Rio das Antas.
86
GALEAZZI, Zaira. Escritora e historiadora em entrevista concedida no dia 18.01.2005. A entrevistada
destaca ainda que houve influência de políticos de toda região para que a obra pudesse ter sido realizada.
87
HENRIQUES, Affonso. O estado novo. Rio de Janeiro: Record, 1966, p. 47.O autor faz referência a
fascinação dos déspotas, neste caso o presidente Vargas pelas obras suntuárias a fim de enganar as massas
ignorantes com a imponência das obras.
88
FARINA, Geraldo op. cit. p. 141-142. Saul Irineu Farina foi prefeito de Veranópolis durante sete anos. Em
1938 despedia-se de Veranópolis onde foi morar em Porto Alegre. Mais tarde voltaria a cena política na
condição de deputado estadual.
89
ANAIS da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Vol. 33, p. 178 – 179, 1233ª Sessão em
08..11.1949. O início da construção da ponte ocorreu em 1942 e no dia 18 de janeiro de 1944 houve o
desabamento da primeira construção. O discurso acima reflete a fase em que não havia sido reiniciados os
serviços de reconstrução da obra.
Para a potica de transportes e comunicações na Era Vargas, o desenvolvimento da
produção e a circulação das riquezas dependiam necessariamente de um sistema de
transportes e comunicações eficientes, pois esta visão vinha de encontro com o projeto
político-econômico de integração nacional. Quando ocorreram problemas com a circulação
das riquezas produzidas, estes obstáculos acabaram por entravar a própria expansão
econômica.
Para isso ainda na década de 1930 foi criada a autarquia Federal denominada
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER-1937) que veio substituir a
antiga Comissão de Estradas de Rodagem Federais com a finalidade de desenvolver com
uma maior racionalidade os serviços de construção e conservação de estradas de rodagem e
de obras de consolidação em concreto armado bem como diversas pontes e variantes.
O órgão também desenvolveu importantes estudos para o sistema rodoviário
nacional dentro de uma visão integracionista, no qual estava delineada pela própria potica
do Governo Vargas estendida aos estados brasileiros.*
O engenheiro Henrique Mayall elaborou estudos para o extinto DNER propondo
alternativas de travessia do rio das Antas. Naquele período foi publicado artigo na revista
Concreto (1), editada pelo DNER e que mereceu comentário onde o engenheiro resume as
condições que fixavam as exigências de projeto para construção da ponte.
90
Mayall constatara em seus estudos que no período de estiagem, a variação do nível
das águas do Antas era de 3,5 metros. Verificou também que a variação máxima de nível
entre estiagem e enchente era de aproximadamente 14 metros o que caracterizaria a
velocidade das águas como torrencial.
Além disso, foi constatado pelo técnico do órgão federal que o leito do rio era de
rocha firme e que o período de estiagem se estenderia de dezembro a abril e que o período
de enchente começava em meados de abril atingindo a fase máxima em maio.
*A partir de 1999 o Ministério dos Transportes reorganizou a sua estrutura administrativa, mudando
toda uma cultura estabelecida ao longo do tempo. Através da Lei 10.233, em 05 de junho de 2001
sancionada pela presidência da República, foi oficializada a criação do Departamento nacional de Infra-
Estrutura de Transportes (DNIT) e as respectivas Agências: ( Nacional de Transportes Terrestres ANTT e
Nacional de Transportes AquaviáriosANTAQ), que vieram substituir o antigo Departamento Nacional de
Estradas de Rodagem (DNER).
90
50 anos da ponte-monumento. Correio Riograndense, 21 ago 2002.
Por fim, Mayall apontou em seus estudos que o nível da ponte a ser constrda
deveria situar-se 40 metros acima do canal de água inclinado, conhecido como talvegue.
Com estas considerações o engenheiro concluiu que a ponte deveria ser de concreto
armado; que a estrutura teria que ter um vão superior a 50 metros, excluindo a
possibilidade de uso de qualquer sistema de viga. A estrutura a ser construída do tipo
pênsil seria preferível em função de ser favorecida a vazão do rio.
Por sua vez o engenheiro Artur Adalberto de Oliveira do DAER, lembrou que em
época de guerra, (referindo-se ao período da Guerra Mundial), era muito dicil
conseguir cabos novos de aço. Restando, portanto, o tipo de estrutura em arco, pois o
concreto pretendido ainda não havia sido introduzido no Brasil.
Na realidade, o Estado Novo caracterizou-se pela concentração de poderes na esfera
do poder Executivo. Sob a ótica da esfera administrativa, rias funções que até então eram
exercidas por governos estaduais, por exemplo, foram transferidas para área de
competência federal. Foi uma tomada de responsabilidade federal em áreas que até então
governo algum havia anteriormente efetuado.
91
A criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), também
veio contribuir como instrumento importante para a melhoria dos serviços e padrões da
administração e assim Vargas aumentaria seu controle sobre a administração federal. Os
projetos de Obras Públicas como a ponte sobre o Rio das Antas inseria-se no contexto de
Estado geopoliticamente integrado e num contexto de um regime verdadeiramente de
caráter nacionalista.
Nas palavras de Guibernau existem duas dimensões que precisam ser consideradas
quando se analisa o nacionalismo: o das nações sem estado, incorporadas em estados
nacionais maiores e o incutido pelos governantes do estado nacional”, neste caso foi o que
ocorrera no Brasil deste período.
92
91
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982, p. 55-56. O autor aborda a intervenção federal promovida por Vargas no período com a
finalidade de aumentar o contato federal direto, em vel local, e desse modo transformou as relações entre
poder federal e estadual num governo de cunho nacionalista.
92
MONTSERRAT, Guibernau. Nacionalismo: o estado nacional e o nacionalismo no culo XX. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 55. A autora descreve a ascenção do estado nacional e as idéias que
levaram à emerncia do nacionalismo na Europa Ocidental. Neste caso a Era Vargas e o Estado Nacional
caracterizou-se pelo perfil no uso do poder do estado nacional
O setor de transportes e sua política na década de 1940 estiveram fundamentados
no Plano Geral de Viação que tinha por finalidade orientar a política nacional de viação
procurando buscar na ótica governista, maior rapidez e eficiência nos serviços. Grandes
volumes de recursos financeiros foram alocados para obras de reconstrução, consolidação e
novas como a construção de obras de arte em concreto armado na qual inclui-se a ponte
sobre o Rio das Antas.
Em 1938 é criado no Rio Grande do Sul o Departamento Autônomo de Estradas de
Rodagem do Rio Grande do Sul (DAER). Estas iniciativas simbolizavam a tendência da
época no que diz respeito ao centralismo potico-administrativo implementado por Vargas.
No plano potico municipal o regime do Estado Novo entre outras atribuições,
nomeava os prefeitos. Na década de 1940 em Veranópolis, foi nomeado por meio de
Decreto do Interventor Federal Maurício Cardoso, Rogério Galeazzi, governando o
Município no período de 26 de fevereiro de 1938 a 27 de outubro de 1946. Durante o
governo do prefeito Galeazzi, entre outras obras, iniciava-se a construção da ponte sobre o
rio das Antas em 1943.
O poder político municipal no período compreendido, repercutia a potica do
Estado Novo e a valorização dos municípios como salienta Eliane Colussi:
O discurso estado-novista conferiu um grau de valorização à esfera de
poder municipal bem maior que em qualquer fase da história brasileira.
Esse discurso de valorização esteve vinculado aos rumos da integração
dos mercados, da construção do Estado nacional, e especialmente, da
necessidade de enfraquecimento dos poderes estaduais frente ao processo
de fortalecimento do governo federal.
93
Por sua vez na esfera da potica estadual no período compreendido, cabia a
nomeação pelo presidente da República dos interventores estaduais. Nomeado para
governar o Estado do Rio Grande do Sul, assumiu Osvaldo Cordeiro de Farias em 04 de
março de 1938 o qual esteve no poder até 04 de agosto de 1943.
93
COLUSSI, Eliane Lúcia. Estado novo e municipalismo gaúcho. Passo Fundo: Ediupf, 1996. p. 97-98. A
autora salienta que o regime estado-novo preocupou-se em valorizar a esfera de poder municipal por duas
razões: redução da força das máquinas políticas estaduais, dirigindo-se diretamente aos municípios
eliminando a intermediação oligárquica estadual e a segunda razão a necessidade de uma política de
integração nacional. Essa constatação segundo Colussi permitiria a partir de então a presença de forma
permanente do Estado na esfera municipal.
Destaque na educação estadual no que tange à realização de obras, seu governo
também imprimiu à campanha da “brasilianizaçãocom atuação em área de colonização
européia, pois comunidades ainda estavam etnicamente isoladas do contexto nacional,
praticando usos, costumes, no caso a língua dos países de origem.
94
Portanto a potica do
governo federal enquadrava-se num vs nacionalista onde havia uma supervalorização da
cultura e dos valores nacionais. A integração do Estado Nacional incluía também a
participação de comunidades étnicas de origem européia.
Entretanto a campanha nacionalizante realizada durante a Era Vargas possuía níveis
de intensidade maiores e menores. Segundo estudos realizados pela historiadora Loraine
Slomp Giron, a infiltração da ideologia fascista na região de Caxias do Sul era muito
acentuada. Para Giron não fora apenas pelo fato de os fascistas estarem no poder muito
antes dos nazistas na Europa, mas a historiadora ressaltou a força atuante do integralismo
na região de colonização italiana, permitindo a ruptura com Flores da Cunha e a adesão ao
Estado Novo.
Todavia, percebeu-se que a campanha de nacionalização possuía motivações
idealistas e também de natureza material:
A cada de trinta é o momento em que chega ao auge o crescimento da
metade norte do Estado frente ao sul. Sem dúvida, nos decênios
anteriores a estrutura de poder tradicional se vira obrigada a
concessões e acordos com as forças emergentes, em grande parte
constituídas de imigrantes e descendentes.
95
Constatou-se que o projeto político do Estado Novo tinha como meta prioritária a
construção da nacionalidade e a valorização da brasilidade. A preocupação era a
construção de uma identidade, ou seja, a constrão de um homem novo para um Estado
igualmente novo. Assim o projeto político estado-novista tomava posições dirigidas para
sua própria construção desta sociedade nova.
96
Uma dessas dimensões estratégicas estava a
integração rodoviária em regiões de colonização européia, neste caso a Serra Gaúcha.
94
PESAVENTO. Sandra Jatahy. op. cit, p. 118.
95
GERTZ, op. cit., P. 73-74.
96
BOMENY, Helena M. B. Três decretos e um ministério: a proposta da educação no Estado Novo. In:
PANDOLFI, Dulce Chaves (ORG.) Repensando Estado Novo. Rio de Janeiro. Editora FGV, 1994, p. 151
Vivia-se em plena 2ª Guerra Mundial. Em 1943 o interventor Cordeiro de Farias
partia com a FEB para a Itália para engajar-se na guerra. Getúlio Vargas nomeou para a
interventoria estadual o General Ernesto Dornelles, seu primo.
Foi durante o governo Cordeiro de Farias, em 16 de fevereiro de 1942 que foi
publicado o edital de concorrência para apurar a empresa vencedora que daria início à
construção da ponte. Entretanto, a assinatura do contrato com a empresa vencedora,
ocorrera em 20 de outubro de 1943 alguns dias após a posse de Ernesto Dornelles que
permanecera no cargo até 01 de novembro de 1945, no fim do Estado Novo. O espírito
integrador pôde ser atestado também na própria potica rodoviária como afirma Gertz:
No final do governo Flores da Cunha fora criado o Departamento
Autônomo de Estradas de Rodagem, mas ele foi instalado de fato no
início do governo Cordeiro de Farias. O primeiro projeto do novo órgão
previa a construção de dez mil quilômetros de estradas e a maioria delas
na região colonial.
97
Ao analisar o Estado fascista italiano em relação aos imigrantes e a questão da
nacionalidade, Giron ressaltou que na região de Caxias do Sul a burguesia passou agir
como se tivesse dupla nacionalidade, vinculando-se às atividades poticas do Partido
Nacional Fascista italiano a vel internacional mantendo, porém, a atividade na região
vinculada ao Partido Republicano Riograndense. Por sua vez as camadas médias urbanas,
adotaram uma posição nacionalista brasileira, passando a atuar o grupo que se vinculou ao
fascismo italiano. Na zona rural os pequenos produtores eram favoráveis ao fascismo
italiano sem participar, no entanto de forma ativa ao movimento, dirigido à burguesia e
pela burguesia regional.
98
97
GERTZ, René. O perigo Alemão. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998. p. 67. O autor assinala
nas palavras do interventor que “ É que essas estradas, constituindo escoadouro da nossa produção, servem
também para entrelaçar os diferentes núcleos da população do Rio Grande do Sul, tornando-os conhecidos
uns dos outros, criando esses laços de afeição que se originam no trato recíproco, sintam, conhecendo-os, o
valor de cada um. Do que resultará “ a unidade espiritual pela qual tanto se bate o governo”.
98
GIRON, Loraine Slomp. As sombras do littorio: o fascismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
PARLENDA, 1994, p.148. É oportuno destacar neste sentido a contribuição de Giron no que diz respeito a
organização do movimento fascista na região de Caxias do Sul e o integralismo. Este, considerado o maior do
interior do Estado.
De certo modo, pôde-se deduzir que a obra de engenharia que teve o início de sua
construção num período de conflito mundial e no plano interno a implementação da
campanha nacionalizante de Vargas, foi idealizada e ter iniciado sua construção, muito
mais do que um motivo econômico devido à dificuldade de acesso e integração da região,
mas por razões poticas, como forma de inclusão dos setores sociais da região que ainda
viviam a dupla nacionalidade o que de certa forma contrariava os interesses do Estado
Novo.
Nesse sentido, Gertz assinalou que a campanha de nacionalização foi motivada em
grande parte por fatores ideais. Entretanto não desprezou os fatores materiais no processo
da campanha de nacionalização. Para ele a década de trinta foi o momento em que chegou
ao auge o crescimento da metade Norte do Estado em relação ao Sul. Somente nas
legislaturas de 1947 e 1950, o Estado contava com 41,8% de deputados de origem alemã e
35,7% de origem italiana. Estes dados, segundo Gertz é atribuído ao significativo
crescimento material da “metade” norte do Estado frente ao sul.
99
2.2 A Política de transportes Rodoviários no Rio Grande do Sul:
a criação do D.A.E.R.
Na década de 1930 o Rio Grande do Sul assinalava do ponto de vista econômico,
uma aceleração no ritmo de crescimento. Por sua vez os interventores a partir do Estado
Novo canalizaram as atenções priorizando a solução dos problemas referentes ao
transporte. Durante esta década, o Estado possuía uma rede rodoviária das mais precárias e
sem asfalto, além das poucas pontes existentes, que estavam em precárias condições,
exigindo muitas vezes que as mercadorias fossem descarregadas antes da travessia, para
carregá-las novamente do outro lado do rio.
100
A Lei nº. 750, de 11 de agosto de 1937 criava o Departamento Autônomo de
Estradas de Rodagem, autarquia estadual diretamente subordinada a Secretaria de Estado
dos Negócios das Obras blica. O órgão tinha por finalidade desenvolver o sistema
rodoviário gaúcho, procurando proporcionar uma maior integração regional do mercado.
99
GERTZ op.cit., p. 74-75
100
LLER, Carlos Alves. A história econômica do Rio Grande do Sul. Editora Grande Sul, 1998, p. 118
Sancionada pelo Governador José Antônio Flores da Cunha a Lei que criava a
autarquia passou a ser dirigida por dois órgãos independentes: o Conselho rodoviário e a
Diretoria. O Conselho era composto cinco membros representantes da Escola de
engenharia da Universidade de Porto Alegre, da Federação das Associações Comerciais do
estado, Federação das Associações Rurais e a Sociedade de Engenharia do Rio Grande do
Sul.
Foto da sede administrativa do Daer RS. Observa-se no detalhe da fachada o logotipo da
obra símbolo do Daer.
Fonte: Setor de Imprensa e comunicação do Daer – Porto Alegre - RS
Desde sua criação foi atribuída ao DAER a tarefa de executar o Plano Rodoviário
Estadual, elaborado pelo Conselho Rodoviário Estadual. No ano de 1943, absorveu 22%
das receitas tributárias, deixando o Rio Grande do Sul na segunda posição no sistema de
estradas do país.
101
Numa primeira fase, o Plano priorizava a manutenção da circulação do
maior número possível de estradas e estabelecia uma meta de 4.500 km
de estradas. Ao todo, o Conselho planejara uma rede de 10.500 km de
estradas, que ligavam, por via rodoviária, as sedes de 88 municípios, bem
como as regiões produtoras com os grandes centros consumidores e com
os portos de exportação.
102
101
LLER. op. cit., p. 160
102
DALMAZO, Renato Antonio. Planejamento estadual e acumulação no Rio Grande do Sul 1940 1974.
Porto Alegre: FEE, 1992, p. 52.
O Plano foi revisto em 1946 ao incorporar projetos rodoviários de responsabilidade
federal e iniciando a partir de 1948 por determinação do DNER, obras de grande vulto.
Somente na área de pontes a projeção era para a construção de 2,5 km. Entre elas encontra-
se a ponte do rio das Antas. Entretanto, o objetivo de construir 11.000 Km não foi
alcançado, por, entre outras razões, cortes e congelamento de verbas federais.
Ao Diretor Geral do DAER que era também o presidente do Conselho, coube
superintender todos os serviços do departamento, nomeação de pessoal, autorizar despesas,
fazer contratos e providenciar a execução do plano aprovado pelo governo, além de prestar
contas anualmente de sua atuação. O Diretor Geral era o responsável, perante o Conselho e
o Governo do Estado, pela operacionalização dos serviços e pela execução dos planos
aprovados bem como organizar o próprio Regulamento do Departamento, e submete-lo a
prévia aprovação do Conselho e do Governo do Estado.
Com a organização do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, foi
extinta a antiga Diretoria de Viação terrestre da Secretaria das Obras Públicas.
No dia 06 de outubro de 1937 foi instalado o primeiro Conselho Rodoviário do
Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem com a finalidade inicial de elaborar o
plano de serviços para o ano de 1938 e a organização do próprio Departamento que
posteriormente seria submetido à apreciação do Secretário de Obras Públicas.
O Boletim do DAER 51-52 dos meses junho-setembro de 1951 destacou o novo
impulso para as construções rodoviárias implementadas pelo governo estadual através do
DAER demonstrando preocupações à elaboração de um sistema coordenado de
comunicações para o Rio Grande do Sul, ou seja, a interligação ferrovia, rodovias e o
transporte fluvial.
O governo do Estado, por sua vez, tem-se empenhado vivamente no
aperfeiçoamento de sua rêde rodoviária, obedecendo a orientação do
respectivo planejamento ao imperativo lógico de canalizar a produção
desde os confins da zona colonial, no Norte e Nordeste do estado, para o
pôrto de Pôrto Alegre, e do Centro Sul para o de pelotas ou mesmo para
os portos fluviais dos rios Taquari e Jacui.
103
103
DAER, Boletim nº 51-52, Ano XIV, junho-setembro 1951 p. 25.
Ernesto Dornelles no DAER. O engenheiro Daniel B. Ribeiro diretor do Daer – expõe ao
governador Ernesto Dornelles o programa de incremento e pavimentação asfáltica das rodovias
tronco e a construção de pontes.
Fonte: Boletim do DAER junho setembro de 1951 nº 51-52, ano XIV.
Ernesto Dornelles no DAER. A visita do governador possibilitou a liberação de empréstimos ao
DAER para dar novo impulso aos melhoramentos das estradas de rodagem do Rio Grande do Sul.
Fonte: Boletim do D.A.E.R. junho setembro de 1951 nº 51-52, ano XIV.
Ao Analisar o desenvolvimento rodoviário rio-grandense, o jornal Correio do Povo
em edição de outubro de 1943, destacou em manchete: “A eficiente cooperação técnica e
construtiva da firma Dahne, Conceição & Cia. no desenvolvimento do sistema rodoviário
riograndense – A ponte sobre o Rio das Antas”.
104
O Ministério da Viação e Obras blicas foi responsável também pelo sistema de
transportes rodoviários terrestres. Assim, até o ano de 1942 data de início da construção da
ponte, o governo federal destinava nas dotações orçamentárias da União de 17% a 26% do
total das despesas. A partir dos exercícios de 1943 e 1944, coube ao Ministério da Guerra a
primazia orçamentária, ficando o Ministério da Viação em segundo lugar.
105
Em janeiro de 1944 entrou em vigor um segundo plano qüinqüenal de Obras, o
Plano de Obras e Equipamentos, voltado essencialmente para obras de infra-estrutura e a
criação de indústrias de base.
Ao analisar a correspondência de Gustavo Capanema, Ministro de Vargas, datada
de 08 de fevereiro de 1945, sobretudo a referência das grandes obras, encontramos:
A descrão das grandes obras concluídas ou em execução com
volume e extensão nunca anteriormente atingidos por qualquer dos
órgãos do Ministério representam o penhor seguro que sob a direção
firme e serena do Sr. Presidente da República, procurou o Ministério da
Viação e Obras Públicas cooperar com o patriotismo e eficiência no
grande programa do Presidente Getúlio Vargas, em transformar o Brasil
em uma Nação forte e respeitada no conceito universal e de
proporcionar aos brasileiros dias prósperos e felizes, no mundo melhor
que se aproxima.
106
Nesse sentido o conjunto de obras realizadas pelo Estado Novo representava
também a consolidação do que seria o próprio regime, ou seja, a integração também seria
sinônimo de realizações entre elas as obras físicas inclusas as obras de arte.
2.3 O início da construção da ponte e os projetos de engenharia
A publicação do edital de concorrência pública pelo DAER que viria dar início aos
trabalhos de construção da ponte em concreto armado sobre o Rio das Antas, na rodovia
104
A eficiente cooperação técnica e construtiva da firma Dahne, Conceição & Cia. no desenvolvimento do
sistema rodoviário riograndense. Correio do Povo, out 1943. A notícia relata um conjunto de obras realizadas
pela empresa Dahne, Conceição & Cia, incluindo-se a ponte.
105
SCHWARTZMAN, op. cit., p. 424.
106
Apud, SCHWARTZMAN, op. cit., p. 427.
Buarque de Macedo entre Alfredo Chaves e Veranópolis, está datado em 16 de fevereiro
de 1942.
O projeto oficial era constituído por cinco arcos contínuos (abóbadas) de 45m cada
um sobre pilares elásticos. Era de 225m o seu comprimento total. Tinha 7,20 de largura
entre guarda-rodas. Foi calculado para a carga o equivalente a um rolo compressor de 24
toneladas. Era do tipo de estrado superior.
107
Projeto original apresentado pelo Daer
Fonte: Boletim do D.A.E.R. junho de 1945, nº 26-27, ano VII.
Conforme documentação analisada através do Boletim do DAER de junho de 1945,
no edital de concorrência blica, permitiu-se a apresentação de outras alternativas de
projetos ou variantes. Foram quatro empresas que apresentaram propostas para a
construção da obra. A comissão julgadora, designada pelo Engº Clovis Pestana, Diretor
Geral do DAER manifestou-se pela aceitação da proposta da firma José M. de Carvalho &
Cia Ltda para a execução do projeto oficial.
Por sua vez a comissão recusou-se em optar pelos projetos apresentados que
incluíssem variantes, inclusive a variante apresentada na proposta pela empresa Dahne,
Conceição & Cia Ltda. Por esta proposta o leito do rio das Antas era transposto por um
arco único de 186m de vão livre.
107
DAER. Boletin do Daer. Ano VII Junho de 1945 Ns. 26-27, p. 3.
O Diretor Técnico do DAER divergira do parecer da comissão julgadora das
propostas para a construção da obra e defendeu o ponto de vista de que deveria ser aceita a
variante “A como ficou denominado o projeto da empresa Dahne, Conceição & Cia.
pelos seguintes motivos:
- A despesa do DAER seria certa, por se tratar de um preço global único, sem
possibilidade de acréscimo. As outras propostas eram por preço unitário;
- Em um vale profundo, de encostas escarpadas, as linhas se harmonizavam
muito bem com as paisagens;
- Pelas suas características excepcionais, essa ponte iria aumentar os atrativos
turísticos da região.
- Constituiria, pelas suas dificuldades de construção, um fator de aprimoramento
da nossa técnica em concreto armado.
- A firma propunha-se na revisão e execução do projeto a obedecer as Normas
Brasileiras de Concreto e apresentava as mais completas provas de idoneidade
técnica e financeira.
Esse parecer foi aceito pelo EnDiretor Geral e pelo Conselho Rodoviário.
Para o DAER, o objetivo era fazer da execução da obra um fator de aprimoramento
técnico, ou seja, um verdadeiro curso prático e teórico de concreto armado para os jovens
engenheiros. Para isto, destacou um profissional com a incumbência de realizar relarios
sobre o andamento dos trabalhos com observações pessoais, inclusive relatando suas
observações ao chefe de obras da empresa Dahne, Conceição & Cia procurando observar
os princípios da ética profissional e da leal cooperação.
108
Nesse contexto, o DAER contou para a realização de estudos foto-elasticimétricos
do projeto da referida ponte, a colaboração do prof. Julio Ricaldoni, da Escola de
Engenharia da Universidade de Montevidéu, um dos maiores especialistas na área e sem
custos financeiros para o órgão que segundo consta tal trabalho deveu-se pela
demonstração da sincera amizade ao nosso país.
A opção pela variante “A” pode ser expressa ainda através da ata da sessão do
Conselho Rodoviário do DAER:
108
DAER, op. cit., p, 5
A variante “A” da firma Dahne, Conceição & Cia., entretanto, é,
inegavelmente, mais perfeita sob o ponto de vista técnico e estético, mas
é ousada, pois consta de um vão único de 186 metros de luz. Diante,
porém, da carta esclarecedora da firma, cujo crédito é inatacável,
considerando ainda que as variantes apresentadas por outras firmas são
arquitetonicamente inferiores e a diferença de preço não é apreciável,
além de estarem sujeitas a imprevistos, que podem encarecer
extraordinariamente a estimativa sica do julgamento, o Conselho
autoriza o contrato com a firma Dahne, Conceição & Cia,... etc...Mesmo
considerando firmes as propostas para o projeto oficial, o da firma Dahne
ainda é o mais vantajoso por ser esteticamente o melhor e o departamento
ficar inteiramente a coberto de qualquer imprevisto.
109
Aos 20 de outubro de 1943, o contrato com a firma Dahne, Conceição & Cia, foi
assinado para execução do seu projeto denominado Variante Aem que o leito do rio era
transposto por um arco único de 186 m de vão livre. O preço era fixo e não devia o DAER
intervir no processo de execução, uma vez que não pagaria qualquer material que julgasse
empregar a mais para esse contrato global.
110
Projeto Definitivo da ponte
Fonte: Boletim do D.A.E.R., n. 26, ano VII, junho de 1945.
Os trabalhos de construção estavam sob a direção imediata do autor do projeto,
profissional de grande fama e diplomado por uma das mais conhecidas Escolas de
Engenharia da Europa, e com largo aprendizado técnico. Assim pensou-se, de início em
109
DAER, op. cit., p. 9.
110
DAER, op. cit, p. 4. O boletim oficial do DAER aponta na página 4 a assinatura do contrato com a
empresa vencedora em 20 de outubro de 1943, entretanto na página 9 e 10 do referido boletim, consta a data
de 30 de setembro de 1942, onde foi lavrado e assinado o termo de contrato da construção da ponte.
o designar engenheiro algum do DAER para fiscalizar as obras da referida ponte.
Quando essa monumental obra de arte estivesse concluída seriam feitos as provas de carga
com o máximo rigor, pelo Instituto Tecnológico de São Paulo, o qual possuía aparelhagem
adequada para esta finalidade, e uma vez constatada o perfeito comportamento da ponte, de
acordo com o projeto, seria, então, realizado o seu recebimento oficial pelo DAER.
Pela cláusula terceira do contrato, conforme consta nos relatórios do DAER, a firma
empreiteira se comprometeu a fazer alterações no projeto que fossem julgadas necessárias
pelo órgão público na sua revisão. Nessa fase de revisão do projeto, as conclusões a que
chegasse o prof. Ricaldoni da Universidade de Montevidéu, através dos estudos foto-
elásticimétricos, seriam de imenso valor para o DAER.
Entretanto, antes de ser concluído pelo DAER, o estudo da revisão do projeto
apresentado pela firma Dahne, Conceição & Cia, ruiu parte da ponte de sustentação de
madeira em cima da qual tinham sido armados os moldes dos arcos, cujo enchimento com
concreto ainda não tinha sido iniciado. Esse acidente determinou que fossem feitos ajustes
contratuais entre a Diretoria do DAER e os dirigentes da firma Dahne, Conceição & Cia:
embora não tivesse o DAER obrigação de intervir na fase de conclusão do projeto e nas
diferentes fases de construção da ponte, já que se tratava de um contrato global de um
serviço que depois de pronto devia ser recebido mediante provas de carga, que iriam
decidir, em definitivo, sobre o recebimento ou não da obra, a firma contratante não
executaria nada mais sem a prévia autorização do DAER; e o projeto dos cimbres seria
submetido a aprovação prévia do DAER.
111
Como conseqüência o DAER contratou o Engº Telêmaco Van Langendonck,
mestre em concreto para fazer um estudo a fim de verificar a influência das deformações
elásticas e lentas da ponte projetada pela empresa Dahne , Conceição & Cia, além de
buscar maiores esclarecimentos com outro profissional para opinar sobre o projeto dos
cimbres*.
111
DAER, op. cit., p.5
* Sistema de escoramento de vigas e lages. Foi desenvolvido para atender as necessidades da construção civil
atendendo simultaneamente ao escoramento de vigas e lages, de maneira simples, com peças leves, de difícil
manuseio e transporte manual. O sistema cimbre é composto por elementos de apoio vertical, completado por
um conjunto de acessórios.
2.4. Colapso do Cimbre e o impacto da notícia
Era verão. Janeiro de 1944, por volta das 15 horas do dia 18 um ruído seguido de
desabamento sinalizava um acidente na construção da ponte. Sobre o acidente, assim é
descrito pela escritora Assunta de Paris:
À sombra da história. Cruzes sinalizam a esquecida tragédia da morte de
operios na construção da ponte sobre o rio das Antas. O tempo sepulta
a memória da tradia. A morte de pedreiros que constrram a ponte
sobre o rio das Antas, em 1944, marcou os fatos da época. O único sinal
do acidente está no pequeno cemitério, quase abandonado, a cerca de 100
metros da ponte que os gaúchos aprenderam a chamar de ponte sobre o
rio das Antas. Ainda assim, não há placa que indique que ali foram
enterrados alguns dos pedreiros que morreram em 1944, quando parte da
estrutura de madeira cedeu e levou várias vidas. A tragédia foi
esquecida.
112
A análise do acidente ocorrido em 1944 possibilitou-nos refletir sobre as
recordações daquele período e o presente. A recordação acontece, às vezes, pela
importância que é dada a algum símbolo; neste caso a obra que foi erguida sobre o rio das
Antas. A memória passou ser compreendida como fuão não de preservação, mas de
adaptação, reconstrução imprimindo significados na relação passado-presente.
113
Entre a documentação existente sobre o acidente ocorrido naquela data, um
inquérito policial foi elaborado pela delegacia de polícia do Município de Veranópolis e
remetido ao juizado municipal em 17 de fevereiro de 1944.
As indagações policiais sobre a natureza da ocorrência, desabamento da construção
(cimbre), foram coordenadas pelo delegado Floriano Nunes o qual indiciou os responsáveis
pela execução da obra e as timas fatais encontradas sob os escombros: Arlindo Minozzo,
Paulo Cardoso Filho, Nicolau Garcia Duarte, Felisberto Domingo Cainelli, Oreste João Bin
e Pedro Jermack; Lesões graves: Vergílio Busnello, Guilherme Girotto, Severo Marin,
Sergio Ribeiro, Ernesto Grinkowisky; Estácio Juskoski, lesões leves: Casemiro Jarasis,
112
DE PARIS, Assunta. Memórias: Bento Gonçalves 109 anos. Bento Gonçalves, Prefeitura Municipal e
Arquivo Histórico Municipal, 1999, p. 236. A autora destaca, ainda, que apesar do acidente, a ponte não
despertou nenhuma superstição segundo Divo Colau, que montou o seu bar numa construção de madeira na
década de 1960 e ganhou a vida vendendo produtos coloniais aos caminhoneiros e turistas que param para
conhecer a obra. Para ele na visão da autora “ A ponte representa o desenvolvimento da região”.
113
TEDESCO, João Carlos. Nas cercanias da memória: Temporalidade, experiência e narração. PassoFundo:
UPF, 2004.
Celso Oliveira Cardoso e José Luduino Toson. Os Hospitais da região, Dr. Del Prete de
Veranópolis e o hospital de Bento Gonçalves serviram de atendimento aos trabalhadores
feridos no acidente.
De acordo com o relatório policial o desabamento compreendeu o pilar de número
quatro e vãos três e quatro.
Queda do pilar central da ponte e o detalhe da carga.
Fonte: Acervo Volnei Paulo Barni.
Queda do pilar central da ponte.
Fonte: Acervo Volnei Paulo Barni.
Imediatamente após o acidente especulavam-se as causas do desabamento da obra.
Segundo o delegado, era necessário um exame pericial no local do acidente, o qual não foi
procedido, pois estas provincias, segundo o titular, foram determinadas pelo governo do
estado à uma comissão de engenheiros designada pelo DAER. Em conseqüência, a própria
delegacia afirmara que não poderia chegar a uma conclusão precisa e indubitável que
indicasse o verdadeiro elemento, motivo do desastre.
Entretanto houve autorização para que a delegacia realizasse um estudo das causas
do acidente e relatar sobre imperícia ou neglincia dos responsáveis pela construção da
obra como causas do acidente.
As hipóteses levantadas pelo órgão de segurança foram: 1ª) sabotagem; 2ª)falhas na
execução dos serviços quanto à montagem das peças do cimbramento por parte dos
operários, porém não justificava devido à qualificação profissional dos operários; 3ª)peso
excessivo de pedras sobre o estrado; 4ª)qualidade inferior do madeiramento empregado.
Ao relatar sobre a possibilidade de sabotagem na obra assim descrevia o delegado
Floriano Nunes:
Crime de natureza política é tão facilmente admissível nos tempos que
correm, a sabotagem devia ter sido a primeira causa a ocorrer na opinião
pública, assim que ela teve ciência do desmoronamento. Tal idéia não era
injustificável, no entretanto, si atendermos para os fatos de estarmos em
tempo de guerra, de viver a Europa ensangüentada em plena onda de
sabotagem, fazendo com que o espírito do povo, sempre vigilante, tire
deduções si as vezes precipitadas, sempre indicadoras de uma vigilância
constante, e de uma apreensão contra os atos criminosos dos nossos
inimigos.
114
Entretanto, o próprio delegado descartava tal possibilidade, afirmando que os
operários da obra eram profissionais idôneos conforme declarações prestadas pelo gerente
da firma construtora com filial em Porto Alegre. Para o delegado:
Nada registra a Delegacia de Ordem Política e Social, contra a
idoneidade dos únicos trabalhadores extrangeiros na construção, em
número de sete, a iniciar-se pelo próprio Engenheiro cnico Dr. Erik
Pagh, dinamarquez. Os demais são: Raimundo Branreiter, Bernardo Pilz,
Estanislau Sakowiski, Casemiro Jarasis, Antonio Symergk e Pedro
Jermack, este ultimo um dos que pereceram no desastre.
115
114
Inquérito policial, p. 3
115
Inquérito policial op. cit., p. 3
Igualmente, para o delegado, o pilar de número quatro tendo ficado debaixo dos
os era óbvio que teria cedido em conseqüência do desmoronamento dos respectivos vãos
três e quatro e então a sabotagem deveria ter sido praticada na base do mesmo onde o
serviço deveria ter sido executado somente por dinamitação ou por corte, despregação ou
afrouxamento. Segundo o delegado, não houve indícios de explosão.
Para a possibilidade de despregação ou afrouxamento não restaria tempo suficiente
ao sabotador para a fuga tendo então sucumbido no local debaixo dos escombros.
Entretanto, no relatório afirmou-se que o rio das Antas estava cheio e com corredeiras
violentas o que impedia ao sabotador trabalhar forçosamente na água e dentro de um
caíque o que segundo o relatório não escaparia.
Com relação às timas de morte e ferimentos o relatório mencionou que as
mesmas foram encontradas próximas aos escombros e na remoção do material nenhum
cadáver do possível criminoso fora encontrado.
Fotografia dos cadáveres dos trabalhadores Paulo Cardoso Filho e Arlindo Minozzo,
em meio aos escombros.
Fonte: Acervo Volnei Paulo Barni.
Foi apontado tamm que nas horas mais próximas do acidente não houvera
indícios da presença de um possível sabotador, visto que seria notado pelos demais
operários da obra, e nada fora percebido nesse sentido.
Para o sócio da empresa Vasco Feijó e o engenheiro técnico das obras, Erik Pagh,
estava descartada a sabotagem sem, no entanto, afastarem a idéia de tal fato e admitido a
princípio pela própria polícia como hipótese para o acontecido, o que a partir das
indagações realizadas, afastou-se definitivamente a possibilidade, conforme descrevera a
investigação policial: E, do exposto, somos levados a concluir certamente de que não
houve sabotagem no desabamento da ponte do rio das Antas”.
116
A segunda hipótese, ou seja, falhas de execução do serviço quanto à montagem das
peças não se confirmara, segundo a investigação, pois além da competência do operariado
formada pela prática e experiência, regularmente era realizada revisão dos serviços
efetuada pelo engenheiro Pagh e pelo mestre Raimundo Bramreiter.
117
Na observação do mestre de obras o madeiramento utilizado na construção da obra
deixava dúvidas quanto a qualidade. Nas palavras de Bramreiter:
O madeiramnento empregado na armação da ponte era, exclusivamente
de pinho novo, que não é tão resistente, tão forte como o pinho velho,
tendo até as “tesouras” sido feitas de madeira verde, ainda, motivo pelo
qual as medidas, APÓS EXECUTADO UM TRABALHO, FUGIAM (!),
POIS A MADEIRA ENCURTAVA, AO SECAR!.
118
A terceira hipótese levantou a possibilidade de um peso excessivo de pedras sobre o
estrado. Para o engenheiro Pagh, o peso das pedras colocado no estrado não era excessivo.
Para o fiscal Fróes do DAER, junto à construção da obra, o peso das pedras que a armação
sustentava, era apenas entre metade e dois terços do total calculado. O mesmo fora
confirmado pelo mestre da empresa construtora, afirmando que pouco mais da metade do
que foi calculado e lhe era destinado, estava sendo usado.
Declara Vasco Feijó, que embora a queda do pilar número quatro, permaneceram
intactos os dois outros laterais que eram absolutamente iguais em construção e em carga,
sem que tivesse ruído apesar do enorme esforço sofrido por ocasião do desabamento.
119
116
Inquérito policial, op. cit., P. 4.
117
Inquérito policial, op. cit., P. 5. Consta no relatório que a cada passo da construção e diariamente os
“reforços” eram introduzidos na obra a fim de evitar o desabamento da mesma motivado por possíveis falhas.
118
Inquérito policial, op. cit., p. 5. Sublinhado no original e minúsculo no original.
119
Inquérito polcial, op. cit., p. 6. Entretanto é informado na investigação policial que o pilar de número 5
fora aliviado do peso das pedras devido ao trabalho de resgate logo após o acidente na qual a equipe de
salvamento do 1º B. F. V. retirara boa parte do material aliviando o peso. E para o pilar de número três, este
não estava intacto, tanto que também desabou, junto com o vão número dois, às 20 horas do dia 19 de janeiro
um dia após a queda do pilar número quatro.
A terceira hipótese ficou descartada. A possibilidade do peso excessivo de pedras
ter causado o acidente, estava fora de cogitação, restando apenas a possibilidade de ser
considerada a qualidade do madeiramento empregada na armação da obra.
Para a última hipótese levantada, ou seja, a qualidade do madeiramento empregado,
pareceu constituir-se a verdadeira causa do desabamento do pilar número quatro e o
comprometimento de toda a obra. O proprietário do engenho que forneceu as madeiras
comprometeu-se com a declaração abaixo. Declarava na oportunidade da investigação Jo
Acco:
Certa vez mandou dizer aos responsáveis pela construção da ponte, que
mandassem um homem competente afim de examinar a madeira que já
havia serrado, evitando assim o transporte inútil de paus que porventura
viessem a ser condenados, pois que se a madeira não servisse pararia de
serrar”; que, dias após compareceu no engenho o mestre geral de obras,
Raimundo Bramreiter, que depois de examinar a madeira, disse ao
declarante que podia continuar serrando, de vez que a madeira era boa,
mandando ainda que continuasse este trabalho dia e noite.
120
Nota-se que além do depoimento acima, fotografias foram produzidas junto ao
engenho onde foi serrada a madeira e que os pinheiros serrados eram considerados refugos,
isto é, os que sobravam de dois outros cortes que já havia sofrido o pinheiral.
Para a pesquisadora Zaira Galeazzi:
Quando ela caiu em 1944 eu estava no colégio, meu pai era prefeito de
Alfredo Chaves e eles contam um fato muito interessante: que entre os
trabalhadores tinha um mudo e ele começou a gesticular querendo dizer
que não queria que subissem na ponte antes da queda. Ele empurrava os
demais trabalhadores pra fora para que o subissem. Ele deve ter ouvido
os estalos. Naquela época eu tinha uns quatorze anos e estava no colégio
e eu ouvia meu pai dizer que morreram poloneses na queda. Foi assim:
os trabalhadores foram almoçar e voltaram. Por que ela não caiu na hora
que estavam almoçando? O fato é que esse mudo quando eles voltaram
do almoço para irem trabalhar ele não queria que subissem na ponte.
Talvez ela estivesse fazendo movimento. Eu sempre ouvi falar que
usaram madeira verde na construção da obra.
121
120
Inquérito Policial, op. cit., p. 6. Sublinhado no original.
121
GALEAZZI, Zaira, 76 anos, nascida em Veranópolis e atualmente é moradora de Nova Prata. Entrevista
concedida em 18 de janeiro de 2005.
O próprio engenheiro Pagh admitira que o madeiramento empregado no
cimbramento era todo de pinho, sendo que dos pilares era de pinho novo. Este depoimento
também ajudaria reforçar como hipótese mais plausível para o desabamento de parte da
obra; pela utilização de madeira de pinho novo nos pilares e a própria qualidade do
madeiramento em toda obra ser de 2ª, 3ª e até de qualidade.
Desde o início da construção falava-se da inferioridade da madeira que estava
sendo empregada. Este comentário desagradava pessoas ligadas à construção, as quais
interpretando com desprezo numa palestra mantida entre os senhores José Abruzzi e
Ângelo Zambom sobre o cuidado a ser dispensado quanto à armação, durante as enchentes,
mandaram dizer a José Abruzzi: “Que construísse barquinhos para pegar a madeira,
quando caísse o cimbramento”.
122
Constantemente eram realizados reforços no madeiramento da construção, o que
nunca deixava de ser realizado; entretanto poderia servir ao mesmo tempo como um grito
de alerta para os responsáveis da obra sobre a iminente possibilidade de queda.
O relatório conclui ainda que ondulações no estrado, rachas em linhas, estalos
ouvidos com alguma freqüência, além dos motivos acima exposto como verdadeira causa
do desabamento, o que significaria imperícia por parte dos responsáveis pela construção,
também seriam as outras duas causas apresentadas como hipóteses 2ª e 3ª afastando-se a
hipótese 1ª. Assim concluiu o delegado de pocia Floriano Nunes, responsável pelas
investigações a cerca do desabamento da obra:
E os termos de declarações inclusos, não deixam duvidas sobre isso,
pondo em evidencia no entretanto a ultima causa estudada como a que
deitou por terra aquilo que está destinado a ser uma monumental obra de
engenharia nacional.
123
Em 19 de janeiro de 1944, na cidade de Veranópolis, procedeu-se a realização dos
exames de corpo delito nas timas do desabamento da ponte, pelo médico perito Ivo
Sasso, o qual recebera nomeação do delegado de polícia juntamente com as respectivas
testemunhas, Fabiano Reschke e Primo Antonio Zanchetta.
122
Ver declaração de José Abruzzi. Inquérito policial p. 7. O relatório investigativo acrescenta após a
declaração. “E os barquinhos tiveram que ser construídos...”.
123
Inquérito Policial. op. cit., p. 8.
Os autos de necropsia na análise dos corpos apontaram para quatro critérios, ou
seja, se houve morte; causa da morte; qual o instrumento ou meio que produziu a morte e
por último se foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por
outro meio insidioso ou cruel.
Quanto ao primeiro critério fora respondido positivamente, ou seja, houve morte.
Quanto ao segundo critério, ou seja, causa da morte especificou-se fratura do crânio,
esmagamento de rax e ruptura dos óros internos do tórax, choque traumático e asfixia
por imersão na água. Para o terceiro critério, queda e desmoronamento, queda de grande
altura e conseqüente desabamento da armação da ponte. O último critério foi respondido
negativamente em todos os autos de necropsia pelo médio perito.
Por sua vez, foi realizado auto de exame de corpo delito (lesão corporal), aos
trabalhadores que tiveram lesões graves, em número de seis: Vergílio Busnello, Guilherme
Girotto, Severo Marin, Sergio Ribeiro, Ernesto Grinkowiski e Estácio Juskoski e leves em
número de três, Casemiro Jarasis, Celso Oliveira Cardoso e José Liduino Toson.
Com relação à ficha funcional das timas do acidente que trabalhavam para a
empresa Dahne, Conceição & Cia, havia um registro o de Pedro Jermack de trinta e oito
anos, de origem polonesa tendo chegado ao Brasil em 1930. Os demais trabalhadores eram
brasileiros.
Por sua vez, são inúmeros os Termos de Declarações referentes ao episódio
colhidos pela Delegacia de pocia. Cerca de trinta depoimentos foram prestados pelas
testemunhas na investigação policial sobre o desabamento da obra. Entre as diversas
perguntas realizadas no interrogatório, coube a investigação indagar sobre as possíveis
causas do acidente.
Foi perguntado sobre a possibilidade que o acidente tenha se verificado em
conseqüência de um ato de sabotagem por parte de operários ou mesmo estranhos. Para
Erik Pagh, engenheiro de origem dinamarquesa, da empresa responsável pela obra, havia
possibilidade mas o provável; por sua vez, para outro engenheiro e gerente da empresa
filial Porto Alegre, Vasco de Melo Feijó, não poderia afastar a hipótese de sabotagem, não
parecendo, porém, que à primeira vista tenha sido esta a causa. Perguntado se admitia
existir no seio do operariado alguma conduta suspeita ou se julgava possível à existência
de tal elemento, respondera que desconhecia até o momento, achando, porém possível tal
fato. O austríaco Raimundo Bramreiter, funcionário ocupante do cargo de mestre da
construtora declarara que:
Quando em vez e em virtude de ceder a armação da ponte tinha que
mandar reforça-la; que o declarante, muito tempo, sentia receio da
falta de resistência da armação em virtude do peso que lhe vinha sendo
posto, notando mesmo que a armação vinha se deformando, em virtude
da madeira não ser de lei e sim de pinho; que os operários
manifestavam a impressão de que a ponte não dava” por não resistir o
peso; que além da iniciativa do declarante o Dr. Pagh, engenheiro
responsável, de nacionalidade dinamarqueza, recomendava, de quando
em vez o reforço citado; que os estudantes de engenharia de São Paulo,
quando aqui estiveram, expressaram sua opinião que foi ouvida pelo
declarante e segundo o qual o vão de número um, não resistiria; que o
declarante já ouviu dos operários de que os mesmo não mais querem
trabalhar na ponte, levados pelo medo e em face do perigo que continua
oferecendo o estado em que a mesma se encontra.
124
Por sua vez, o trabalhador Gelpirio Senger, respondera que não sabia e nem poderia
fazer um juízo a respeito do acidente em virtude das fuões que exercia, de pedreiro, as
quais não lhe permitiam um entendimento sobre o assunto.
Em outro depoimento, o trabalhador da obra, Celso de Oliveira Cardoso, julgava ter
sido o excesso de peso que suportava o pilar de número quatro e a conseqüente queda do
mesmo. Sobre a possibilidade de sabotagem, declarara que não, pois havia vigilância à
noite na ponte, por dois guardas e durante o dia era também impraticável devido a
dificuldade de acesso à base dos pilares, pela cheia do rio; mesmo assim, a presença de
alguém junto aos pilares seria alvo de atenção e também um fato que causaria estranheza
por parte dos demais trabalhadores.
Casemiro Jarasis, 43 anos, de origem lituana e trabalhador da obra declarara:
Quando ocorreu o acidente, na referida ponte, encontrava-se em meio da
armação, sobre o pilar numero cinco; que não se recorda bem, mas tem
idéia do barulho e da impressão que sentiu eno de morrer; que
instintivamente sob o efeito do desabamento agarrava-se ao que lhe
estava ao alcance, sabendo ter-se tranqüilizado mais, quando seguro na
124
Inquérito policial op. cit,, p. 36. O mestre de obras ainda declarava que dois operários o haviam procurado
antes do acidente dando ciência do problema, e que o mesmo fazia em relação ao engenheiro Pagh o qual
respondera para o mestre continuar a obra sem receio que nenhum perigo havia. Finalmente atribuiu a causa
do acidente os efeitos do sol e chuva na madeira de pinho, tornando-a pouco resistente com o peso do
material colocado.
extremidade superior do pilar numero cinco, lugar este que pensava o
lhe oferecer perigo.
125
O engenheiro fiscal do DAER junto à obra, Antonio da Silva Froes Junior,
perguntado sobre a causa do acidente, relatara que as possibilidades de sabotagem poderia
ser uma das causas, considerando, entretanto, pouco provável. Respondeu também que o
excesso de peso sobre o cimbramento o era causa, pois estava o peso abaixo do que
havia sido previstos pelo cálculos. Perguntado sobre a qualidade do madeiramento
empregado no simbramento e a influência do sol e da chuva, respondeu que não podia
confirmar esta causa em detrimento dos estudos que estavam sendo realizados.
Em todos os demais depoimentos realizados pela investigação observou-se que a
qualidade das madeiras utilizadas na construção da obra não era das melhores e que recaía
sobre este quesito o motivo da queda do pilar de número quatro e, conseqüentemente, a
interrupção da obra em construção.
A Promotoria Pública do Município de Caxias do Sul na data de 27 de março de
1944 solicitou junto ao juiz de direito do Município de Bento Gonçalves, a remessa das
respectivas indagações policiais a Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Sul, a
fim de realizar análise do referido processo.
Aos doze dias do mês de abril de 1944 foram remetidas pela promotoria blica as
indagações policiais ao Procurador Geral do Estado com o estudo das causas da ocorrência
o qual concluiu que o desabamento da armação da ponte teria tido como causa a imperícia
por parte dos responsáveis pela construção. A conclusão das indagações foi baseada numa
prova circunstancial e testemunhal do inquérito, sem que estivesse amparada por laudo
pericial, o qual caberia ao governo do Estado nomear uma comissão.
126
Assim em 22 de abril do mesmo ano, a Procuradoria Geral do Estado comunicava o
Secretário de Estado dos Negócios das Obras Públicas que a promotoria pública havia
enviado processo referente ao desabamento da ponte.
Data de 26 de setembro de 1945, o ofício da promotoria pública de Bento
Gonçalves endereçado ao juiz municipal que solicitava arquivamento do inquérito policial,
125
Inquérito policial op. cit., p.43. Quando fora perguntado a que atribuía às causas do acidente, respondeu
que ignorava e nem tinha idéia a respeito, adiantando, porém que a opinião geral e por comentários que tem
ouvido que a causa seria o excesso de peso que suportava a armação, relativamente ao madeiramento que
sustentava de qualidade inferior.
126
Inquérito Policial. op. cit., p. 83.
visto que de acordo com as conclusões técnicas não havia responsabilidade criminal,
culposa ou dolosa. Ainda, segundo a promotoria pública, esta era opinião da Procuradoria
Geral do Estado, ou seja, aceitando a decisão judicial. Mencionaram-se, ainda as
indenizações já realizadas referentes aos acidentes de trabalho aos respectivos
beneficiários.
Com relação à perícia técnica feita por uma comissão que o DAER determinara a
fim de verificar tecnicamente as possíveis causas do acidente, consta no parecer do
engenheiro e diretor técnico do órgão Agnello Pereira da Silva as seguintes considerações:
Suspeitamos tratar-se de um acidente análogo ao que ocorreu na ponte
sobre o Lourenço, em Quebec, no ano de 1907 e cujas causas ainda são
discutidas nos Congressos Internacionais de Pontes.
127
Diante do exposto, o engenheiro propôs a realização de um ensaio de laboratório,
ficando incumbido para a determinada tarefa o Instituto de Tecnologia do Rio Grande do
Sul.
Igualmente, houve a anexação de uma pia de um artigo publicado pelo
engenheiro Agnello P. da Silva, na Revista Brasileira de Engenharia editada no Rio de
Janeiro em julho de 1932, onde fez referência ao acidente de Quebec no Canadá. O texto
está em língua francesa.
Sem dúvida, segundo o engenheiro, o desastre do Rio das Antas teve como início a
ruptura do pilar número quatro comparando a semelhança com o acidente do Canadá, com
coluna metálica, e o do rio das Antas com coluna de madeira.
Salientou o engenheiro que o Delegado de pocia em seu relatório apontou como
causa do desabamento a imperícia por parte dos responsáveis pela construção. Para ele a
conclusão do inquérito decorria de prova circunstancial e testemunhal, atestado igualmente
pelo promotor público.
Entretanto o engenheiro desconhecia o teor do inquérito e, portanto não sabia qual
era a prova circunstancial e testemunhal a qual fazia refencia, supondo como resultado de
depoimentos das testemunhas. Sobre isso acentua:
127
DAER. Informações fl. Nº 5, incluso ao Inquérito policial.
As circunstâncias ocorrentes na ponte do rio das Antas têm uma analogia
impressionante com o desastre de Québec. Até as apreensões dos
operios e contramestres, anteriores ao acidente, verificaram-se nos dois
casos, segundo fui informado [...] Não deixa de ser paradoxal o fato de
que operios e contra-mestres, pessoas quase leigas no assunto, sintam o
cedimento da estrutura, enquanto o técnico julga-a em seguraa.
128
O engenheiro conclui que do ponto de vista dos estudos realizados e os
comparativos que a razão fora simples:
Aqueles têm a sensação produzida por esforços reais
(estalidos na
madeira, peças tensas, etc.), mas o previstos pelos conhecimentos
teóricos do último que são o seu melhor guia. O nosso ponto de vista
pode resumir-se em dizer que atribuímos o desabamento da armação da
ponte do Rio das Antas ao mesmo detalhe técnico, ainda muito obscuro e
discutido, que ocasionou o acidente de Québec.
129
Salienta o diretor técnico do órgão relatando o Congresso de Viena de 1928:
Surge o notável professor belga F. Keelhoff com o apelo antes
reproduzido-que não foi respondido nos Congressos posteriores-
podemos nós agora classificar como imperícia o incorrer alguém no
mesmo erro do celebre Theodore Cooper, eng. Chefe da ponte de
Québec? Parece-me que não.
130
Da mesma forma, em 09 de junho de 1944, Clovis Pestana comunicara ao
Secretário das Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul, Valter Jobim, que no dia
seguinte ao desabamento de parte do cimbre da ponte em construção sobre o rio das Antas,
dirigiu-se ao local o engenheiro Agnello Pereira da Silva, na qualidade de Diretor Técnico
do órgão e demais engenheiros do setor de obras de Arte e fiscalização e que foram
realizados todos os estudos possíveis para a determinação das causas do acidente.
De início, o resultado das investigações confirmou desabamento de um dos
cavaletes do centro, que funcionava como um pilar de madeira, assim a explicação do
acidente ficou dependendo do conhecimento dos motivos pelos quais desabaria o próprio
cavalete.
As estudos sobre a estrutura do referido cavalete, concluiu-se que as peças
estavam submetidas a um esforço de 20 kg por cm² na ocasião do acidente. Salientou o
128
DAER. Informações op. cit., p. 6 – 7. Sublinhado no original.
129
DAER. Informações. op. cit., p. 8. Sublinhado no original.
130
DAER. Informações. op. cit., p. 8
relato que se não tivesse havido o acidente, as referidas peças poderiam suportar tensões de
até 25 kg por cm², durante a fase de concretagem dos arcos principais que ainda o havia
sido iniciada. Desse modo, o cavalete não poderia ter caído, não havendo assim erro de
cálculo e nem tampouco defeito de execução e, portanto, não podendo ser a empresa
Dahne, Conceição & Cia. responsabilizada, segundo a nota, pelo acidente.
O comunicado apontou ainda que se não houvesse erro algum, como se explicaria o
acidente? Para Clovis Pestana era ainda impreciso o cálculo das colunas do tipo treliça, ou
seja, a ciência ainda não pode explicar bem a natureza dos esforços a que estão
submetidos, em determinadas condições, as diversas peças que compunha uma coluna em
treliça. Ressaltou que apesar da imprecisão a maior parte delas não caiu e o cairia mais
em condições normais.
Ocorriam sérios desastres. A ponte em construção metálica de Québec – Canadá, às
16 horas de 29 de outubro de 1907, as treliças das peças comprimidas cederam e a ponte
ruiu. Morreram 74 pessoas, inclusive os engenheiros. Neste acidente os operários também
pressentiram o desastre. Pestana assinala que:
As dez horas do dia em que se deu o desastre, esses técnicos examinaram
pela última vez os trabalhos da ponte de Quebec e, convencidos das
perfeitas condições de sua estabilidade, opinaram pelo seu
prosseguimento. Seis horas depois dessa última inspeção dos mais
notáveis técnicos nessa especialidade, a ponte ruiu. E até hoje ninguém
conseguiu explicar esse acidente a luz\ dos conhecimentos científicos
atuais. Em todos os grandes congressos técnicos, nos maiores centros
mundiais, continua-se a pedir que se desenvolvam os melhores esforços
no sentido de se aperfeiçoar a teoria em que se baseia o cálculo das pas
em treliça submetidos a esforços de compressão.
131
Desta forma, a conclusão do Diretor Geral do DAER em comunicado ao Secretário
das Obras Públicas do Estado, foi de que a empresa Dahne, Conceição & Cia. quanto ao
desastre da ponte sobre o rio das Antas, que estava em construção, fora apenas mais uma
tima do atraso em que ainda se encontrava a ciência quanto ao cálculo das peças em
treliça suportando esforços de compressão.
Ao analisar o episódio de 1944 no vale das Antas acerca da ponte, os órgãos de
imprensa assim noticiavam o acidente. Para o jornal Correio do Povo de Porto Alegre:
131
DAER. Diretoria Geral – DG 44/337 fls. 2.
Informam de Alfredo Chaves ter sido iniciada, dias, a remoção dos
escombros da ponte sobre o rio das Antas. Esse trabalho está sendo
apressado, no sentido de serem recomeçadas as obras com a maior
rapidez possível. As autoridades policiais no município de Alfredo
Chaves estão ultimando o inquérito em torno do acidente tendo sido
ouvidas cerca de 50 pessoas. Para que as causas do desmoronamento
sejam convenientemente apuradas foram retiradas amostras do pinho
empregado na construção dos pilares e pintadas as outras, de pinho de
boa qualidade, a fim de ser feito o necessário confronto. Para o reinício
dos trabalhos está sendo adquirida grande quantidade de madeira de lei
e pinho da melhor qualidade procedente de diversas zonas do Estado.
132
Por sua vez, o jornal O Nacional de Passo Fundo, assim descrevia as causas do
desabamento de parte da ponte sobre o rio das Antas:
Ontem à tarde, esteve em longa entrevista com o interventor Ernesto
Dornelles, o Sr. Walter Jobim, Secretário das Obras Públicas. O Sr.
Jobim, levou nessa conferencia, ao conhecimento do chefe do Governo
do Estado, as informações recebidas da 2ª. Residência do Departamento
Autônomo de Estradas de Rodagem, sediada em Bento Gonçalves, sobre
o desabamento parcial da ponte sobre o rio das Antas, do que tratamos
ontem, dando o numero exato de mortos, que foi somente de 6 e não de
18, conforme a imprensa local havia propalado. Aquele titular
acrescentou haver determinado ao DAER fosse nomeada uma comissão
de técnicos dessa repartição rodoviária estadual, afim de apurar as
responsabilidades do lamenvel desastre. Do conjunto de informes
recebidos pelo interventor Ernesto Dornelles, inclusive os chegados na
manhã de hoje, sobre o desabamento parcial da ponte do Rio das Antas,
esse acontecimento póde ser atribuído à causa fortuita e bastante comum
em construções da natureza daquela obra em andamento, quando numa
fase como a em que se encontravam os trabalhos mencionados. O
engenheiro Vasco Feijó, técnico da firma construtora Dahne, Conceição
& Cia, e que está chefiando a construção da ponte sobre o Rio das Antas,
ouvido na manhã de hoje pela Agencia Nacional, nos declarou que o
desabamento ali verificado tem se registrado em obras dessa natureza,
embora não fosse acontecimento comum. Citou, ilustrando a sua
declaração, que a maior ponte da América do Norte, localizada em
Quebec, no Canadá, caiu 3 vezes durante a sua construção.
133
As o acidente a firma empreiteira foi encampada pelo Governo Federal. A data
na qual é oficializada a encampação é 02 de maio de 1944, tornando-se incerta a questão
132
Ponte das Antas. Correio do Povo, 15 Fev. 1944.
133
As causas do desabamento parcial da ponte sobre o Rio das Antas. O Nacional. Passo Fundo, 21 JAN
1944. O Planalto Médio o qual possui como cidade pólo o Município de Passo Fundo, também na década de
1940 retratava o acidente na ponte que de certa forma postergava por mais alguns anos a possibilidade dos
usuários desta região do Estado trafegarem pela rodovia que liga a região do Planalto com a Serra Gaúcha na
travessia do rio das Antas.
da continuidade dos trabalhos, tendo como conseqüência a sustação dos estudos referentes
à estabilidade dos arcos.
134
2.5. Expectativa frustrada: a continuidade do transporte com Balsas e as
mudanças políticas no cenário político
Na realidade, o acidente de 1944 acabou por transferir por mais alguns anos o
reinício das atividades de reconstrução da obra em meio a transformações poticas,
econômicas e sociais por que passava a sociedade brasileira.
A partir de 1945 o Estado Novo ruía e no cerio internacional a segunda Guerra
Mundial findava. O Brasil inaugurava um novo momento político nacional. A posse do
presidente eleito Marechal Eurico Gaspar Dutra em 31 de janeiro de 1946, promulgação da
Constituição em 18 de setembro de 1946, e a realização de eleições municipais em 15 de
novembro de 1947. Foi eleito para Prefeitura municipal de Veranópolis e empossado em
09 de dezembro de 1947, Adriano Farina em substituição ao prefeito Guilherme Pessato
que assumira em 27 de outubro de 1946. Por sua vez, o Estado do Rio Grande do Sul era
governado por Walter Jobim que assumira em março de 1947, cujo mandato iria até janeiro
de 1951.
O Plano Rodoviário Estadual a partir de 1946 sofreu modificações nas quais vários
projetos rodoviários de competência do governo federal, como estradas e pontes, foram
incorporadas pela administração estadual. A ponte do rio das Antas passava por este
processo; a obra reiniciava apenas por volta de 1950 e sua conclusão em meados de 1952.
Nesse contexto a demanda era cada vez maior de usuários que necessitavam de
maior rapidez e agilidade no sistema de transportes. Ao chegarem às margens do rio das
Antas encontravam novamente o obstáculo que era a ausência de uma ponte que suprisse
as necessidades de diversas regiões do Estado.
O repórter Jaury Medeiros publicava ampla reportagem acerca da construção da
ponte sobre o rio das Antas datada de 08 de novembro de 1949 no jornal Diário de
Noticias, no qual assinalava:
134
Boletim do DAER Junho de 1945. p. 11
Autênticos celeiros do Rio Grande, refulgem, na constelação gaúcha
comunas como Farroupilha, Bento Gonçalves, Veranópolis, Nova Prata,
Lagoa Vermelha e todos os outros municípios situados naquela rica
região, grandemente produtora de madeiras, trigo, vinho, artigos
manufaturados, etc.
135
A referida matéria expressava preocupação na medida em que a região em estudo
representava um potencial econômico considerável naquele período e ao mesmo tempo a
problemática de escoamento da tão diversificada produção colonial. Além disso, a
reportagem fazia refencia para o descaso com uma região densamente povoada e a
necessidade de solucionar o problema da travessia do passo do rio das Antas.
Seguindo, o Diário de Notícias explicitava:
Eis a questão que no momento mais preocupa as classes produtoras do
nordeste. Porque o escoamento normal do considerável volume da sua
produção está condicionado aos fatores climatéricos favoráveis. Basta
uma chuva um tanto prolongada para que o rio das Antas, que serpenteia
entre alterosas montanhas de uma beleza magnificante, com suas águas
triçoeiras e perigosas, surja arrogantemente como uma intransponível
furalha, à frente das intermináveis filas de veículos que por ali passam
diariamente. E ai daquele que tentar quebrar a orgulhosa altivez dum
curso dágua aparentemente inofensivo. A história dos aventureiros que
um dia ousaram fazê-lo, e que desapareceram para sempre, é
interminável.
136
Saul Farina, deputado estadual da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul,
manifestava na tribuna sua preocupação com a demora na reconstrução da ponte. Para esse
parlamentar ao solidarizar-se com a referida reportagem não apenas defendia interesses de
sua base eleitoral, pois era representante de Veranópolis, mas da importância na economia
gaúcha da solução para o passo afinal situado no centro da estrada que une os grandes
mercados produtores e consumidores não do Rio Grande do Sul como também dos
Estados de Santa Catarina e Paraná. O deputado referia-se também a estrada Buarque de
Macedo.
135
Nordeste do Estado sinônimo de fartura, de opulência, de riquezas, inesgotáveis... Jaury Medeiros.
Apud.. O deputado Saul Farina em pronunciamento solicitava a anexação nos anais da Assembléia
Legislativa matéria veiculada no jornal Diário de Notícias de Porto Alegre. Anais Vol. 33, 1233º sessão em
08 NOV 1949, p. 179.
136
Conforme Jaury Medeiros, op. cit., p. 179
Pode-se afirmar que o acidente de janeiro de 1944 foi um duro golpe para o
progresso da região com o desabamento de parte da estrutura de madeira da ponte e a
suspensão dos trabalhos. Nesse sentido, assinalava Jaury Medeiros:
O Rio das Antas, reagindo num derradeiro espasmo, conseguira vencer a
vontade daqueles que tentaram submete-lo. E a partir de então todos
quantos passam por aquele local vêem unicamente alguns pilares de
cimento nus, desolados, enquanto a seu lado correm as águas do rio,
rumorosas, turbilhonantes, entoando uma irônica sinfonia de escárneo.
137
A frustração parecia tomar conta daqueles que dependiam de um acesso viário mais
ágil. O regime da travessia em balsas continuaria a ser o único ali existente, para dar
escoamento a um volume de produção que, com o decorrer dos tempos, mais acentuado se
tornaria.
Rio das Antas – saída de balsas.
Fonte: Foto Parise
As intermiveis horas de espera nas “filas” frente à balsa, a limitada capacidade de
carga permitida, o próprio tempo perdido até que chegassem a oportunidade de cada
veículo e principalmente, as condições favoráveis das águas para a travessia, eram fatores
agravantes, como relata Azevedo Detogni:
137
Jaury Medeiros, op. cit., p. 180
Naquele tempo se tornava difícil ir a Porto Alegre. Quando chegava ao
Passo do Governo era preciso esperar horas e horas. Havia muitos
veículos principalmente caminhões com reboques carregados de madeiras
que formava filas para esperar a oportunidade de atravessar o rio.
Dramático era quando eu transportava passageiros que iam visitar
doentes em Porto Alegre, ou então quando eu mesmo transportava os
doentes e precisava esperar o momento de fazer a travessia.
138
A região colonial de imigração italiana durante o período que compreende a
construção da ponte, de um modo geral, apresentava expressivo crescimento econômico.
Entre outras razões, destacou-se a intensificação das atividades comerciais na região,
favorecida pela dinamização da ferrovia e as vias rodoviárias. Isso possibilitava maior
agilidade no escoamento da produção colonial.
139
Havia um sentimento para que as obras reiniciassem o mais breve possível. Ainda
de acordo com a matéria do repórter Jaury:
Reclama o nordeste inteiro que as obras de reconstrução da ponte sejam
iniciadas quanto antes, porque a situação atual é altamente lesiva não só
às classes produtoras da zona, como também ao próprio Estado. Numa
época em que o fator“tempo” atua na forma tão relevante e decisivo nas
transações comerciais entre as coletividades, não poderá o potencial
econômico do nordeste ficar sujeito aos azares e caprichos decorrentes da
travessia do passo do Rio das Antas.
140
O prefeito Municipal de Veranópolis, naquele período, manifestava sua
preocupação com relação à demora no reinício das obras da ponte solicitando brevidade
quanto aos trabalhos de reconstrução.
141
138
DETOGNI, Azevedo, 75 anos, nascido em Veranópolis. Entrevista concedida em 10 de dezembro de
2005. Foi motorista de táxi e realizava viagens a Porto Alegre na década de 1940 com um veículo Ford
modelo Mercuri ano 1948.
139
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imigrante na política Rio Grandense.In: DACANAL, Jo H. e
Gonzaga, Sergius (Org.). Porto Alegre, Mercado Aberto, 1996, p. 192.
140
Jauri Medeiros. op. cit., p. 180
141
Telegrama do Prefeito Adriano Farina remetido ao deputado Saul Irineu Farina. 13 OUT 1949. Prefeitura
Municipal de Veranópolis onde faz menção pela entrevista concedida ao jornal da capital. O deputado
também é parabenizado pelo prefeito municipal, através de telegrama, sobre discurso proferido na
Assembléia Legislativa onde faz referência a ponte. O telegrama é datado de 18 NOV de 1949.
FOI GRANDE SATISFAÇÃO MUNICIPAL VG CLASSES
CONSERVADORAS VG ÊSTE MUNICIPIO TOMARAM
CONHECIMENTO PUBLICAÇÃO EDITAL CONCORRÊNCIA
PÚBLICA PARA CONSTRUÇÃO PONTE RIO ANTAS VG ANTIGA
ASPIRAÇÃO ESTA IMPORTANTE ZONA E COMUNAS LIMITROFES
PT AGUARDAMOS VG ANSIOSOS VG INÍCIO OBRAS CUJOS
BENEFÍCIOSEXCUSADO RELATAR PT.
142
Torna-se importante considerar que ainda em meados de 1949 houve um registro
nos anais da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul nos quais alguns fatos
pitorescos nortearam tal narrativa. Ainda no início do século XX, em 1908 já havia
solicitação para construção de uma ponte sobre o rio das Antas e mais, houve a
inauguração de uma fábrica de foguetes em Verapolis por volta de 1916.
Tais fatos puderam ser observados na íntegra dos anais mandado publicar na
tribuna pelo então deputado Saul Farina, que, aliás, foi apelidado naquele instante
“Farinópolis”, por um colega de plenário pelo excesso de valorização das causas de sua
terra natal, Veranópolis, através de uma reportagem realizada pelo jornalista Firminio
Bimbi ao jornal Folha da Tarde. Dessa forma o jornalista abordava a questão:
ASPIRAÇÃO DE SUAS GERAÇÕES. 41 ANOS FOI
SOLICITADA E PROMETIDA A PONTE SÕBRE O RIO DAS
ANTAS. Inaugurada, a 36 anos, uma fábrica de foguetes, em
Veranópolis, especialmente para comemorar a “próxima”, conclusão da
ponte... Dados interessantes e humorísticos, fornecidos pelo deputado
Saul Farina que está fazendo um estudo a respeito do assunto, para
apresentá-lo na Assembléia.
143
A extensa reportagem que fez alusão ao episódio da ponte, em conversa com o
deputado Farina de colher detalhes históricos interessantes e até humorísticos do
parlamentar. Nas palavras do parlamentar ao relatar um episódio assim se expressava:
142
Telegrama do prefeito municipal de Veranópolis remetido ao Diretor do DAER, datado de 10 de agosto de
1949.
143
Discurso Dep. Saul Farina. Anais A. L. do RS. Vol. 33, p. 181, 182, 183, 1233ª sessão em 08.11.1949. O
período no qual a reportagem foi realizada encontrava-se em tramitação a concorrência pública aberta pelo
DAER as empresas interessadas na construção. Nascido em Veranópolis, Saul Irineu Farina além de
deputado estadual foi prefeito do Município de Veranópolis por duas vezes: 1930-1938 e de 1956-1959. Foi
também prefeito do Município de Sarandi, RS.
em 1908, disse-nos portanto há 41 anos passados, os responsáveis
pelo governo do município de Verapolis, (então Alfredo Chaves),
solicitavam, a quem de direito, a construção de uma ponte sobre o Rio
das Antas, como único meio de transporte daquela enorme zona.
144
naquela época prometeu-se aos solicitantes que o assunto seria estudado com
carinho”, Mas como resultado dessa primeira tentativa temos apenas um documento
empoeirado, no Arquivo Público do Estado. Enquanto isso, de municípios da grandeza de
Veranópolis, Nova Prata e Lagoa Vermelha, apenas para citar alguns entre tantos atingidos
pela ausência da ponte, chegava, constantemente, apelos para fosse efetivada de forma
definitiva a construção da obra.
Nesse sentido já foram apontadas dificuldades com a travessia do vale das Antas.
Trata-se de uma região de fertilidade, a qual, com esta via de comunicação, poderia em
poucas horas, fazer chegar à capital do Estado, com diminuição de despesas com
transporte, uma variedade considerável de produtos alimentícios de primeira necessidade,
além de madeiras etc.
Segue o parlamentar:
Alguns anos depois, em 1913, as promessas foram mais sérias. A ponte
seria construída dentro em breve. A população exultou de contentamento,
quando a notícia foi conhecida. Não houve foguetes que atendessem à
procura dos populares. Assim passaram-se três anos. Em 1916, parecia
que as obras iriam ser atacadas de rijo. Tanto foi o entusiasmo que
alguém resolveu, para comemorar o início e término da ponte, instalar
uma grande fábrica de foguetes.
145
Observa-se pela reportagem que a referida indústria seria de futuro, pois cada
notícia referente à construção da ponte, era recebida com tanto entusiasmo que,
rapidamente, se esgotavam os estoques de foguete existentes no comércio. Se em 1949 a
obra ainda não havia sido inaugurada pelo menos, um benefício, tantas promessas
realizadas trouxeram. Houve progresso com a indústria de foguetes, onde os mais diversos
tipos eram fabricados.
Chamou atenção nesse período a mobilização realizada no âmbito regional e
municipal pelo poder Legislativo sobre a necessidade de uma solução definitiva quanto a
construção da obra.
144
ANAIS da A.L. 08.11.1949. op. cit., p. 181.
145
Anais da A.L. 08.11.1949, op. cit., p. 182. Grifo nosso.
Realizado um Congresso Regional de Vereadores em 1949, o presidente da Câmara
Municipal de Vereadores de Caxias do Sul e da Comissão Executiva do Congresso
Regional de Vereadores, fez um apelo ao governo estadual no sentido de que os trabalhos
sobre a ponte do rio das Antas fossem iniciados imediatamente, assim que tivessem sido
apurados os resultados da concorrência. A mobilização do Legislativo regional foi
fundamentada na proposição dos vereadores Remomulo Farina e Ângelo Scarton,
ambos representantes da Câmara de Vereadores de Veranópolis.
146
Entretanto, somente no início da década de 1950 foram reiniciados os trabalhos
para a conclusão definitiva da obra e assim toda uma região e o homem, de uma vez por
todas, firmava o seu domínio absoluto em detrimento de determinadas forças da natureza.
O boletim técnico do DAER aponta que em 14 de outubro de 1944 foi contratado
por conta e risco do órgão um estudo da deformação elástica e da deformação lenta da obra
pelo o engenheiro T. V. Langendonck, professor da Escola Politécnica de São Paulo,
especialista neste tipo de situação. Após alguns meses, o DAER informava à firma
empreiteira que somente em março de 1945 seria possível conhecer os resultados dos
estudos realizados sobre o efeito da deformação elástica e lenta da estrutura da obra. Os
resultados finais dos referidos estudos ocorreram em maio de 1945 no qual apontou como
causa do desabamento a precariedade da estrutura das madeiras utilizadas na construção da
ponte na realização da prova de carga.
147
Ao analisarmos a conjuntura potica nacional a partir da segunda metade da década
de 1940, período no qual Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), esteve na presidência do
146
ANAIS da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. op. cit. p. 182 183. Da mesma forma o
deputado Saul Irineu Farina enderava telegrama da A.L. ao Prefeito de Veranópolis sobre as propostas
apresentadas ao D.A.E.R. pelas empresas na concorrência pública: “Acabo de assistir no Conselho do
D.A.E.R., a abertura de quatro propostas, referentes à construção da ponte do rio das Antas. Dois
concorrentes, um do Rio de Janeiro e outro de Porto Alegre, apresentaram documentação completa. Ao
digno edil de nossa querida Veranópolis, envio sinceras congratulações, extensivas a toda nossa boa gente,
por este tão auspicioso evento. Roguemos a Deus pelo total êxito.”
147
DAER, boletim junho de 1945. Em ordem cronológica os fatos principais referentes a obra até sua
interrupção em janeiro de 1944 são os seguintes: Cálculo provisório da ponte e vista geral, entregues na
concorrência (12/fev./42). Início da construção do cimbre (dez./42). Início das cavas dos encontros dos arcos
grandes (mar./43). Início da concretagem dos encontros (mar./43). Cálculo definitivo, plantas e detalhes da
ponte de concreto armado, entregues parceladamente de junho de 43 até meados de setembro de 43. lculo
sumário da ponte de sustentação de madeira (cimbre) entregue junto com o da ponte (09 set./43). Fim da
concretagem dos encontros (22 out./43). Fim da construção da ponte de sustentação de madeira (out./43).
Início da parte superior do cimbre e das formas (out./43). Início do carregamento da parte construída (fins de
dez./43). Fim da construção do cimbre e das formas (princípio de janeiro de 44). Colapso do cimbre (18
jan./44). Encampação da firma empreiteira (02 mai. /44). Início dos estudos das deformações elástica e lenta
(14 out./44) e fim dos mesmos em meados de maio de 1945.
* Saúde, Alimentação, transporte e Energia.
Brasil, o plano de governo fundamentou-se em investimentos nas diversas áreas através do
Plano SALTE*. Dentre nos setores privilegiados pelo Plano, incluiu-se o sistema de
transportes. Nesse período houve também o reinício dos trabalhos para a finalização da
ponte no âmbito municipal e a abertura da economia ao capital estrangeiro na esfera
federal.
Por sua vez, no início da década de 1950, o retorno de Getúlio Vargas ao poder
(1951 1954), simbolizava a retomada da potica econômica de caráter intervencionista e
nacionalista. O Plano LAFER tinha por finalidade o desenvolvimento da indústria de base,
energia, agricultura e o setor de transportes. Este cenário permeava o reinício da obras de
construção da ponte sobre o rio das Antas no início da década.
O longo período de espera para o reinício das obras obteve um desfecho final na
medida em que o óro responsável pela fiscalização da obra, o DAER, realizava
novamente edital de concorrência pública com novo projeto para a finalização dos
trabalhos sobre a ponte.
2.6. Reinício da construção da ponte: entra em cena a empresa de
engenharia CHRISTIANI – NIELSEN da Dinamarca
As o desabamento, o engenheiro Henrique Mayall, que trabalhara para o extinto
Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER), realizou estudos locais a fim de
elaborar diretrizes no desenvolvimento do projeto. O novo projeto foi elaborado pelo
engenheiro o professor Antonio Alves Noronha, do Rio de Janeiro considerado uma das
maiores autoridades de concreto armado do mundo à época. Para a execução da obra, a
empresa vencedora no processo licitatório, foi a Christiani Nielsen, filial do Rio de Janeiro,
sob a responsabilidade técnica do engenheiro dinamarquês Preven Schmid e pelo mestre de
obras, o holandês Jan Albert Knoivers.
148
148
FINKLER, op. cit. A reportagem destaca a organização no acampamento de trabalho: a margem direita do
rio formou-se uma verdadeira vila onde residiam os dirigentes e os trabalhadores da obra. Havia no local uma
capela servida pela paróquia de Veranópolis, uma escola municipal, diversos armazéns, água potável e
serviços higiênicos. A reportagem chama a atenção também para a constituição dos arcos da ponte: por serem
ocos, os mesmos em nada diminuíam a sua resistência, sendo, porém, aliviados de um peso inútil. Os arcos
foram fundidos por partes.
No segundo e definitivo projeto, a ponte possui dois arcos paralelos e a pista
localizada a uma altura dia dos arcos, não apresentando pilares intermediários, isto é,
dentro do rio. A utilização de pilares foi utilizada apenas durante a construção para
sustentar o escoramento da pista e removidos após a conclusão da obra. Suas fundações
estão localizadas nos taludes das margens do rio, nas extremidades dos arcos.
149
A ponte possui um vão livre de 186 metros e toda sua extensão é de 280 metros. Os
arcos são ocos e medem 1,50 metros de largura e uma altura variável entre 3,00 e 5,00
metros. A ponte tem uma via de rolamento de 7,20 metros de largura.
150
Ponte em construção.
Fonte: Revista CN.
A ponte foi reiniciada em 12 de janeiro de 1950, quando a empresa Christiani
Nielsen, do Rio de Janeiro, de origem dinamarquesa, assumiu a execução final. Foram
utilizados 50 mil sacos de cimento e 440 toneladas de ferro para sustentar o monumento,
que possui o maior arco das Américas.
151
149
www.cimentoeareia.com.br. Acesso em 03.05.2005. A Engenheira Civil Graciela Rastelli, especialista em
projetos e estruturas destaca que a ponte é cartão postal das cidades de Veranópolis e Bento Gonçalves.
Muitos turistas e curiosos, além de ser destaque na área da engenharia pelas técnicas e recursos utilizados na
construção.
150
Christiani & Nielsen POST NR., 24.Udgivet af Christiani & Nielsen, Kobenhavn Redaktion: A. Kann
Rasmussen (ansvarsh) og I. Falck Moller. Eftertryk, ogsa I uddrag og oversuttelser, Kuntilladt efter aftale
med bladets redaction. Revista publicada pela empresa em fevereiro de 1954.
151
50 anos da ponte monumento. Corrreio Riograndense . 21 AGO. 2002.
Pelo primeiro empreiteiro haviam sido fundidas as fundações para os grandes arcos,
e, como não haviam sido feitos inicialmente sondagens geológicas bastante profundas, foi
providenciado pela empresa Christiani Nielsen o qual constatara que entre as referidas
fundações e a rocha, havia camadas moles, o que foi determinado pela empresa a
demolição total dessas fundações com o auxílio de dinamite e a execução de novas
fundações, encravadas na rocha a maior profundidade e, conseqüentemente, em perfeitas
condições de segurança.
O cimbramento estava projetado em estrutura metálica e como o DAER já havia
adquirido as cantoneiras, não foi permitida a modificação do mesmo. Por sua vez, o
sistema de cimbramento metálico exigiu a necessidade de instalação de oficina mecânica
especializada, na obra. O peso do cimbramento atingiu 450 toneladas.
152
O rio das Antas é caracterizado por enchentes violentas e suas águas sobem com
muita rapidez e em algumas situações atingem o nível de até 16 metros. Este fator foi o que
determinou que a empresa executora firmasse na rocha as fundações das torres do
cimbramento. As mesmas foram calculadas para suportar o empuxo da correnteza e os
choques das toras de madeira e outros detritos comuns que transbordavam em períodos de
enchentes.
Na avaliação da empresa Christiani & Nielsen, um dos pontos técnicos mais
importantes foi o descimbramento dos arcos. Para este fim foi importado da Alemanha,
macacos hidráulicos, os quais foram introduzidos nos fechos dos arcos com o objetivo de
reduzir as tensões do concreto dos arcos que no lculo estático eram no máximo de 110
kg/cm², quando se calculou as cargas mais desfavoráveis.
153
Para a realização do descimbramento, com a utilização dos macacos hidráulicos, foi
aplicada uma força de 330 toneladas para cada arco, correspondente a 20% da força
horizontal do arco, conseqüente do seu próprio peso. O efeito dessa força foi de reduzir a
carga total sobre o cimbre com 20% pelo menos. Considerando que o arco, bem como a
estrutura metálica, ficou praticamente na mesma posição, é evidente que a reação do
cimbre sobre o arco, no meio dos vãos, ainda fosse igual a quase 100% do peso próprio do
arco, enquanto que, as reações acima das torres eram bastante reduzidas, somando o total
das reações 80% do peso próprio dos arcos.
154
152
CN op. cit., p. 43
153
CN, op. cit., p. 44.
154
CN, op. cit., p. 45
Para a eliminação destes “momentos” foi tirada a areia das respectivas caixas
colocadas entre o cimbre de madeira e a estrutura metálica, com o que a estrutura metálica
se levantou e suas reações sobre os arcos foram diminuídas. O efeito dessa operação foi o
de diminuir as reações do cimbre sobre o arco nos vãos, aumentando-as sobre as torres,
sendo, ainda, a soma total igual a 80% do peso próprio dos arcos e obtendo-se para cada
trecho uma reação de 80% do valor da reação correspondente ao peso próprio dos arcos no
referido trecho. Desta forma foram quase anulados os momentos nos arcos.
155
A operação acima descrita foi repetida com o aumento sucessivo do
esforço normal para 660, 990 e 1320 toneladas. Finalmente foi
aumentado o esfoo dos macacos até que os arcos se levantaram 17
milimetros no fecho, valor correspondente a sua deformação elástica
devido ao peso próprio do tabuleiro. Este foi concretado após a
terminação dos arcos. O cimbre de madeira foi abaixado cerca de 5
centimetros em toda a exteno.
156
A operação realizada pela empresa Christiani & Nielsen foi procedida por um
período de dois dias. Após três semanas os arcos foram novamente levantados. Constatou-
se uma deformação lenta do concreto neste período com um deslocamento de 11
milímetros. Após a devida correção foi permitida então a concretagem entre os macacos e,
três semanas depois, os macacos foram retirados e a concretagem completada. Assim,
definitivamente a obra de engenharia nacional estava concluída.
Com a conclusão da obra o acesso viário tornou-se mais dimico e pode-se
vislumbrar possibilidades de crescimento econômico, social e cultural para toda a região,
permitindo com isso mudanças significativas na vida e costumes da população que direta
ou indiretamente foram beneficiadas pela ponte. Veranópolis, a partir da década de 1950,
inaugurava um novo estágio de crescimento.
155
CN, op. cit., p. 45
156
CN. op. cit., p. 45.
Foto da ponte concluída
Fonte: CN POST. Dinamarca: Christiani & Nielsen, n. 24, fevereiro 1954.
Foto da ponte concluída
Fonte: CN POST. Dinamarca: Christiani & Nielsen, n. 24, fevereiro 1954.
O Grupo Carioca Engenharia, atuava em vários segmentos da construção civil,
destacando-se ao longo do tempo na construção de obras de arte entre elas a ponte sobre o
rio das Antas.
157
157
www.cariocaengenharia.com.br. Acesso em 18.08.2005.O Grupo Carioca Engenharia teve sua origem em
1947, com a fundação, no Rio de Janeiro, da Empresa Carioca Engenharia. Em 1988, com a aquisição da
Christiani Nielsen Engenheiros me Construtores, a atuação do grupo foi ampliada e as atividades
complementares no segmento da construção Com mais de 50 anos de experiência, o grupo Carioca
Engenharia tem atuação abrangente no mercado de construções, executando obras em todas as regiões do
país. A empresa possui ainda políticas claras de segurança, meio ambiente e saúde na qual incentiva o
desenvolvimento de projetos sócio-ambientais. Estes procedimentos resultaram no Sistema de Gestão da
SMS (segurança, ambiente e saúde) a partir de normas de referência como NBR ISSO 14001 (sistema de
gestão ambiental) e OHSAS 18001 (sistemas de gestão de saúde e segurança ocupacional). Atualmente o
grupo possui em sua carteira de obras de construção civil e pesada no setor de edificações, obras marítimas,
urbanização, obras especiais, rodovias (obras de arte), saneamento e irrigação as quais se inclui a ponte sobre
o rio das Antas (1950-1952). Obras rodoviárias, portuárias, construção de dutos, montagens industriais, obras
de saneamento básico, metrôs e trens urbanos, barragens, obras de urbanização, construção de escolas,
penitenciárias, hospitais, prédios públicos possibilitou a Carioca Christiani Nielsen Engenharia, a primeira
empresa do setor de obras públicas no país a conseguir, em 1996, a Certificação ISSO 9002.O Grupo Carioca
Engenharia, consciente da imporncia do papel da empresa no processo de afirmação e desenvolvimento da
cidadania, tem tido como uma de suas diretrizes o apoio e incentivo aos projetos sociais e às atividades
culturais no país. Dentre os programas sociais destaca-se o Programa Alfabetização Solidária, projeto
PROGENTE e Programa de Aprendizes do SENAI. Por sua vez no aspecto cultural houve o patrocínio de
livros e discos e a instituição do Prêmio Carioca de Engenharia.
3. UMA REALIDADE REGIONAL:
A PONTE ERNESTO DORNELLES NA SERRA GAÚCHA
O terceiro capítulo procura delinear um paralelo entre história, memória e
representação, procurando-se estabelecer nesse processo, experiências individuais e
coletivas como referenciais na interpretação dos dados a cerca do advento da ponte sobre o
rio das Antas.
Dessa forma, procurou-se desvelar no imaginário individual e coletivo o impacto da
obra, abordando as impressões daqueles que se envolveram de uma forma ou de outra
naquilo que se tornou realidade a partir de 1952, que foi a inauguração da ponte do rio das
Antas.
Percebeu-se que cada cultura é constituída por um conjunto de experiências que
contém na sua estrutura o real do imaginário.
158
Tal situação de ser percebida nos
moradores de Veranópolis com o advento da ponte. O real e o imaginário, às vezes,
confunde-se dando o tom da universalidade sobre o objeto em estudo.
A história de uma ponte se confunde com a própria história das pessoas que
possuem algum tipo de elo com o objeto. Dessa forma muitas histórias podem ser escritas,
pois cada um constrói seus sonhos projetados para uma visão de futuro. Por sua vez, para o
historiador torna-se desafiador construir a história através do uso da memória. Entretanto, é
necessário destacar a importância da história para a produção de novas fontes e ao mesmo
tempo na preservação da documentação existente. Tarefa árdua ao historiador utilizar e
incentivar que esse tipo de memória se afirme enquanto fonte. Na busca de uma definição
objetiva do termo memória, Loiva Félix afirma que:
158
PATLAGEAN, Evelyne. A História do Imaginário. In: LE GOFF, CHARTIER, Roger, REVEL, Jacques.
A História Nova. São Paulo, Martins Fontes, 1998. p. 291. Para a autora o real e o imaginário nada mais são
senão o campo inteiro da experiência humana, do coletivo ao individual.
Memória é essencialmente um ato de evocação, isto é, o ato de recuperar
mentalmente a imagem, portanto, é um ato de representação do real que
se através de imagens mentais, pois o passado como tal não volta. Ele
retorna apenas na lembrança. A evocação/lembraa dessas imagens
mentais se através de diferentes suportes de memória que podem ser
de natureza iconogfica, fotografias, álbuns, etc.; de natureza objetal,
com os diversos tipos de objetos materiais associados a uma determinada
memória e que compõem o universo dos bens ou patrimônios materiais;
de natureza perceptiva e sensorial, quando desencadeada por
idéias/associações, e de natureza douniverso da ‘memória dos sentidos’,
sons ruídos e cheiros que compõem o rico e diversificado universo
denominado de bens ou patrimônios imateriais.
159
A intenção na abordagem desta unidade foi utilizar como fonte na investigação do
presente estudo os meios de comunicação e depoimentos tomados daqueles que
presenciaram os acontecimentos e suas interpretações.
A comunidade de Veranópolis e região sentiu-se estimulada em reviver sua
memória e preservar sua cultura, levando em consideração seu passado como matriz da
memória, elo de preservação, conservando suas lembranças na construção histórica.
Por sua vez, para a história, é primordial desvelar as signifincias dos
acontecimentos, pois é através desta abstração que história e memória são processos
socializantes. A história, necessariamente, tem que associar-se com a memória. Ela o
pode abolir esta possibilidade, pois desta forma pode não cumprir em sua totalidade no
objetivo que é trazer ao conhecimento a complexidade de um determinado fato. Entretanto
memória e história são processos distintos. Loiva Félix lembra que:
O registro histórico, por não ser afetivo, e sim, operação intelectual,
permite(e exige) o distanciamento, a problematização, a crítica e a
reflexão sobre as memórias. A memória, por seus laços afetivos e de
pertencimento, é aberta e em permanente evolução e liga-se à repetição e
à tradição, sacralizando o vivido do grupo social. A história, ao contrário,
dessacraliza a memória, constituindo-se o-só em representação do
passado.
160
159
FÉLIX, Loiva Otero. Política, memória e esquecimento. In: TEDESCO, João Carlos (Org.), usos de
memória. Passo Fundo, UPF, 2002, p. 23.
160
FÉLIX, Loiva Otero. Op. cit,. p. 42 – 43.
Parece ser uma constante preocupação ao historiador não tratar a memória como
história. Entretanto excluir da memória a impressão de verdade é minimizar o vivido. A
preocupação em intervir como árbitro para mediar estas forças é que resulta na produção
de um trabalho histórico acreditável.
3.1. A ponte sobre o rio das Antas: uma realidade Regional, Nacional e
Internacional.
Em 31 de agosto de 1952 o vale das Antas na Serra Gaúcha não era mais o mesmo.
A inauguração da ponte, entregue ao tráfego público, contou com a presença do
governador do Estado o General Ernesto Dornelles, o qual a ponte leva seu nome,
inaugurando um período de progresso para toda região.
A construção de um arco em concreto armado de 186 metros, vendo-se o estrado
parcialmente suspenso e apoiado daria o tom do que seria o vale das Antas a partir da
inauguração da ponte unindo pela obra de arte os municípios de Veranópolis e Bento
Gonçalves.
Além disso, uma região movida até então pelo sistema de barca passou integrar de
forma definitiva a ligação da Serra, Planalto e região Nordeste do Rio Grande do Sul. A
ponte era a terceira do mundo em arcos isolados, primeira na América, e a primeira ponte
com arcos paralelos do mundo. Além de possuir um vão livre de 186 metros e 287 metros
de extensão com uma altura de 46 metros, tornou-se a maior ponte construída na época em
toda a América com estas características.
161
Durante o período de construção, foi necessária uma média de 150 trabalhadores e
aproximadamente 300.000 horas de trabalho. Durante a construção havia um canteiro de
obras no local no qual servia de alojamento para os trabalhadores oriundos das mais
diversas localidades da região, estado e de outros países como o Mestre da obra, Jan Albert
Knoivers da Holanda.
161
www.cimentoeareia.com.br op. cit. Acesso em 03.05.05. Segundo a engenheira civil Graciela Rastelli
mencionando relatos do engenheiro José Augusto de Oliveira, engenheiro e presidente da Associação dos
Técnicos do D.A.E.R. “A obra era de tal envergadura, que se tornou símbolo do Departamento Autônomo de
Estradas de Rodagem (D.A.E. R)”.
Esta segunda fase de construção da ponte atraía muitos visitantes, como jornalistas,
estudantes de engenharia e engenheiros interessados em conhecer a obra e verificar se a
solução adotada era a mais adequada, o que causou muita expectativa por parte da
população, principalmente devido a causa do desabamento da primeira ponte.
Embora o período de construção tenha totalizado 10 anos (1942-1952) e todos os
problemas ocorridos nesse período, o restam vidas que a ponte sobre o rio das Antas
foi e continuará sendo uma obra de arte que ficou totalmente inserida nas paisagens locais,
tornando-se dessa forma, motivo de orgulho para os habitantes da Serra, pois além de tudo
trouxe o almejado progresso.
Atualmente, a ponte se apresenta como cartão postal para os municípios de
Veranópolis e Bento Gonçalves sendo objeto de curiosos e turistas das mais diversas
regiões. A obra atrai turistas e aventureiros de finais de semana como ciclistas e
motoqueiros que desafiam a passagem dos arcos com cerca de 1m e 50 cm de largura, de
uma extremidade a outra. Embora de alto risco, esta proeza é possível para os aficionados
por aventuras radicais.
A obra tornou-se destaque para a engenharia nacional pelas técnicas e recursos
utilizados em sua construção. Almir Schäffer da Escola Politécnica do departamento de
engenharia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, considerou a obra
de “Característica Notável”.
162
Por sua vez, nas palavras de Assunta De Paris:
A ponte do rio das Antas, denominada Ernesto Dornelles é a terceira no
mundo no gênero e a maior em arcos paralelos. Apenas a Suíça (Sic) e a
Espanha possuem pontes similares. A ponte não possui pilares, pois neste
local, em épocas de cheias, as águas atingem uma violência incontida de
4 metros por segundo[Sic]; assim segundo a engenharia da época, neste
rio só seria possível construir pontes com arcos paralelos que não entram
em contato com a impetuosa correnteza das águas, em épocas de
cheias.
163
162
SSHÄFFER, Almir. Sinopse Histórica da Ponte sobre o Rio das Antas. 10.NOV.1992.
163
DE PARIS, Assunta. op. cit., p. 235.
Nesse sentido, também o escritor Geraldo Farina ressalta nas palavras do poeta
veranense Mansueto Bernardi a ciclópica obra de engenharia modernaconcluída em
1952 sendo o projeto de Antônio Alves de Noronha, professor da Universidade Nacional e
Católica do Rio de Janeiro e da Escola Técnica do Ercito, também do Rio,
respectivamente. Para Farina, no mundo a ponte só é sobrepujada pelas suas conneres na
localidade de Sando, na Suécia e em Esla, na Espanha.
164
Inúmeras autoridades presenciaram o ato inaugural da ponte. Além do governador
do Estado do Rio Grande do Sul, presenciaram os atos inaugurais o comandante da
Região Militar o general Falconieri da Cunha, o comandante da 5ª Zona Aérea o brigadeiro
do Ar, Althair Roszaniy, o secretário das Obras Públicas do Estado, Dr. Aníbal Di Primo
Beck, o deputado estadual Milton Rosa, o Diretor Geral do DAER, engenheiro Daniel
Barnewitz Ribeiro e os prefeitos municipais de Bento Gonçalves e Veranópolis, além de
centenas de pessoas de todas as regiões da área de abrangência da obra.
165
3.2. A Repercussão a cerca da inauguração da obra: Imprensa
Ao realizarmos a leitura de um jornal, muitas vezes é impossível distinguir o real da
fantasia. Talvez a possibilidade de desanimarmos ao realizar uma investigação histórica
onde a fonte é o jornal é termos consciência de ter a humildade de ler o jornal, ou seja,
realizar perguntas, entender as entrelinhas, enfim o jornal pode ser uma fonte de questões
para a busca das respostas que às vezes intriga o investigador. Nas palavras do historiador
Cláudio Pereira Elmir, ao referir-se ao trabalho de investigação com o jornal, salienta a
qualidade da interpretação que se consegue estabelecer com este documento: Ao ler as
matérias de um jornal, temos que ser capazes de distinguir entre aquilo que é significativo
para a compreensão do nosso objeto daquilo que é fortuito, casual.
166
As leituras realizadas nos periódicos a cerca da ponte sobre o rio das Antas trazem,
em seu bojo, a importância do ponto de vista da engenharia civil nacional, bem como a
164
FARINA, op. cit., p. 159
165
Boletim do DAER. Ano XV – junho/setembro de 1952, nº 55/56.
166
ELMIR, Cláudio Pereira. As armadilhas do jornal: algumas considerações metodológicas de seu uso para
a pesquisa histórica p. 23. Esse texto foi escrito nos dias 11,12 e 13 de setembro de 1994 para ser apresentado
como Palestra no seminário Dinâmica da Imprensa, promovido pelo museu de Comunicação Social Hipólito
José da Costa, no dia 13 do mesmo mês na mesa redonda “!imprensa como fonte de informação histórica”.
solução para a problemática econômica no que se refere ao transporte da produção e até do
ponto de vista potico, que é o momento de afirmação do contexto nacionalizador que o
Estado brasileiro imprime nesse período caracterizado neste contexto pela integração dos
meios de comunicação.
A cobertura jornalística a cerca da inauguração da ponte foi marcante. Jornais da
capital do Estado e do interior realizavam ampla cobertura sobre a conclusão e a
inauguração da ponte. O jornal Correio do Povo, assim noticiava na manchete de 28 de
agosto de 1952:
Será entregue ao Tráfego no próximo dia a MONUMENTAL ponte
sobre o Rio das Antas. Informa que o D.A.E.R cobrará em dobro o preço
da taxa de pedágio que então era cobrada pela barca.
167
A cobrança de pedágio naquele período também era motivo de questionamentos.
Procurava-se elucidar e ao mesmo tempo encontrar respostas convincentes para justificar
sua cobrança.
A rapidez, conforto e segurança eram critérios básicos para justificar a cobrança de
pedágios. Em vista disso a cobrança de pedágio na ponte sobre o rio das Antas justificava-
se pelos critérios acima, a ponto do órgão responsável pela cobrança o D.A.E.R, a partir da
experiência no vale das Antas, instituir o pedágio nas pontes de Espumoso, Ijui e Rio
Pardo. Antonio Carlos Ribeiro em cobertura jornalística assim definia a questão da
cobrança de pedágios no Rio Grande do Sul.
O pedágio transforma o trafego rodoviario em trafego ferroviário
Quando se trata, porém, da cobrança daquela taxa nas grandes pontes,
túneis, viadutos, então todos concordam – A experiência do Rio das
Antas animou o DAER a instituir o pedágio em outras pontes, como as de
Espumoso e Ijui Grande – Uma boa noticia para os turistas.
168
167
Correio do Povo, Porto Alegre, 28 AGO 1952.
168
PEDAGIO SIM, MAS SÓ NAS OBRAS D’ ARTE! Fonte não identificada. (ver anexo).
A partir do relato foi possível compreender a importância que o projeto rodoviário
implementado no rio das Antas inaugurado nos primórdios de 1952, foi elemento
determinante para a definição das políticas de pedágio no estado.
A imprensa dava destaque sobre a participação da inauguração oficial da ponte com
a respectiva presença do presidente da república Getúlio Vargas além de outras autoridades
federais. O jornal Correio do Povo em manchete assim noticiava o evento:
Consoante informamos em nossa edição de quinta-feira última, se
entregue ao tráfego amanhã dia 31 a ponte sobre o Rio das Antas
devendo presidir esse ato o governador Ernesto Dorneles. Sua
inauguração, oficial, porém somente será efetuada em fins de setembro
num dia ainda não fixado encontrará, aquela solenidade com a presença
ao Presidente Getúlio Vargas, várias autoridades federais e riograndenses
e um grupo de prefeitos e numerosas caravanas de municípios que seo
direta ou indiretamente beneficiados por essa importante obra rodoviária,
cuja concretização vem tornar realidade um sonho acalentado mais de
meio século por toda aquela vasta e rica região gaúcha. A ponte é um
arco engastado com taboleiro médio, sendo a nessas condições que se
constrói no mundo. Projetou-a o engenheiro Antonio Alves de Noronha,
catedtico da Universidade do Brasil.
169
Ao analisar os acontecimentos no dia da inauguração da obra, assim era definida a
notícia do evento para o jornal Correio do Povo da capital gaúcha:
Será entregue hoje ao tráfego a título precário a MONUMENTAL ponte
sobre o Rio das Antas. Sua inauguração oficial se conforme desejo
geral, procedida pelo Senhor Presidente da República por todo o mês
entrante. A estrutura formada pelo maior arco das Américas, vem com
auspicioso acontecimento coroar a capacidade dos técnicos brasileiros.
Os serviços de reconstrução foram reiniciados em janeiro de 1950 tendo
sido adjudicada mediante concorrência pública a sua execução à firma
Cristiani e Nielsen. O tempo de execução 924 dias consecutivos com um
custo de CR$ 16.147.740,70.
170
Nas entrelinhas, foi possível perceber a importância dada para o fato de se realizar a
inauguração oficial da obra com a respectiva presença da autoridade maior do país, o
169
Ponte sobre o Rio das Antas. Correio do Povo, 30 AGO 1952.
170
Será entregue hoje ao Tráfego a Ponte do Rio das Antas. Correio do Povo, 31 AGO 1952. Grifo nosso.
presidente da Reblica. A presença de Getúlio Vargas nos atos inaugurais da ponte
poderia representar a própria consolidação das poticas públicas de seu governo,
representada aqui no estado através do seu primo, Ernesto Dornelles governador do estado
naquele período. No entanto a presença do presidente Vargas nos atos inaugurais da ponte
o se concretizou.
Por sua vez, em outro órgão de imprensa da capital gaúcha, a reportagem enaltecia
a engenharia civil do Brasil e ao mesmo tempo a solução definitiva para o transporte da
produção da região. Assim a manchete do jornal Diário de Notícias se reportava ao
acontecimento:
Como é de conhecimento público, essa obra constitui um dos mais
legítimos orgulhos da engenharia civil brasileira. 3ª ponte em vão livre do
mundo. Desta forma as classes produtoras do nordeste teo escoamento
da produção.
171
As a solenidade de inauguração, o governador do Estado e sua comitiva dirigiu-
se para a cidade de Veranópolis, junto ao semirio dos freis capuchinhos para participar
dos festejos comemorativos.Também o jornal de Caxias do Sul fazia ampla cobertura sobre
a importância da construção da ponte. Para o jornal Correio riograndense:
Todos compreendem a importância desta gigantesca obra. As filas de
carros e caminhões, esperando horas a fio, para transporem o caudaloso
rio das Antas, não existirão mais. A riquíssimo zona dos municípios do
Norte do Estado terão sua produção facialmente escoada através desta
maravilhosa obra da nossa engenharia. A ponte é a 3ª do mundo em arcos
isolados, sendo porém a do mundo em seu feitio característico. Possui
um vão livre de 186 metros e uma altura de 46 metros e a largura de 9
mettros.. Custou aproximadamente 17 milhões de cruzeiros e nela foram
investidos 50 mil sacos de cimento, 440 toneladas de ferro e milhares de
metros cúbicos de areia e cascalho. O projeto da ponte é de autoria do
grande arquiteto patrício Antonio Alves Noronha.
172
171
Domingo próximo, inauguração da ponte sobre o rio das Antas. Diário de Notícias 28. AGO 1952.
172
Correio Riograndense. 10 SET 1952.
O poeta veranense, Mansueto Bernardi, representava o entusiasmo da própria
população quanto se referia ao advento da ponte. Em artigo publicado no jornal Correio do
Povo já em 1955, descrevia a importância da obra. Para esse autor:
Goza de um renome nacional pela sua beleza, o Vale do Rio das Antas.
Porém, esse panorama, que nenhum rio-grandense devia deixar de
conhecer, desfigurado uma vez pelos imigrantes em seu aspecto
primitivo, está no presente passando por nova e radical transformação,
que mais ainda lhe vem aumentar o interesse turístico. Operam essa
transformação duas ciclópicas obras de engenharia uma o há muito
concluída e outra em pleno desenvolvimento as quais figuram no rol
das mais imponentes e arrojadas de quantas até agora se executaram, não
só no Brasil, mas também nas outras partes do mundo.
173
O poeta ressaltou também que a obra possibilitou a vinda de numerosas turmas de
professores e alunos não apenas de universidades brasileiras mas inclusive de
universidades do Uruguai, Chile e Argentina para visitação técnica do empreendimento.
assinalamos a repercussão que envolveu a inauguração da ponte no meio
jornalístico através da imprensa escrita. Entretanto a repercussão também pode ser
compreendida no meio potico através da tribuna utilizada na Assembléia Legislativa do
estado do Rio Grande do Sul. Assim pronunciou-se o deputado Milton Rosa sobre a ponte:
Desejo comunicar à Casa que, a 31 de agosto, isto é, domingo último foi
entregue ao tráfego a importante obra de arte que constitui a ponte sobre
o Rio das Antas, que vinha sendo esperada há mais de 30 anos pela
população nordestina do estado e que viria substituir, como substituiu as
balsas que retardavam o tráfego sobre a Estrada Buarque de Macedo.
Essa ponte, uma das mais arrojadas realizões da engenharia indígena
merece destaque e referência toda especial, mormente neste instante em
que tanto se clama por transporte por rodovias e por barateamento do
custo de vida. Constituindo a entrega da ponte ao tráfego motivo de
grande júbilo para todas as regiões-norte do estado, e também
constituindo inegavelmente, um fator de progresso e de rendimento no
transporte rodoviário do Rio Grande, eu me congratulo, por esta obra,
com a população nordestina, ao mesmo tempo que desejo ressaltar o
173
A central elétrica do Rio das Antas. Correio do Povo 23 MAR 1955. A outra obra de engenharia que o
autor faz menção é a construção a central elétrica do rio das Antas em andamento neste período.
trabalho ingente, dedicado, do Departamento Autônomo de Estradas de
Rodagem.
174
Observa-se, pelo pronunciamento do parlamentar que havia nesse período uma
preocupação em relação as poticas relacionadas às vias de comunicação viária no Estado.
Podemos considerar o período compreendido como sendo resultados de um
conjunto de medidas implementadas pelo governo federal no contexto da política nacional
que em relação aos transportes rodoviários o país avançava para o que viria acontecer na
década de 1960, através da instalação de montadoras de automóveis, evidenciando assim
esta preocupação em assegurar uma malha rodoviária em condições de suportar o impulso
provocado pelo crescimento de veículos automotores.
Mas o que chamou atenção foi o fato de que nos primórdios de 1952 estava muito
presente o sentimento de nacionalidade e patriotismo que se observa em relação ao nosso
objeto de análise. Um comercial vinculado na imprensa escrita da capital gaúcha assim
definia o espírito patriótico do 07 de setembro:
O Brasil precisa de pontes e estradas. Andréas Liess e Cia Ltda sagrou-se
vencedor da execução da estrutura metálica da ponte de que vemos
diversos ângulos, construída sobre o Rio das Antas. E a condição de povo
livre, independente ficou decidida. Adquirimos nossa personalidade por
que ansiávamos, no conceito universal. Somos há 130 anos o Brasil!
Sejamos, sempre e cada vez mais o Brasil. O Brasil grande, pelo civismo,
pela educação, pela cultura, pelo trabalho, pelo amor enfim. Sejamos
dignos de nossa história e da nossa amplidão na conquista da nossa
grandeza. E o Brasil se a maior nação do mundo.
175
Havia, portanto um sentimento que convergia para a exaltação dos feitos nacionais
como foi a própria construção da ponte que acabou por tornar-se um orgulho não apenas da
engenharia nacional, mas para a construção da própria história desse país e de Veranópolis.
Ao analisarmos o uso de representações na história, podemos intuir no sentido de que a
174
Anais da Assembléia Legislativo do Rio Grande do Sul. Vol.65, p. 25, setembro de 1952. O parlamentar
enfatizou em seu pronunciamento a pontualidade dos serviços realizados pelo D.A.E.R. sobre a entrega dos
viadutos de acesso a obra quarenta e cinco dias após a liberação do tráfego na ponte. Novamente teceu
elogios ao corpo técnico do órgão estadual, os engenheiros e demais trabalhadores depositando sua confiança
e admiração à administração do próprio estado.
175
Comercial da Empresa Andréas liess e Cia Ltda. Jornal Diário de Notícias, POA, 07 SET 1952.
representação é algo inerente ao processo histórico. Podemos então nos servir desta
ferramenta como meio a fim de obtermos nossos objetivos. Para este realismo histórico
Chartier entende que a representação na história:
É um dos conceitos mais importantes utilizados pelos homens do Antigo
Regime, quando pretendem compreender o funcionamento de sua
sociedade ou definir as opreações intelectuais que lhes permitem
apreender o mundo.
176
Desta forma, compreender o pensamento e a motivação que leva a ação é
compreender a própria ação. Neste processo o podemos compreender o pensamento a
partir de uma visão que não é nossa, ou seja, uma visão alheia. Mediar esta situação é
tarefa do pesquisador colocando sua visão para explicar o pensamento alheio. Portanto o
trabalho do historiador pode ser considerado uma versão. A importância destacada nos
meios de comunicação escrita a cerca da ponte é uma representação associada, neste caso,
nas motivações políticas daquele momento.
3.3. O impacto da ponte através do tempo: 50 anos da ponte monumento
Ao refletir sobre a possibilidade do jornal na condição de fonte para pesquisas
históricas, foi possível deduzir que este óro de comunicação tem por finalidade contar
fatos. Muitas vezes, os fatos são relatados de modo a causar impressão ao leitor, o dando
muita importância a própria veracidade destes fatos.
Nesse contexto, Cláudio Pereira Elmir chama a atenção quando nos diz que o jornal
jamais pode ser visto como um dado. Deve-se fazer uma leitura buscando interpretar este
documento, e para que esta leitura ocorra de forma correta, deve-se buscar a regularidade e
a constância da iia, ou seja, com uma firmeza de ânimo.
177
Entretanto, embora a pesquisa bibliográfica seja indispensável para uma pesquisa
histórica, deve-se levar em consideração que a imprensa pode ser um instrumento de
176
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Russel,
1987. p. 23.
177
ELMIR, Cláudio Pereira. op. cit., p. 20 - 21
contribuição para a construção do conhecimento histórico. Portanto, concluiu-se que o
jornal representa uma fonte onde buscamos respostas para nossas perguntas.
Os festejos alusivos ao cinentenário da ponte transcorreram em 31 de agosto de
2002 na cidade de Veranópolis. Inúmeros meios de comunicação da imprensa escrita e
falada abordaram o aniversário da ponte que contou com a presença de autoridades e
trabalhadores da obra. Os jornais desenvolveram matérias extensas na cobertura do evento,
realçando a importância que esta obra construída a cinco décadas representou para o
progresso das regiões, Nordeste, Serra e Planalto e a própria região do Alto Uruguai.
178
Nas amplas reportagens analisadas, foi possível verificar além das questões técnicas
que envolveram a construção da obra e o tempo transcorrido, episódios que a mesma não
apagou da memória de muitos daqueles que se envolveram na obra direta ou indiretamente.
Assim a memória tomou corpo no presente e interferiu na formação das representações.
Para os moradores de Veranópolis e região as lembranças na passagem dos
cinqüenta anos de construção da ponte sobre o rio das Antas, representou ir ao passado
através da memória, e nas lembranças passadas procurando revive-las. Nesse sentido,
representar simbolicamente as práticas relacionadas ao passado não pode ser interpretada
como saudade, pois espaço e tempo dinamiza-se e confronta-se com o próprio vivido que
se expressa no momento atual.
Gênico Felippe Hart assinalou que trabalhou na construção da obra e
considera a ponte Ernesto Dornelles a maior obra de concreto convencional do culo
XX”. Seu pai, Pedro Hart, era mestre de obras na construção que chegou ter mais de 300
trabalhadores.
179
Nesse aspecto Eli Esaias Hart ao refereir-se aos trabalhadores da obra:
O trabalho era familiar. Meu pai era um dos mestres de obras.s
éramos cinco de uma família só. O trabalho desta ponte foi praticamente
mão-de-obra familiar. Tinha muitos pais com filhos trabalhando, tios com
sobrinhos trabalhando, era praticamente mão-de-obra familiar.
180
178
FINKLER, Pedro. op. cit., p. 8. O autor faz referência na reportagem de que a ponte afetava diretamente
os municípios de Veranópolis, Nova Prata, Lagoa Vermelha, Getúlio Vargas, Erechim, etc. cujos horários de
viagem a Porto Alegre eram consideravelmente reduzidos além de considerar a perigosa travessia do rio das
Antas.
179
Ponte Integra A Serra há mais de 50 anos, Correio Riograndense op. cit.
180
HART, Eli Esaias. Depoimento realizado em 31 de agosto de 2002. Foto e Vídeo Parise. Eli Esaias Hart
foi trabalhador da obra iniciando com 14 anos na condição de carregador de água para os trabalhadores.
Por sua vez o veranense Divo Colau, relatou que seu tio, Reinaldo Avelino Colau,
foi o primeiro a fazer a travessia da ponte transportando toras de madeira num antigo
GMC. O transporte de madeiras naquele período representava um importante impulso no
progresso econômico da região.
O Jornal Primeira Hora destacava durante os festejos alusivos ao cinqüentenário da
construção da ponte relato do marceneiro Venerindo Fracaro acerca do episódio
envolvendo a obra. Fracaro na época com 22 anos assistiu ao desabamento de parte da
estrutura da ponte em 1944 levando oficialmente seis vidas as quais se encontram no
cemitério construído a cem metros do local do desastre e ferimentos em rios operários.
Nas palavras de Fracaro ao jornal:
Foi um estrondo enorme. Naquele momento estava a três metros de
distância do local onde ocorreu o desabamento. Ao correr para ajudar os
colegas feridos, deparou-se com uma imagem que o surpreendeu. Um dos
pedreiros ficou suspenso pelo calcanhar, a meio metro da água. De
cabeça para baixo, o homem suportou a situação durante quarenta
minutos, até que Fracaro e outros conseguissem retira-lo.
181
Observa-se nas palavras de Fracaro, nascido em 1921 e atualmente com 84 anos
que pensar na importância da ponte faz parte também da memória. É o que Tedesco chama
de guardiões da memória”, pois sentem a obrigação social de lembrar, pois o cotidiano é
um espaço de socialização. Ainda segundo Tedesco é no cotidiano que os fragmentos do
passado se juntam”.
182
A importância da ponte também se fez sentir no Vale do Taquari. No Município de
Estrela, o jornal Folha de Estrela destacava na página principal o significado especial para
um grupo de estrelenses nos festejos do cinqüentenário:
Ocorre que eles participaram de toda construção da ponte, iniciada na
década de 50, no governo Ernesto Dornelles. Trata-se de Luis Colau,
181
Uma ponte para o futuro. Primeira Hora, Veranópolis 06 de setembro de 2002 p. 12 ano 9 nº 484.
182
TEDESCO, op. cit., p. 103.
Plácido Torrezan, Gênico Felipe Hart, Eli Esaias Hart, Dante Stanislau
Hart e Otto Reinaldo Lohmann.
183
Caracterizada como um dos mais belos cartões postais da Serra Gaúcha, a ponte
também foi reverenciada pelo jornal veranense Estafeta no qual destacava a importância
turística para a região além da importância econômica na ligação com outras regiões.
184
Antes, porém da repercussão observada nos meio de comunicação escrita a cerca
dos festejos pelo cinqüentenário da obra em 2002, um jornal da capital do Estado em 2000
destacava na coluna Túnel do Tempo a importância da ponte:
Ao ser inaugurada, nacada de 50, a ponte sobre o Rio das Antas
representava uma das mais arrojadas obras da engenharia da América do
Sul. Construída com um só arco de concreto armado, com vão de 186
metros, a ponte se inseriu na paisagem ainda inexplorada do vale como –
um orgulho da engenharia nacional por sua concepção arrojada e
singular.
185
Um fato pitoresco foi assinalado por ampla reportagem do jornal Pioneiro de
Caxias do Sul a cerca do casamento ocorrido durante a construção da ponte entre Gênico
Hart e Pierina:
O pai Pedro, incentivou a aproximação entre o filho e a garota Pierina, no
final dos anos 40. Os dois homens preparavam o concreto durante a
segunda fase da construção da ponte, mas o rapaz não conseguia desviar
os olhos da menina. A paixão começou quando o casal se viu pela
primeira vez em uma escola de Veranópolis. A 2ª Guerra Mundial recém
havia acabado, o Gênico foi convidado para a visita. Era uma
homenagem para o homem que integrou a Força Expedicionária
Brasileira (FEB) na missão na Itália. No país europeu, ele ganhou
experiência na construção de pontes. O impulso do pai foi fundamental
para o início do namoro. Antes da inauguração da obra, nico e Pierina
183
50 anos da ponte do rio das Antas é especial para um grupo de estrelenses. Folha de Estrela. Estrela, 29
de agosto de 2002 p. 8. ano 4 edição169
184
Ponte Sobre o Rio das Antas chega aos 50 anos. Estafeta Veranópolis 28 de agosto de 2002, p. 16 , ano 11
555. A reportagem destacou que em 1999, a ponte foi totalmente recuperada, preservando assim esta
importante obra de arte, a qual somente vem engrandecer as belezas da Serra Gaúcha.
185
Um orgulho da engenharia. Zero Hora. Porto Alegre 21 de dezembro de 2000.
se casaram. Assim como a ponte, o casamento mantém a solidez até
hoje.
186
Pode-se observar através do relato acima como o passado e seus fragmentos se
unem para tornarem-se lembranças do presente. E a reconstrução das lembranças
reproduziu um pouco, a particularidade que está na própria memória.
O Município de Veranópolis inaugurou uma réplica da ponte junto a Casa da
Cultura, localizada no centro da cidade, pois para a população desta cidade a ponte é um
orgulho da arquitetura brasileira, afinal é a primeira do planeta em arcos paralelos.
Entretanto, o que mais chama a atenção para os moradores de Veranópolis ao
recordarem a história da ponte foi o desabamento ocorrido em janeiro de 1944, causando
oficialmente a morte de seis operários e ferimentos em vários outros. O cemitério
construído a 100 metros do local do desastre guarda os corpos das vítimas.
assinalamos que a razão da queda do o central da ponte em 1944 ocorreu
devido a colocação de pedras para testar a resistência da madeira, ou seja, através da prova
de carga. Plácido Toresan, com 28 anos na época e trabalhador da obra e balseiro, começou
a ter a premonição de que algo poderia dar errado com aquela experiência na semana
anterior ao desabamento.
Segundo Toresan, uma análise havia constatado um desnível de 20 centímetros na
construção, o que funcionou como um alerta para ele mas não aos engenheiros
responsáveis. Dias antes do acidente que ceifou vidas, Toresan rejeitou o almoço e ignorou
os apelos do estômago, que insistia em roncar. Para ele: [...]O medo da morte era maior
do que a fome, e a mentira, a única alternativa imaginada para escapar do perigo
iminente[...]. Eu estou com dor de barriga[...]”.
187
Desta forma enganou os colegas para
fugir do trabalho na ponte. A estratégia, aliada à ajuda do tempo, deu certo. Com o Rio das
Antas cheio, havia chegado o momento de o operário exercer o oficio de balseiro e
conduzir madeiras extraídas na região para Porto Alegre.
186
Ponte cruza destinos. Pioneiro. Caxias do Sul 31 de agosto e 01 de setembro de 2002, p. 10. ano 54 nº
8.336.
187
Pioneiro.op. cit., p. 11
No entanto, 40 horas depois no Município de Bom Retiro do Sul no Vale do
Taquari a 100 quilômetros da capital do Estado, a Polícia Civil abordou os balseiros e
perguntou de onde eles vinham. Ao anunciarem que eram de Veranópolis e Bento
Gonçalves os policiais exigiram que o grupo se apresentasse ao delegado. Nas palavras de
Jaisson Iltchenco Valim, jornalista do jornal Pioneiro:
Toresan cumpriu a determinação com tranqüilidade.Ao chegar na
delegacia, o chefe do policiamento puxou a cadeira para que ele sentasse.
Enquanto o balseiro se ajeitava, o delegado serviu o chimarrão. No
primeiro gole, Toresan percebeu que o mate era bem amargo, mas não
tanto como a notícia que iria receber em seguida. O delegado anunciou a
tragédia do dia anterior e mostrou o jornal que estampava as fotos. Ao
ver aquelas imagens, Toresan não conseguiu mais engolir o chimarrão
nem segurar o choro.
188
Observa-se que está arquivado na memória desse entrevistado, ao ser ouvido pelo
jornalista, onde expressava a angústia de que algo havia ocorrido. O registro da história de
vida de indivíduos que ao focalizar suas memórias pessoais, constroem também uma visão
mais concreta da dinâmica de funcionamento do grupo social ao qual pertencem.
De acordo com Tedesco, a memória distribui-se em vários planos e esferas do
cotidiano vivido com a família, com os grupos étnicos, com a vizinhança e com a
comunidade em seus atos marcantes morte, herança entre outros. Deste modo a
memória, ligada a esses conjuntos de aspectos, contribui para a construção da reprodução
social, materializa, reconstrói e atualiza práticas e interações cotidianas”.
189
3.4 Uso da História Oral: uma possibilidade de resgate da memória.
Registrando experiências vividas pelos informantes é um instrumento fundamental
para compreensão do passado recente. A história oral, como recurso de pesquisa, possui
188
Pioneiro.op. cit, p. 11
189
TEDESCO, op. cit., 2001. p. 74.
aspectos fundamentais para o objetivo deste estudo. Desta forma este método possibilita
também que os indivíduos de diversas categorias sociais possam ser ouvidos.
Portanto este método apresentou um caráter novo e envolvente, pois pressupôs uma
parceria entre informante e pesquisador construída ao longo do processo de pesquisa.
Construiu-se, assim, uma imagem do passado mais abrangente e dinâmica através do
tempo e da história. Nesse sentido entrou em ação o historiador. Foi atribuído a ele a tarefa
de conjugar, cientificamente, o tempo e a história na apreciação de um determinado
fenômeno.
Ainda sobre a importância da história e a utilização do passado como fonte de
experiências, Paul Thompson analisando o passado e o aspecto da história nos diz:
Por meio da história, as pessoas comuns procuram compreender as
revoluções e mudanças por que passam em suas próprias vidas: guerras,
transformações sócias e como as mudanças de atitude da juventude,
mudaas tecnológicas como o fim da energia a vapor, ou migração
pessoal para uma nova comunidade. (...) Por meio da história local, uma
aldeia ou cidade busca sentido para sua própria natureza em mudança, e
os novos moradores vindos de fora podem adquirir uma percepção das
raízes pelo conhecimento pessoal da história.
190
Organizamos nossas indagações e conversas informais com moradores de
Veranópolis procurando não deixar de lado a tentativa dos moradores de tentar reconstruir
a história da ponte buscando perceber nas memórias pessoais o que mais os entrevistados
tinham vontade de expressar. A inteão foi ter presente como os moradores reinterpretam,
narram às experiências vividas em relação à ponte do rio das Antas.
Para os moradores de Veranópolis a necessidade de se preservar a memória é uma
constante no sentido de mostrar alguma coisa do passado e nesse aspecto encontra-se a
ponte do rio das Antas. Ao realizarmos a história oral entre os moradores da localidade e
resgatando a memória, o coletivo emerge e o indivíduo procura definir seu espaço na
sociedade junto com os demais. Nas palavras de Félix:
190
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 21.
O saber se justifica e se legitima ao ser compartilhado. É dividindo-se
com os outros que ele se multiplica e pode, assim, atingir a sua finalidade
última, que é transformar e impulsionar a vida dos homens em sua
trajetória terrestre.
191
De certo modo, pensadas como ferramentas anaticas, as noções de memória e
história foram articuladas para dar conta dos processos sociais relativos à interpretação do
passado e, portanto, na construção de identidades. Igualmente, pode-se afirmar que a
memória é também garantia das permanentes modificações e permanências do diálogo e
das relações interpessoais e na constante criação da identidade narrativa. Seguindo essa
linha de pensar as lembranças, Halbwachs afirma que “ existe memória quando
sentimento de continuidade presente àquele que se lembra”.
192
. Nessa perspectiva ao
analisarmos a memória coletiva relativo a presença da ponte do rio das Antas observou-se
nas leituras realizadas que a obra despertou curiosidades na comunidade científica
tornando-se alvo de visitas de estudo por numerosas turmas de professores e alunos não
apenas das universidades brasileiras, mas também do Uruguai, Argentina e Chile. Nas
palavras de Bernardi:
Tal é o vulto do empreendimento rodoviário com que depois de tantos
anos de espera, foi dotada nesta rego, que presumo não haver nenhum
exagero em compara-lo, em grandiosidade, ao Coliseu Romano e às
Pirâmides do Egito.
193
Pode-se afirmar que foi construída no imaginário coletivo esta visão da ponte na
medida em que sua construção foi considerada notável e comparada a outros monumentos
de arte da história, tornando-se um objeto que além de diminuir as dificuldades impostas
pelo relevo acidentado da região, passou a se tornar um elemento de contribuição e
formador de uma identidade. Para ampla maioria dos habitantes de Veranópolis a ponte é
orgulho da localidade e nesse aspecto também está inserida no inconsciente coletivo.
A recordação pode acontecer na medida em que é dada uma determinada
importância a um símbolo ao longo do tempo e neste aspecto a ponte representou um
símbolo do qual a sensibilidade está mais forte e presente. Importante nesse sentido foi
191
FÉLIX, Loiva Otero. História e Memória: a problemática da pesquisa. Passo Fundo, EDIUPF, 1998, p. 94.
192
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Vértice, 1990, p. 81.
193
BERNARDI, Mansueto. Colônias e colonizadores. Porto Alegre: EST e Livraria Sulina Editora, 1982, p.
63. O autor destacou que a obra alterou profundamente a fisionomia do Vale das Antas.
compreender que a memória tem a função de adaptação e reconstrução no qual imprime
significados a uma existência do passado e do presente.
194
Acompanhando essa visão, destacou-se que por meio da memória registrou-se todo
processo de identificação dos sujeitos com o espaço em que se inseriam e as conseqüentes
relações que vieram a estabelecer a partir desta identificação. A ponte por ter representado,
dentro do imaginário, uma referência no passado, em termos do imaginário na população
de Veranópolis, em seu momento atual as lembranças de um passado áureo. No caso, o
passado foi evocado como uma época de satisfação e não de rejeição. Por sua vez, nas
palavras de Rita Tedesco Parise, moradora de Veranópolis:
A ponte foi tudo. Antes porém as balsas realizavam o transporte.Nesse
período era cada vez maior o volume de veículos que necessitavam
efetuar a travessia. O comércio de Veranópolis e região estava em fase de
expansão. As dificuldades para efetuar a travessia cresciam. Filas de
carros e caminhões aguardavam o momento para atravessar o rio. Depois
que a balsa foi embora com a construção da ponte, imaginávamos que a
ponte estimulasse mais o progresso industrial e comercial de
Veranópolis. Mas também achávamos que turisticamente seríamos
beneficiados. Com o decorrer do tempo percebemos que muitos jovens,
filhos de veranenses precisram se deslocar para outras localidades,
principalmente Porto Alegre, pois encontravam emprego e acesso ao
ensino superior.
195
O que se pode pontuar foi que também moradores viveram na expectativa de que a
construção da ponte pudesse trazer de forma definitiva um surto de progresso, embora se
considerasse que a obra foi de fundamental importância para que toda margem direita do
rio das Antas entrasse num novo ciclo de progresso. Entretanto, a contrapartida em relação
às mudanças que poderiam ocorrer a partir do advento da ponte parecia não ter
correspondido o que justifica a anstia do entrevistado.
Por sua vez Ermenegildo Guzzo, também se expressou sobre este aspecto, ou seja, a
questão da ponte, da cidade do progresso do “bom de se lembrar”:
194
TEDESECO, op. cit., p. 229.
195
PARISE, Rita Tedesco. 70 anos, comerciante e moradora da cidade Veranópolis. Entrevista concedida em
16 de dezembro de 2005.
Depois da construção da ponte que teve apoio do Saul Farina na época
deputado por Veranópolis, continuei fazendo esse percurso até Porto
Alegre com o caminhão. Em minha opinião depois da ponte construída o
transporte melhorou para toda região e as atividades de comércio
também.
196
Igualmente depoimentos que lembram período mais remoto da construção da ponte
e sua importância na contemporaneidade são lembrados. Para Oliveira:
É uma satisfação estar aqui nesta festividade onde estamos comemorando
o aniversário da ponte símbolo do nosso órgão que recentemente fez 65
anos.Saúdo os trabalhadores da obra aqui presentes por que é um a obra
que a gente passa hoje em segundos e vem trazer tanto progresso para as
regiões. Unia as regiões antes das Antas e depois das Antas. Então s
em questão de segundos atravessamos uma obra que levou mais de dez
anos para ser solucionada por que entre o projeto e a execução embora
tenha levado dois anos e pouco para ser construída mas ela foi trabalhada
durante vários anos e com isso a gente até esquece desse sacrifício desse
esforço desse empenho de todas as pessoas que participaram da execução
dessa obra. Quero agradecer mais uma vez e solidarizar com a
comunidade de Verapolis por estar aqui comemorando esse aniversário
dessa tão importante obra de arte rodoviárias.
197
(Grifo Nosso).
Verificou-se também os sentimentos que permaneceram através do tempo. Um
lugar do passado e este mesmo lugar permanecendo no momento presente de forma intacta.
Toda essa questão temporal foi significativa também na percepção que moradores
desenvolveram. Foi o que ocorreu com a casa de Ivo Erci Colau Merlo nas palavras de
Erci:
Eu participei da obra desde o início que s movamos ao lado do
canteiro de obras quando começaram a primeira ponte que a empresa era
a Danhe, Conceção. Somos proprietários até hoje. Sou herdeiro da terra.
Hoje sou proprierio da terra. Esta que está ai. Estamos olhando para ela.
196
GUZZO, Ermenegildo. 85 anos, caminhoneiro e comerciante de Veranópolis. Entrevista concedida em 16
de dezembro de 2005.
197
OLIVEIRA, Artur Adalberto. Engenheiro do DAER. Pronunciamento realizado em Veranópolis nas
festividades do cinqüentenário da ponte. Gravado em 31 de agosto de 2002. Foto e Vídeo Parise.
Aquela casa tem 60 anos. To conservando, tem que pintar, mas deixei
assim para vocês verem que está igual de quando foi construída.
198
De acordo com Bachelard, a casa é um corpo de imagens que ao homem razões
ou ilues de estabilidade; ela não vive somente no dia-a-dia, no curso de uma história, na
narrativa da história. Pelos sonhos, as diversas moradas da vida se interpenetram e
guardam os tesouros dos dias antigos.
199
Para Erci Colau Merlo preservar a morada que
representou inclusive a trajetória da construção da ponte não foi um ponto de fuga. Nas
palavras de Bosi, o passado reconstruído não é um refúgio, mas uma fonte, um manancial
de razões para lutar.”
200
. E assim o proprietário pretendeu restaurar a casa para que a
mesma se tornasse uma referência ao passado, legitimando com isto um espaço na
memória.
Da mesma forma a presença da ponte simbolizou a permanência de uma atitude e
ao mesmo tempo o reconhecimento daqueles que experimentaram os resultados desta
experiência tão inovadora para o período. Sobre o pioneirismo arquitetônico e técnico da
obra, Délcia Ferronatto assim definia o monumento:
A arquitetura que é um privilégio para Veranópolis, região, Estado e país
e que internacionalmente se destaca, temos que reconhecer que a
engenharia nos deixou este legado.Legado que nos abriu as portas para a
economia, para a cultura de outros municípios e países que aportam, que
aqui chegam deixando sua marca em nossa comunidade, em nossa
região.. Mas como nada acontece unilateralmente também com certeza
eles levam desta terra a simpatia a cordialidade a disponibilidade deste
povo, desta terra conhecida como terra da longevidade.
201
Nesse contexto pode-se afirmar que a comunidade de Veranópolis é privilegiada na
medida em que é comum uma refencia ao passado e neste caso a obra que está presente
na memória de seu povo que é a ponte sobre o rio das Antas.
198
MERLO, Ivo Erci Colau. Depoimento gravado em 31 de agosto de 2002. Foto e Vídeo Parise. No
momento da entrevista, Merlo encontrava-se nas proximidades da ponte e próximo a residência onde foi
morador por muito tempo.
199
BACHELARD, Gaston. A dialética da duração. São Paulo: Ática, 1994, p. 25 – 26.
200
BOSI, Ecléia. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Cia. das Letras, 1994, p. 132.
201
FERRONATTO, Délcia. Discurso gravado em 31 de agosto de 2002. Foto e Vídeo Parise. Délcia foi neste
período, organizadora das comemorações do cinqüentenário da ponte e Secretária Municipal de Educação e
Cultura de Veranópolis.
Não se pode também ignorar a presença de depoimentos relacionados à ponte sobre
o rio das Antas. Tal preocupação é por demais saliente, se considerarmos que a ponte por
ter sido estratégica do ponto de vista da engenharia nacional e representar um novo tempo
para a economia de diversas regiões pode-se então observar depoimentos vaidosos em
relação a ponte.
Por isso que está essa maravilha ai que vai durar duzentos anos. Eu dou
hoje duzentos anos. Depois se quiserem , depende das pessoas que ficam
para continuar e para fazer uma reforminha e deixar sempre bonitinha
como ela esta agora.
202
Considerar a presença de uma memória ufanista referente a ponte nos remete a
reflexão que Fernando Camargo nos propôs em torno da argumentação ufanista. Para
Camargo:
Não basta que os laços eleitos para estabelecer os nculos individuais
sejam cimentadores para “nós” e diferenciadores para “eles”. É
necessário que representem o “bom” ou o “superior”. Isso é uma
obviedade, pois, se outros” forem melhores ou superiores, não faz
sentido que alguém busque se identificar com o grupo pior ou inferior.
Apesar de óbvia, essa percepção ou sua apresentação clara não costuma
aparecer nos comentários sobre o tema.
203
Ao transpormos esta situação para o caso da ponte, de-se analisar as diferenças
sociais e econômicas da comunidade situadas à margem direita do rio das Antas, neste caso
Veranópolis e comunidades situadas à margem esquerda do rio, neste caso Bento
Gonçalves e outras com o advento da ponte. Tivemos que ter o cuidado para não cairmos
no enredo fácil de que a ponte significasse progresso para uns e atraso para outros, ou seja,
comunidades da margem direita são menos desenvolvida em relação as comunidades da
margem esquerda, embora de certa forma a ausência da obra por longo tempo tenha
atrasado o progresso da margem direita.
202
HART, Eli Esaias. op. cit.
203
CAMARGO, Fernando. Memória e identidade nacional na américa platina. In: TEDESCO, João Carlos
(Org.) Usos da memória. Passo Fundo, UPF, 2002, p. 164.
Ao construirmos uma versão aceitável e coerente a respeito da presença da ponte
seria a busca de um equilíbrio entre os depoimentos, embora o existisse uma regra que
pudesse resolver o limite desta questão. Assim reforçou-se a idéia de que a preocupação
com a visão grandiosa a respeito da ponte foi uma “construção” dos habitantes da época.
Observou-se assim o quanto à memória permeia o campo da história, como
elemento tão importante e necessário, que às vezes confunde-se com ela própria. Nesse
aspecto o uso das memórias possibilita que se desenvolva também o uso das contra-
memórias e assim cabe ao historiador a busca de posicionamentos tendo presente a
isenção, ou seja, a imparcialidade diante do fato.
Geração de emprego e renda foram oportunidades criadas a partir da construção da
ponte possibilitando melhorias na qualidade de vida de muitos moradores estabelecidos nas
proximidades ao longo de mais de 50 anos de sua inauguração. Pequenos comerciantes e
produtores localizados nas proximidades da obra e a comunidade de Veranópolis puderam
vislumbrar a partir da construção da ponte, novas oportunidades com o fim do isolamento a
integração regional.
Relatos evidenciam a importância da obra para o crescimento e o desenvolvimento
do município e a região. Para o comerciante Divo Colau depois de vê-la erguida decidiu
montar uma lancheria numa casa de madeira nos anos de 1960. Posteriormente o negócio
foi ampliado e ganha a vida vendendo produtos para caminhoneiros e turistas. “Para mim a
ponte é minha vida, relatou Colau.”
204
O dinamismo econômico implementado a partir da construção da ponte permitiu o
crescimento do comércio em seu entorno possibilitando ao longo do tempo a formação de
uma entidade associativa composta por comerciantes estabelecidos nas proximidades da
obra, é o exemplo da associação do Vale do rio das Antas.
204
PIONEIRO, op. cit., p. 10.
PALAVRAS FINAIS
No decorrer deste trabalho sobre a construção da ponte sobre o rio das Antas
percebeu-se a relevância da pesquisa histórica para a reconstrução e interpretação dos
fatos. Ao mesmo tempo, para a realização da investigação e elaboração do conhecimento
históricoo foi identificando nem mesmo o descaso em relação a historicidade das
realidades existentes. A ponte, finalmente, uniu regiões que outrora era dificultado pela
travessia do rio das Antas.
Documentos foram localizados em perfeitas condições bem como a solicitude e
disponibilidade despendida pelos órgãos consultados que não negaram acesso aos
arquivos. A comunidade de Veranópolis hoje valoriza sua memória e utiliza-a para seu
crescimento social e cultural.
Cada acontecimento relacionado à ponte foi devidamente registrado através de
fotos e documentos, mesmo que algumas situações não tenham sido preservadas, mas se
pôde verificar que continua na memória da comunidade, que foi uma rica fonte para este
estudo. Repensar a memória numa situação contemporânea, instiga a um olhar mais
sensível, percebendo outras situações, outras variáveis e outros caminhos como meio para
construir história e dar legitimidade aos referenciais culturais.
Ao mesmo tempo foi possível construir uma versão da trajetória da construção da
ponte a partir da visão de pessoas dentro da perspectiva deste estudo observando o que a
representação histórica dos entrevistados apontou. Os entrevistados expuseram em suas
opiniões acerca da obra um sentimento marcado de identificação com a mesma.
Exaltar suas vantagens no arrojado projeto de engenharia em relação a outras
construções do gênero, mais que uma máxima positivista, tornou-se desnecessário, que,
as evidências em custos, prova de carga para transpor as dificuldades do obstáculo natural
e segurança fizeram com que o mesmo continuasse sendo indispensável para a
compreensão de que a construção da ponte interferiu na vida da comunidade de
Veranópolis e alterou a paisagem da área situada a margem direito do rio das Antas, bem
como causou um impacto social e econômico na cidade e municípios vizinhos. A mudança
da paisagem abriu novas possibilidades de crescimento econômico e social tanto para
Veranópolis quanto para os municípios vizinhos. A construção da ponte além de modificar
a paisagem, interferiu no cotidiano da comunidade. As atividades agropecuárias,
comerciais, industriais e extrativistas puderam ser dinamizadas com o advento da ponte.
Na esfera econômica pôde-se observar a expansão da economia que o advento da
ponte significou para as regiões Norte, Nordeste e Serra Gaúcha às demais, através da
ligação rodoviária com as respectivas regiões. Para tanto as articulações poticas foram
utilizadas com a finalidade de viabilizar a realização da obra. Portanto a conjuntura vigente
acabou por possibilitar a decisão sobre a construção da ponte.
Tomando-se do pressuposto básico que a ponte inaugurou uma nova perspectiva
sócio-econômica para a região, constatamos, pela documentação consultada que o desejo
de melhorar as vias de comunicações com outras regiões do Estado e integrá-las a nação,
através da ponte era enfaticamente utilizada.
Reconstruir a história da ponte implicou num resgate histórico. Na visão dos
moradores, puderam-se verificar opiniões até contradirias, pois se por um lado a ponte
trouxe progresso e desenvolvimento para a região, por outro lado o sistema de balsas que
por mais de cinco décadas realizava a travessia deixava de existir permitindo que um
número não muito expressivo da população ficasse a mercê desta atividade.
Partiu-se de sua inserção no contexto político da época na Era Vargas e o Estado
Novo e a política rodoviária nacional articulada a política rodoviária estadual através do
Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem, D.A.E.R.
Estabelecidas as hipóteses de trabalho buscamos analisar o contexto nacional em
que o empreendimento pode ser realizado, o que nos levou às relações conjunturais em que
o Estado e a Nação articulavam-se.
A ponte do rio das Antas representou, por sua vez, ganhos políticos, uma vez que
após várias cadas de espera e reivindicações para que sua construção se efetivasse a
mesma após sua construção simbolizou um período que veio marcar a própria história do
D.A.E.R. tornando-a símbolo da autarquia estadual.
Vimos que a necessidade ampliar e consolidar a integração do país passou também
pelo exemplo da ponte que representou uma complementaridade estratégica para a nação
uma vez que na década de 1940 a presença do Estado nacionalista era marcante.
No que se refere especificamente à questão da ponte, objeto de nosso estudo,
procurou-se evidenciar sua relação com a memória que a mesma relembra um significado
de mudança para a comunidade de Veranópolis. Vimos que a leitura realizada na memória
da população vinculou a construção da ponte à modernização da engenharia nacional
através do plano de viação para o Rio Grande do Sul. A correlação de forças que se fazia
entre o Estado e o governo federal favoreciam o desejo maior que era a integração
rodoviária.
As diferenças no padrão de vida fizeram com que as comunidades da margem
direita e esquerda fossem decisivas para a mobilização das forças poticas com a
finalidade de busca para uma solução na travessia do rio das Antas.
Dificuldades para obtenção de materiais como ferro num primeiro instante onde foi
utilizado madeiramento na edificação estrutural da obra acabando por ocasionar o
desabamento de pilares em 1944 e posteriormente a introdução de estruturas metálicas para
a finalização da obra, foram entraves que ocasionaram o retardamento no seu término.
Salientamos que o caso da ponte sobre o rio das Antas, permitiu para a engenharia
nacional estabelecer um marco na tecnologia inaugurando um novo período tornando a
referida obra orgulho da engenharia nacional, tornando-se a primeira obra nessas
características na América Latina e a terceira no mundo. Além disso, atualmente esta obra
faz parte não apenas do imaginário da população de Veranópolis, mas do segundo maior
pólo econômico do Estado do Rio Grande do Sul que é a Serra Gaúcha comprovando-se
mais uma vez que foi decisiva para alavancar o progresso de toda uma região.
Ao mesmo tempo verificou-se a importância técnica que tal empreendimento
representou possibilitando estabelecer um marco para o futuro, ou seja, a modernidade.
Havia, portanto interesse para que tal obra ficasse marcada para a posteridade.
Analisar a importância da ponte é possível afirmar que na realidade a ponte afetou
diretamente os municípios localizados em diversas regiões da metade Norte do Rio Grande
do Sul . No entanto é oportuno considerar que ao mesmo tempo a presença da ponte trouxe
com o passar do tempo um surto de construções nas proximidades da obra, fruto do
progresso que a mesma alavancou.
Para os conceitos internacionais de preservação dos bens de natureza cultural
definem que a proteção a um bem deve incluir o seu entorno. Neste aspecto a regra não foi
aplicada quanto a ponte e seu entorno. Não basta, portanto conservar um monumento
pontual descaracterizando a paisagem em que está inserido, de modo a reduzi-lo a um
objeto estranho num contexto desfigurado. Nas palavras de Posenato:
A falta de consciência coletiva está levando a região à perda de suas
“paisagens notáveis”. A ponte Ernesto Dornelles também sofreu essa
agressão. “Quando de sua construção, inseria-se harmoniosamente na
paisagem; as pouquíssimas casas próximas, de pequeno porte, em nada
perturbavam o equilíbrio do cenário, e proporcionavam a compreensão da
escala (ordem de grandeza).
205
Atualmente, o número caótico de casas e estabelecimentos comerciais construídos
junto às cabeceiras, com volumes desproporcionais e cores desequilibradas, destruiu a
originalidade do lugar. A ponte tornou-se um monumento com entorno comprometido.
Da mesma forma verifica-se que atualmente o número de veículos que transitam
pela Serra das Antas e efetuam a travessia da ponte é muito expressivo. Passados cinqüenta
e três anos de sua inauguração a ponte permite a passagem diária de 4,5 mil veículos em
dia. A obra é, portanto, um corredor utilizado para o escoamento da produção de
diversas regiões. Em 1999 a ponte foi totalmente recuperada, preservando assim esta
importante obra de arte, a qual somente vem engrandecer as belezas da Serra gaúcha.
205
POSENATO, Júlio. Entrevista concedida ao jornal Correio Riograndense. Caxias do Sul, 21 de agosto de
2002.
Como vimos, o processo que desencadeou todo o episódio envolvendo a ponte
sobre o rio das Antas entre 1942 e 1952, possibilitaram mudanças para aquele período e
transformações ao longo do tempo também se fizeram sentir na medida em que
comunidades de diversas regiões foram beneficiadas por esta obra de engenharia.
Concluiu-se observando que os impactos posteriores afetaram não apenas a
comunidade de Veranópolis, mas praticamente toda região, pois cada município atingido
pela ponte possui sua realidade, que é singular. Nesse sentido a ponte do rio das Antas é
um modelo, um ponto de partida para estudos que estão em aberto para novas pesquisas
como o processo político e econômico.
Esperamos ter alcançado os objetivos propostos pela dissertação sobre a ponte do
rio das Antas, e, abrir novas perspectivas para futuras pesquisas que visem à reflexão de
temas regionais, priorizando sempre o homem como principal agente transformador do seu
meio e construtor de sua realidade.
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http:/www.cimentoeareia.com.br . último acesso em 03.05.2005.
http:/www.cariocaengenharia.com.br. último acesso em 18.08.2005
ENTREVISTAS REALIZADAS:
Zaira Galeazzi.
Azevedo Detogni
Júlio Farina
Rita Tedesco Parise
Ermenegildo Guzzo
Paulo Antonio Prezotto Comunicador (Rádio Veranense) gravação realizada por Foto
Vídeo Parise em 2002. Comemoração dos cinqüenta anos da ponte Ernesto Dornelles.
Artur Adalberto de Oliveira Discurso gravão realizada por Foto deo Parise em
2002. Comemoração dos cinqüenta anos da ponte Ernesto Dornelles.
Ivo Erci Colau Merlo Depoimento gravação realizada por Foto deo Parise em 2002.
Comemoração dos cinqüenta anos da ponte Ernesto Dornelles.
Elcio Siviero Depoimento gravação realizada por Foto deo Parise em 2002.
Comemoração dos cinqüenta anos da ponte Ernesto Dornelles.
ANEXOS
A Travessia por Balsas
Fonte: Foto Vídeo Parise
Fonte: Foto Vídeo Parise
Fonte: Foto Vídeo Parise
Obras de Construção da Ponte
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A Ponte após a Conclusão
Fonte: Foto Vídeo Parise
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